Adilia Lopes (1960-2024)

“A minha história
é outra
E começa agora
Estou sempre
a começar”

E no calar do ano quem nos deixa é a poeta portuguesa Adília Lopes, pseudônimo de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, que apareceu na década de 80 e sai deste plano com parcos 64 anos. Escritora dos detalhes e da vida cotidiana, ela buscava a beleza nos pequenos gestos, publicando livros quase que anualmente como se soubesse que a produção cultural lhe tornasse ainda mais viva. “A minha poesia é uma epopeia da vida menor. Não é a descoberta do caminho marítimo para a Índia. É o caminho do corredor de minha casa entre a sala onde escrevo e leio e a cozinha. É doméstica. É feminina”, disse em entrevista recente à revista Quatro Cinco Um.

Jimmy Carter (1924-2024)

O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter viveu um século e morreu sendo celebrado como um dos políticos mais populares do fim do século – e por mais que tenha denunciado o genocídio palestino e ajudado nomes progressistas de fora de seu país (como o nosso Brizola), ele só fez isso depois que deixou o cargo. Na Casa Branca, tornou o clima da Guerra Fria ainda mais pesado que nos anos 70 e pavimentou o caminho para o neoliberalismo crescer ainda mais na década seguinte de seu mandato. Ele podia ser gente boa, mas ainda era um presidente dos Estados Unidos, como todos os outros.

Ney Latorraca (1944-2024)

Um dos maiores atores da história do Brasil, Ney Latorraca nos deixou nesta quinta-feira. Consagrado em papéis humorísticos em novelas como Rabo de Saia, Um Sonho a Mais e Vamp, também bateu recordes em cartaz com a longeva peça O mistério de Irma Vap, dirigida por Marília Pera e na qual contracenava com o amigo Marco Nanini, que também foi colega de elenco na primeira formação do clássico programa TV Pirata. Morreu sem deixar herdeiros e doa sua herança para instituições de caridade.

Mestre Laurentino (1926-2024)

Uma lenda da música paraense, o quase centenário Mestre Laurentino partiu neste sábado, carregando o epíteto de “o roqueiro mais velho do Brasil”. Autodidata, aprendeu a tocar gaita e tornou-se uma figura conhecida na noite de Belém compondo músicas que entraram para o cancioneiro local ao adaptar a batida do rock à musicalidade nortista. Tornou-se conhecido do grande público ao ter uma de suas músicas mais conhecidas, “Lourinha Americana”, que o grupo pernambucano Mundo Livre S/A gravou em seu quarto disco, lançado no ano 2000, e a popularizou para outros artistas incluírem em seu repertório, como Marcelo D2 e Gilberto Gil, além de ter sido chamado pelo Coletivo Rádio Cipó, nome de destaque na cena paraense do início do século, para participar de shows com os quais visitaram as principais capitais do Brasil. O governo do Pará decretou luto oficial após o anúncio de sua morte.

Marisa Paredes (1946-2024)

Morreu nesta terça-feira um dos maiores nomes do cinema espanhol. A musa Marisa Paredes tinha meros 78 anos de idade e estava prestes a estrear uma nova peça quando sofreu um ataque cardíaco nesta madrugada e não resistiu, como contou seu companheiro, o cineasta Chema Prado, que foi diretor da Filmoteca Española. Ela atuou em 75 filmes, trabalhou com o mexicano Guillermo del Toro (A Espinha do Diabo, 2001) e com o italiano Roberto Benigni (A Vida é Bela, 1997), mas foi com seu conterrâneo e amigo Pedro Almodóvar que teve seu nome eternizado na história do cinema, em filmes emblemáticos do diretor espanhol como Maus Hábitos (1983), De Salto Alto (1991), Tudo Sobre Minha Mãe (1999), A Pele Que Habito (2011) e, claro, a performance mais memorável da atriz no filme A Flor do Meu Segredo (1995). Saiu deste plano mas seguirá eterna graças ao velho amigo, que soube extrair grandes momentos de sua arte.

Dalton Trevisan (1925-2024)

Foi-se um dos últimos ícones da literatura moderna brasileira e um dos principais nomes a colocar Curitiba no mapa cultural do país – Dalton Trevisan, conhecido por seu estilo preciso, sintético e direto, nos deixou no final desta segunda-feira morreu como viveu: longe dos olhos do público e contrariando a possibilidade de festejar seu centenário em vida, despedindo-se sem velório e sem dizer do que morreu.

Will Cullen Hart (1971-2024)

Era bom demais pra ser verdade. As duas músicas inéditas do Olivia Tremor Control saíram hoje porque seu outro fundador, Will Cullen Hart, nos deixou na manhã dessa sexta-feira. Não consigo nem encontrar palavras para falar sobre sua falta e nem precisa, afinal seu grande amigo e irmão Robert Schneider, o líder dos Apple In Stereo, acabou de fazer isso ao anunciar a morte do amigo no Facebook. Traduzi o texto abaixo:

“Castelo Cubista Para Sempre: Estou profundamente arrasado neste dia de celebração de um novo lançamento do Olivia Tremor Control, para anunciar que meu querido amigo e cofundador da Elephant 6 Recording Co., W. Cullen Hart (Will para seus amigos), faleceu esta manhã de causas naturais, de repente, pacificamente e de muito bom humor em torno do lançamento das duas novas músicas do OTC.

Will era um músico pop experimental e psicodélico genial, um artista visual brilhante e prolífico que rascunhava e fazia colagens a cada segundo todos os dias, em cada objeto ao seu alcance. Ele sempre gravador em quatro canais ao longo da vida, loopador de fitas, poeta espontâneo, construtor de colagens sonoras, desconstrutor de instrumentos musicais e um compositor muito talentoso de músicas pop desde que éramos adolescentes. Ouvi falar de Will antes de conhecê-lo, um amigo comum me disse: “Você e Will Hart são exatamente iguais!” (Éramos muito animados e barulhentos.) Peguei emprestado uma cópia em fita cassete do Kiss Dynasty de Joey Foreman – futuro projecionista do OTC – no ensino médio, sabendo que havia sido emprestada de Joey pelo Will, e amei. Will e eu nos conhecemos em um show do Cheap Trick, apresentados por um amigo comum (e futuro companheiro de banda para nós dois) Jeff Mangum, e nos tornamos jovens competidores na música, e depois os amigos mais próximos. Devolvi a fita do Dynasty alguns anos depois.

Will era, ao lado de Bill Doss, líder do Olivia Tremor Control (que eu coproduzi), líder da banda Circulatory System, e foi o líder espiritual da comunidade artística Elephant 6 que explodiu em Athens, na Geórgia, no final dos anos 1990. Ele foi meu cúmplice na adolescência e no início dos vinte anos, meu querido amigo, colega de quarto, colega de banda, e perseguimos uma visão de arte e música juntos durante toda a nossa vida, até hoje, que criamos quando filhos – juntos. Will era infinitamente falante, infinitamente engraçado, infinitamente expressivo, infinitamente criativo. Era energético, doce, tenro, sincero, que alternava ser totalmente tranquilo e explosivo. Will sofreu de esclerose múltipla por quase duas décadas, o que reduziu gradualmente sua mobilidade, sua habilidade de tocar violão e para fazer turnês – mas ele manteve sua produtividade, suas composições, suas gravações e sua arte, e viveu a vida em um estado de criatividade elevada. Ele era infinitamente amado por mim, e por seus companheiros de banda e pelas comunidades da Elephant 6 e de Athens.

Estou chocado com a perda do meu amigo. Hoje, honro Will, preenchendo um pedaço de sua lenda. Quando o outro líder do Olivia Tremor Control, Bill Doss – também meu querido amigo e companheiro de banda do Apples in stereo – faleceu em 2012, o OTC estava a todo vapor gravando um novo álbum conceitual épico, com Bill e o talentoso Derek Almsted trabalhando juntos para projetar e montar um ambicioso álbum duplo. Na parede do estúdio de Bill havia um gráfico cheio de poesia abstrata e flechas, que supostamente era um mapa para o disco. Assinei para ajudar a terminar a produção – e eu estava me mudando para Atlanta para a pós-graduação em matemática na Emory. O plano era: fins de semana em Athens até o disco ficar pronto. Ouvi todas as mixagens brutas, revisei as notas de estúdio de Bill e Will, e tínhamos um plano para terminar. Mas, tragicamente, o fim de semana em que me mudei para Atlanta foi o fim de semana em que Bill morreu, no mesmo dia em que nos mudamos. Ele estava completamente absorto no novo disco do OTC e cheio de inspiração, e todos nós juramos terminar o trabalho. Mas a tristeza nos segurou por anos. Ela ainda me segura. “Bill foi para as montanhas”, disse Will.

Will nunca perdeu o foco, mesmo em sua tristeza, na obra-prima que ele e Bill começaram. Ele manteve a visão e o conceito frescos. Mas ele não é um engenheiro de estúdio e tinha esclerose múltipla debilitante, então ele realmente precisava de toda a comunidade para apoiar o esforço. Durante as filmagens do documentário Elephant 6, C. B. Stockfleth estava vindo para Atenas e Will estava cada vez mais apaixonado por trabalhar no OTC novamente. Marcamos uma sessão no estúdio caseiro do engenheiro-músico Jason NeSmith para começar a preencher os overdubs necessários e olhar para terminar uma ou mais faixas do OTC. Duas músicas, “Garden of Light” (música de Bill) e “The Same Place” (música de Will), estavam quase prontas, então nos concentramos nelas e terminamos os overdubs da lista de tarefas original de Bill, além de algumas novas peças com Will e eu supervisionando. Foi um esforço enorme, a banda inteira veio tocar, meu cunhado e colaborador Craig Morris veio ajudar na engenharia, e sentimos uma sensação de grande impulso. Isso é capturado muito bem no filme, foi uma experiência de gravação muito comovente. Mesmo assim, a tristeza e a desorganização dificultaram o prosseguimento a partir daí. Levou anos só para terminar as duas músicas.

Junto com Will e Bill, e Derek, que fez a engenharia das faixas básicas e trabalhou muito no álbum OTC, Jason NeSmith é o herói da finalização das duas músicas OTC. Jason e Will trabalharam juntos na mixagem das duas músicas, enviando mixagens para mim para comentários, e então começaram a progredir em direção a outras faixas OTC inacabadas. Graças a Jason, Will ganhou impulso e novo entusiasmo, e sua colaboração no estúdio floresceu nos últimos dois anos, mesmo com a esclerose múltipla afetando a mobilidade de Will cada vez mais – ele avançou até o final feliz e bravamente. Sou muito grato a Derek e Jason por seu trabalho de engenharia no álbum final OTC. Que a história desta banda clássica registre o papel vital que cada um deles desempenhou como parceiros de Bill e Will. E Kelly Hart, esposa de Will e sua co-empresária do selo Elephant 6 reiniciado, é a heroína de trazer as músicas ao mundo. Essas belas músicas — talvez entre as melhores músicas pop psicodélicas já gravadas — existem hoje, estão no BandCamp e no LP de vinil documentário da E6 que saiu hoje, e Kelly me disse que esta manhã Will estava animado e feliz em ver que as pessoas estavam baixando. Hoje é um dia de vitória para W. Cullen Hart — seu último dia representou um triunfo. Hoje é o dia em que a perseverança de Will, sua sinceridade, sua luta contra a EM e sua devoção a Bill e sua visão comum dão frutos.

Meu querido amigo, meu irmão, meu co-conspirador, meu co-fundador da E6, eu sempre te amei e sempre te amarei com a mesma intensidade que eu tinha quando éramos jovens. Você era tão incrível, eu nem consigo acreditar que você existia. Sentirei falta do seu amor, do seu humor, da sua energia e do seu brilhantismo para sempre. Vou me esforçar para ajudar seus companheiros de banda a terminar seu trabalho, e serei eternamente grato por sua amizade e seu amor – meu doce amigo e minha maior influência artística. Que sua jornada para as montanhas seja linda.”

Jim Abrahams (1944-2024)

Morreu nesta terça-feira um dos nomes que revolucionaram o humor no cinema dos 80. Jim Abrahams desfalca o trio Zucker-Abrahams-Zucker que dirigiu comédias impagáveis como Apertem os Cintos O Piloto Sumiu, Top Secret, Top Gang e Corra Que a Polícia Vem Aí ao sobrepor clichês de filmes clássicos dos anos 50 com o humor de revistas como Mad, Zap! e National Lampoon, que já corroía o humor tradicional norte-americano ao serem vendidas em headshops e não em bancas de jornal e levando aquele humor entre o teatro de absurdo e o nonsense para as massas. Era amigo de infância dos irmãos Jerry e David e começou no cinema junto com os dois ao escrever o roteiro cheio de quadros de humor da estreia na direção de John Landis (que depois faria O Clube dos Cafajestes, Trocando as Bolas, Irmãos Caras de Paue e Um Lobisomem Americano em Londres), Kentucky Fried Movie. Apertem os Cintos o Piloto Sumiu, lançado em 1980, foi a primeira incursão do trio ZAZ na direção, assinatura que era sinônimo de sucesso durante toda aquela década e o início da seguinte.

Leonardo Irian (1993-2024)

Baita perda para o rap nacional: Leonardo Irian, o MC Leo do grupo Síntese, faleceu nesta sexta-feira. Fundador do grupo de São José dos Campos ao lado do MC Neto, Leo entrou para a história do rap brasileiro com o disco Sem Cortesia, lançado em 2012, com faixas curtas, de produção crua e sem refrão, que lançou a banda para o resto do país no mesmo ano em que ele descobriu que era esquizofrênico. Esta condição colocou sua carreira em pausa, fazendo o grupo seguir principalmente na voz de Neto, que ainda mantinha o parceiro por perto, levando sua palavra e tentando, quando pode, trazê-lo de volta aos discos e aos palcos, que sofria com internações e até um período que ficou desaparecido em 2020. A causa de sua morte não foi informada.

Evandro Teixeira (1935-2024)

Morreu nesta segunda um dos maiores nomes do fotojornalismo brasileiro. O baiano Evandro Teixeira entrou para a história logo que começou a fotografar no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, dez anos depois de ter começado a fotografar e seis anos depois de entrar no jornalismo quando, no 1° de abril de 1964, infiltrou-se no Forte de Copacabana, quando os militares golpistas da vez se reuniram para saudar o novo presidente, o marechal Humberto Castello Branco, e registrou a primeira foto do primeiro ditador militar do nefasto período, publicando-a na capa do jornal no mesmo dia. Cobriu a repressão da ditadura militar e os protestos contra esta, incluindo sua clássica foto tirada na Passeata dos Cem Mil, que aconteceu na antiga capital brasileira, em 1968. Em 1973 foi para o Chile onde, além de ser o único fotógrafo a registrar o golpe contra o presidente Salvador Allende, a morte do poeta Pablo Neruda, também testemunhou o assassinato em massa que a ditadura daquele país praticava no principal estádio de futebol local. Era um jornalista ferrenho de sensibilidade ímpar, registrando, quase sempre em preto e branco, acontecimentos históricos, reportagens épicas e detalhes do cotidiano. Morreu aos 88 anos, no Rio de Janeiro, após complicações devido a uma pneumonia. Seu acervo é mantido pelo Instituto Moreira Salles, em cujo site há uma vasta coleção de suas obras. Veja algumas abaixo: