Passar o passado
E essa é a coluninha da Simples que tá na banca…
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A verdade é que temos medo de assumir a responsabilidade. A maioria das pessoas prefere se refugiar em seu bunker online do que meter a mão na massa e fazer um mínimo. E isso dentro de um contexto coletivo em que o simples ato de criar solitariamente e comunicar esta criação para outros já é motivo para conexões improváveis e infinitas e novas possibilidades.
Mas não. Preferimos nos sentar em frente à tela e fingir que não é com a gente, e esperar que alguma solução venha em voz alta, cores agradáveis, slogan que nos impressione e preço, misturada com tanta notícia fabricada e entretenimento vazio que não conseguimos distinguir uma coisa da outra. Acostumados a pedir comida por telefone ou a apertar os botões do microondas, sequer nos levantamos para atender o interfone ou apagar a luz. Não importa se queimamos calorias em academias de ginástica, em LAN houses ou com uma vida sexual de fôlego atlético – somos cada vez mais preguiçosos e nos acostumamos a isso.
Veja o que está acontecendo com a indústria fonográfica, exemplo favorito. Virada do avesso pelo simples fato de uma série de inovações tecnológicas mexer com suas fundações básicas (que a música não pertence mais ao suporte – o disco), ela não está enfrentando sua principal ameaça de igual para igual. Todos aqueles que poderiam estar virando a mesa deste mercado estão apenas baixando música na internet ou comprando discos piratas, em vez de perceber a principal mudança e ir direto ao centro desta: hoje você não precisa de mais ninguém que te diga o que gostar ou não.
Mais do que isso, cada vez qualquer um pode fazer música. Se o “fazer música” já tinha sido nivelado por baixo pelo encadeamento rítmico entre a criação do rock’n’roll e a invenção do punk rock, o “qualquer um” vai ainda além ao pular da cultura do DJ para a geração laptop, que faz música com o mesmo prazer e afinco que qualquer jogador de videogame – mais do que “fazer sucesso” ou “estourar”, fazer música tem se tornado um desafio pessoal.
No entanto, baixamos gigas de MP3s como se soubéssemos, no fundo, que a farra da música grátis vai acabar e que logo tudo vai voltar a ser como era antes. Não vai. Mesmo que não façamos nada para mudar este cenário além de simplesmente não fazer nada, o mundo em que crescemos, de lojas de discos, astros do rock e pôsteres na parede simplesmente acabou. Consumimos artistas como meras grifes de atitude ou de sofisticação, rótulos que pregamos em nossas personalidades para agraciar nossos egos e exibir para amigos e desconhecidos.
Até quando? Até quando iremos apenas abaixar a cabeça e engolir o que estão nos mandando? Até quando iremos fazer apenas aquilo que esperam que façamos? As ferramentas estão à mão, o público é cada vez maior e mais ansioso (porque o público, na verdade, somos nós) e a insatisfação domina. Até quando vamos fingir que não é com a gente e que um dia, alguma coisa acontecerá e mudará tudo de uma vez – por bem ou por mal? Foi mal gente, mas o apocalipse redentor me parece a desculpa definitiva para não se fazer nada – religiões bem sabem disso, há milênios.
E se a indústria do disco já foi, Hollywood tá indo, a fábrica de celebridades rui em câmera lenta, o mercado de livros e as telecomunicações vem a seguir, seguidos de perto pelos jornais, a mídia como um todo, nossas noções de pedagogia e educação, a função do sexo, da religião, dos exércitos e dos esportes, a segregação entre Arte e Cultura, a execução do processo político e, finalmente, nossos valores econômicos. Um a um, iremos assistir a quedas de pilares que imaginávamos imbatíveis. E você prefere mudar de canal ou clicar num link do lado, para fingir que não irá participar disso tudo.
Porque você vai, querendo ou não. Resta saber se vai levar ou ser levado.
Depois eu falo mais disso.