Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.
O já tradicional festival mexicano Corona Capital encerrou sua edição neste domingo em grande estilo ao reunir, na última música do último show, três gigantes de três gerações diferentes numa jam session guitarreira, quando Jack White e St. Vincent se juntaram ao Sir Paul McCartney na parte instrumental do final da última música do último disco dos Beatles, “The End”, que encerra tanto o disco Abbey Road quanto a atual turnê do eterno beatle. Foi a primeira vez que Jack White, beatlemaníaco daqueles, dividiiu o palco com Paul – depois que o próprio Macca chamou St. Vincent para dividir “Get Back” com ele, minutos antes daquele mesmo show. Que delírio, olha só:
Ela de novo: Beyoncé acaba de anunciar que fará o show no intervalo do jogo de natal da liga de futebol norte-americana, que será transmitido pela Netflix para todo o mundo. E assim ela coroa o ótimo ano que teve com o lançamento do segundo ato de sua trilogia, Cowboy Carter, com uma versão particular da final do campeonato de futebol dos ianques.
Patti Smith apresenta-se em São Paulo não apenas uma mas duas vezes no final de janeiro do ano que vem, quando faz parte da inauguração da nova temporada do recém-reformado teatro Cultura Artística, que começa a incluir música popular – e não apenas erudita – em sua programação. A madre superiora do punk rock apresenta-se ao lado da dupla nova-iorquina Soundwalk Collective, formada por Stephan Crasneanscki e Simone Merli, quando mostra a peça Correspondences nos dia 29 e 30 do primeiro mês de 2025. Os ingressos começam a ser vendidos nesta terça para quem faz parte do programa Amigos do teatro e para o público em geral no próximo dia 21 a partir das 10h da manhã pelo site da instituição. Os ingressos custam entre R$ 100 e R$ 750 e cada comprador só pode levar dois ingressos por CPF.
Pude passear neste domingo pelo fantástico IV Festival Mário de Andrade, realizado pela biblioteca municipal de mesmo nome em suas instalações e redondezas, e é sempre bom ver a rua viva acesa pela arte e cultura. E entre estandes de editoras alternativas bem específicas, leituras de poemas e textos, exposições e exibição de filmes a praça Dom José Gaspar, ao lado da Biblioteca, fervia de gente ávida por cultura – e a edição deste ano do festival tornava tudo ainda mais intenso ao se pautar pelo centenário do movimento surrealista. E entre os shows do domingo – que contavam com apresentações do grupo Rumo e do Noporn em homenagem à Liana Padilha – pude ver a versão que o quarteto Sophia Chablau & Uma Enorme Perda de Tempo fez ao lado de Vítor Araújo para o primeiro disco solo do eterno mutante Arnaldo Baptista, o cinquentenário Lóki?. A celebração começou de trás pra frente, com o disco sendo relido a partir de seu lado B, que abre com a música-tema “Cê Tá Pensando que Eu Sou Lóki?”, e o grupo desmontando a maioria das músicas originais em arranjos que misturavam elementos eletrônicos, hardcore, jazz funk e de música brasileira ao mar de baladas rock do disco de 1974. O clima frio e chuvoso do fim de semana também deu um tempo e abriu um bem-vindo sol, deixando a tarde deste domingo bem agradável, o que ajudou ainda mais a recepção da releitura feita pelo grupo paulistano ao lado do músico pernambucano.
E se você está animado com a vinda do Mudhoney para o Brasil em março, se prepara porque aparentemente quem vem ao Brasil no mês seguinte é o Jon Spencer. Ícone do underground nova-iorquino desde anos 80, quando fundou a banda Pussy Galore, mas tornou-se mais conhecido na década seguinte à frente do trio que formou com o guitarrista Judah Bauer e o baterista Russell Simins, o Jon Spencer Blues Explosion, um dos melhores grupos de rock dos EUA naquele período, além de tocar em outras bandas como Boss Hog e Heavy Trash, sempre calcado no blues mais cru e punk possível. A vinda de Spencer para a América do Sul apareceu numa imagem que o Marcelo Costa twittou anunciando datas para a Argentina (1° de abril), para o Brasil (entre os dias 2 e 4) e para o Chile (dia 6) – e como o próprio Marcelo comentou, o fato de ter apenas duas datas em São Paulo (2 e 3) e uma em Jundiaí (dia 4) tem toda a cara de ser um show viabilizado pelo Sesc. Mudhoney num mês, Jon Spencer no outro… quem vai trazer o Yo La Tengo e o Stereolab?
Em Todos Nacen Gritando, versão em espanhol do disco We All Born Screaming que lançou em maio deste ano, St. Vicent consegue deixar sua mensagem — e sua sonoridade — ainda mais intensa, direta e precisa, apenas trocando de idioma (algo que nunca é apenas “apenas”) e torna um dos grandes discos deste ano ainda melhor.
Repetindo a dobradinha que já tinha feito com o compositor britânico Tim Phillips há dois anos, quando os dois regravaram “Who By Fire” do Leonard Cohen e a canção tradicional folk “Run On” para a trilha sonora da primeira temporada série irlandesa Mal de Família, PJ Harvey mais uma vez visita uma canção alheia – e que canção! – ao regravar nada menos que “Love Will Tear Us Apart”, música-símbolo da carreira do Joy Division. Lógico que é um deleite ouvir o timbre de Polly Jean declamando as palavras pesadas de Ian Curtis, mas a produção de Phillips plástica e oitentista deixa a música aquém do lugar que poderia chegar – e precisava desse vocoder quase no final da música?
Mais um fim de semana daqueles, que tem deve ser coroado com aquela acabação feliz que fazemos todo mês ali no Bubu, certo? Sim, Desaniversário à vista, quando eu, Clarice, Claudinho e Camila transformammos o Bubu, que fica ali na marquise do estádio do Pacaembu (Praça Charles Miller, s/n°) em nossa pista de dança favorita, tocando clássicos de todas as épocas e misturando com músicas novinhas prontas pra nos derreter na pista. E sempre cedo, porque não somos mais crianças: começamos a festa às 19h e ela termina pontualmente à meia-noite, para garantir que o domingo corra ao gosto de quem vier. O ingresso custa 40 reais e dá direito a uma long neck e você só precisa trazer sua disposição para dançar, porque a noite, você sabe, sempre é quente.
Mais um Inferninho Trabalho Sujo na Porta e comecei a vislumbrar outra transformação da festa a partir do que aconteceu nessa sexta-feira. Reuni dois artistas distintos com propostas diferentes mas que juntos trouxeram uma atmosfera diferente da que venho construindo neste último ano e meio abrindo espaço para artistas iniciantes, criando uma atmosfera mais introspectiva e plácida do que o ritmo intenso e abrasivo característico dos outros inferninhos. Assim, apesar de tecnicamente lidar com duas atrações que davam seus primeiros passos, o clima da noite não era propriamente jovem. Sim, Fernando Catatau e Isa Stevani estão aí há um tempo com seus trabalhos pessoais, mas a junção do trabalho dois, no espetáculo batizado de Outra Dimensão, é novíssimo e estava na terceira apresentação. E Francisca Barreto, apesar de ter acabado de entrar em seus vinte anos, já rodou o planeta tocando com Demian Rice e está desenvolvendo uma maturidade artística própria que vai além do que sua quantidade de shows autorais – aquele era apenas seu segundo, mas não parecia. Tocando mais uma vez com Bianca Godoi e Victor Kroner, ela convidou Valentim Frateschi para o lugar da viola de Thales Hashiguti, que não pode tocar nessa sexta, abrindo uma nova dimensão para além de seu primeiro show, realizado no Centro da Terra há algumas semanas. Com a banda toda de pé, ela criou uma correia para seu próprio violoncelo tocando ela mesma de pé e apresentou-se com mais confiança e dinâmica que na outra ocasião, dando preferência ao próprio repertório – tocando músicas lindas que ainda não têm nome – e deixando as versões para momentos pontuais do show, quando tocou “Habana” de seu professor de cello Yaniel Matos (que deverá ser seu primeiro single, produzido por Kroner), a maravilhosa versão para “Teardrop” do Massive Attack (quando deixa sua voz resplandecer como deve ser) e “Ponta de Areia” de Milton Nascimento (esta última só em seu instrumento e a pedidos do público). Uma apresentação mais concisa, sem participações especiais e mais direto ao ponto que a primeira, mostrando com ela aos poucos vai tomando conta do próprio voo.
Depois foi a vez de Fernando Catatau e Isa Stevani mostrar mais uma vez seu espetáculo Outra Dimensão, que realizam juntos: enquanto Isa projeta imagens tridimensionais que vão se desintegrando e reestruturando em movimento, Fernando faz sua guitarra rugir provocando reações nas imagens exibidas por Isa. E assim o público da Porta, onde foi realizada mais uma edição do Inferninho Trabalho Sujo, ia aos poucos entrando em paisagens silenciosas que hora pareciam estar numa gruta, num planeta inóspito, no espaço sideral ou numa floresta, imagens abstratas que ganhavam novas camadas com os movimentos propostos pelo som das duas guitarras tocadas por Catatau, que também cantarolou no final da apresentação, causando momentos de reflexão, meditação e transe entre o ruído e o silêncio, reforçando a sensação que o Inferninho na Porta abre uma outra categoria de festa. Uma que, quando discotequei, não pedia apenas música para dançar, mas abria espaços para misturar The Cure com Boards of Canada com instrumentais do BaianaSystem, Big Star e Tulipa Ruiz. Alguma coisa está acontecendo…