Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Paulo César de Araújo

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Como muita gente não conseguiu abrir o link com a entrevista que eu fiz com o autor do livro Eu Não Sou Cachorro, Não, Paulo César de Araújo, para o site da Som Livre, segue abaixo a reprodução da mesma:

A música brasileira recente parece dividir-se entre os artistas da tradição e os de vanguarda. De um lado, a força dos valores autênticos de um país que conta com uma das culturas mais ricas do mundo, lembrada na música caipira, no cancioneiro tradicional, no samba, no forró e tantas outras manifestações populares. Do outro, a transformação proposta pela modernidade, pelo pop, pela eletricidade e novas tecnologias. Riqueza rural e pluralismo urbano. O choque da cidade com o campo parece ser a metáfora perfeita para descrever o big bang da música nacional.

Mas, olhando de perto, vemos que há campo na cidade e cidade no campo. E nestas entrelinhas estão personagens e movimentos comportamentais convenientemente colocados a escanteio pelo traço da classe dominante. Apontando para a exclusão cultural de toda uma geração, o historiador Paulo César de Araújo nos conta a história de uma outra música de protesto, bem diferente das rodas vivas e opiniões consagradas pela versão oficial que conhecemos.

Em Eu Não Sou Cachorro, Não (Record), ele narra biografias de artistas que, quando lembrados pela memória nacional, vêm à tona em forma de chacota. Mas que venderam milhões de discos e emocionaram toda um público alheio às agitações dos cadernos de cultura, dos circuitos universitários e de temporadas no exterior: o povo brasileiro.

A tese de Paulo César é ousada: eram artistas como Odair José, Agnaldo Timóteo e Waldik Soriano quem verdadeiramente incomodavam a ditadura militar, furando o bloqueio da repressão para passar mensagens de resistência que atingiam multidões muito maiores do que os fãs de Chico Buarque e Caetano Veloso. No decorrer de sua argumentação (sólida e bem defendida, aliás), ele atira contra diversos bastiões da história da MPB: de seu aspecto elitista ao seu alinhamento com a boa imagem que a ditadura queria para o país, passando por mitos e preconceitos que povoam nosso imaginário até hoje.

Um dos pontos centrais de seu livro é que só durante a ditadura dos anos 70 que houve democracia no Brasil, pois todos os cidadãos, e não só os pobres, estavam sujeitos a tratamentos agressivos e violentos por parte das autoridades. O título do livro também não é um mero rótulo, pois o autor defende o maior hit de Waldik Soriano como um grito de desespero das classes mais baixas contra o tratamento dado pelas elites brasileiras, e não apenas um bolero dor-de-cotovelo.

Mais: uma reivindicação cultural do papel do povo na história do Brasil. E este seria o motivo de seu verdadeiro sucesso. Em entrevista, Paulo César conversou sobre alguns dos temas mais polêmicos de seu livro.

Eu Não Sou Cachorro, Não toca num dos pontos mais sensíveis da história da música brasileira: o conceito de “bom gosto” e as relações entre os que conceituam este “bom gosto” e os principais nomes da MPB. Este foi seu ponto de partida ou você percebeu isto à medida em que estudava os chamados artistas cafonas?
Desde o início decidi que não faria um livro apenas sobre música, mas sim um trabalho de história social e cultural, priorizando a análise da canção popular sem emitir juízo de valor estético. Afinal, quais os critérios de seletividade e julgamento na escolha da boa música popular? Quem determina estes critérios como universalmente válidos? Os críticos e historiadores da música popular brasileira excluíram os bregas de seus livros sob o argumento que esta produção musical é “ruim”, “vulgar”. Mas alguém já disse, e eu concordo, que este negócio de crítica musical não é objetivo. Implica um julgamento de valor tipo “eu sou melhor do que você, portanto o que eu gosto é melhor do que o que você gosta”. Ou seja: a luta de classes também se expressa na questão estética. Por isso, sempre me incomodou esta desqualificação do repertório “cafona” e a excessiva exaltação dos cantores da MPB.

Como você fugiu disso?
No meu livro procurei fugir destes dois extremos. Ali, focalizo a produção musical popular como um fenômeno social. Não emito qualquer juízo de valor estético – nem para as canções de Waldik Soriano, nem para as de Chico Buarque – ambas tratadas como documentos da história brasileira. Não opino se a voz de Nelson Ned é boa ou ruim ou se ele é um compositor completo ou não. Eu analiso a repercussão social de sua obra, o sucesso popular e a sua ausência na historiografia. Interessa-me o fato de Nelson Ned ser ouvido em cerca de trinta países, lotar por duas vezes no mesmo dia o Carnegie Hall e de contar entre os seus milhões de admiradores com o prêmio Nobel de literatura Gabriel Garcia Márquez. Da mesma forma não discuto se a música de Odair José é de alta ou baixa qualidade, mas sim, que ela aborda questões cruciais da sociedade brasileira – racismo, homossexualismo, drogas, exclusão social… -, o que fez de seu autor um dos mais proibidos artistas da época da ditadura militar. E para um amante da MPB que acha a música de Odair José muito simplória e banal, saiba que existem amantes de jazz e de música clássica que também acham a música de Chico Buarque muito simplória e banal. Em última instância o que vale é o poder de quem possui o “discurso competente” para afirmar que tal produção artística é boa ou ruim.

Qual seu posicionamento frente à crítica?
O crítico deve existir, é importante que ele exista. E será melhor crítico se tiver consciência das limitações de seu ofício; saber que ele julga segundo valores de seu meio social. Mas o problema maior não é dar estrelinhas para discos e shows. Isto é um trabalho de utilidade pública cultural como outro qualquer. O problema é quando não há separação entre o ofício do crítico e o do historiador. Veja-se o caso, por exemplo, do crítico e historiador José Ramos Tinhorão. Nos seus livros de história não aparecem a produção musical brega porque o crítico acha esta música ruim, desprezível. Aí é que está o problema. Ele ignora, exclui um capítulo da história da nossa música popular motivado por um suposto bom gosto musical. Neste caso a ação da crítica se torna perniciosa, nefasta, autoritária, excludente. O crítico, o pesquisador ou o historiador tem todo o direito de considerar a música de Odair José ruim. O que não correto é excluir este cantor da história, como se ele não tivesse existido. É esta ação excludente da crítica que eu considero autoritária e denuncio no meu livro.

A mídia é a principal arena do preconceito no Brasil?
A mídia apenas expressa e reforça o caráter preconceituoso, excludente e autoritário da nossa sociedade. E por ser mídia este caráter autoritário se torna mais visível. Mas preconceito e autoritarismo também existem nas universidades, nas instituições religiosas, nas forças armadas, nas câmaras legislativas, enfim, em todas as principais instituições da nossa sociedade. Não é um problema apenas da mídia.

Analisando a história da música brasileira no século 20, você consegue estabelecer um marco inicial para o surgimento desta “música de bom gosto”, que ignora vendas de discos para conceber discos mais “nobres”? Quando a música popular brasileira pôde se deixar ao luxo de deixar de ser popular?
Isto aconteceu após a eclosão da bossa nova, no fim dos anos 50, quando efetivamente a canção popular começou a ser objeto de análise e debate por parte da intelectualidade. É quando surgiu também um novo público consumidor de discos. Até então a nossa música popular era direcionada exclusivamente para a grande massa ouvinte dos programas de auditório. E este universo dos cantores do rádio era é visto pelas elites como o reino do improviso, do descompromisso profissional, do baixo nível artístico, da futilidade. De certa forma, não se atribuía qualquer importância a essa produção musical. Nomes hoje consagrados da música popular brasileira como Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues e Luiz Gonzaga só obtiveram reconhecimento da crítica quando o período de maior sucesso popular de cada um deles já havia terminado. Na época, Mário de Andrade se referia a obra destes compositores como “popularesca”. Os estratos mais altos da população brasileira não se identificavam com a música popular produzida neste país. Isto começou a mudar por volta de 1958, com o aparecimento da bossa nova. A partir daí foi incorporado um novo público para o mercado de discos e as principais gravadoras organizaram seu elenco com basicamente dois grupos de artistas: os de “prestígio, para atender as classes A e B, e os “comerciais” ou “cafonas”, voltados para os segmentos C, D e E.

Por que a bossa nova? Qual é o “truque” do gênero para se estabelecer como marco tão forte? Seria o sucesso no exterior aliado à mentalidade servil do brasileiro em relação ao estrangeiro?
É fato que as elites culturais do Brasil sempre consideraram “cafona” um tipo de música mais identificado aos gêneros e ritmos de países subdesenvolvidos. De mau gosto sempre foram o bolero, a guarânia, a rumba, a conga. De outro lado, eles sempre admiraram aquela música mais identificada aos Estado Unidos, principalmente o jazz. Alguns dos próprios músicos de bossa nova como Johnny Alf, João Donato e Carlos Lyra afirmam que na fase de adolescência eles não se interessavam por música popular brasileira. O que fazia a cabeça deles eram os temas, as melodias e as harmonias das canções americanas. Ou seja: foi a partir da bossa nova, com a fusão do samba com o jazz, que uma geração de jovens brasileiros passou a se interessar e a se identificar com a música popular do nosso país. A bossa nova aproximou o samba da música norte-americana e talvez por isso foi tão bem aceita pela elites culturais.

Você acha que é possível haver um reconhecimento crítico, póstumo ou tardio, em relação aos artistas citados no seu livro? De certa forma, algo desta natureza já está acontecendo com nomes – como Roberto e Erasmo Carlos – que desde os anos 80 são associados ao mau gosto…
De fato, o caso Roberto Carlos é um exemplo recente deste fenômeno. E para isto muito contribuiu a revelação de que a sua música “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos” fora feita em homenagem a Caetano Veloso, quando este estava no exílio em Londres. Isto mostra que são vários os aspectos que determinam a valorização de um determinado trabalho artístico, e estes aspectos muitas vezes são exteriores a obra em si. Este fenômeno também pode acontecer também com artistas desta geração de cafonas. A própria existência do livro Eu Não Sou Cachorro, Não é um reflexo disto, e também pode contribuir para esta mudança. Depois do livro, algumas pessoas podem olhar com outros olhos nomes como Benito di Paula, Luiz Ayrão e Odair José. A vida é dinâmica, a sociedade é dinâmica e isto se reflete na avaliação artística.

Fale um pouco sobre o seu próximo livro, sobre Roberto Carlos…
Ainda não tenho quase nada decidido sobre este livro. A única certeza é que não será uma biografia nem um mero relato jornalístico. Pretendo fazer uma análise histórica da produção musical de Roberto e Erasmo Carlos. Estarei iniciando a pesquisa ainda neste semestre. Inclusive este papel social de Roberto Carlos será estudado por mim agora, ainda não tenho uma resposta afirmativa. A data de lançamento também não tenho. Eu Não Sou Cachorro, Não me consumiu sete anos entre pesquisa e redação. Desta vez espero gastar menos tempo, até porque tenho mais prática no ofício e alguns erros poderão ser evitados. A minha previsão é de que o livro fique pronto no máximo até 2005.

Você consegue destacar o maior artista brasileiro deste gênero, a chamada “música cafona nos anos 70”?
Sem dúvida, Odair José, não por acaso o personagem mais citado no meu livro. Ele foi um cantor corajoso, provocador e contestador na época do regime militar. Ainda mais porque, ao contrário de artistas como Caetano Veloso e Milton Nascimento, que atingiam um segmento de classe média, universitário, progressista, Odair falava para os baixos estratos da população, um público majoritariamente católico, conservador, apegado aos tabus, aos valores sociais vigentes. As composições de Odair José focalizavam diversos temas do cotidiano e convidavam seu ouvinte à reflexão e ao questionamento. Suas canções abordam, por exemplo, prostituição (“Vou Tirar Você Desse Lugar”); homossexualismo (“Forma de Sentir”); drogas (“Viagem”); anticoncepcionais (Pare de Tomar a Pílula); exclusão social (“Deixa essa Vergonha de Lado”); religião (“Cristo, quem é Você?”); alienação (“Novelas”); adultério (“Pense ao Menos em Nossos Filhos”). E como se não bastasse, ele ainda idealizou uma ópera-rock de protesto religioso, o que provocou a fúria da Igreja e levou alguns padres até a ameaçá-lo de excomunhão. Proibido pela Igreja e pelo regime dos generais, Odair José ainda enfrentou a ruidosa vaia do público do Anhembi no show com Caetano Veloso no Phono 73. Aliás, este espírito ousado, provocador e inquieto de Odair foi sintetizado por ele numa canção composta em 1972: “Eu Queria Ser John Lennon”.

Ainda sobre trabalho

Continuando o papo sobre trabalho e a decadência da mediocridade, mais dois textos que valem a citação – e pra ninguém ficar me chamando de “libertário” ou “anarquista”, o primeiro (que trombei “sem querer” outro dia na rede) é do Bertrand Russell (de 1932) e o segundo (que a Kátia, do B*Scene me mandou) saiu na Veja este ano. Esse é o primeiro, o Elogio ao Ócio (se alguém se dispor a traduzir, eu publico e dou crédito):

“First of all: what is work? Work is of two kinds: first, altering the position of matter at or near the earth’s surface relatively to other such matter; second, telling other people to do so. The first kind is unpleasant and ill paid; the second is pleasant and highly paid. The second kind is capable of indefinite extension: there are not only those who give orders, but those who give advice as to what orders should be given. Usually two opposite kinds of advice are given simultaneously by two organized bodies of men; this is called politics. The skill required for this kind of work is not knowledge of the subjects as to which advice is given, but knowledge of the art of persuasive speaking and writing, i.e. of advertising.

Throughout Europe, though not in America, there is a third class of men, more respected than either of the classes of workers. There are men who, through ownership of land, are able to make others pay for the privilege of being allowed to exist and to work. These landowners are idle, and I might therefore be expected to praise them. Unfortunately, their idleness is only rendered possible by the industry of others; indeed their desire for comfortable idleness is historically the source of the whole gospel of work. The last thing they have ever wished is that others should follow their example.

From the beginning of civilization until the Industrial Revolution, a man could, as a rule, produce by hard work little more than was required for the subsistence of himself and his family, although his wife worked at least as hard as he did, and his children added their labor as soon as they were old enough to do so. The small surplus above bare necessaries was not left to those who produced it, but was appropriated by warriors and priests. In times of famine there was no surplus; the warriors and priests, however, still secured as much as at other times, with the result that many of the workers died of hunger. This system persisted in Russia until 1917, and still persists in the East; in England, in spite of the Industrial Revolution, it remained in full force throughout the Napoleonic wars, and until a hundred years ago, when the new class of manufacturers acquired power. In America, the system came to an end with the Revolution, except in the South, where it persisted until the Civil War. A system which lasted so long and ended so recently has naturally left a profound impress upon men’s thoughts and opinions. Much that we take for granted about the desirability of work is derived from this system, and, being pre-industrial, is not adapted to the modern world. Modern technique has made it possible for leisure, within limits, to be not the prerogative of small privileged classes, but a right evenly distributed throughout the community. The morality of work is the morality of slaves, and the modern world has no need of slavery.

(…)

This is the morality of the Slave State, applied in circumstances totally unlike those in which it arose. No wonder the result has been disastrous. Let us take an illustration. Suppose that, at a given moment, a certain number of people are engaged in the manufacture of pins. They make as many pins as the world needs, working (say) eight hours a day. Someone makes an invention by which the same number of men can make twice as many pins: pins are already so cheap that hardly any more will be bought at a lower price. In a sensible world, everybody concerned in the manufacturing of pins would take to working four hours instead of eight, and everything else would go on as before. But in the actual world this would be thought demoralizing. The men still work eight hours, there are too many pins, some employers go bankrupt, and half the men previously concerned in making pins are thrown out of work. There is, in the end, just as much leisure as on the other plan, but half the men are totally idle while half are still overworked. In this way, it is insured that the unavoidable leisure shall cause misery all round instead of being a universal source of happiness. Can anything more insane be imagined?

(…)

When I suggest that working hours should be reduced to four, I am not meaning to imply that all the remaining time should necessarily be spent in pure frivolity. I mean that four hours’ work a day should entitle a man to the necessities and elementary comforts of life, and that the rest of his time should be his to use as he might see fit. It is an essential part of any such social system that education should be carried further than it usually is at present, and should aim, in part, at providing tastes which would enable a man to use leisure intelligently. I am not thinking mainly of the sort of things that would be considered ‘highbrow’. Peasant dances have died out except in remote rural areas, but the impulses which caused them to be cultivated must still exist in human nature. The pleasures of urban populations have become mainly passive: seeing cinemas, watching football matches, listening to the radio, and so on. This results from the fact that their active energies are fully taken up with work; if they had more leisure, they would again enjoy pleasures in which they took an active part.

In the past, there was a small leisure class and a larger working class. The leisure class enjoyed advantages for which there was no basis in social justice; this necessarily made it oppressive, limited its sympathies, and caused it to invent theories by which to justify its privileges. These facts greatly diminished its excellence, but in spite of this drawback it contributed nearly the whole of what we call civilization. It cultivated the arts and discovered the sciences; it wrote the books, invented the philosophies, and refined social relations. Even the liberation of the oppressed has usually been inaugurated from above. Without the leisure class, mankind would never have emerged from barbarism.

The method of a leisure class without duties was, however, extraordinarily wasteful. None of the members of the class had to be taught to be industrious, and the class as a whole was not exceptionally intelligent. The class might produce one Darwin, but against him had to be set tens of thousands of country gentlemen who never thought of anything more intelligent than fox-hunting and punishing poachers. At present, the universities are supposed to provide, in a more systematic way, what the leisure class provided accidentally and as a by-product. This is a great improvement, but it has certain drawbacks. University life is so different from life in the world at large that men who live in academic milieu tend to be unaware of the preoccupations and problems of ordinary men and women; moreover their ways of expressing themselves are usually such as to rob their opinions of the influence that they ought to have upon the general public. Another disadvantage is that in universities studies are organized, and the man who thinks of some original line of research is likely to be discouraged. Academic institutions, therefore, useful as they are, are not adequate guardians of the interests of civilization in a world where everyone outside their walls is too busy for unutilitarian pursuits.

In a world where no one is compelled to work more than four hours a day, every person possessed of scientific curiosity will be able to indulge it, and every painter will be able to paint without starving, however excellent his pictures may be. Young writers will not be obliged to draw attention to themselves by sensational pot-boilers, with a view to acquiring the economic independence needed for monumental works, for which, when the time at last comes, they will have lost the taste and capacity. Men who, in their professional work, have become interested in some phase of economics or government, will be able to develop their ideas without the academic detachment that makes the work of university economists often seem lacking in reality. Medical men will have the time to learn about the progress of medicine, teachers will not be exasperatedly struggling to teach by routine methods things which they learnt in their youth, which may, in the interval, have been proved to be untrue.

Above all, there will be happiness and joy of life, instead of frayed nerves, weariness, and dyspepsia. The work exacted will be enough to make leisure delightful, but not enough to produce exhaustion. Since men will not be tired in their spare time, they will not demand only such amusements as are passive and vapid. At least one per cent will probably devote the time not spent in professional work to pursuits of some public importance, and, since they will not depend upon these pursuits for their livelihood, their originality will be unhampered, and there will be no need to conform to the standards set by elderly pundits. But it is not only in these exceptional cases that the advantages of leisure will appear. Ordinary men and women, having the opportunity of a happy life, will become more kindly and less persecuting and less inclined to view others with suspicion. The taste for war will die out, partly for this reason, and partly because it will involve long and severe work for all. Good nature is, of all moral qualities, the one that the world needs most, and good nature is the result of ease and security, not of a life of arduous struggle. Modern methods of production have given us the possibility of ease and security for all; we have chosen, instead, to have overwork for some and starvation for others. Hitherto we have continued to be as energetic as we were before there were machines; in this we have been foolish, but there is no reason to go on being foolish forever”

E este é a quase íntegra do outro, de um tal de Stephen Kanitz:

“Nenhum ditado popular explica tão bem os problemas do Brasil e do mundo como “Em terra de cego quem tem um olho é rei”. Ele mostra por que existe tanta gente incompetente dirigindo nossas empresas e nossas instituições. Mostra também por que é tão fácil chegar ao topo da pirâmide social sem muita visão ou competência. Basta ter um mínimo de conhecimento para sair pontificando soluções.
(…)

Existe um corolário desse ditado que me preocupa por suas conseqüências. “Em terra de cego, quem tem um olho é rei, e quem tem dois olhos é muito malvisto.” Indivíduos inteligentes e capazes são encarados como uma enorme ameaça e precisam ser rapidamente eliminados pelos que estão no poder.

Por essa razão, pessoas com mérito e competência dificilmente são promovidas no Brasil. Promovidos são os bajuladores e puxa-sacos. Quando aparece alguém com dois olhos, os reizinhos tratam de eliminá-lo, quanto antes melhor.

Já cansei de ver gente competente que, de um momento para o outro, deixou de ser ouvida pela diretoria. Já vi muito jornalista que, de repente, caiu em desgraça. Já vi muito jovem comentar algo brilhante na aula e ser duramente criticado pelo professor, sem saber o motivo. Todos cometeram o erro fatal de mostrar que tinham dois olhos. Por favor, não deixe que isso aconteça com você.

Se você é dos milhares de brasileiros que possuem dois olhos, tome cuidado. Em terra de cego, você corre perigo. Nunca mostre a seu chefe, professor ou colega de trabalho os olhos que tem. Lamento não poder dar nenhum bom conselho, eu sou dos que têm um olho só.

A maioria dos dois-olhos que conheço já desistiu de lutar e optou pelo anonimato. Quando eles têm uma idéia brilhante, colocam a solução na mesa de seus chefes e deixam que a idéia seja descaradamente roubada. Eles se fingem de mortos, pois sabem que, se agirem de modo diferente, poderão tornar-se vítimas. Mas há saídas melhores.

Se seu chefe tem um olho só, mude de emprego e procure companhias que valorizem o talento, que tenham critérios de avaliação claros e baseados em meritocracia. São poucas, mas elas existem e precisam ser prestigiadas.

Ou, então, procure um chefe que tenha dois olhos e grude nele. Ele é o único que irá entendê-lo. Ajude-o a formar uma grande equipe. Se ele mudar de empresa, mude com ele. Seja diferente, procure os melhores chefes para trabalhar, não as melhores companhias. Normalmente, as grandes empresas já são dominadas por reizinhos de um olho só.

Por isso, considere criar um negócio com outros como você. Vocês terão sucesso garantido, pois vão concorrer com milhares de executivos e empresários de um olho só. Nosso erro como nação é justamente não identificar aqueles que enxergam com dois olhos, para poder segui-los pelos caminhos que trilham. Eles deveriam ser valorizados, e não perseguidos, como o são. O Brasil precisa desesperadamente de gente que pense de forma clara e coerente, gente que observe com os próprios olhos aquilo que está a sua volta, em vez de ler em livros que nem foram escritos neste país.

Se você for um desses, tenha mais coragem e lute. Junte-se a eles para combater essa mediocridade mundial que está por aí. Vocês não se encontram sozinhos. Nosso povo tem dois olhos, sim, e é muito mais esperto do que se imagina. Ele está é sendo enganado há tempos, enganado por gente com um olho só.

Foi-se o tempo de uma elite pensante comandar a massa ignara. Hoje, a maioria do povo tem acesso à internet e a home pages com mais informação do que essa intelligentsia tinha quando fez seu doutorado. Se informação é poder, ela não é mais restrita a um pequeno grupo de bem formados. Nosso povo só precisa acreditar mais em si mesmo e perceber que cegos são os outros, aqueles com um olho só”.

Mais uma vez, a ênfase: cada vez mais gente fala nisso.

Mudança de comportamento

Um dia alguém vai explicar esse hábito estranho de ler sobre um filme antes de assistí-lo. Vai de encontro a todas as possibilidades do cinema. É como se pudéssemos escrever o roteiro das coisas que sonhamos.

Quem fala o que quer…

E essa história do Caetano gravar “Come As You Are”?

Vamos aos fatos

Bem legal esse texto. Tipo “coisas que precisam ser ditas”:

“Tradicionalmente, o mercado musical tem sido baseado em uns poucos nomes. Estes alimentavam os menores, de forma que tudo funcionava a contento. Ou seja, a gravadora investia em 10 artistas e, destes, só um dava certo, de forma a pagar pelo investimento dos outros 9. Por sinal, este número é real e coincide com a taxa normal de retorno de qualquer investidor institucional. Ou seja, nada de especial até aqui: a coisa funcionava bem. Porém, a concentração de nomes tem se intensificado muito ultimamente, e isto se originou em vários fatores.

Um destes foi a súbita descoberta das grandes cadeias de lojas em detrimento dos pequenos lojista. As gravadoras passaram a se focar quase que exclusivamente em megastores como Lojas Americanas, Carrefour, WallMart, etc, passando a ignorar o pequeno lojista. Isto devido ao fato das megastores comprarem muito mais do que uma pequena loja, dando assim menos trabalho. Isto foi um erro fatal, pois o pequeno lojista possui muito mais espaço e interesse em ter um estoque variado do que uma megastore, uma vez que ele vende exclusivamente música. Já as megastores vendem um pouco de tudo e, assim, não tem nem o interesse e muito menos o espaço para comportar muitos nomes e álbuns. Assim, o pequeno lojista acabou fechando as portas, adicionando ainda mais para a concentração de mercado nas megastores. O efeito final é que hoje é extremamente difícil se encontrar CDs que não sejam os manjados Sandy e Júnior, Padre Marcelo Rossi, e Kelly Key [urgh!], pois as megastores não se interessam em vendê-los, e as pequenas lojas que sobreviveram perderam o cash-flow necessário para se dar ao luxo de manter CDs com pouca liquidez nas prateleiras.

Outro motivo apareceu quando as rádios descobriram um excelente filão: não pagar mais royalties e, em vez disso, cobrar pela execução de músicas. O mercado, entretando, em vez de simplesmente se opor a este absurdo, concordou, e deixou que ele se estabelece-se. Isto criou uma enorme carga financeira nas gravadoras, que passaram a poder lançar somente uns poucos nomes, contribuindo ainda mais para a concentração musical.

Paralelo a esse mercado ‘oficial’, aparece um ‘paralelo’ chamado internet. Neste, o artista se vê reduzido a um mero arquivo MP3. Não importa o quanto coloque em marketing, publicidade, Relações Públicas, e blábláblá, o arquivo MP3 não vai crescer nem ficar mais bonito por isso. Não importa o quanto se fale sobre a qualidade da música contida nele, o arquivo sempre será um entre zilhões circulando no ciberespaço todos os dias. Não importa o quanto coloquemos de mídia, um zé-ninguém pode, com um investimento mínimo exatamente nesse marketing, publicidade, Relações Públicas, e blábláblá, obter o mesmo nível de exposição. Ou seja, foi introduzido no mercado a pior coisa que poderia acontecer nele: a DEMOCRATIZACÃO.

Porém, entra agora a pergunta que não quer calar: alguém proibiu o mercado de música de usar essas mesmas ferramentas para o seu bem? Obvio que ninguém. Nesse caso, porque, em vez de usá-las, tentam impedir que elas sejam usadas? Não porque elas sejam ‘piratas’, ou ‘ilegais’, ou o que for. É porque ele mesmo percebeu que invalida o seu negócio na medida em que o democratiza. É porque ele percebeu que a democratização da música faz muito mais mal do que qualquer pirataria. E isto se faz notar quando órgãos reguladores que processam pessoas acusadas de pirataria na internet afirmam estarem defendendo ‘toda a indústria’. Toda não, cavalheiro, pois há muitos músicos e selos independentes que não concordam com a maneira que a música está sendo levada, usam a internet com sucesso para divulgar os seus artistas, e nunca pediram para serem representados por ninguém. Porém, como estes não tem voz publica, acabam sendo engolidos pela retórica dos grandes players do mercado. Porém, uma vez mais, a própria internet vêm como salvação, permitindo que o público saiba realmente o que está acontecendo, como você mesmo está fazendo agora”

Às completistas de plantão

Quem me conhece que me compre: a capa da revista da MTV deste mês e parte da tradução do recém-lançado Zap Comix levam a mesma assinatura deste sítio. Satisfação garantida ou satisfação garantida.

Dead channel

É oficial: Alex Antunes traduziu o Neuromancer para a Editora Aleph (além de ter escrito o prefácio). Depois que eu ler, comento aqui, mas se der certo, os caras retomam a linha sci-fi. Cruzem os dedos!

TFC-BR

Agora vai. Dobradinha entre a Slag e o Coquetel Molotov garantem a vinda dos escoceses mais legais do planeta ao Brasil. A notícia saiu do Diário de Pernambuco, vê lá. A data marcada é 27 de março do ano que vem e deve ter shows da PELVs e do Hurtmold, ao menos na etapa de Recife. Claro que o show deve descer pro Rio e pra São Paulo (e, talvez, além), mas não tem nada confirmado, por enquanto.

No fun

É a saída dos truculentos: brechou a criatividade, neguinho baixa o sarrafo. Não bastasse proibirem raves no Rio e em Floripa (faça a interseção e descubra o nome do partido), o Ivan da De Inverno volta a notificar outro chegapralá da polícia contra a diversão noturna curitibana. Siga o link.

Tecnicolor – Mutantes

Qual é a melhor banda da história do rock brasileiro? Fácil: os Mutantes. Olhando à distância, o rock nacional nunca teve grandes bandas, daquelas cujo estrago pode ser medido tanto pelas influências na geração seguinte quanto pelo apelo pop, esta qualidade enigmática que faz com que diferentes canções consiga tocar o ouvinte mais fundo que a distância entre o tímpano e o cérebro, mesmo que por pura diversão. De um lado temos bandas grandes (Legião, Paralamas, Titãs, Sepultura, Engenheiros, Secos & Molhados, RPM) cujo impacto de sua música em alguns momentos de suas carreiras balançaram o alicerce central da cultura brasileira. Do outro temos os injustiçados esquecidos pelo mercado (Tomzé, DeFalla, Walter Franco, Cascavellettes, Fellini, Arrigo, Joelho de Porco, Black Future, Picassos Falsos, Gang 90, Erasmo, Tim Maia, Premê) que ainda terão sua herança nacional reconhecidas com o tempo, finalmente premiando sua ousadia fora de época que lhes custaram as próprias carreiras. Os Mutantes equilibravam tanto experimentalismo quanto popularidade, embalando hits como Panis et Circensis e Ando Meio Desligado com álbuns que fundiam a transgressão sônica e lírica proposta pelo rock mundial da época, o desbocado humor brasileiro e uma energia que só adolescentes são capazes de liberar. E acabaram funcionando para o Brasil como o referencial mais próximo dos Beatles que nós temos.

Mas o que se sabe sobre os Mutantes? Todos conhecem a história, as histórias e os maiores sucessos do grupo (na voz deles mesmos ou em algum dos diversas canções-tributo ao trio/quinteto paulistano), mas sua música ainda é uma incógnita. E por apenas duas vezes na história tivemos a possibilidade de redescobrir o grupo através de reedições. A primeira e mais clássica delas aconteceu durante os anos 80, quando a gravadora independente Baratos Afins se dispôs a lançá-los de volta ao mercado. Ainda conseguiu relançar jóias perdidas relacionadaos ao grupo, como o primeiro disco solo do tecladista Arnaldo Baptista, o clássico Lóki?. Nesta mesma época, o jornalista e músico Thomas Pappon (então no Fellini) se dispôs a registrar pela primeira vez a história do conjunto, entrevistando os principais envolvidos e escrevendo um marco na história da história do rock brasileiro, publicado em duas edições da extinta revista Bizz. O advento do CD trouxe novo interesse pelo trabalho do grupo no começo dos anos 90, quando a gravadora PolyGram trouxe os Mutantes para o disquinho prateado. Além das “todas as letras revisadas por Arnaldo Baptista”, a remessa trouxe toda discografia do grupo, Lóki?, os dois primeiros discos solo de Rita Lee (o primeiro – Build Up – com a participação de todos os Mutantes em diferentes faixas, o segundo – Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida – com os Mutantes como banda de apoio da cantora, considerado por muitos o melhor disco do grupo) e o disco engavetado do conjunto, O A e o Z. Sem Rita, este álbum entregava os pontos que o quinto disco da banda (Mutantes e Seus Cometas no País dos Bauretz) e descambava para o rock progressivo do calibre do Yes. Se você tem discos brasileiros dos Mutantes em casa ou são vinis lançados na época ou nos anos 80 ou são CDs do começo dos anos 90. Nenhum disco do grupo saiu de outras senão destas três safras.

Até que o jornalista Carlos Calado resolveu estrear sua bibliografia biografando o grupo paulista. Com o óbvio título de A Divina Comédia dos Mutantes, o livro de 1996 não trazia grandes surpresas no enredo da história já contada por Thomas quase dez anos antes. Mas entre as surpresas descobertas pelo escritor, estava um disco inédito do grupo, formado apenas por faixas conhecidas, quase todas cantadas em inglês. O álbum foi gravado em Paris quando o grupo passou em uma temporada de shows no final de 1970. Escoltados pelo produtor inglês Carl Holmes (que insistia na sonoridade brasileira do grupo), os Mutantes entraram no Studios Des Dames em Paris em novembro daquele ano e registraram Tecnicolor, o disco que lançaria a banda na Inglaterra e na França. Mas por algum motivo, a Polydor inglesa não se interessou pelo álbum, como sua sucursal brasileira, a Phillips. A fita foi arquivada num estúdio londrino e desenterrada por Calado, embora trechos do disco fossem conhecidos pela rede de pirateiros especializados no grupo. O autor ensaiou um relançamento do disco à época que o livro saiu, mas problemas burocráticos empacaram o processo. Mas uma recente onda de música brasileira no exterior fez com que o interesse pelo grupo crescesse tanto ao ponto da gravadora de David Byrne lançar uma coletânea do grupo (Everything is Possible) e o selo indie Tal reeditar os três primeiros álbuns dos Mutantes. Tal mania pela música do grupo fez com que os realizadores deste projeto conseguissem agilizar o lançamento do álbum inédito com a PolyGram (que, pra complicar ainda mais as coisas, foi vendida para a Universal – a empresa, não a igreja). O resultado chega às lojas esta semana.

Historicamente, Tecnicolor se situa entre as duas fases do grupo: a careta (dos três primeiros discos, quando a ingenuidade e espontaneidade do grupo eram a força-motriz de sua criatividade) e a chapada (dos três últimos, quando a técnica passa a ser fator primordial no método de composição, até o grupo tornar-se um monstrengo progressivo). Ao gravar um disco fora do país depois de alguns anos habituados com o estúdio, os Mutantes tiveram a oportunidade de reescrever sua história a partir do zero, pescando os melhores títulos e adaptando-os para o inglês e para sua sonoridade de então. Transbordando criatividade, o disco é o ponto de mutação do grupo, o momento em que as duas fases se convergem para o mesmo lugar. Este lugar é o disco em questão e se você não consegue decidir-se qual dos dois estágios do grupo você prefere, Tecnicolor é o melhor disco dos Mutantes.

“É hora de entrar em contato com as coisas que nos importamos”, sussurra, em inglês, Rita Lee na faixa que batiza o álbum. É uma boa desculpa para adentrarmos no universo do grupo. Sabemos da importância dos Mutantes, mas poucos se dispõem a mergulhar em sua biosfera de psicodelia apaixonada e jogos de calçada. Com Tecnicolor, é impossível resistir ao convite musical que a banda nos propõe, acompanhado dos mais belos vocais já cantados pelo trio principal: Arnaldo, Rita e o guitarrista Sérgio Dias. A química entre os cinco músicos (Liminha no baixo e Dinho na bateria) é perfeita e é possível detectar claramente o que foi improvisado no estúdio e o que nasceu de observações à parte.

Tecnicolor é, antes de tudo, um registro preciso do amadurecimento técnico do instrumental dos Mutantes. Aqui eles policiam seus excessos e prolongam as faixas ao instante em que elas parecem nos fazer querer mais, reduzindo o volume até a jam continuar apenas em pensamento. Os vocais são sussurrados e sob controle (Rita geme em Batmacumba, seduz em Baby, assombra em Le Premier Bonheur du Jour; Arnaldo lamenta-se em I’m Sorry Baby e o trio hipnotiza com Tecnicolor, na reprise de Panis et Circensis e Adeus Maria Fulô) e os poucos arranjos são inéditos, emboras muitos (Virgínia, El Justiciero, Baby, Saravá) fossem aproveitados quase integralmente no álbum seguinte à gravação do disco francês, Jardim Elétrico. As mudanças mais drásticas acontecem em I Feel A Little Spaced Out (Ando Meio Desligado) com o improviso comendo solto entre o baixo condutor e o teclado e a jam session de hard blues na parte final da canção e em Adeus Minha Fulô, onde a levada caribenha ganha ares de caixinha de música acompanhada com cuíca e marimba. Fora estas, poucos detalhes ajudam a envernizar o glamour das faixas do grupo, como o pesado teclado futurista em Virgínia, a bela guitarra de Le Premier…, o final que mescla Ob-La-Di Ob-La-Da com Rain (as duas dos Beatles) em She’s My Shoo-Shoo (divertida versão para A Minha Menina, de Jorge Ben), a versão crua de Saravah, o solinho de piano jazzy ao final de Baby… A brasilidade come solta por Batmacumba (onde parte da percussão é feita por guitarra e contrabaixo) e She’s My Shoo-Shoo (com agogô e cuíca), enfatizando a intenção do produtor Holmes em lançar o grupo no mercado europeu aproveitando a nova febre de música brasileira no mercado. Duas faixas (She’s My Shoo-Shoo e Baby) citam nominalmente “samba” e “bossa nova” em suas adaptações para o inglês, embora não contem com os termos nas versões originais. A delicadeza e respeito que o grupo tem para sua musicalidade faz com que, mais uma vez durante o disco, lembremos de Plastic Soda, o disco recente de Jupiter Apple.

O disco só peca por seu acabamento. O limpeza de som proposta por Carlos Freitas é menos digital que a média, mas perde-se parte dos graves que as válvulas dos amplificadores do grupo faziam rugir (poderia ser pior se caísse nas mãos do Liminha). O design de Paulo Pelá Rosado e Gê Alves Pinto lembra os últimos discos do Legião Urbana, feitos sem cuidado e com um duvidoso senso de estética. A capa só precisava de uma faixa prateada por cima para ser assinada pelo Hans Donner. A gravura de Sean Lennon (fã de última hora do grupo) na contracapa é ineficaz: não tem nem o primitivismo rústico dos desenhos do pai John, nem a esquizofrenia trêmula do traço de Arnaldo Baptista. Dessem este serviço a Arnaldo (que atualmente mais desenha do que toca) ou ao inglês Alan Voss (que ilustrou a capa de Jardim Elétrico e No País dos Baurets), o resultado conseguiria capturar o astral dos dias de glória do grupo. Mas mesmo com toda a produção executiva de Marcelo Fróes remando contra, o conteúdo passa incólume, indiferente a tratamentos plásticos que possam arruinar sua embalagem. Nunca os Mutantes estiveram tão em forma quanto nesta gravação que, mesmo sem o brilho pueril dos primeiros álbuns, é item obrigatório no panteão da banda. Perfeito.

1. Panis et circencis
2. Batmacumba
3. Virginia
4. She’s my shoo shoo (A minha menina)
5. I feel a little spaced out (Ando meio desligado)
6. Baby
7. Tecnicolor
8. El justiciero
9. I’m sorry baby (Desculpe, babe)
10. Adeus, Maria Fulô
11. Le premier Banheur du Jour
12. Saravah
13. Panis et circensis