Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Live At The Fillmore East March 6 & 7, 1970 (Neil Young Archives – Performance Series) – Neil Young & Crazy Horse

Duelo de sangue azul

Gotas de sangue. Assim soam as notas trocadas pelas guitarras de Neil Young e de seu fiel escudeiro Danny Whitten neste soberbo registro do lado oculto da música country, a história que Dylan e a Band prefereriram não se envolver. Jovem velho como Bob, Neil se entregou de forma mais dramática à eletricidade e dançou com a música caipira de outro país (ele é nativo canadense) como se esta fosse a própria morte. No primeiro volume dos arquivos do avô do grunge (ironicamente rotulado como “volume 2”) que finalmente vêem a luz das lojas, acompanhamos uma versão ao vivo de uma fase incomparável de sua carreira, o equivalente à turnê de 1965/66 de Bob Dylan. É o momento em que Neil abandona Crosby, Stills e Nash rumo à sua própria carreira solo e encontra na Crazy Horse a melhor montaria para suas canções. E no que sobrou destas duas noites na famosa casa nova-iorquina (mesmo que longas, são apenas seis faixas – o resto perdeu-se com o tempo), vemos não apenas banda e compositor se encaixarem e sentirem-se à vontade musicalmente, mas o embate frontal entre as guitarras de Neil e Danny, que morreria de overdose de heroína dali a dois anos, fato que mexeu profundamente com seu parceiro. Uma cozinha de sonho (Talbot e Molina da Crazy Horse e o Forrest Gump do rock, Jack Nitzsche, no piano elétrico) cria o ambiente perfeito para duelos memoráveis em que o sangue voa como se saísse de bocas esmurradas, agulhas trocadas ou dedos gastos num instrumento de rock, com versões fodonas para épicos como “Down by the River” e “Cowgirl in the Sand”.

Live at the Isle of Wight Festival 1970 – The Who

Usina de som

Enquanto segue a boataria sobre a vinda-não-vinda de Roger e Pete pra essas praias, pinta esse DVDzinho com uma versão ainda mais ampliada do show do grupo num dos muitos “Woodstocks britânicos”. E por mais batido que o adjetivo “clássico” seja, não existe outro que exprima melhor a experiência audiovisual de uma banda ímpar como o Who. A presença elétrica da formação original dá origem a uma entidade sólida, que Pete Townshend se referia como “Maximum R&B”. “Rhythm’n’blues no talo”, um rótulo tão pesado quanto “heavy metal” ou “hard rock”, mas que designava as origens norte-americanas de seus compadres de geração, um conceito sempre presente na criação do mito The Who. Não é à toa que “Shakin’ All Over” é misturada às versões de “Spoonful” feita pelo Cream e “Twist and Shout” feita pelos Beatles (e não às originais de Willie Dixon ou dos Isley Brothers), literalmente citadas – algo tão sintomático quanto os Pixies (outra banda ímpar nascida em outra época de ouro) regravar Jesus & Mary Chain. E não importa se em faixas curtas como “I Can’t Explain”, nas jam sessions de “Summertime Blues” e “Magic Bus” ou na quase-íntegra de “Tommy” – o Who sempre comporta-se como uma usina de som e uma tribo mecânica ao mesmo tempo, que cuspe com força gritos de guerra por todos os instrumentos, intensidade como palavra-chave. O único porém é que as faixas-bônus (“Substitute” e “Naked Eye”) não podem ser assistidas na íntegra do show – que, por si só, é nota 10. Já a edição podia ser melhor…

Na Rolling Stone…

Então, tou colaborando desde março com a revista Rolling Stone. Nenhuma treta com a Bizz, pelo contrário, Ricardo Alexandre é grande compadre e continua aprimorando seu filhote com muito esmero (a nova edição, com o Tarantino na capa, tá muito istaile e é revista pop que dá gosto de ler), mas como tem essa regra na Abril – que quem colabora com a Rolling Stone não colabora com a Bizz – tive que fazer a escolha de Sofia – e como desde antes da primeira edição da filial brazuca da revista norte-americana eu tenho sido xavecado pra colaborar lá, fui nessa. Nenhuma pressão entre as duas redações – e eu mesmo acho que uma não compete com a outra -, pelo contrário, só reclama quem tá de fora. Mas cedi aos encantos e publico agora no Sujo a renca de resenhas que coloquei na revista. E ficamos combinados assim: sempre que a revista nova sair na banca, eu publico aqui o que eu escrevi na edição anterior da revista. Assim, quando a que tem a Marisa Monte for recolhida, vocês lêem a matéria que eu fiz com o Capital Inicial e outra ruma de resenhas. Pra começar essa nova fase, vai o papo que eu tive com o Gregg Gillis, o Girl Talk, que teoricamente viria se apresentar no Brasil no ResFest mas ao que parece anda sendo cotado pro Timfa no fim do ano. O Girl Talk (que eu elegi o terceiro melhor disco do ano passado) acabou de ser escolhido como personalidade de música de 2007 pela revista Wired. É o que eu sempre digo…

Mistura Fina

Você acorda ao som de qualquer pop dos anos 80 no rádio do despertador, vai trabalhar com aquele disco daquela banda de rock velha nos fones, se arruma pra sair enquanto ouve um dos quatro ou cinco hits que o que sobrou da indústria fonográfica tenta bombar pelos veículos que ainda restam, ruma pra noite com música eletrônica estourando nos ouvidos e na festa dança hits do rock alternativo. Houve uma época em que não era de bom tom passear por estilos musicais tão diferentes em tão curto tempo.

Felizmente, isso acabou. Culpe o acervo infinito e gratuito na internet ou a esquizofrenia de nosso dia-a-dia, mas o fato é que ninguém mais escuta só um determinado gênero musical. As tribos se fundem e os xiitas de diferentes vertentes são cada vez menos, eles mesmos como a última tribo. Produto tanto das colisões sonoras propostas na década passada quanto da crescente facilidade em se produzir música composta apenas de samples, este estado multifacetado da paisagem sonora do século vinte e um tem criado aberrações mutantes que vão de fusões de hip hop com desenho animado, indie rock com eletrônica, hardcore com romantismo e heavy metal com nerdismo gótico até remixes, mixtapes e mashups que confrontam artistas de épocas, gêneros e faixas etárias guiados pelo ritmo, mas em alguns casos por puro despeito.

Ninguém, no entanto, vai tão longe quanto Girl Talk. Enquanto DJs e produtores maquiam pedaços de músicas sampleadas para se tornarem irreconhecíveis para os ouvidos do público (e dos donos dos direitos autorais), o disco mais recente deste produtor de Pittsburgh que atende pessoalmente por Gregg Gillis é uma afronta a todos aqueles que acreditam na pureza de estilos musicais e que pode-se macular a biografia de um artista usando sample de outro artista “menor” em sua obra (tão subjetivas, estas comparações…).

O produtor é um dos nomes que estão cotados para tocar na próxima edição do festival de mídia Resfest, que acontece em São Paulo no mês de abril (o outro é o darling dos hypeiros Animal Collective). Ao clicar seu mouse sobre loops pré-estabelecidos de hits que resumem a história da música pop, Gregg, como os modernistas do começo do século vinte, pinta bigodes em diferentes Mona Lisas, mas acha que o grande trunfo desta vez é não limitar a discussão apenas ao circuito da Alta Arte.

“Samplear está definitivamente permitindo às pessoas terem uma chance de colaborar e manipular os mais conhecidos artistas pop de nossa época”, ele explica por email. “É como trazer este mundo aparentemente intocável para um nível mais normal. A principal diferença na comparação é que não acho que a arte moderna do começo do século vinte fosse algo que pudesse ser feito e distribuído para as massas, como o material que eu uso para o meu trabalho é”.

Em Night Ripper (Illegal Art, importado), Gills superpões samples manjadaços, sem a mínima intenção de esconder suas referências. O que se ouve é uma pilha de pedaços de músicas de todas as gôndolas de lojas de discos: músicas conhecidas de bandas de rock dos anos 90, riffs de britpop, vocais de hip hop de todas as eras, bases de mega hits dos anos 70 e 80, sussurros de R&B. Paul McCartney, Beyoncé, Steely Dan e Sonic Youth, todos no groove estabelecido pelos beats sampleados pelo produtor. O disco não é uma mixtape, não é uma coleção de mashup, não são vários remixes – é uma coisa completamente nova, mas ao mesmo tempo pertence a uma tradição antiga.

A obra de Girl Talk é descendente direta de um cânone que começa com os papas da música eletrônica erudita John Cage, Karheinz Stockhausen e Pierre Boulez passa pelo início do hip hop, encontra os terroristas sônicos do Negativland, KLF e John Oswald e produtores pop como Dust Brothers, Bomb Squad e Cut Chemist. Mas ao contrário de seus antepassados, a colagem sonora não é nem um experimento estético nem a base para mensagens que são ditas por cima. Pelo contrário – ela, e nada mais além da colagem, é a única estrela.

O produtor faz questão de enfatizar isso até mesmo ao vivo – e suas apresentações (procura no YouTube) dessacralizam o palco, ao colocar o público ao redor de si mesmo. “Eu toco com um laptop e nele tenho templates com um monte de loops prontos, esses templates são minhas versões cruas do que são minhas ‘canções'”, explica. “E misturo elementos diferentes deste mesmo template em tempo real. Toda hora que a música muda, é minha mão clicando o mouse. E eu gosto de interagir e suar com o público o máximo possível. Então faço as pessoas subirem no palco e ficarem ao redor, bebo a bebida do público e piro junto com ele”.

Nona parada – Porto Alegre

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Ponto final, Porto Alegre. E o papo acontece no pequeno Elo Perdido, daqui a meia hora, comigo, com o Ferla, o Edu Santos da Ipanema FM e o DJ Primo. E ainda tem uma jam com uma galera local – Piá, Lika, Nitro D, etc.

Onde: Elo Perdido Rua João Alfredo, 533 – Cidade Baixa. Horário: 20h00

Bora lá? Pra encerrar, vai…

“It’s close to midnight…”

Sample machine

E falando em Daft Punk, clica aqui nesse link (que o Hector forwardeou), pra ver o Stevie Wonder debulhando geral.

Treze 03

Coluninha nova no Rraurl…

1) “You Are the Music (Playgroup Remix)” – M Craft
O australiano Martin Craft (não confundir com o MSTRKRFT!) já havia composto uma pequena obra-prima oitentista, mas essa mão de verniz electro besuntada por Trevor Jackson (cadê o segundo disco do Playgroup?) deixa a deliciosa “You Are the Music” com ares de neo-Depeche Mode, algo impensável, mas executado à perfeição.

2) “Girls (Geht’s Noch? Edit)” – Prodigy
A primeira música do disco quase-solo de Liam Howlett é devidamente passada pelo picotador de papéis – o resultado são microloops que se rebatem entre si como se um fliperama 2D fosse uma pista de dança.

3) “Message Coco Mix” – Maquinado
Lucio Maia tirou as músicas que devem compor o disco de sua banda-solo (que a Trama lança ainda neste semestre) do MySpace e em seu lugar colocou um mashup de “Coco Dub”, da Nação Zumbi ainda fase Chico Science, com “The Message”, do Grandmaster Flash and the Furious Five. O resultado balança, chapa e bate forte – tudo ao mesmo tempo.

4) “Terminal Velocity (Blamma! Blamma! Remix) – Maximo Park
Mais um caso de um remix que dá sobrevida à canção – nesse caso uma vida, porque “Our Velocity” original do Maximo Park é daquelas musiquinhas de se colocar em seriado adolescente querendo um mínimo de glamour rock. Com a dupla inglesa, a música é devidamente microeditada e reconstruída, e os vocais de Paul Smith emitem poucas palavras inteligíveis e utilizados com um instrumento musical que suspira, engole e arfa. E de um rockinho sem graça, a música torna-se um electro épico, com pitch indo pro psy 😛

5) “Uptown” – Pleasure
O norueguês Fred Ball colocou seu Pleasure de volta à ativa como se fosse um filhote nova-iorquino do segundo disco do Daft Punk. É electro safra original, DNA de Arthur Baker em algum lugar da certidão de nascimento, glamour neon como se não existisse dia – e a noite, sempre uma festa, fosse regra.

6) “Ice Cream (Thee Bang Gang Deejays remix)” – New Young Pony Club
Aqui a palavra-chave é “reconstrução”. Se a música originalmente tem um ritmo grudento e uma guitarra que espeta o tímpano, depois da releitura, teve um trecho de seu refrão destroçado e transformado em loop e seu beat vertido pro electro clássico e a mesma guitarra que antes só marcava o tempo torna-se um ruído persistente ao fundo.

7) “Rock’n’Lol” – Acid Jacks
Eles citam George Michael e Sting como influências, mas o riscado aqui é uma versão mais robótica do bom e velho big beat. É quase uma profecia do Devo acontecendo em frente aos nossos ouvidos – uma banda de rock qualquer estagnada num refrão que limita-se a repetir “freedom of choice”, que empilha riffs e uma batida quadrada, até que torna-se eletrônico.

8) “Champagne Girl” – The Zuckakis Mondeyano Project
As referências citadas misturam artes plásticas com pós-modernidade, mas musicalmente estamos no território da Sugar Hill Records. Picaretagem? Qual é o problema? Siga o flow desses gringos enclausurados na Islândia e cante com a gente: “Chapagne, marmalade, caviar, crême brulée”!

9) “Chop Suey” – Busy P
Bum-chacalaca-bum! Chacalaca-bum! Bum-chacalaca-bum! Busy P é o alter-ego de Pedro Winter, também conhecido como o empresário do Daft Punk e dono da gravadora Ed Banger Records, a casa do Justice (os franceses que transformaram “Never Be Alone” do Simian em “We Are Your Friends”). O beat sinistro que é cantado logo no início da música leva o chamado French touch pro meio do baile funk – e quem não dança, segura a criança!

10) “Died in Your Arms (Drop the Lime Remix)” – Cutting Crew
Sim, a música é aquela farofona que tocava nas propagandas dos cigarros Hollywood, mas devidamente reeditada pelo senhor Luca Venezia, o produtor nova-iorquino de breakcore que também atende pela alcunha de Drop the Lime. Beats rebatidos entre os ouvidos como bordoadas eletrônicas, só resta identificar aquela guitarrinha característica e o refrão dramático (e brega): “I just died in your arms tonight…”

11) “Pogo (Radio Edit)” – Digitalism
Mais um tijolo na construção do império Kitsuné, “Pogo” é a primeira música do novo disco do Digitalism e, ao mesmo tempo, o primeiro passo da banda alemã para fora do circuito da eletrônica. A faixa, como o nome indica, vai pro lado do rock – mas nada muito agressivo. Longe disso, seu riff constante parece perfeito para atrair fãs de Bloc Party, TV on the Radio ou Modest Mouse perdidos na pista de dança.

12) “Club Action (Chris Bagraider’s Sailing to Baltimore Edit)” – Yo Majesty
Mais um grupo que aponta pra era de ouro do hip hop, as meninas do Yo Majesty fazem reverência tanto à velha escola (tem muito Sequence no jeito de cantar delas) quanto ao meio dos anos 80 (também tem cheiro de Salt’n’Pepa na mistura), mas a reedição feita por Chris Bagraider joga a elemental Enya na mistura (em seu hit mais clichê) e o resultado é surpreendente!

13) “A Day in the Life” – Captain
Cover da última música do clássico Sgt. Pepper’s, dos Beatles, que comemora quarenta anos no próximo mês de junho, “A Day in the Life” foi revisitada pelo grupo londrino Captain em um tributo organizado pela revista Mojo. Mais que uma reverência a um dos ápices de ousadia sonora dos Beatles ou uma reinvenção mutcholoca, a banda optou por um tratamento soft rock, posicionando a faixa no cânone que dá origem aos Flaming Lips e ao Mercury Rev.

It’s gold, Jerry! GOLD”

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Duca!

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Retrô é pouco. Os compadres Rodrigo Lariú e Gabriel Thomaz se reuniram para resgatar do limbo (sim, ele existe!) as saudosas fitas cassetes e no próximo dia primeiro de maio lançam uma fita (isso mesmo – LANÇAM UMA FITA) chamada Fim de Século. A idéia partiu do Gabriel, que compilou a fita a partir de várias demos de bandas brasileiras daquele tempo distante antes do MP3 e do CD-R. Então a fitinha é cheia de pérolas daquela época como Acabou La Tequila, Doiseumimdoisema, Gangrena Gasosa, Squonks, Eddie, Disk Putas, Graforréia Xilarmônica, Oz (o Pixies de Brasila, com Marcelo Bighead [hoje conhecido como Nego Moçambique] no baixo e vocal), Pato Fu quando era bom e outros que eu não lembro o nome agora. A tiragem da fita é limitada, mas as músicas vão estar para download no site da gravadora do Rodrigo, o Midsummer Madness.

McCartney III

Nova do Paul, saída do disco que ele vai lançar pela Starbucks no meio do ano, Memory Almost Full. Grande título, pra variar.