Marisa Paredes (1946-2024)

Morreu nesta terça-feira um dos maiores nomes do cinema espanhol. A musa Marisa Paredes tinha meros 78 anos de idade e estava prestes a estrear uma nova peça quando sofreu um ataque cardíaco nesta madrugada e não resistiu, como contou seu companheiro, o cineasta Chema Prado, que foi diretor da Filmoteca Española. Ela atuou em 75 filmes, trabalhou com o mexicano Guillermo del Toro (A Espinha do Diabo, 2001) e com o italiano Roberto Benigni (A Vida é Bela, 1997), mas foi com seu conterrâneo e amigo Pedro Almodóvar que teve seu nome eternizado na história do cinema, em filmes emblemáticos do diretor espanhol como Maus Hábitos (1983), De Salto Alto (1991), Tudo Sobre Minha Mãe (1999), A Pele Que Habito (2011) e, claro, a performance mais memorável da atriz no filme A Flor do Meu Segredo (1995). Saiu deste plano mas seguirá eterna graças ao velho amigo, que soube extrair grandes momentos de sua arte.

Dalton Trevisan (1925-2024)

Foi-se um dos últimos ícones da literatura moderna brasileira e um dos principais nomes a colocar Curitiba no mapa cultural do país – Dalton Trevisan, conhecido por seu estilo preciso, sintético e direto, nos deixou no final desta segunda-feira morreu como viveu: longe dos olhos do público e contrariando a possibilidade de festejar seu centenário em vida, despedindo-se sem velório e sem dizer do que morreu.

Will Cullen Hart (1971-2024)

Era bom demais pra ser verdade. As duas músicas inéditas do Olivia Tremor Control saíram hoje porque seu outro fundador, Will Cullen Hart, nos deixou na manhã dessa sexta-feira. Não consigo nem encontrar palavras para falar sobre sua falta e nem precisa, afinal seu grande amigo e irmão Robert Schneider, o líder dos Apple In Stereo, acabou de fazer isso ao anunciar a morte do amigo no Facebook. Traduzi o texto abaixo:

“Castelo Cubista Para Sempre: Estou profundamente arrasado neste dia de celebração de um novo lançamento do Olivia Tremor Control, para anunciar que meu querido amigo e cofundador da Elephant 6 Recording Co., W. Cullen Hart (Will para seus amigos), faleceu esta manhã de causas naturais, de repente, pacificamente e de muito bom humor em torno do lançamento das duas novas músicas do OTC.

Will era um músico pop experimental e psicodélico genial, um artista visual brilhante e prolífico que rascunhava e fazia colagens a cada segundo todos os dias, em cada objeto ao seu alcance. Ele sempre gravador em quatro canais ao longo da vida, loopador de fitas, poeta espontâneo, construtor de colagens sonoras, desconstrutor de instrumentos musicais e um compositor muito talentoso de músicas pop desde que éramos adolescentes. Ouvi falar de Will antes de conhecê-lo, um amigo comum me disse: “Você e Will Hart são exatamente iguais!” (Éramos muito animados e barulhentos.) Peguei emprestado uma cópia em fita cassete do Kiss Dynasty de Joey Foreman – futuro projecionista do OTC – no ensino médio, sabendo que havia sido emprestada de Joey pelo Will, e amei. Will e eu nos conhecemos em um show do Cheap Trick, apresentados por um amigo comum (e futuro companheiro de banda para nós dois) Jeff Mangum, e nos tornamos jovens competidores na música, e depois os amigos mais próximos. Devolvi a fita do Dynasty alguns anos depois.

Will era, ao lado de Bill Doss, líder do Olivia Tremor Control (que eu coproduzi), líder da banda Circulatory System, e foi o líder espiritual da comunidade artística Elephant 6 que explodiu em Athens, na Geórgia, no final dos anos 1990. Ele foi meu cúmplice na adolescência e no início dos vinte anos, meu querido amigo, colega de quarto, colega de banda, e perseguimos uma visão de arte e música juntos durante toda a nossa vida, até hoje, que criamos quando filhos – juntos. Will era infinitamente falante, infinitamente engraçado, infinitamente expressivo, infinitamente criativo. Era energético, doce, tenro, sincero, que alternava ser totalmente tranquilo e explosivo. Will sofreu de esclerose múltipla por quase duas décadas, o que reduziu gradualmente sua mobilidade, sua habilidade de tocar violão e para fazer turnês – mas ele manteve sua produtividade, suas composições, suas gravações e sua arte, e viveu a vida em um estado de criatividade elevada. Ele era infinitamente amado por mim, e por seus companheiros de banda e pelas comunidades da Elephant 6 e de Athens.

Estou chocado com a perda do meu amigo. Hoje, honro Will, preenchendo um pedaço de sua lenda. Quando o outro líder do Olivia Tremor Control, Bill Doss – também meu querido amigo e companheiro de banda do Apples in stereo – faleceu em 2012, o OTC estava a todo vapor gravando um novo álbum conceitual épico, com Bill e o talentoso Derek Almsted trabalhando juntos para projetar e montar um ambicioso álbum duplo. Na parede do estúdio de Bill havia um gráfico cheio de poesia abstrata e flechas, que supostamente era um mapa para o disco. Assinei para ajudar a terminar a produção – e eu estava me mudando para Atlanta para a pós-graduação em matemática na Emory. O plano era: fins de semana em Athens até o disco ficar pronto. Ouvi todas as mixagens brutas, revisei as notas de estúdio de Bill e Will, e tínhamos um plano para terminar. Mas, tragicamente, o fim de semana em que me mudei para Atlanta foi o fim de semana em que Bill morreu, no mesmo dia em que nos mudamos. Ele estava completamente absorto no novo disco do OTC e cheio de inspiração, e todos nós juramos terminar o trabalho. Mas a tristeza nos segurou por anos. Ela ainda me segura. “Bill foi para as montanhas”, disse Will.

Will nunca perdeu o foco, mesmo em sua tristeza, na obra-prima que ele e Bill começaram. Ele manteve a visão e o conceito frescos. Mas ele não é um engenheiro de estúdio e tinha esclerose múltipla debilitante, então ele realmente precisava de toda a comunidade para apoiar o esforço. Durante as filmagens do documentário Elephant 6, C. B. Stockfleth estava vindo para Atenas e Will estava cada vez mais apaixonado por trabalhar no OTC novamente. Marcamos uma sessão no estúdio caseiro do engenheiro-músico Jason NeSmith para começar a preencher os overdubs necessários e olhar para terminar uma ou mais faixas do OTC. Duas músicas, “Garden of Light” (música de Bill) e “The Same Place” (música de Will), estavam quase prontas, então nos concentramos nelas e terminamos os overdubs da lista de tarefas original de Bill, além de algumas novas peças com Will e eu supervisionando. Foi um esforço enorme, a banda inteira veio tocar, meu cunhado e colaborador Craig Morris veio ajudar na engenharia, e sentimos uma sensação de grande impulso. Isso é capturado muito bem no filme, foi uma experiência de gravação muito comovente. Mesmo assim, a tristeza e a desorganização dificultaram o prosseguimento a partir daí. Levou anos só para terminar as duas músicas.

Junto com Will e Bill, e Derek, que fez a engenharia das faixas básicas e trabalhou muito no álbum OTC, Jason NeSmith é o herói da finalização das duas músicas OTC. Jason e Will trabalharam juntos na mixagem das duas músicas, enviando mixagens para mim para comentários, e então começaram a progredir em direção a outras faixas OTC inacabadas. Graças a Jason, Will ganhou impulso e novo entusiasmo, e sua colaboração no estúdio floresceu nos últimos dois anos, mesmo com a esclerose múltipla afetando a mobilidade de Will cada vez mais – ele avançou até o final feliz e bravamente. Sou muito grato a Derek e Jason por seu trabalho de engenharia no álbum final OTC. Que a história desta banda clássica registre o papel vital que cada um deles desempenhou como parceiros de Bill e Will. E Kelly Hart, esposa de Will e sua co-empresária do selo Elephant 6 reiniciado, é a heroína de trazer as músicas ao mundo. Essas belas músicas — talvez entre as melhores músicas pop psicodélicas já gravadas — existem hoje, estão no BandCamp e no LP de vinil documentário da E6 que saiu hoje, e Kelly me disse que esta manhã Will estava animado e feliz em ver que as pessoas estavam baixando. Hoje é um dia de vitória para W. Cullen Hart — seu último dia representou um triunfo. Hoje é o dia em que a perseverança de Will, sua sinceridade, sua luta contra a EM e sua devoção a Bill e sua visão comum dão frutos.

Meu querido amigo, meu irmão, meu co-conspirador, meu co-fundador da E6, eu sempre te amei e sempre te amarei com a mesma intensidade que eu tinha quando éramos jovens. Você era tão incrível, eu nem consigo acreditar que você existia. Sentirei falta do seu amor, do seu humor, da sua energia e do seu brilhantismo para sempre. Vou me esforçar para ajudar seus companheiros de banda a terminar seu trabalho, e serei eternamente grato por sua amizade e seu amor – meu doce amigo e minha maior influência artística. Que sua jornada para as montanhas seja linda.”

Jim Abrahams (1944-2024)

Morreu nesta terça-feira um dos nomes que revolucionaram o humor no cinema dos 80. Jim Abrahams desfalca o trio Zucker-Abrahams-Zucker que dirigiu comédias impagáveis como Apertem os Cintos O Piloto Sumiu, Top Secret, Top Gang e Corra Que a Polícia Vem Aí ao sobrepor clichês de filmes clássicos dos anos 50 com o humor de revistas como Mad, Zap! e National Lampoon, que já corroía o humor tradicional norte-americano ao serem vendidas em headshops e não em bancas de jornal e levando aquele humor entre o teatro de absurdo e o nonsense para as massas. Era amigo de infância dos irmãos Jerry e David e começou no cinema junto com os dois ao escrever o roteiro cheio de quadros de humor da estreia na direção de John Landis (que depois faria O Clube dos Cafajestes, Trocando as Bolas, Irmãos Caras de Paue e Um Lobisomem Americano em Londres), Kentucky Fried Movie. Apertem os Cintos o Piloto Sumiu, lançado em 1980, foi a primeira incursão do trio ZAZ na direção, assinatura que era sinônimo de sucesso durante toda aquela década e o início da seguinte.

Leonardo Irian (1993-2024)

Baita perda para o rap nacional: Leonardo Irian, o MC Leo do grupo Síntese, faleceu nesta sexta-feira. Fundador do grupo de São José dos Campos ao lado do MC Neto, Leo entrou para a história do rap brasileiro com o disco Sem Cortesia, lançado em 2012, com faixas curtas, de produção crua e sem refrão, que lançou a banda para o resto do país no mesmo ano em que ele descobriu que era esquizofrênico. Esta condição colocou sua carreira em pausa, fazendo o grupo seguir principalmente na voz de Neto, que ainda mantinha o parceiro por perto, levando sua palavra e tentando, quando pode, trazê-lo de volta aos discos e aos palcos, que sofria com internações e até um período que ficou desaparecido em 2020. A causa de sua morte não foi informada.

Evandro Teixeira (1935-2024)

Morreu nesta segunda um dos maiores nomes do fotojornalismo brasileiro. O baiano Evandro Teixeira entrou para a história logo que começou a fotografar no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, dez anos depois de ter começado a fotografar e seis anos depois de entrar no jornalismo quando, no 1° de abril de 1964, infiltrou-se no Forte de Copacabana, quando os militares golpistas da vez se reuniram para saudar o novo presidente, o marechal Humberto Castello Branco, e registrou a primeira foto do primeiro ditador militar do nefasto período, publicando-a na capa do jornal no mesmo dia. Cobriu a repressão da ditadura militar e os protestos contra esta, incluindo sua clássica foto tirada na Passeata dos Cem Mil, que aconteceu na antiga capital brasileira, em 1968. Em 1973 foi para o Chile onde, além de ser o único fotógrafo a registrar o golpe contra o presidente Salvador Allende, a morte do poeta Pablo Neruda, também testemunhou o assassinato em massa que a ditadura daquele país praticava no principal estádio de futebol local. Era um jornalista ferrenho de sensibilidade ímpar, registrando, quase sempre em preto e branco, acontecimentos históricos, reportagens épicas e detalhes do cotidiano. Morreu aos 88 anos, no Rio de Janeiro, após complicações devido a uma pneumonia. Seu acervo é mantido pelo Instituto Moreira Salles, em cujo site há uma vasta coleção de suas obras. Veja algumas abaixo:  

Agnaldo Rayol (1938-2024)

Morreu nesta segunda-feira um ícone do rádio brasileiro – e de uma forma estúpida (caiu no banheiro, bateu a cabeça e não chegou ao hospital a tempo). Dono de um forte timbre barítono que logo seria ultrapassado pela forma de cantar lançada primeiro por João Gilberto, depois Roberto Carlos e finalmente os principais nomes da MPB, ele seguiu sua carreira mantendo sempre aquele padrão, o que fez aproximar-se, com o tempo, de outros ícones do período, como Cauby Peixoto e Agnaldo Timótheo. Sua linda voz encaixava-se perfeitamente como seu ar de galã, que o tornou um verdadeiro astro da música no Brasil durante décadas a fio, fazendo-o circular pelo cinema e pela TV. Um registro que acaba resumindo seu talento está no dueto que fez com Hebe Camargo no filme Zé do Periquito, filme do estúdio Vera Cruz lançado em 1960, escrito, dirigido e estrelado por Mazzaropi. Os dois cantam “Passe a Viver”, de Heitor Carillo, numa cena que funciona como uma cápsula de tempo de um Brasil que ainda não havia se modernizado mas também naõ havia caído na ditadura militar, período que o próprio Rayol talvez seja seu melhor garoto-propaganda.

Assista abaixo:  

Quincy Jones (1933-2024)

Morreu nesta segunda-feira o último representante de uma espécie. Quincy Jones equilibrou música e mercado como poucos na história do século 20 e com sua morte um ciclo se fecha. Possivelmente o nome mais importante da história da indústria fonográfica dos Estados Unidos – e só isso resume o peso de sua biografia, como se isso fosse possível. Obrigado!

Teri Garr (1944-2024)

Uma das principais atrizes da Hollywood desfreada dos anos 70, Terri Garr morreu nesta terça-feira, vítima de complicações de esclerose múltipla, que lhe afligia há décadas. Revelada num episódio da primeira versão de Jornada nas Estrelas, ela participou do filme psicodélico dos Monkees escrito por Jack Nicholson (Head) e do seriado que Sonny Bono e Cher tinham nos anos 60. Na década seguinte, graças à sua atuação carismática que encantava e fazia rir, tornou-se querida da geração de diretores que trouxe o conceito de cinema autoral para os Estados Unidos naquela década, trabalhando com Coppola (A Conversação e Do Fundo do Coração), Spielberg (Contatos Imediatos do Terceiro Grau), Mel Brooks (O Jovem Frankenstein), Carl Reiner (Alguém Lá em Cima Gosta de Mim), Scorsese (Depois de Horas), Sidney Pollack (Tootsie) e Robert Altman (Prêt-à-Porter).

Paul Morrissey (1938-2024)

Paul Morrissey, que morreu vítima de pneumonia nesta segunda num hospital em Nova York, sempre será lembrado como o cineasta que deu dinâmica e movimento às experiências cinematográficas de Andy Warhol – que, por ser fotógrafo e artista plástico, trabalhava apenas com imagens estáticas. Ao lado de Warhol, dirigiu filmes de baixo orçamento sobre a vida marginal na maior cidade norte-americana, filmando histórias com hipsters, traficantes, travestis e viciados em drogas em filmes como Flesh (1968), Trash (1970), Heat (1972), Flesh for Frankenstein (1973) e Blood for Dracula (1974). Mas sua associação com Warhol também foi uma conexão com o Velvet Underground e além de ter dirigido com seu parceiro o único documentário sobre a banda quando ela ainda existia, The Velvet Underground and Nico: A Symphony of Sound (assista-o abaixo), lançado no ano anterior do lançamento do primeeiro disco da banda, que é de 1967, também foi empresário do grupo de Lou Reed e John Cale entre 1966 e 1967 e batizou o happening que colocou a clássica banda no mapa da intelligentsia nova-iorquina, chamado de Exploding Plastic Inevitable.

Assista a The Velvet Underground and Nico: A Symphony of Sound abaixo: