Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Cinco Perguntas Simples: Daniel Ganjaman

1) O disco (como suporte físico) acabou?
Não acho que o disco tenha acabado e nem que vá acabar tão cedo. Ainda existe muita gente que da importância ao fator físico, de ter o disco com capa, informações e tudo mais. Acho que é um suporte que perdeu muita força, e principalmente, acho que a indústria fonográfica – especialmente as grandes gravadoras – continua instistindo em um formato de trabalho que já está falido a algum tempo. Estamos vivendo um momento de transição brutal e acho tudo isso muito interessante.

2) Como a música sera consumida no futuro? Quem paga a conta?
Essa é a pergunta que não quer calar. Algumas gravadoras já estão trabalhando com participação nos lucros dos shows das bandas contratadas, pelo simples fato de não terem competência o suficiente para recuperar o dinheiro investido na produção e marketing do disco e ainda lucrar com a vendagem. Acho que caminhos alternativos surgirão, dentro desses novos formatos de consumo de música – seja ringtone, download, podcast e oque mais vier a ser inventado.

3) Qual a principal vantagem desta epoca em q estamos vivendo?
Acho que a principal vantagem é a democratização de arquivos e programas ligados a música, que possibilitam o acesso a um vasto material a qualquer pessoa conectada e interessada no assunto – coisa que já foi um desafio enorme a uns 15 anos atrás. Hoje em dia, qualquer moleque com algum talento e alguma vontade pode fazer boa música com qualquer computador barato e ter acesso a praticamente qualquer música – em programas que compartilham arquivos entre usuários. No começo dos anos noventa, se me dissessem que em 15 anos tudo isso aconteceria, eu com certeza não acreditaria.

4) Que artista você só conheceu devido às facilidades da epoca em que estamos vivendo?
Ah, muita coisa. Quando instalei o Soulseek no meu computador, deixei-o ligado por mais de um mês direto. Devo ter feito download de uns 15 Giga de MP3 só nessa primeira leva. Fiquei maluco! Pra quem viveu a realidade de ter que comprar fita cassete gravada pelo dono da loja da galeria do rock, o soulseek é como um sonho.

5) O estado da indústria da música atual já realizou algum sonho seu que seria impossível em outra época?
Não digo a indústria musical em si, mas as facilidades que a tecnologia nos proporciona já me ajudou muito no meu trabalho. Um fato curioso foi durante a mixagem do disco da Mombojó, que não tivemos tempo suficiente para terminar o disco no estúdio da Trama – onde o disco foi gravado e quase todo mixado. Para trabalharmos com mais tranquilidade, resolvi mixar duas músicas em meu estúdio – o estúdio El Rocha – mas a banda não pode estar presente, pois tiveram que voltar para Recife. Usando um programa desses de conversa pelo computador, pudemos mixar as faixas como se eles estivessem presentes. Foi incrível!

* Daniel Ganjaman é um dos integrantes do Instituto. Sua entrevista não entrou na edição final da revista porque ele respondeu depois do fechamento, mas tá valendo.

Vida Fodona #042: ”É mais pelo groove”

Serjão visitou as instalações da corporação Vida Fodona e interferiu no mágico número 42 com dois pés na groovezeira – clássicos manjados, nomes gigantescos e hits imbatíveis caminham lado a lado com pérolas da discotecagem desse broder que, quando eu saí de Campinas era o melhor fotógrafo de rock do país, e agora é um DJ de black music de mão cheia.

– “No Surprises” – Easy Dub All-Stars com Meditations
– “Canto de Ossanha” – Jurassic 5
– “Rodésia” – Tim Maia
– “A Vida em Seus Métodos Diz Calma” – Di Melo
– “Não Adianta” – Trio Mocotó
– “Funky Train” – Poets of Rhythm
– “Mexerico da Candinha” – Wilson Simonal
– “Shake Your Rump” – Beastie Boys
– “Uma Vida” – Dom Salvador & Abolição
– “Fever” – Mungo Santamaria
– “Pusherman” – Curtis Mayfield
– “A Little Bit More” – Jamie Lidell
– “Dama Tereza” – Instituto + Sabotage
– “Charles Jr.” – Jorge Ben

Sigam-me os bons.

Beck is back

Esse trocadilho é infame e já foi usado mil vezes, mas não custa repeti-lo – ainda mais quando se tem motivo pra isso!

Duas músicas novas: uma em vídeo (“Think I’m in Love“) e outra em MP3 (“Cell Phone’s Dead“).

Milosevic Garage

Ondas rebeldes

“Rádio Guerrilha” narra a Guerra da Bósnia a partir das emissões de uma emissora alternativa

Era 1992 e o tempo fechava sobre a ex-Iugoslávia. Com seu comandante eleito, o ex-comunista Slobodan Milosevic a atiçar velhas rixas étnicas em nome do renascimento quase sagrado de uma Sérvia ancestral, um lento e doloroso Vietnã começava a ser desenhado no mapa do Leste Europeu, recém-ingresso no mundo capitalista após a falência do sistema soviético.

Na contramão dos países que antes formavam a Cortina de Ferro, o antigo império dos Balcãs entrava em uma ditadura arcaica, que fingia não interferir no nacionalismo extremo e no genocídio desenfreado, quando, na verdade, era seu principal incentivador. E sob aquele clima de paranóia, perseguição e proibição que acompanha qualquer guerra, uma pequena rádio jovem resistia bravamente à programação de mídia estatal e à agenda de Milosevic, intercalando relatos e depoimentos da linha de frente do campo de batalha com doses cavalares de Clash, Pixies, Public Enemy e Sonic Youth.

Versão chapa-branca
Até que, um dia, seus ouvintes se deparam com outra rádio, embora atuando sob o mesmo nome. Fora o pop barulhento vindo do exterior e o dedo na ferida de seu noticiário; em seu lugar, canções tradicionais e hinos militaristas se alternavam com versões chapa-branca para os acontecimentos no país.

A conclusão dos ouvintes foi inevitável: censuraram a rádio. E eles passaram a ligar para a emissora, quando eram atendidos por uma telefonista igualmente correta, que apenas dizia que a rádio era a mesma, mas havia mudado um pouco.

Depois de quase um dia inteiro de reclamações, o diretor da rádio, o jornalista Veran Matic, baixou a guarda e revelou que tudo não passava de uma brincadeira baseada nos rumores de que a rádio seria fechada.

Foco de resistência
Voltou a tocar, no dia seguinte, sua programação normal, incluindo os telefonemas dos ouvintes indignados com a mudança editorial de mentira. Só uma coisa mudou: seu slogan passou a ser “não confie em ninguém, nem na gente”.

Esse é um dos inúmeros “causos” reunidos no livro “Rádio Guerrilha – Rock e Resistência em Belgrado”, do inglês Matthew Collin, que conta a história da emissora B92 -depois, B2-92-, uma brincadeira de estudantes de comunicação que se tornou um dos principais focos de resistência política quando o horror da guerra assolou a velha Iugoslávia.

A rádio foi criada em 1989 como uma espécie de paródia às comemorações do aniversário do antigo líder comunista Tito, morto em 1980, para ter apenas duas semanas de existência. Mas a brincadeira deu gosto e logo a rádio continuaria com duas frentes que se bicavam: a do jornalismo independente e a da rádio rock. A fonte de atrito vinha do jornalismo da emissora, que achava que a rádio tinha uma programação musical extrema, que repelia ouvintes em potencial.

Mas prevaleceu a visão de Veran Matic, estudante de literatura que abandonou a vida acadêmica para dedicar-se ao jornalismo na prática. Ele acabou como uma das principais vozes do programa de rádio dos anos 80 “Ritam Scra”, que, ao lado do núcleo de jornalismo Index 202, tornou-se a base da B92.

Com pouco mais de 30 anos, boêmio e afeito ao amadorismo radiofônico por definição, Matic era um crítico de música respeitado que aos poucos se tornou um dos principais líderes de uma geração esmagada pela guerra -embora rejeitasse sempre esse papel.

Conglomerado de mídia
Cabeça da emissora, ele foi o responsável por mantê-la sempre à frente de sua época -tanto de seus detratores quanto de seus fãs- e por transformá-la num pequeno conglomerado de mídia alternativa, com editora, gravadora, emissora de TV e centro cultural.

Era um dos homens de mídia mais respeitados dos Bálcãs, a despeito das tentativas de interromper suas atividades. Ao acompanhar a saga da rádio, Collin, autor do ótimo “Altered State – The Story of Ecstasy Culture and Acid House” (Estado Alterado – A História da Cultura do Ecstasy e da Acid House), aproveita para contar a Guerra da Bósnia de uma forma simples e enxuta, ao mesmo tempo em que descreve a degradação e queda de Belgrado como amostra do que a guerra pode fazer a um país.

Mas tudo isso com um texto leve e bem-humorado -por vezes cínico- que equilibra tão bem as melhores qualidades da rádio: relatos pop disfarçados de jornalismo e jornalismo disfarçado de relato pop.

RÁDIO GUERRILHA – ROCK E RESISTÊNCIA EM BELGRADO
Autor: Matthew Collin
Tradução: Marcelo Orozco
Editora: Barracuda (tel. 0/xx/11/3237-3269)
Quanto: R$ 44 (336 págs.)

Essa matéria saiu na Folha de hoje, no Mais!. Vale ir atrás, o livrinho é istaile…

Sunday Wonderland

Exibição de clássicos Disney encerra festival Anima Mundi

“Você Já Foi à Bahia?”, de 1945, é um dos destaques de hoje no Memorial

O último dia do Anima Mundi 2006 será encerrado com a exibição de dois clássicos dos estúdios Disney: “Você Já Foi à Bahia”, de 1945, e “Alice no País das Maravilhas”, de 1951. Os dois filmes são uma amostra do trabalho da animadora Mary Blair, tema das palestras de um dos convidados internacionais do festival, o vencedor do Oscar John Canemaker.

Preferida de Walt Disney, Blair diferia do estilo hiper-realista do estúdio na época, que era influenciado pelo americano Norman Rockwell e pelas ilustrações européias para contos de fada. Ela usava uma paleta de cores quase surreal, de cores vivas e intensas, que são melhor demonstradas em “Você Já Foi à Bahia”, que apresentou o papagaio brasileiro Zé Carioca ao grande público, na adaptação do clássico de Lewis Carroll, além de “Cinderela”, de 1950, e “Peter Pan”, de 1953, e curtas .

Além dos dois filmes da Disney, o festival ainda tem outros dois longas como atrações de seu último dia: o brasileiro “Brichos”, de Paulo Munhoz e Tadao Miaqui, e o hilário musical politicamente incorreto “Terkel in Trouble”, dirigido pelos dinamarqueses Stefan Fjeldmark, Kresten Vestbjerg Andersen e Thorbjørn Christoffersen.

Hoje também acontecem as últimas sessões das mostras de alguns dos convidados desta edição do Anima Mundi, como a produtora brasileira TV Pingüim, os animadores britânicos MacKinnon and Saunders, do israelense Gil Alkabetz e do norte-americano John Canemaker, vencedor do Oscar de animação deste ano.

Anima Mundi, último dia

Alice no País das Maravilhas – Às 13h, na Sala II
Você Já Foi a Bahia – Às 15h, na Sala II
Mostra TV Pingüim – Às 15h, na Sala III
Brichos – Às 16h, na Sala I
Terkel in Trouble – Às 18h, na Sala I
Mostra MacKinnon and Saunders – Às 19h, na Sala II
Mostra Gil Alkabetz – Às 21h, na Sala II
Mostra John Canemaker – Às 22h, na Sala III

Anima Mundi 2006 – Último dia do festival, que acontece no Memorial da América Latina (Av. Auro Soares de Moura Andrade 664. Barra Funda. (11) 3823-4600). Ingressos a R$ 6,00 (Salas I e II) e R$ 3,00 (Sala III).

Alice às 13h de um domingo frio como esse me parece um ótimo programa, que acham? Mas se você acordou tarde (normal, ó o frio), vê se pega o Terkel, que é engraçadaço. Essa matéria saiu na Folha de hoje.

Cinco Perguntas Simples: Maurício Bussab

1) O disco (como suporte físico) acabou?
Nao. Quem baixa MP3 hoje ainda é nerd. A tecnologia não chegou aos eletrodomésticos como o rádio do carro. Os tios das pessoas ainda nao sabem usar a tecnologia direito. Talvez sua pergunta seja se o suporte vai acabar. Aí provavelmente também não. Vai virar um produto de nicho mas acabar não vai. O disco é apropriado para algumas situacoes que o arquivo digital não cobre.

2) Como a música será consumida no futuro? Quem paga a conta?
A conta da produção será paga na maioria dos casos pela mesma pessoa ou empresa que ganha dinheiro com o show do artista que pode ser o empresário ou um outro personagem. Em alguns casos será pago por um patrocinador privado ou público: Coca-Cola oferece o novo disco da Madonna, grátis no site cocacola.com). Em alguns casos vai continuar como é hoje: paga pelo proprio ouvinte, diretamente.
Ainda acho que o formato da tecnologia não vai ser este. Este ‘momento iTunes’ que estamos vivendo é uma bizarrice. Acredito muito mais no formato assinatura que o formato iTunes. E acho que o faroeste da troca irrestrita só acontece porque o fosso entre o establishment e o consumidor continua imenso. Os donos da bola do mercado fonografico AINDA não entenderam que o processo de donwload é diferente do processo de compra de CD. Eu quero baixar MUITA musica. E comprar CD NA CERTEZA. O comportamento é completamente diferente e o povo ainda não entendeu isto.

3) Qual a principal vantagem desta época em que estamos vivendo?
Acesso irrestrito e global. É um momento sensacional para a música.

4) Que artista voce só conheceu devido às facilidades da época em que estamos vivendo?
Dificil listar. Hoje é mais comum eu conhecer alguem primeiro online do que
em CD ou ao vivo.

5) O estado da indústria da música atual já realizou algum sonho seu que seria impossível em outra época?
Ouvir e ser ouvido sem barreiras geográficas.

* Maurício Bussab toca no Bojo e é dono da Outros Discos.

Quero provas

A Lia está procurando um trecho bem específico da Copa do Mundo deste ano. Quem souber, avise.

Pô, fiquei curioso.

Vida Fodona #041: “Um programa exemplar”

O título não é exagero: tem música antiga regravada por banda nova, remixes, mash-ups, hits recém-saídos, músicas de discos que ainda nem foram pra fábrica, MP3s pra download, hip hop com eletrônico, dubzeira, groove de pista, falação contida, brasileiros na medida, raridades, cruzamentos, intervalos curtos, funk carioca e começa e termina com o Radiohead. Acho que agora acertei a mão (sem trocadilhos e/ou piadinhas, plis).

– “Nobody Does It Better” – Radiohead
– “Cheryl Tweed” – Lily Allen
– “Carnaval Inesquecível na Cidade Alta” – Mundo Livre S/A
– “MTV Makes Me Want to Smoke Crack” – Beck
– “Woman (Mstrkrft Remix)” – Wolfmother
– “This Fire (Playgroup Remix)” – Franz Ferdinand
– “Bring the Seven Nation Army” – White Enemy
– “Tremendo Vacilão” – MC Perla
– “Ela Mama Meu Ganso” – Mr. Catra
– “Só Putaria” – MC Paulão
– “Pasmina” – Rabu Gonzalez
– “Crazy Logic” – Arty Fufkin
– “Smiley Faces Hypnotize” – Gnotorious
– “I Don’t Feel Like Dancing” – Scissor Sisters
– “From Atlantis to Interzone” – Klaxons
– “Take Me Back to Your House” – Basement Jaxx
– “Let Down” – Easy Star All-Stars com Toots and the Maytals

Queira me acompanhar, por favor.

Life After ‘Crazy’

Biggie Smalls reencarnou entre o Dangermouse e o Cee-lo. Valeu, Amauri!

O bom e velho rock’n’roll

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Angeli sem crise

“Wood & Stock”, filme com seus personagens, é atração no festival Anima Mundi

Angeli talvez seja um dos pais do rock brasileiro. Tudo bem que Roberto Carlos, Rita Lee e Raul Seixas vieram antes, mas para uma geração crescida sob a sombra da ditadura militar – quando ou você cantava as canções de exaltação à pátria ou cantava as canções da resistência, e se ouvisse música estrangeira era tachado de alienado político – foi o cartunista paulistano, que completa 50 anos no próximo dia 31 de agosto, quem melhor traduziu o que era o rock para um país submerso na MPB.

Com os personagens criados nas páginas da extinta revista “Chiclete com Banana”, que editava por conta própria nos anos 80, ele foi criando personagens para traduzir a fauna revelada com a queda da ditadura. Enquanto a Blitz e o rock carioca revelava o prazer de ser jovem depois da abertura política, Angeli descortinava uma São Paulo pós-industrial cheia de defeitos de fabricação em forma de gente. O punk Bob Cuspe, a gótica boêmia Rê Bordosa, o paranormal Rampal e o gay Nanico. Cada figura urbana criada pelo desenhista também encerrava uma tribo quase sempre ligada a um gênero musical, a uma série de hábitos desenhados pela própria história do rock. Sequer precisava citar preferências musicais para saber que o Meiaoito é viúva da MPB e que os Skrotinhos ouvem new wave.

Duas de suas criações saem das páginas do jornal para ganhar outros rumos. A dupla de velhos hippies Wood e Stock estrelam o primeiro longa baseado na obra de Angeli, que será exibido amanhã no Anima Mundi. “Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock’n’Roll”, do gaúcho Otto Guerra, reúne não apenas o núcleo bicho-grilo do título (a esposa Lady Jane, o filho Overall), mas quase todos os personagens criados pelo paulistano.

O outro lançamento são os livros que compilam as histórias do pré-adolescente Ozzy, filho da geração Nirvana que era publicado pela Folhinha durante os anos 90. São quatro volumes ao todo, dois deles saem agora e os outros dois em novembro.

Qual foi o seu envolvimento com o filme “Wood & Stock”?
Bom, eu cedi todo o meu material desde, hm, 84 para o Otto fazer o que quisesse, como referência gráfica e de roteiro. E fiquei meio como consultor. Detalhes, coisas do personagem que eu conheço porque eu os criei: tem uma cena em que o Wood, o Stock e a Rê Bordosa tomam um treco, piram e saem às gargalhadas. Epa: a Rê Bordosa não dá gargalhada. Detalhes assim, mas não interferi tanto. Eles me mandavam trechos e eu via.
Mas eu sou jornalista, eu trabalho num dia e no dia seguinte tá no jornal – e agora, com internet, tá na rua em cinco minutos. Então esse ritmo de cinema pra mim é muito moroso, muito lento, aí chegava algo pra mim, um trecho, e eu lembrava que o filme estava sendo feito (risos).
Depositei toda minha confiança no Otto porque ele é um cara como eu, da minha geração, a gente ouviu as mesmas coisas, tomamos as mesmas coisas, eu conhecia o trabalho dele e foi uma boa. Se eu fizesse o filme, ele seria completamente diferente, porque eu sou virginiano meticuloso e fico completamente obcecado com detalhes. Mesmo no filme pronto, reparo que o dedo mindinho do personagem tá uma nesga fora do lugar que deveria ser o certo. Mas eu já vi o filme umas cinco vezes e sei que é coisa minha, ninguém percebe.

O filme tem o andamento que você imaginava para os personagens?
Sim, acho que ele conseguiu pegar o ritmo dos hippies velhos, lentos, cansados…

É uma boa adaptação de uma história em quadrinhos para a animação?
Eu acho, me senti confortável com ele.

Você já havia cedido personagens para animação em um comercial de cerveja…
Sim, os Skrotinhos. E também usei o Moska, que é um coadjuvante do Luke & Tantra, para umas vinhetas curtas para o Cartoon Network. O trabalho do animador, Daniel Messias, foi muito bom. Já o comercial de cerveja eu tive que bater o pé em uma série de aspectos – era uma empresa (risos) – para fazer do jeito que eu quis. Neste, eu fiz os desenhos e os animadores do comercial, muito bons também, deram movimento. Gostei das duas, têm uma animação fluente, e os Skrotinhos tinham as vozes perfeitas, feitas pelo José Rubens Chachá, que eu recomendei…

E as vozes do longa?
Gostei . A primeira versão da voz do Stock era ainda mais paulistana – “orra, meo” – e eu gostava mais, mas preferiram deixar mais brando, pro filme ficar sem um sotaque específico. E a Rita Lee é perfeita, ela mesmo fala que as tiras da Rê Bordosa são a biografia não-autorizada dela (risos).

Você não acha que a relação em comum entre seus personagens, sejam os velhos Wood e Stock ou o garoto Ozzy, é o fato de eles representarem uma determinada tribo urbana quase sempre ligada ao rock’n’roll?
Com certeza. Mesmo no meu trabalho com charge, eu tenho essa pegada rock, essa pegada punk.

Você também tem consciência de que você apresentou a história do rock para pelo menos duas gerações…
Tenho. Sempre tive. Desde a época da Chiclete com Banana (revista que Angeli editava nos anos 80), eu sabia desse aspecto didático. Mas eu nunca me preocupei com isso. Eu nem acompanho quadrinho, quase nem sou desse ramo (risos). Minha literatura é toda de crítica de comportamento e uma visão política sobre o ser humano, que é muito pouco quadrinho… Talvez o Wolinski, que tem essa coisa de se colocar como personagem, para emitir opiniões.
Mas a Chiclete tinha uma linha editorial séria e eu não queria aviltá-la. Percebia cada vez mais o discurso da revista e chamava colaboradores que tivessem a ver com ele. Eu recebia cartas de pessoas que tinham montado banda porque liam a Chiclete, me mandavam discos independentes. Mesmo cartunistas, um monte de caras que eu gosto até hoje, como o Adão (Iturrusgarai) e o Allan (Sieber) foram na onda da Chiclete, o primeiro desenho do Adão saiu na seção de cartas da revista (risos)!
Mas sou contra esse papo que eu sou um mito, “Angeli, o Herói da Contracultura”. Odeio esse papo de herói…

Você não tem essa preocupação com o leitor nem quando escreve para crianças?
Não. Foi um desafio que eu me propus, porque eu sempre me achei pesado, imagina pra criança. Eu fiz o Ozzy depois de um convite da Folha, na época em que meu filho tinha a idade do Ozzy. Foi quando comecei a absorver informação através dele, sobre internet, da geração Seattle, skate, grunge, essas coisas e o Ozzy se tornou um laboratório de um humor feito para outra geração.

Um humor que acaba evolui no Luke & Tantra.
É. Ali eu tou mais à vontade. Com o Ozzy, eu não posso ir fundo, mas Ozzy, Luke e Tantra são da mesma geração. Eu só os fotografo em momentos diferentes.

Você disse que considera seu humor pesado para crianças, mas a geração Ozzy tem muita informação sobre coisas bem mais pesadas…
É, eu sei. É uma geração que não se assusta com assuntos, pode ser serial killer ou sexo anal, pra eles é tudo normal e tudo meio sem graça. É uma geração sem tabus. Mas só falar disso não dá em nada, tem que ter alguém pra explicar, alguém do lado…E eu não sei se sou esse alguém.

E em relação à música, você baixa música na internet?
Não, nunca. Eu não sei se vem música mesmo (risos). Escuto música no aparelho de som, compro CDs. Já fui mais atuante nesse departamento, mas eu tento me atualizar. E escuto de tudo. No carrossel de CDs do meu som, por exemplo, agora tem um violinista dos anos 20, o disco do Kills e um Jimi Hendrix.

Que mais você tem ouvido de banda nova?
Pouca coisa, tento me atualizar, mas como eu disse, já fui melhor. Gosto do Kills que eu falei, do Franz Ferdinand, do Arctic Monkeys… Eu gosto do Lou Reed, que tem essa coisa de fazer uma música séria e adulta, mas rock mesmo é coisa de moleque, barulhenta, senão não tem graça.

E quais são os próximos projetos?
Eu estou numa história longa meio autobiográfica que vai falar um pouco da minha geração, não só de mim. Falar de coisas que as pessoas quem têm a minha idade possam lembrar, ver o comportamento da minha geração. É meio que o início de um livro de memórias, que eu ainda não batizei. Mas tem lá as primeiras vezes todas, meu primeiro disco…

Qual foi?
O compacto de “Satisfaction” dos Rolling Stones.

E que mais você tem em andamento?
Tem coisas que não são minhas, são baseadas em obras minhas, como o filme da Cristiane Ticerri sobre a Mara Tara, que é uma personagem quase bissexta, saiu em umas três histórias, mas que tem um público feminino muito grande. E como ela é baseada nesses filmes de terror B do tipo “O Médico e o Monstro”, eu acho que ela vai funcionar bem como cinema, em vez de animação. E a Grace Gianoukas, da Terça Insana, pegou minhas coisas para adaptar para o teatro, que deve sair ainda esse ano…

Alguma chance de ver Angeli em Crise no palco?
Comigo? De jeito nenhum! Isso eu não faço! Evito fazer certas coisas, nos anos 80 eu apareci demais, até em tampa de privada! Só sou um desenhista, eu não sei fazer outra coisa, me deixem (risos)…

Lisérgico, filme tem voz de Rita Lee

Rita Lee dubla Rê Bordosa, a voz de Tom Zé cita trechos de letras saídos de um Raul Seixas de alucinação, músicas de Júpiter Maçã e Arnaldo Baptista intercaladas por baseados feitos de orégano. Enquanto desfilam nomes como Rhalah Ricota e Mara Tara, às vezes como figurantes. O filme de Otto Guerra parece uma viagem lisérgica em marcha lenta com a cara enfiada em uma velha edição da “Chiclete com Banana”.

Mais do que um bom filme, “Wood & Stock” é uma senhora homenagem, não apenas aos personagens, mas ao traço de Angeli. Diferentes de adaptações que não fazem jus ao traço do desenhista original (em que o “Fritz the Cat” de Crumb, adaptado por Ralph Bakshi, é o melhor exemplo), o filme parece ter sido feito pessoalmente pelo desenhista – cenários, personagens, tudo. O barulho do rock traduzido como a sujeira visual que tanto caracteriza os anos 80 de Angeli.

Porque os anos 90, representados por Ozzy, são sujos mas não visualmente – e sim de informação. Às vezes os quadrinhos não têm história: são apenas listas e descrições de uma imagem relacionada ao garoto (o quarto, a mochila, um museu particular). Mas, como no filme, a sujeira quase sempre evoca o barulho – e quase dá pra ouvir a distorção da guitarra soando no fundo – tanto do filme quanto dos livros.

WOOD & STOCK: SEXO, ORÉGANO E ROCK’N’ROLL
Direção: Otto Guerra
Quando: sáb., às 21h
Onde: sala 2 do Memorial da América Latina (Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, SP, 0/xx/11/3823-4600)
Quanto: R$ 6

OZZY 1: CARAMBA! MAS QUE GAROTO RABUGENTO!
Autor: Angeli
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 24 (56 págs.)

Essas saíram na Ilustrada de hoje.