Kiko Dinucci encheu o Centro da Terra mais uma vez, agora como integrante da temporada que o selo Desmonta está fazendo no teatro, sempre trazendo velhos e novos compadres em apresentações feitas para o aniversário de 18 da iniciativa de Luciano Valério. O bardo de Guarulhos veio só com o violão e, ao contrário de seu plano original, em que testaria novas sonoridades com seu próprio repertório, preferiu focar no período em que lançava discos pelo selo anfitrião, reunindo no decorrer da noite músicas do disco que lançou com seu Bando Afromacarrônico, no Duo Moviola que tinha com Douglas Germano (#voltaduomoviola), no seu disco de compositor Na Boca dos Outros (em que convidava vocalistas para cantar suas músicas) e nos dois primeiros do Metá Metá. Entre as canções, soltou seu lado cronista lembrando dessa fase de sua biografia, indo das noites de quarta-feira no Ó do Borogodó aos tempos do Cecap em Guarulhos, enumerando causos que misturava personagens típicos e situações do início de sua carreira profissional, quase sempre confirmando algumas dessas histórias com o próprio Luciano, que conhece desde os tempos do prézinho, como chamávamos a aula de alfabetização (hoje o primeiro ano) nos tempos em que a TV só tinha seis canais e saía do ar de madrugada. No percurso, passeou por “Deja Vu”, “Fio de Prumo”, “Engasga Gato” e “Santa Bamba” (duas em que reclamou dos trava-línguas que compunha quando era mais novo), “Partida em Arujá (Manezinho)”, “Depressão Periférica”, “Anjo Protetor”, “Oranian”, “Cio”, “Samuel”, “Mal de Percussión” e “São Jorge”, sempre alternando o tanger das cordas de seu violão sambista entre o batuque da fundo de quintal e o pogo de shows de hardcore, usando quase sempre o corpo do instrumento como percussão. No bis voltou com duas pérolas pessoais, a ode ao samba paulistano “Roda de Sampa” e a clássica contemporânea “Vias de Fato” que, tocada depois que Kiko ironizou não ter hits, foi acompanhada por todos num coro silencioso, solene e apaixonado. Tudo isso sob a luz atenta de Giorgia Tolani, por vezes intensa e difusa, outras hiperrealista, como os causos musicados de Kiko. Foi lindo.
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Satisfação começar o mês de outubro no Centro da Terra com a temporada que celebra a maioridade da produtora e selo Desmonta, comandada pelo herói de Guarulhos Luciano Valério, que lança discos e realiza shows de artistas e estrangeiros que exploram as fronteiras sônicas possíveis e que povoa as segundas deste mês com parte de seu elenco. Nesta primeira segunda, ele reúne o percussionista e baterista dos Deaf Kids, Sarine, em um transe experimental com as luzes de Giorgia Tollani. Na outra segunda, dia 13, o anfitrião é Kiko Dinucci, que explora novas texturas em seu violão – e outros instrumentos que podem vir no percurso – em busca de novas sonoridades para seus próximos trabalhos. Na terceira semana assistiremos ao encontro do próprio autor da temporada em seu projeto MNTH ao lado de Juçara Marçal e Douglas Leal, dos Deaf Kids (que apresenta-se como Yantra) e as luzes de Mau Schramm. O final da temporada vem com a presença massiva do grupo fluminense Crizin da Z.O., mais uma vez testando os limites do ruído. Os espetáculos começam pontualmente às 20h e os ingressos já estão à venda no site do Centro da Terra.
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Taylor Swift lançou mais um disco essa semana, mas uma música em especial está chamando mais atenção – e por motivos que vão para além da música. “Actually Romantic” é uma resposta mal educada ao Brat de Charli XCX, disco que, a partir das inseguranças de sua autora, busca tocar em temas delicados na música pop como, por exemplo, a competição entre artistas – especialmente artistas mulheres. Enquanto “Sympathy is a Knife” – que reclama que “toda essa simpatia é uma faca” – parece ser destinada a Taylor Swift (especificamente por mencionar ter que encontrar alguém nos bastidores do show da banda do namorado da Charli – ela que hoje é casada com o baterista do The 1975, cujo vocalista namorou Taylor), mas fala sobre inseguranças com o mundo do entretenimento como um todo. Pois parece que Taylor achou que não só essa música, mas todo o Brat, era sobre ela, a ponto de ela batizar sua faixa de desforra em referência à faixa “Everything is Romantic” do disco de Charli. Só que o mesmo havia acontecido em relação a “Girl, So Confusing” do mesmo disco em relação à cantora neozelandesa Lorde, que em vez de responder à Charli em outra música, preferiu juntar forças à suposta antagonista numa versão remix da música do Brat, rendendo uma versão ainda melhor da música original, uma parceria – e uma amizade – improvável e uma resposta à pretensa inimizade que deve florescer entre quaisquer cantoras. Havia uma expectativa que Taylor participasse do Brat and It’s Completely Different but Also Still Brat (como tantos outros fizeram, da Robyn a Ariana Grande, passando por Addison Rae, Caroline Polachek, Lorde, Tinashe, Julian Casablancas, Bon Iver, Billie Eilish e tantos outros), mas pelo jeito ela não entendeu nada, fez uma música de resposta bem forçada (e, vamo falar a real, bem infantil) e vai dar mais holofote ainda pra Charli, que já tinha desligado seu Brat pra focar na carreira de atriz. E se a gente compara a música da Charli com a da Taylor então, pobre menina rica…
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O Brasil é um país tão peculiar que alguns de seus grandes heróis são humoristas – e o patriarca desse clã é o imortal Apparício Torelly, mais conhecido por seu pseudônimo Barão de Itararé, que, nos tempos de Getúlio Vargas, era um dos grandes desafiadores do sistema ao ironizar a forma como a política sempre foi feita por aqui – mesmo que voltasse a reação às suas piadas pudessem ser prisão e tortura estatais. Sua importância vem resgatada no documentário O Brasil Que Não Houve – As Aventuras do Barão de Itararé no Reino de Getúlio Vargas, uma parceria de dois grandes nomes retratistas de nossa cultura neste século, o jornalista Renato Terra e o cartunista Arnaldo Branco. Com vasta experiência em audiovisual, os dois se reuniram para roteirizar e dirigir a quatro mãos o documentário, narrado por Gregorio Duvivier, que terá exibições na mostra Première Brasil do Festival do Rio a partir do dia 5 de outubro e acaba de ter seu trailer divulgado. Um filme que vem em boa hora.
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É isso aí: uma das bandas mais importantes da cena pós-punk inglesa volta ao Brasil depois de quase 30 anos. O Public Image Ltd. – ou apenas PiL, para os fãs – confirmou que sua turnê This Is Not The Last Tour, que começou em maio deste ano, passará pelo Brasil no início do ano que vem, quando o grupo fará uma única apresentação no Terra SP, no dia 8 de abril de 2026 (e os ingressos já estão à venda). O PiL foi uma reação quase impulsiva – e agressiva – que o vocalista dos Sex Pistols, o emblemático Johnny Rotten, tomou ao perceber que sua banda havia se tornado um ímã de problemas, especialmente após a famigerada turnê que fizeram pelos Estados Unidos. Querendo negar tudo que o punk estava pregando, Rotten abandonou seu pseudônimo artístico, assumiu seu sobrenome de batismo e como John Lyndon arregimentou anti-heróis musicais daquela cena, como Keith Levene, Jah Wobble e Richard Dudanski, para participar de seu experimento estético e político. O grupo liderou a transição do punk para uma cena a princípio indefinida chamada pós-punk, que foi berço para grupos tão diferentes quanto Gang of Four, Wire, Cure, Echo & the Bunnymen e U2, e até o início dos anos 90 manteve-se ativo e provocador, como é da natureza de seu criador. Lyndon encerrou a banda em 1992 depois de lançar clássicos como o disco de estreia (First Issue, de 78), o básico Metal Box (de 79), The Flowers of Romance (1981), Album (1986) e Happy? (1987), este último sendo o disco que o grupo veio mostrar no Brasil quando apresentou-se no Canecão, no Rio de Janeiro (que teve imagens registradas pelo clássico programa independente carioca Realce, assista abaixo), e no Projeto SP, em São Paulo. A banda retomou as atividades em 2005, quando Lyndon chamou o guitarrista Lu Edmonds (que já passou pelo The Damned, pelos Mekons e pelo próprio PiL nos anos 80), o baixista Scott Firth e o baterista Mark Roberts para voltar a gravar discos e fazer shows, formação que mantém-se até hoje. 2026 promete!
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Vocês viram que vai ter show do Mogwai no Circo Voador? Só quem já viu um show do Mogwai e que já assistiu a um show no Circo Voador pode vislumbrar o ataque aos sentidos que pode ser essa apresentação. Acontece em plena quarta-feira, 5 de novembro, e os ingressos já estão à venda… Tô cogitando seriamente…
Uma das bandas mais importantes da cena independente dos anos 80 nos Estados Unidos também era uma de suas bandas mais perigosas. O grupo foi alvo de um dos melhores documentários sobre bandas de rock já feitos, o inacreditável The Hole Truth And Nothing Butt, lançado este ano, em que as histórias escabrosas do grupo são contadas por eles mesmos com sordidez e dor ao mesmo tempo em que o diretor Tom Stern faz o próprio grupo olhar para o abismo que os transformou naquele caos agressivo em movimento em um filme doloroso e apaixonado. Os remanescentes do grupo – o vocalista Gibby Haynes, o guitarrista Paul Leary, o baixista Jeff Pinkus e o baterista King Coffey – não se reencontravam desde o último show em 2016, quando desistiram de apresentar-se ao vivo por cansaço, cogitando a possibilidade de fazer um último disco no ano seguinte, sem sucesso. A banda se dissolveu sem anunciar um fim e voltou a se rever justamente por conta do documentário de Stern, que entrevistou todos eles e contou com a participação de todos na divulgação do filme. O que culminou com a estreia comercial do documentário – que até então só estava sendo exibido no circuito de festivais, inclusive no brasileiro In Edit deste ano -, que aconteceu nesta terça-feira quando, após a exibição no Egyptian Theatre, em Hollywood, na Califórnia, o grupo voltaria a se encontrar para um bate-papo com o diretor, mas que acabou culminando na primeira apresentação ao vivo do grupo em oito anos, quando tocaram “Cherub”, “The Colored FBI Guy” e “The Shah Sleeps in Lee Harvey’s Grave” para deleite e incredulidade dos presentes – ainda mais que o grupo esteve recusando ofertas de centenas de milhares de dólares para voltar aos palcos. Tomara que eles voltem de vez, mesmo sabendo que, como sempre, será outra dose de mais pesadelos na estrada.
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O Coachella anunciou sua escalação para a edição do ano que vem e o que foi apresentado é um bom retrato do estado do pop atual equilibrado com a expectativa de que os Estados Unidos se tornem uma autocracia em pouco tempo. Ao mesmo tempo em que traz nomes instigantes e relevantes como Wet Leg, Ethel Cain, Turnstile, Oklou, Addison Rae, Pink Pantheress e o inusitado encontro inédito do Nine Inch Nails com o Boys Noize, batizado de Nine Inch Noize, o evento prefere jogar no seguro, trazendo as três principais atrações vindo direto da música pop mais comercial feita hoje – Sabrina Carpenter, Justin Bieber e Karol G -, nomes estabelecidos do rock alternativo (desde as voltas do Xx e do Rapture, passando pelos Strokes, Devo, David Byrne, Foster the People e outros), um monte de DJs, bandas de hardcore, nada de country e pouco de rap. Mas um bom termômetro para a escalação do ano que vem é a tentativa de mostrar que é possível ser multilateralista na Trumplândia, mas só pela escolha brasileira – tanto nome do Brasil pra levar e eles vão de Luísa Sonza? – fica a impressão de nomes colocados mais pra fazer número do que por sua importância artística. Fora essa estreia no bunker (seja lá o que isso queira dizer) do Kid A Mnesia do Radiohead. Será um show da banda dedicado aos dois discos ou uma espécie de instalação ou performance? Acho mais provável a segunda opção, mas vamos ver…
O fim de semana começou pesado com mais uma sessão do encontro entre Test e Deaf Kids mais uma vez no Sesc Avenida Paulista. Em noite ainda mais cheia que a anterior, as duas duplas mais uma vez engalfinharam no alinhamento ruidoso que as une no disco Sem Esperanças, jogando tanto para o lado do Test (com a velocidade de tirar o fôlego do baterista Barata e o peso da voz e da guitarra de João Kombi) quanto do Deaf Kids (em que a guitarra e a voz de Douglas Leal se misturam com efeitos sonoros e synths, enquanto Sarine expande o ritmo com doses precisas de percussão, por vezes acompanhado do próprio Douglas no atabaque). Mas os melhores momentos são quando as bandas se fundem numa coisa só, tanto seus bateristas embalando viagens de pura percussão, quanto os guitarristas erguendo uma parede intransponível de som. É nítido que eles estão abrindo a fórceps uma fronteira nova, entre o ruído de vanguarda, um rock industrial ainda mais elétrico com doses improváveis de percussão e o peso vultoso do metal que serviu como berço para os dois grupos – e ver isso acontecendo ao vivo ainda abre novas dimensões, imperceptíveis em disco. Extremo.
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Inacreditável o encontro entre Test e Deaf Kids que aconteceu nesta quinta no Sesc Av. Paulista. Duas das principais forças do ruído extremo paulista há tempos jogam essa dobradinha, mas desde o ano passado se aproximaram ainda mais e, além de shows e turnês em conjunto, começaram a compor juntos um álbum que finalmente foi lançado esse mês – e que por enquanto está disponível apenas no Bandcamp. E por mais que Sem Esperanças seja um salto considerável na discografia dos dois grupos (além de um dos melhores discos brasileiros do ano), o encontro ao vivo dos dois abre outras dimensões de barulho e mostra que tentar rotulá-los como grindcore, thrash, noise ou vanguarda é limitar as fronteiras do ruído que eles apenas escancaram. Ao lançar o disco num Sesc, o grupo ainda pode trabalhar com condições de temperatura e pressão ideais e além de um equipamento de som e de luz de primeira, puderam contar com dois ases controlando as respectivas mesas – o implacável Berna reprocessando o som enquanto Mau Schramm improvisava camadas de cores a cada célula de som proposta pelos grupos. No palco, João Kombi do Test dividia a regência da avalanche de som com com Douglas Leal, usando sua guitarra e voz como quem doma uma tempestade invisível, enquanto o comparsa dos Deaf Kids trazia seus efeitos eletrônicos, vocais remixados e guitarra demolidora. No centro do palco, de frente um para o outro, os dois bateristas Sarine (do DK) e Barata (do Test) desviavam aquela nuvem de som para debaixo da terra, como se abrissem placas tectônicas marteladas à velocidade da luz. Ver o impacto sonoro niilista causado por aqueles quatro indivíduos no palco era como se assistíssemos a abertura de um portal interdimensional que nos levava a um vácuo de descrenças em que o som parece ser a única forma de contato com a própria existência, sempre a partir de seus extremos. Um atordoo de sentidos propício ao dia histórico que foi essa quinta-feira. “E amanhã é Bolsonaro na cadeia, caralho!”, desabafou Douglas no final de mais de uma hora de som. E nessa sexta-feira tem mais.
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