Vida Fodona #817: Não dá pra ficar parado

Até dá, mas você entendeu.

Ouça abaixo:  

Jardim Sonoro 2024: A primeira edição do primeiro festival de música de Inhotim aponta novas possibilidades para o formato

Desde que a curadoria de música do parque Inhotim, um dos grandes templos à arte contemporânea brasileira, no interior de Minas Gerais, foi criada, em abril do ano passado, o primeiro titular do cargo, o maestro carioca Leandro Oliveira vislumbra a possibilidade de realizar um grande festival que mostrasse a que veio este novo pilar do museu-parque. Importante frisar que o superlativo não necessariamente se traduziria em números – a ideia nunca foi reunir nomes pop ou grandes para gerar números para atrair possíveis patrocinadores e sim fazer jus à grandiosidade a céu aberto do jardim que fica do lado da cidade de Brumadinho. O evento aconteceu no fim de semana passada e seu título, Jardim Sonoro, acertou em cheio ao contemplar nomes radicalmente modernos e amplamente populares, reunindo artistas de diferentes nacionalidades, mas com principais atrações brasileiras. Fui convidado pela organização do evento e voltei apaixonado pelo festival.

Não pude comparecer à programação de sexta-feira (por motivos de Inferninho Trabalho Sujo), por isso perdi tanto a apresentação da saxofonista estadunidense Zoh Amba quanto a fala do escritor e músico angolano Kalaf Epalanga, mas desde a manhã de sábado, quando o segundo dia do evento começou com o encontro dos músicos Ballakée Sissoko (do Mali) e Vincent Segal (da França), o primeiro tocando um instrumento tradicional (e imperial, pois sua audição originalmente era restrita à elite que governava o país africano) chamado Corá, uma mistura de harpa com alaúde e o segundo tocando violoncelo de forma pouco ortodoxa, no palco que levava o nome da galeria que expõe as obras de Tunga no local, True Rouge. Depois foi a vez do quarteto dos EUA Joshua Abrams & Natural Information Society, que misturou instrumentos pouco convencionais – como o instrumento árabe guimbri (tocado como um baixo pelo líder do grupo), harmonium (tocado por Lisa Alvarado), clarinete baixo (a cargo de Jason Stein) e bateria (com Mikel Patrick Avery) – no palco Tamboril, em frente à majestosa árvore de mesmo nome que recebe os convidados do parque em sua praça central.

O encerramento do sábado veio na voz imortal – plácida e firme, delicada e precisa, como sempre – de nosso príncipe do samba, o mestre Paulinho da Viola, em ótima forma (e ótimo humor) como de praxe. No palco que levava o nome do penetrável Magic Square de Helio Oiticica, ele desfilou seu rosário de hits, fazendo o público, que começou a assistir ao show sentado, logo se levantasse para cantar juntos hinos de nossa música como “Eu canto samba”, “Nervos de aço”, “Roendo as unhas”, “Dança Da Solidão”, “Pecado Capital”, “Coração leviano”, “Argumento”, “Timoneiro”, “Prisma luminoso” e “Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida”. O sábado terminou com nova apresentação de Epalanga, desta vez discotecando, misturando músicas pop de diferentes países com pérolas da música brasileira, entre Azymuth e João Nogueira – e confesso que não esperava ouvir Luedji Luna após um remix da Feist. O fato de realizar o festival sem cobrar ingressos a mais do que a simples entrada no parque (custando 50 reais a inteira) fez o parque receber o maior número de visitantes desde o início do ano, lotando quase toda sua capacidade com quase cinco mil pessoas. Num dia frio mas ensolarado, tudo funcionou lindamente.

O Jardim Sonoro seguiu no domingo enfileirando atrações tão instigantes quanto populares, desta vez com maior ênfase à música brasileira. O terceiro dia do evento começou com o contrabaixista francês Kham Meslien tocando seu instrumento ao mesmo tempo em que disparava loops e montava suas composições em tempo real. Depois foi a vez de Juçara Marçal, Rodrigo Campos, Gui Amabis e Regis Damasceno mostrarem seus Sambas do Absurdo, aplaudidos de pé por um público que inclusive sabia cantar músicas do projeto paralelo das quatro carreiras. O fim de semana foi encerrado com uma apresentação magistral da orquestra de atabaques Aguidavi do Jêje, que deixou todos boquiabertos (como aconteceu em sua apresentação recente em São Paulo) com o terreiro instantâneo que abriu no meio do Inhotim. Tratado ainda como uma edição de teste por seus realizadores, a primeira versão do Jardim Sonoro mostrou que é possível realizar um evento tão moderno quanto pop, sem render-se à megalomania vazia dos inúmeros festivais brasileiros que nasceram depois da pandemia e enfileiram dezenas de atrações por dia apenas para inflar números e cortejar patrocinadores – assim apontando novas possibilidades para um formato que muitos acham que estagnou. E se levarmos em conta que em breve a cidade receberá um grande hotel que pode receber ainda mais turistas (diferente do número reduzido de quartos disponíveis na pequena rede hoteleira de Brumadinho), a próxima edição – que ainda não é certa, mas desejada para o ano que vem, no mesmo mês de julho que quase não chove – pode ter um público de fora ainda maior. Vida longa ao Jardim Sonoro!

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Saravah pela primeira vez nos cinemas

Você já deve ter visto as cenas: Paulinho da Viola e Maria Bethania novinhos de tudo, cantando sambas numa mesa de bar ou a própria Bethania irradiando juventude em versões inacreditáveis para “Baby”, “Pra Dizer Adeus” e “Alegria Alegria”, esta última acompanhada apenas pelo piano de Luís Carlos Vinhas e pelo trombone de Raul de Souza; João da Bahiana sambando duro com seus sapatos impecáveis ou Pixinguinha, também numa mesa de bar, lembrando da passagem dos Oito Batutas em Paris. O filme Saravah, que há tempos espalhou-se aos pedaços pela internet – além de estar na íntegra no YouTube – assista abaixo), finalmente será lançados nos cinemas no Brasil. Em entrevista ao Estadão, Benjamin Barouh, filho do ator francês que transformou-se em cineasta Pierre Barouh a partir deste projeto, anunciou que o filme está sendo restaurado, tanto visualmente quando em termos de áudio, e que chega aos cinemas após ter sido lançado apenas em DVD. Apaixonado pela cultura brasileira, Pierre Barouh veio algumas vezes ao Brasil e é o responsável pela inclusão de “Samba da Benção” no filme Un Homme et une Femme, de Claude Lelouch, clássico da nouvelle vague em que ele, que a partir de sua amizade com Baden Powell e Vinícius de Moraes fez a versão em francês para a letra da música, também atuava como protagonista. O violonista Powell é o guia de Pierre pelo Brasil, que registra o país em cores em fevereiro de 1969, auge da ditadura empresarial-militar daquele período. O resultado é um documentário quase amador, mas que vale por registrar personagens e hábitos de nossa cultura em estado latente, gravado sem grandes produções, cru como deve ser. Tomara que haja cenas inéditas.

Assista abaixo:  

Historiador e contador de histórias

A chuva de boas vibrações que um show de Paulinho da Viola emite parece emanar apenas de sua presença serena no palco. A fala suave, o canto manso e o toque macio no cavaquinho ou no violão são o centro gravitacional de toda a noite, não importa se toque sozinho, acompanhado por um músico ou pela banda completa. Mas há outro elemento central em seus shows que é o fato de estarmos quase sempre assistindo a uma aula sobre a história do samba carioca. Ele nasceu entre sambistas e pode conviver com quase todo o panteão do samba carioca, sendo parceiro de muitos deles e gravando versões de outros, protagonizando ou assistindo de perto a momentos únicos dessa história. Por isso suas apresentações, como a deste sábado no Sesc Pinheiros, são sempre temperadas por explicações informais misturadas com causos sobre grandes nomes dessa história e sua relação com Paulinho. Modestamente, como lhe é de praxe, ele põe-se como espectador ou agente involuntário da história e cita passagens durante a apresentação, falando sobre a centralidade da caixinha de fósforo nas antigas rodas de samba antes de mostrar sambas de Zé Kéti e Elton Medeiros, sobre seu encontro com Capinam, sua parceria com Eduardo Gudin ou como Hermínio Bello de Carvalho não gostava de ser referido como o descobridor de Clementina de Jesus, esta citada como uma oração ao final da apresentação. Falou sobre como foi a primeira pessoa a gravar “Acontece” de Cartola ou quando Hermínio o transformou em coautor de um samba sobre a Mangueira que foi defendido num festival da canção por Elza Soares – e o constrangimento que isso causou em sua escola, a Portela. Mas em quase uma hora de show, o mestre octagenário (que parece não ter envelhecido nada desde que surgiu em nossa história) resolve abrir sua parte dessa história e enfileira clássico atrás de clássico numa sequência desconcertante: “Sinal Fechado”, “Roendo as Unhas”, “Dança da Solidão”, “Coração Imprudente”, “Pecado Capital”, “Coração Leviano”, , “Argumento”, “Bebadosamba”, “Timoneiro”, “Prisma Luminoso” e “Foi um Rio que Passou em Minha Vida”. Somos privilegiados de sermos contemporâneos deste mestre.

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Vida Fodona #790: Deu vontade

Chega mais.

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Vida Fodona #782: Outono chegou

Mas podia estar mais quente…

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Nosso timoneiro

Com 80 anos completos, Paulinho da Viola segue com a mesma calma impecável e o mesmo ar de tranquilidade que sempre carregou por toda sua vida. O carisma recolhido passa uma impressão de timidez, mas é só uma forma de ficar à vontade ao mesmo tempo de dominar o público de forma quase passiva – e quando menos esperamos estamos envoltos por suas histórias e canções, que se misturam com a própria história do samba. Em sua apresentação neste sábado no Vibra São Paulo (o antigo Credicard Hall), ele aproveitou esse momento para contar seus causos e lembrar parcerias, citando compadres e mestres como Monarco, Cartola (cantou “Acontece” acompanhado apenas do piano de Adriano Souza), Zé Kéti, Elton Medeiros e Lupicínio Rodrigues ao mesmo tempo que mistura suas canções com as destas entidades. E longe de ser só uma celebração nostálgica, ele visitou clássicos de diferentes fases de sua carreira, dos hinos que o tornaram célebre (“Samba Original”, “Coisas do Mundo Minha Nega”, “Sinal Fechado”, “Dança da Solidão”, “Pecado Capital”, “Coração Leviano”, “Argumento”, “Timoneiro”, “Prisma Luminoso” e “Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida”) a clássicos mais recentes (como “Eu Canto Samba” e “Bebadosamba”) e até um samba inédito, ainda sem título, que usou para abrir a apresentação, tocando, sozinho no palco, apenas uma caixinha de fósforo. Gigante.

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Rolling Stone com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Paulinho da Viola e Milton Nascimento na capa

Mais uma vez colaboro com mais uma edição impressa da revista Rolling Stone. Depois do especial sobre os 40 anos do rock dos anos 80, desta vez a efeméride é a celebração dos 80 anos da geração nascida em 1942. Na capa da revista, quatro dos principais pilares da música brasileira – Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Milton Nascimento e Caetano Veloso – e suas obras dissecadas a partir de suas discografias – e colaborei ao lado de três compadres, cada um encarregado de reluzir a grandeza de seus perfilados através de seus álbuns. Assim, Pablo Miyazwa envereda pela obra de Milton Nascimento, Pedro Só embarca na carreira de Paulinho da Viola e Marcelo Ferla disseca a discografia de Caetano Veloso. Coube a mim deschavar a gigantesca coleção de discos (são SETENTA E TRÊS DISCOS) do maior artista vivo no Brasil hoje, o mestre Gilberto Gil, e ainda repercuti sua importância com dois devotos conterrâneos, Russo Passapusso e Josyara. Só esses trabalhos já tornam a edição suculenta, mas como se não bastasse ainda há pérolas do arquivo da revista – inclusive do tempo em que não era publicada no Brasil – reverenciando outros artistas nascidos neste ano mágico: duas entrevistas com Paul McCartney feitas nos anos 70 (uma antes de ele sair dos Beatles), um perfil de Aretha Franklin feito em 1974, um tributo a Tim Maia, uma reportagem sobre os planos de Jimi Hendrix antes de morrer e uma entrevista com Brian Wilson feita em 2015. A nova Rolling Stone tem uma tiragem baixa e só está às vendas nas bancas do Rio de Janeiro e de São Paulo – é praticamente uma edição de colecionador. E só corrobora minha tese de que a revista é o vinil do jornalismo (e que as redes sociais são o seu Napster), mas isso é outro papo…

Vida Fodona #754: 16 anos de Vida Fodona

Aos 45 minutos do segundo tempo do mês de fevereiro.

Ouça aqui.  

1972 na música brasileira – Parte 3

Encerrando a série de discos clássicos brasileiros que tornam-se cinquentenários em 2022 que estou fazendo no site da CNN Brasil, desta vez dedico atenção aos discaços de artistas tão diferentes quanto Tom Zé, Toni Tornado, Rita Lee (escondendo um disco dos Mutantes), Quinteto Violado, Paulinho da Viola, Tim Maia e um compacto histórico de Tom Jobim com João Bosco.