Rebatido
Esse saiu nessa Ilustrada de domingo:
Filmes revivem geração beat entre o culto e a redundância
Houve um tempo em que qualquer informação adicional sobre qualquer ícone da cultura alternativa (de onde fosse: da contracultura clássica, do indie rock ou dos quadrinhos para adultos) era tratada como ouro puro, principalmente aqui no Brasil, quando quase sempre consumimos estes nomes em segunda mão. Antes da vinda da internet, imagens em movimento ou trechos de entrevistas de quem fosse já era suficiente para reunir fãs em audiências ritualescas.
Passado recente, este tempo já era. Hoje, arquivos digitalizados e conexões de banda larga garantem o rápido acesso a imagens corriqueiras de nomes consagrados – aparições na TV se espalham pelo YouTube, biografias entopem as bancas de revista, sites despecam aos milhões ao simples clique no Google. Por isso, o lançamento de dois DVDs perdem o seu impacto justamente por seu maior mérito ser a presença eletrônica da santíssima trindade da geração beat: Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs.
O pacote conta com a primeira aparição em DVD do filme “Chappaqua”, de Conrad Rooks (vencedor do Leão de Prata no Festival de Veneza de 1966), e com a dupla de documentários “Kerouac: O Rei dos Beats”, de John Antonelli, e “Burroughs: Poeta do Submundo”, de Klaus Maeck.
“Chappaqua” é um dos inúmeros exemplos do cinema experimental dos anos 60 que ficaram redundantes e presos ao passado com o advento do vídeo digital – literalmente, qualquer criança de hoje realiza filmes como os daquele período (ao menos, em termos técnicos). Por trás da obra, temos o empolgado Conrad Rooks que, filho de um alto executivo da Avon nos EUA, resolve usar o cinema como terapia e contar sua história para o mundo.
Sai-se exatamente na média, colidindo todos os clichês do cinema alternativo da época com delírios enfadonhos e “mutcholocos”. O perfil autobiográfico fala de seu próprio processo de desintoxicação de drogas numa clínica européia e mostra que Rooks estava em dia com a modernidade da época – daí a presença não apenas de Ginsberg (chato, como sempre) e Burroughs (genial, como sempre), como de Ornette Coleman, de Ravi Shankare do grupo Fugs.
Como cinema, “Chappaqua” é quase uma bad trip, fundindo experimentalismo barato com idéias pueris quase à maneira dos Beatles em seu “Magical Mystery Tour”. Mas, como o filme psicodélico dos Fab Four, o de Rooks funciona quase como um documentário de uma época em que não era preciso fazer muito sentido para ser aceito. Bons tempos, de fato.
Já os documentários martelam no prego e no dedo, cada um deles. O de Kerouac é correto e bem realizado, e começa e termina com sua clássica entrevista ao apresentador Steve Allen, quando foi apresentado ao público médio americano. Cuidadoso, John Antonelli entrevista pessoas diretamente envolvidas com o autor e traça um retrato didático do papel de Kerouac na literatura americana e no pop mundial.
Mas o de William Burroughs, por mais triste que possa parecer, é pífio. Gira em torno de uma leitura feita pelo autor em 1991 (acompanhada por urros constrangedores da platéia) e uma entrevista transbordando obviedade por parte do entrevistador, com clipes de “cut-ups” inspirados na técnica inventada por Burroughs.
Opta por ser não-linear e se perde no meio do caminho, com o entrevistador Jürgen Ploog mais interessado em ver o autor repetir suas máximas (“a linguagem é um vírus”, seus conselhos a jovens autores, sua fascinação com armas, seu exílio em Tânger) do que travar alguma tentativa de diálogo com o autor. Uma pena: mesmo com momentos de brilho proporcionado pelas leituras entusiasmadas feitas pelo velho Bill, o documentário não chega nem a cutucar a curiosidade dos leigos ou a fazer os iniciados suspirarem – no máximo, de tédio.
Engraçado é que, entre os extras do filme sobre Kerouac, há um trailer de um documentário sobre Burroughs que não é o filme dirigido por Klaus Maeck. Com abordagem similar ao de Antonelli, parece mais palatável e respeitoso. Afinal, um documentário não precisa ser genial – basta ser correto para já estar no lucro.
CHAPPAQUA: ALMAS ENTORPECIDAS
Distribuição: Magnus Opus (R$ 39)
KEROUAC: O REI DOS BEATS e BURROUGHS: POETA DO SUBMUNDO
Distribuição: Magnus Opus (R$ 78,50)