Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

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Disco 23) Raps de Verão – Paulo Nápoli
Cadê o disco solo de Paulo Nápoli? Um dos MCs mais versáteis de São Paulo tá enrolando pra agilizar seu disquinho, enquanto boa parte de sua geração (a saber: todo mundo da coletânea Direto do Laboratório mais uns desgarrados, como os Inumanos) lança seus primeiros trabalhos solo, Nápoli faz onda transformando uma coletânea de uma grife de roupas em uma mixtape de hip hop nacional sobre a estação mais legal do ano. Foi à sombra vermelha do sol chapacoco do CD Raps de Verão que 2005 deu o ar de sua graça, ao derreter o miolo da Babilônia no verão pós-tsunami. Ele narra a transição das faixas como um locutor de vinhetas, lembrando o nome do disco ao ouvinte sobre o som das ondas do mar, e faz um bom apanhado de faixas que expandem o tema proposto para diferentes regiões e gêneros do Brasil: o forró no Testemunha Ocular, o samba de roda no A Filial, a gafieira curitibana do Mocambo, os Imaginários de Floripa caindo no soul brazuca, a funkeira do Maskot, também de Curitiba. Além dos bróders de Sampa: Elo da Corrente, Parteum, Jamal. Mas os grandes momentos são de Nápoli, daí a cobrança do disco solo. “Malas Prontas” com Leco (sobre a excitação pré-praia). “Mistura Insana” com Parteum, “Preso no Latão” com o quinto andar Shawlin. Disquinho pra deixar rodando de fundo, trilha sonora pra grandes momentos de bobeira ao sol… Podia ter o número 2, pra aproveitar esse sol bonito de 2006.

Música 23) “Don’t Cha” – Pussycat Dolls
Tudo bem, a versão original de Tori Alamaze é mesmo mais cool e sutil (eu às vezes prefiro tocar ela, que é bem Prince, repara), mas chega no refrão e ela desanda, justamente onde a versão das Pussycat Dolls explode. Melhor pra elas – número 1 em um monte de paradas de sucesso, um clipe óbvio e correto tocando sem parar e versos que são cantados com a desenvoltura e sensualidade de caixas registradoras. É justamente este equilíbrio (mercado e pista, aqui o assunto não é “Arte”…) que torna a versão das PCD tão instantânea. E daí que elas são um grupo de dançarinas de lingerie em Las Vegas que existe desde 1993 e cujo único integrante original é o criador, Robin Antin? E daí que sua atual “líder” (Carmen Electra já ocupou o posto), Nicole Scherzinger, seja ex-integrante do grupo Eden’s Crush, vencedor do American Idol (o Fama original)? E daí que é vulgar? A graça da horizontalização da época em que estamos vivendo é que até a grande indústria tem que rebolar pra emplacar um hit. E nesse caso, a moeda é o sexo – sem precisar de nudez, insinuação ou penetração, tudo no suíngue robô, tudo na base da perva superproduça, mas sem cair nos clichês de pornografia do pop moderno. Aqui a graça é a aerografada, photoshopada, protoolzada – Hollywood, parece brilhar o glow. A falação de Busta Rhymes ao final é dispensável, mas também não chega a incomodar.

Show 23) Jess Saes no Milo Garage, em São Paulo
Eles podem ser velhos indies brazucas (um ex-Second Come, dois ex-Terrible Head Cream) e citar referências de pós-rock, mas os quando cariocas dos Jess Saes tocaram no Milo, fediam à psicodelia moderna – um pé no Pink Floyd de Syd Barrett outros nas vaibes dos Chemical Brothers e a cabeça zunindo nas instrumentais viajandonas do Primal Scream, mas sem eletrônica, sempre rock, classudo – como se o Mopho de Alagoas começasse a tomar ecstasy entre as refeições de LSD. O mirrado público da noite decolou dali pra 67 e eu ficava pensando que bela noite eles não fariam com o E.S.S. de Curitiba e o Labo daqui de São Paulo…

Hit AM pra acompanhar sua madruga solitária…

“For the Love of You” – Isley Brothers

Downloada e chora. Agora chora mais por poder ouvir uma sonzeira dessas de uma hora pra outra, minutos depois que tiver lido isso. Houve um tempo em que as músicas desconhecidas – lidas, não ouvidas – só existiam na nossa imaginação. Agora não tem mais disso: se eu digo que esse é o soul perfeito pra essa madrugada de quinta pra sexta em frente ao computador, a minha palavra pode – e deve – ser testada, atestada e/ou contestada. De preferência, os três.

(Um dia eu ponho voz nessa porra, aí fudeu)

Isley Brothers. Na real, não consigo ouvir outra coisa desde a feshteenha da sexta-feira treze – que, ao que parece, deu tão certo que deve virar mensal (e é claro que eu vou te dizer, fica tranq, e provavelmente no mesmo esquema de zero reau na entrada). Depois de uma avalanche de Basement Tapes, só uma overdose funk pra compensar…

Falando nisso, mudando de faixa pra “Takin’ Care of Business”: “I got woooork to do”.

Revisão de vinte em vinte anos

O clipe novo do Backstreet Boys, “Just Want You to Know”, vem nos mostrar que apesar da pressa avassaladora, dos processadores mais rápidos, das bandas mais largas e do barateamento das tecnologias, o período revisionista da cultura pop continua sendo de vinte anos. Filmado em VHS (ou com um filtro que deixa essa textura na imagem), o vídeo acompanha a banda num boogie, nos anos 80, indo a um show de hard rock farofa. Senso de humor decente, os caras tiram uma onda convincente e o clipe é divertido. Ele é tão anos 80 quanto o atual revival pede, quanto… “Sabotage” dos Beastie Boys era anos 70, a mesma banda que… já tinha sacaneado o hard rock farofa dos anos 80 em plenos anos 80, com o clipe de “No Sleep Til Brooklin” que remonta a… 1986.

Vinte anos.

Forwardeado pelo Tubá

Vai ser engraçado, esse ano

Todo mundo dançando…

Lembra que eu falei de “Se Ela Dança, Eu Danço”? Poizé, pegou mesmo: é o ringtone do celular do Ronaldo (o outro, sem ser o Gaúcho) e o Catra fez uma singela versão batizada “Mama Meu Ganso” (que, como quase tudo dele, é genial). Pêdoispêie.

PKD na BBC

“Was it Phil’s fault God talked to him or was it God’s?”

Deveras esclarecedora…

essa matéria da Carta Capital sobre os “injustiçados” pelo MinC.

Frank Zappa, início dos anos 80

Antes do CD entrar no mercado. Quem tiver tempo pra traduzir, pode me mandar que eu posto aqui:

A PROPOSAL FOR A SYSTEM TO REPLACE PHONOGRAPH RECORD MERCHANDISING

Ordinary phonograph record merchandising as it exists today is a stupid process which concerns itself essentially with moving pieces of plastic, wrapped in pieces of cardboard, from one location to another.

These objects, in quantity, are heavy and expensive to ship. The manufacturing process is complicated and crude. Quality control for the stamping of the discs is an exercise in futility. Dissatisfied customers routinely return records because they are warped and will not play.

New digital technology may eventually solve the warpage problem and provide the consumer with better quality sound in the form of compact discs [CDs]. They are smaller, contain more music and would, presumably, cost less to ship … but they are much more expensive to buy and manufacture. To reproduce them, the consumer needs to purchase a digital device to replace his old hi-fi equipment (in the seven-hundred-dollar price range).

The bulk of the promotional effort at every record company today is expended on ‘NEW MATERIAL’ . . .the latest and the greatest of whatever the cocaine-tweezed rug-munchers decide to inflict on everybody this week.

More often than not, these ‘aesthetic decisions’ result in mountains of useless vinyl/cardboard artifacts which cannot be sold at any price, and are therefore returned for disposal and recycling. These mistakes are expensive.

Put aside momentarily the current method of operation and think what is being wasted in terms of GREAT CATALOG ITEMS, squeezed out of the marketplace because of limited rack space in retail outlets, and the insatiable desire of quota-conscious company reps to fill every available slot with this week’s new releases.

Every major record company has vaults full of (and perpetual rights to) great recordings by major artists in many categories which might still provide enjoyment to music consumers if they were made available in a convenient form.

MUSIC CONSUMERS LIKE TO CONSUME MUSIC … NOT SPECIFICALLY THE VINYL ARTIFACT WRAPPED IN CARDBOARD.

It is our proposal to take advantage of the positive aspects of a negative trend afflicting the record industry today: home taping of material released on vinyl.

First of all, we must realize that the taping of albums is not necessarily motivated by consumer ‘stinginess.’ If a consumer makes a home tape from a disc, that copy will probably sound better than a commercially manufactured high-speed duplication cassette legitimately released by the company.

We propose to acquire the rights to digitally duplicate THE BEST of every record company’s difficult-to-move Quality Catalog Items [Q.C.I.], store them in a central processing location, and have them accessible by phone or cable TV, directly patchable into the user’s home taping appliances, with the option of direct digital-to-digital transfer to the F-I (SONY consumer-level digital tape encoder), Beta Hi-Fi, or ordinary analog cassette (requiring the installation of a rentable D-A converter in the phone itself . . . the main chip is about twelve dollars).

All accounting for royalty payments, billing to the consumer, etc., would be automatic, built into the software for the system.

The consumer has the option of subscribing to one or more ‘special interest category,’ charged at a monthly rate, WITHOUT REGARD FOR THE QUANTITY OF MUSIC THE CUSTOMER WISHES TO TAPE.

Providing material in such quantity at a reduced cost could actually diminish the desire to duplicate and store it, since it would be available any time day or night.

Monthly listings could be provided by catalog, reducing the on-line storage requirements of the computer. The entire service would be accessed by phone, even if the local reception is via TV cable.

One advantage of the TV cable is: on those channels where nothing ever seems to happen (there’s about seventy of them in L.A.), a visualization of the original cover art, including song lyrics, technical data, etc., could be displayed while the transmission is in progress, giving the project an electronic whiff of the original point-of-purchase merchandising built into the album when it was ‘an album,’ since there are many consumers who like to fondle & fetish the packaging while the music is being played.

In this situation, Fondlement & Fetishism Potential [F.F.P.] is supplied, without the cost of shipping tons of cardboard around.

Most of the hardware devices are, even as you read this, available as off-the-shelf items, just waiting to be plugged into each other in order to put an end to the record business as we now know it.

Burning Down the House

E festinha de ontem, cê foi? Total acabação de verão, vamo vê se a gente repete a dose…

Trainspotting + 10

Resenhinha do Pornô, do Irvine Welsh, na capa da Ilustrada de hoje. Aí embaixo, a íntegra, pré-edição:

Do mesmo jeito que era inevitável que Simon D. Williamson arrumasse um emprego que o mantivesse próximo do sexo, das drogas, dos jogos e da farra de seus anos dourados, também era inevitável que não durasse muito no cargo. E até durou demais, mesmo que mais apresentável e mais experiente que quando deixou sua cidade-natal rumo a Londres, ele ainda era o mesmo Sick Boy que funcionava como o próprio RP de seu bando na pós-adolescência.

Ao lado de Mark Renton, Frank Begbie e Daniel “Spud” Murphy, ele fazia parte do pequeno grupo de junkies sem esperanças que protagonizava “Trainspotting”, série de monólogos psicótico-autistas sobre o underground de Edimburgo, Escócia, no final dos anos 80. O livro, lançado originalmente em 1993, colocou o escritor escocês Irvine Welsh no mapa do mundo pop, especialmente após as adaptações para o teatro (encenada em Londres por Harry Gibson em 1995) e para o cinema (dirigida na Inglaterra por Danny Boyle em 1996).

Dez anos depois do golpe que parecia ter desfeito de vez aquela já esfacelada quadrilha, o acaso reúne os quatro novamente no decadente distrito de Leith que antes se referiam como lar. E eles não estão felizes com o reencontro. Apenas o tímido e inofensivo Spud permaneceu nas ruas de sua cidade, e ainda luta para deixar o vício de heroína no passado, como já aconteceu com os outros três.

Depois de anos na prisão, o psicopata Begbie reza para encontrar o filho da puta que lhe enviava revistas gay anonimamente quando estava na cadeia e para não encontrar Renton, a quem culpa sua estada atrás das grades. Sick Boy tem de engolir o orgulho de ser demitido de mais uma casa noturna em Londres agarrando-se no pub de uma tia para retornar à Escócia, que abomina. Renton é praticamente extraditado de volta para a Grã-Bretanha por Sick Boy, que o encontra dono de uma boate em Amsterdã e o ameaça a entrar em seu novo esquema: pornografia.

Assim começa “Pornô”, último livro lançado por Welsh, em 2002, que agora ganha edição brasileira. Depois da traição final de “Trainspotting” seus protagonistas (se é que podemos chamá-los assim) voltam a habitar a mesma sociosfera, seus reencontros sendo antecipados no mesmo tipo de monólogos atordoados do livro inicial.

Três deles têm filhos, todos estão sempre se ajeitando no espelho, fingindo não aceitar a velhice que começa a despontar no horizonte. Estão mais reflexivos, mas isso não quer dizer que a quantidade de sexo, drogas e violência diminuiu – pelo contrário, ela continua presa às suas personalidades como particularidades físicas.

Sexo casual, baseados, lugares imundos, garrafas de vinho, muito sangue, linhas de cocaína, estupros, muita cerveja, ameaças de morte e trambiques – o underground continua o mesmo. Mas a lenta realização de que os quarenta anos estão na próxima esquina e um balanço sobre a primeira metade da vida os torna menos impulsivos e sem tanta sede de vida.

Este lado é compensado no personagem de Nicola Fuller-Smith, a estudante de cinema Nikki, dez anos mais nova que o grupo e, portanto, com a idade que seus pares tinham em “Trainspotting”. A ela cabe o tesão pela vida e a lenta e deliciosa autodestruição do livro anterior. Manipuladora de homens e pseudo-intelectual, tem uma empáfia sensual típica das meninas que se consideram no controle da situação, provocando combustão com a química ao lado de Sick Boy. Os dois – ególatras, sexcêntricos, arrogantes – formam um casal perfeito, cínico e mau caráter.

Mas toda barra pesada e desilusão é bem diluída no humor peculiar de Welsh, que vai da ultraviolência ao sadismo de desenho animado, de perversões intelectuais a egotrips mirabolantes – se perde em relação a “Trainspotting” em ritmo e energia, “Pornô” ganha em acidez e meticulosa crítica comportamental. Os delírios de Sick Boy sobre empreendedorismo, tanto no mercado de “entretenimento adulto” quanto na “revitalização do centro de Leith” aludem tanto à megalomania neoliberal quanto ao novo-riquismo – e são hilários. A tradução de Daniel Galera e “Mojo” Pellizzari abranda felizmente o inglês tosco de alguns dos personagens – tornando os livros de Welsh difíceis até para quem lê em inglês – em prol do ritmo da leitura.

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“Pornô”
Editora: Rocco
Páginas:568
Preço : R$ 62,50