Primavera Sound São Paulo – Dia 1

, por Alexandre Matias

Saldo do primeiro dia do Primavera Sound em São Paulo? Bons shows, boa estrutura interna, preços razoáveis, som funcionando bem em todos os palcos, uma multidão gigantesca mas dócil e respeitosa, um festival confortável uma vez que você estava lá. Mas nem tudo são flores: a localização no Anhembi tornou tanto a chegada quanto a saída do festival complicada: o enorme trânsito e a distância entre os portões obrigou muita gente a caminhar bastante antes de entrar no festival, além de ficar preso em um engarrafamento que poderia ter sido evitado. A saída então foi ainda mais tensa e além do evento não ter sincronizado com o metrô a possibilidade de deixar o transporte público funcionando por mais tempo, a quantidade de pessoas esperando táxi na saída do festival fez com que as taxas dos aplicativos disparassem e muita gente ficasse sem sinal para pedir condução. A falta de sinalização (tanto dentro quanto fora do evento) e de preparo para que os funcionários pudessem indicar os locais de saída deixaram ainda mais gente perdida. E isso que eu saí antes do festival acabar…

Mas vamos aos shows.

Assista aqui.


Palácio das Convenções do Anhembi @ São Paulo
5 de novembro de 2022

Björk fez um show inacreditável num lugar hostil para uma apresentação daquele naipe – e se impôs. A delicadeza de sua presença e a contundência de sua voz se complementam em vez de se contrastar, mas o mesmo não podia ser dito sobre uma apresentação com uma orquestra em um festival de música pop. Confesso ter sentido falta do peso eletrônico característico de grande parte de sua obra e é inegável a ousadia de subir num palco tão comercial com uma formação erudita e acústica (a brasileira Orquestra de Cordas Bachiana Filarmônica), mas mesmo nadando contra a corrente ela mostrou porque é uma das maiores artistas contemporâneas e sua performance transcendeu o formato festival para trazer sua atmosfera intimista para o coração de cada ouvinte. Claro que teria sido muito mais intenso se acontecesse num teatro, com foco total no palco e sem espaço para conversas paralelas, mas essa foi a proposta tanto da artista quanto do festival.


Palácio das Convenções do Anhembi @ São Paulo
5 de novembro de 2022

Nesse sentido, foi louvável trazer um dos principais trunfos da edição catalã do evento para São Paulo: os shows de teatro. Realizados no Palácio de Convenções Celso Furtado, as apresentações foram verdadeiras missas solenes em prol dos artistas. Só consegui ver um pouco do José González, mas vários amigos comentaram sobre a sutileza, a reverência e a solenidade que as apresentações de Josyara, Tim Bernardes e Giovani Cidreira tiverem naquele palco. Não duvido: além de González, tinha assistido à Juçara Marçal quinta-feira naquele mesmo espaço (dentro da programação do Primavera na Cidade) e a sensação foi exatamente essa. É uma educação preciosa a que o festival faz a seu público: você não precisa ficar nove horas em pé para assistir a shows incríveis.


Palácio das Convenções do Anhembi @ São Paulo
5 de novembro de 2022

Mas um defeito da edição original que não deveria ter sido copiado era a distância entre os palcos. A caminhada entre as duas pontas do festival – os dois palcos com nomes dos patrocinadores (aliás, que deprimente esse slogan “primavera amarga” pra alinhar o festival com o gosto de cerveja, vamos combinar) – não é tão extrema se você não precisasse fazê-la dezenas de vezes se quisesse ver todo o evento. O fato da maioria dos shows não acontecerem simultaneamente (aquele momento escolha de Sofia que festivais inevitavelmente nos impõe) também contribuiu para o público ficar indo para lá e para cá – e se cansando antes da hora. Tanto que pouca gente foi ao palco da outra ponta, onde a iranina Sevdaliza fez um showzaço (canalizando, inclusive, a veia eletrônica que eu estava esperando na Björk).


Palácio das Convenções do Anhembi @ São Paulo
5 de novembro de 2022

Depois veio Mitski, fulminante. Acho que só os fãs estavam preparados para sua aparição. Pop comportado mas incisivo, usando o indie rock mais como referência musical e textura sonora do que propriamente a base de seu som, ela dominou o público sem muita dificuldade e com saltos e golpes que coreografava enquanto cantava. A arrebatação do público foi instantânea e ela está pronta para dar um salto ainda maior em termos de popularidade.


Palácio das Convenções do Anhembi @ São Paulo
5 de novembro de 2022

Encerrei o festival com o showzaço que os Arctic Monkeys conduziram no palco principal do evento – cuja localização em um terreno relativamente estreito e cheio de árvores deixou o show menos intenso do que poderia ser. Uma hora e meia em que a banda não apenas se firmou como um dos principais grupo de rock em atividade como aos poucos vai deixando o gênero em segundo plano – não por acaso tocaram “It’s Not Unusual” do Tom Jones nas caixas de som antes do show começar. Mas bastou os quatro ingleses subirem no palco para impor sua verve musical ao mesmo tempo em que abandonavam seus tempos de beatlemania. Os hits dos primeiros discos – que ainda são o que seu público quer mais ver – ficaram em segundo plano e o novo show posiciona o clássico AM (que considero seu melhor disco) como centro de sua carreira, dedicando um bom tempo para músicas mais adultas como as canções de seus dois últimos álbuns, em que o vocalista Alex Turner encarna o crooner com maestria. Mas entre a estreia de “The Car” ao vivo, o novo arranjo para “Four Out of Five” e a dramática “Body Paint” (além de hits da última década como “Why’d You Only Call Me When You’re High?”, “Arabella”, “Tranquility Base Hotel + Casino”, “R U Mine?” e “Do I Wanna Know?”), o grupo pinçou favoritas do público como “I Bet You Look Good on the Dancefloor”, “Pretty Visitors”, “Cornerstone”, “Crying Lightning” e “505” e fez um show que agradou a todos. Exausto, perdi o Beach House e o John Talabot (lamentei mais perder o último), para não evitar o perrengue na volta. Em vão. Mas neste domingo estou lá de novo.

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