Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971, EUA). Dir: Stanley Kubrick. Elenco: Malcolm McDowell. 136 min. Por que ver: O grande filme de um ator feito por Kubrick, embora O Iluminado e Dr. Fantástico corram logo atrás, Laranja Mecânica é o espetáculo de um homem só – e este homem é a metamorfose da cabeça do diretor com a imagem de Malcolm McDowell. O ator ficou eternizado pelo personagem, mas a culpa é toda sua – as caretas, os trejeitos, a fala e o olhar são uma aula de atuação no cinema e estão para Hollywood como toda a carreira de Mick Jagger para a história da música gravada. Laranja Mecânica é puro Rolling Stones – tanto que o empresário da banda nos anos 60 comprou os direitos de filmagem do livro original de Anthony Burguess, revendido para Kubrick e que McDowell não se esforça um milímetro ao ridicularizar Jagger anos mais tarde na comédia Get Crazy. Em Laranja, Kubrick reforça mais do que nunca o papel da violência na sociedade atual e na evolução do ser humano, dividindo a obra em duas óperas – a violência do indivíduo, quando Alex (McDowell) e sua gangue apavoram o cotidiano de uma Inglaterra uma década e tantos anos no futuro e a violência do estado, quando Alex é aprisionado e submetido ao tratamento Ludovico para cura-lo de seus desvios delinqüentes. E é palco solto para McDowell visitar todo o espectro de emoções humanas, amparado pelos delírios visuais de Kubrick, compenetrado e irônico como um Dali. Fique atento: Ao casamento Kubrick-McDowell, combustão de emoções e imagens: ele estupra como se valsasse, aleija citando Gene Kelly, chicoteia Jesus Cristo, pede perdão para a mídia, vomita em frente a uma mulher nua, é torturado por policiais. Mas nenhuma dessas imagens evoca o clichê das palavras e se você viu o filme, elas nunca mais são as mesmas.

O Iluminado (The Shining, 1980, EUA/Inglaterra). Dir: Stanley Kubrick. Elenco: Jack Nicholson, Shelley Duvall, Danny Lloyd, Scatman Crothers. 146 min. Por que ver: Terror, suspense, horror, thriller… Kubrick nunca quis se ater a rótulos cinematográficos, mas entrou neste jogo chamado O Iluminado para não precisar emitir mais uma palavra ou captar nenhuma imagem a respeito do tema medo. Ele embarca numa viagem aparentemente familiar que leva um escritor (Jack Nicholson em seu melhor momento) a se isolar do mundo exterior ao servir de caseiro de um hotel luxuoso nas montanhas, fechado durante o inverno. Com sua mulher (Duvall, irrepreensível e a melhor scream queen de todas!) e filho (Lloyd, a criança mais assustadora do cinema – sem precisar revirar os olhos, vomitar ou esbanjar candura), passa a se envolver com a solidão de um pequeno castelo abandonado, que esconde histórias terríveis, capaz de trazer à tona fantasmas do passado e demônios interiores. Aí está o horror kubrickeano – são espíritos, mortos-vivos, serial killers, possessões, psicopatas, banho de sangue. Todos os clichês da história do medo no cinema embalados em uma bad trip criativa, que inverte todos os sentimentos naturais do homem: o filho é um mau presságio, a esposa é uma vítima e você mesmo é o assassino. Fique atento: Já falei mais de uma vez do show de imagens icônicas que é qualquer filme de Kubrick (“Redrum” lido pelo menino Danny no espelho, um rio de sangue, os travellings num triciclo, “Heeeere’s Johnny!”, o texto na máquina de escrever, espasmos de sensitividade, um labirinto na neve), mas vale ficar de olho na série de elementos indígenas durante O Iluminado. Descoberto pelo crítico Bill Blakemore, do San Francisco Chronicle, há um subtexto do filme que transforma a saga de Jack Torrance em uma parábola sobre o massacre da população nativa dos EUA, os povos indígenas. Além de detalhes que se tornam explícitos, como o fato de o hotel ter sido construído sobre um cemitério indígena (“Eles tiveram que lutar contra tribos enquanto o construíam”, explica o gerente que contrata Jack), a decoração do hotel e as duas cenas na despensa exporem latas de fumo indígena (com a cabeça de um cacique em evidência), o baile-fantasma acontece num quatro de julho e o pôster do filme, lançado antes na Inglaterra e depois nos EUA, trazia a frase “A onda de terror que arrasou a América” – sendo que o filme ainda não havia sido lançado lá! Mais que coincidência, esta nova leitura de O Iluminado dá novo sentido a diversas passagens, boa parte delas inexistentes no livro original de Stephen King.

É isso aí: olha os caras no meio do pai e filho que tomam conta da nova casa. A info é do Thiago mas quem se aprofunda mais no assunto é o Bruno.
Daquele mesmo grupo que não se separou. E daquela mesma dupla que vai se separar, você sabe.

A revista Rolling Stone diz: escreva sua própria resenha de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Falando nisso, os Beatles estrearam um novo site oficial sobre o disco, mas tomara que ele cresça aos poucos, porque tem muito pouca coisa… Até a página da Wikipedia ou uns sites de fã têm mais info…
…they’ve been going in and out of style, but they guaranteed to raise a smile.
– “Sgt. Pepper’s Paradise” – Jimmi James
– “With a Little Help from My Friends” – Joe Cocker
– “Você Ainda Pode Sonhar” – Raulzito & Os Panteras
– “Lucy in the Sky with Diamonds” – Elton John
– “Getting Better” – Gomez
– “Fixing a Hole” – Beatles
– “Fixing a Hole” – Big Daddy
– “She’s Leaving Home” – Brian Ferry
– “Being For the Benefit of Mr. Kite/ I Want You (She’s So Heavy)/ Helter Skelter” – Beatles
– “Within You Without You” – Patti Smith
– “Within You Without You” – Sonic Youth
– “When I’m Sixty Four” – Crazy Baldhead (feat. Vic Ruggiero)
– “Lovely NYC” – DJ BC
– “Lovely Rita” – Beatles
– “Good Morning Good Morning (Demo)” – John Lennon
– “Good Morning Good Morning” – Big Daddy
– “Concrete Pepper” – 2ManyDJs
– “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Take 5)” – Beatles
– “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” – Jimi Hendrix Experience
– “A Day in the Life” – The Fall
– “A Day in the Life” – Big Daddy
– “A Day in the Life” – Captain
– “A Day in the Life (Takes 1, 2 & 6)” – Beatles
– “A Day in the Life” – Beatles
Entre o Edu K, os Klaxons e a função do hype
Foto: Debora Pill

Você conhece esse sujeito da foto acima. Por baixo desse capuz, dessas cores fluorescentes, dessa pose poseur está ninguém menos que Edu K. Sim, o maior picareta do entretenimento brasileiro para uns, o único rockstar brasileiro de verdade na opinião de outros, o (ex-?)líder do DeFalla é new rave.
Não que isso seja um choque. Todo mundo sabe da ágil velocidade do sujeito em adaptar-se em cenários estranhamente novos, seja o death metal, o funk carioca ou o grindcore, e fazer isso soar coerente com a “proposta” autoral do sujeito. Um mashup de Maria-vai-com-as-outras com o projeto-objeto de Frank Zappa com tendência a cutucar aquela maçaroca sonora que o lado B do rock gaúcho (os não-jovenguardistas) tanto pisoteia feliz. New rave, neste sentido, é total Edu K. Barulhento, rápido, grosseiro, espalhafatoso, baseado no ritmo, moleque e festeiro, falando palavrão, punk rock e nü-metal, a dois passos do trance (aliás, uma seara inexplorada pelo velho Edu, que provavelmente desconhece o tamanho da brincadeira – senão, já era, presumo). E isso porque há menos de seis meses ele posava de principal DJ de funk carioca de Nova York ou posava para fotos em camelôs japoneses vendendo seu CD na rua. É claro, há também o elemento Malcolm McLaren nessa fórmula, afinal, Edu K é o empresário de si mesmo. Isso certamente explica o fato do DeFalla nunca ter saído do nosso querido underground.
E lá estava o cara, no palquinho minúsculo do Cabaret do Beco em Porto Alegre tocando hits Jovem Pan do final dos anos 80 gravados em 33 1/3 rotações por minuto mas que soam como se tocados a 45 RPM. Ou 78, 144, 212 – e os números crescem junto com pitch. Recheie essa farofada insuportável com a maior quantidade de sirenes jamais ouvida na história daquela casa noturna e com samples vocais que remetem a alguma música de algum dos primeiros discos do Prodigy. O público, que dançava feliz uma discotecagem gentebonita a cargo de um DJ de óculos (não fui perguntar o nome, mas já já eu descubro), teve dificuldades em entrar no ritmo de um set que ficava entre a caricatura e uma homenagem que parecia feita em desenho animado. E Edu K nem aí, urrando e saudando todo mundo como se estivesse fechando uma noite no palco principal do Coachella – aquela saudável atitude foda-se que é rotina em sua carreira.
Tudo isso pra falar da tal new rave, mais especificamente dos Klaxons e ainda mais especificamente da função do hype hoje em dia. Primeiro a new rave, um gênero que musicalmente não existia até que alguém inventou o rótulo (um dos Klaxons) e outros começaram a conectar pontos e artistas diferentes tentando achar alguma semelhança ou coincidência entre eles. Aí entra aquele balaio todo que eu citei sobre a discotecagem do Edu K – sirenes, poperô, neon, molecagem – e, pouco a pouco o “gênero” foi tomando forma. É um processo semelhante ao que aconteceu com outros rótulos que, com o tempo, ganharam o status de gênero. Mod, new wave, acid house, grunge e britpop são apenas alguns exemplos de termos criados para definir alguma banda ou tribo que, num segundo momento, passou a designar um tipo de som. Hoje, bem ou mal, new rave já pode ser considerado um gênero musical. Isso não quer dizer que seja bom ou ruim – quem diz é o freguês -, mas que é possível ouvir algo e dizer se é ou não new rave. E o rótulo não tem nada a ver com o gênero – new rave tem tanto a ver com rave quanto nü-metal tem a ver com metal ou emocore tem a ver com hardcore.
Nessa seara, os Klaxons surgem como “a” banda new rave. Juro que eu tento gostar, mas não desce. Por enquanto, só o remix Soulwax pra “Gravity’s Rainbow” me bateu, o resto continua como bela tentativa – mais tentativa do que bela. Mas juro que sigo tentando gostar, porque as referências que o grupo cita – “Gravity’s Rainbow” é o título original do Arco-Íris da Gravidade, magnus opus do Thomas Pynchon, “From Atlantis to Interzone” se refere tanto a Robert Anton Wilson quanto ao Burroughs e o fato de eles se se autodenominarem “os quatro cavaleiros de 2012” (ou você não sabe o que vai acontecer no dia 21 de dezembro de 2012?) me causa uma estranha sensação de que eles podem virar uma espécie de Clash do século 21 (ou vocês acham que o Clash do primeiro disco dá alguma dica que um dia faria o London Calling?).
O que nos leva à função do hype. “Hype”, terminho que aprendemos pouco depois do grunge, é a versão gringa pra termos em português como “buxixo” ou “zunzunzum”. É aquilo que todo mundo tá falando, o assunto que virou moda, quando chega naquele limite em que uma onda local pode se tornar uma mania global – uma zona de transferência entre o cult e o pop, o underground e o mainstream.
Manipular o hype não é, nem de longe, uma novidade. Foi o que Brian Epstein fez tornar os Beatles conhecidos (naquela época, o fato de uma banda de Liverpool tocar em Londres, era mais ou menos equivalente a uma banda de Cuiabá ter alguma exposição do eixo Rio-SP nos anos 80, por exemplo), o que Malcolm McLaren fez para transformar os Sex Pistols na maior afronta da história da monarquia britânica (até o corno que o príncipe Charles tomou da Leididai) e o que o Alan McGee fez para que o Oasis fosse algo mais do que realmente é (uma banda de um hit e só – no caso, a única música realmente boa da banda, “Live Forever”). E isso não é mérito de empresários. Bandas e artistas vivem fazendo isso – de David Bowie aos White Stripes e a lista enfileira George Clinton, Strokes, Kiss, Racionais, Abba, RPM, Planet Hemp, NWA, Caetano Veloso, Marvin Gaye, Smashing Pumpkins, Raimundos, Who, Snoop Doggy Dogg, Velvet, Blitz e inúmeros de outros exemplos em que o tino comercial e artístico parece ser um só, quando aperta-se uma veia específica do inconsciente coletivo que faz as pessoas se sentirem bem ao ponto de terem o ímpeto de ir atrás daquela música.
A diferença daquele hype para o atual – independente de vir do artista, do empresário, da crítica ou da mídia – é que começava-se a se falar sobre uma banda ou um artista (ou um filme, uma exposição ou uma peça, mas o assunto aqui é música) quando ele estava pronto, depois de uma etapa de ensaio e rascunho que moldava o som e a imagem associados a um nome e que não era mais exposto à mídia.
Mas, sabemos, os tempos mudaram – e assim, algumas noções que antes tínhamos como básicas, como a de privacidade. Por isso, se antes uma banda ensaiava escondido seus planos de dominação mundial enquanto aprendia a tocar acordes com pestana, a se movimentar em palcos de casas de shows minúsculas e a compor músicas próprias, hoje basta saber grunhir qualquer coisa num MP3 que a banda não só passa a existir como já está apta a ser hypada. O Cansei de Ser Sexy é um ótimo exemplo disso: a banda tinha um MP3 tosco e cinco fotologs antes de existir de fato – e pouco tempo depois estava no palco do Tim Festival, naquele show que todo mundo se orgulha de dizer que estava lá pra dizer que a banda era um lixo. Sim, eu estava lá e o show foi realmente um lixo – mesmo com a banda se divertindo pacas no palco.
É o elemento reality-show que invadiu a música pop. Este elemento é também o responsável pelos primeiros fãs do CSS no Brasil, que viam a banda e pensavam o que qualquer fã de reality-show pensa: “E se fosse comigo?”. “Quer dizer que eu não preciso ser um fodão pra tocar no palco do Timfa?” é equivalente a “quer dizer que eu não preciso ser ator/bonito/ter QI pra aparecer na TV?”. Assim, surge toda uma nova safra de bandas disposta a colocar uma música qualquer online e começar a se hypar antes mesmo de merecer ser hypado por alguém.
O Cansei não é uma exceção e sim uma nova regra, que também valeu para a Lily Allen e os Arctic Monkeys, e agora vale tanto para os Klaxons quanto para o Bonde do Rolê e uma série de bandas que ainda está começando. E mesmo não assistindo a nenhum show decente do Cansei, tenho quase certeza que o primeiro show deles no Brasil depois deste tempo todo na gringa vai deixar o mesmo pessoal que achou o show do Timfa risível de boca aberta. É que a tal “cancha” (termo de velho, vai) de shows que a maioria das bandas boas pega antes de ficar conhecida só aconteceu com eles quando eles já eram conhecidos. É como se os Beatles tivessem lançado seu MySpace com um MP3 do primeiro show na quermesse de Woolton em Liverpool (ou, exagerando menos, na fase Silver Beatles), como se pudéssemos assistir quase em tempo real aos vídeos de sua temporada na Alemanha via YouTube e se todo fã da banda resenhasse os shows deles no Cavern Club em seu blog. O parâmetro (Beatles) é manjado só pra ficar mais claro – não vai sair nenhum novo Beatles daí (nem de lugar nenhum, se é que você ainda não percebeu). Mas a história da música pop mudou com a internet não só por conta do MP3, do P2P e da crise da indústria do disco. De novo, estou falando de música, mas poderia estar falando de qualquer cena, gênero ou nicho cultural.
O que nos leva de volta para Edu K, um cara que, como muitos de seus conterrâneos gaúchos, insiste em uma certa personalidade pop esteja aquilo certo ou errado. Podia começar a falar de long-tail aqui, mas deixa pra outro dia. Por hora, basta saber que estamos prestes a assistir uma nova explosão de bandas minúsculas todas com potencial de dominação global – mesmo que por 15 segundos. Isso não invalida sua qualidade ou méritos, mas também não os avalisa a nada. A qualidade destas bandas vai ser determinada no dia-a-dia, a cada MP3 ou contrato fechado com algum tipo de publicidade. Todo mundo vai ser testado o tempo todo – ou você se garante ou especial do E! Channel sobre sua decadência, se der sorte. E assim os artistas se tornam próximos dos ouvintes e uns dos outros, sem parecer que Celine Dion, Marcelo D2, Axé Blonde, Jesus & Mary Chain ou Los Hermanos não pertencem ao mesmo planeta. É essa ficha que ainda está caindo.
…E o Surface da Microsoft, vocês viram?

Carregados era uma banda de eletrônico que o Mini, dos Walverdes, tinha no começo desta década ao lado de dois outros sujeitos, o Renan Schimidt e o Pedro Damasio. Ninguém se lembra (tenho o CD em casa, tá em algum lugar) mesmo porque quase ninguém ouviu, mas seguindo a tradição que o Brian Eno inventou sobre o primeiro disco do Velvet (“Quase ninguém ouviu, mas quem ouviu montou uma banda”) e a adaptando para tempos pós-MP3, o quase-hit (que, segundo o Mini, “não tocou em rádios, foi ouvida em pouquíssimas festas por quase ninguém”) “Telefone” foi ressuscitado graças a remixes de bambas dos pampas, como Flu, os Organizers dos irmãos Czarnobai, JZK e Philipe Braunstein na coletânea online Telefone – Remixes 2001-2005, que acabou de ser colocada no ar.
Materinha sobre mashup que saiu na revista da MTV deste mês – só para assinantes.

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Geração Copia e Cola
Bootleg, Bastard Pop, Mashup é a junção de duas músicas ou mais numa só. Mas não importa o nome. Depois do seu nascimento em 2001, o filho bastardo do pop explodiu na rede em 2007 por conta de softwares que fazem de qualquer quarto um estúdio em potencial. Isso significa que você está a um click de uma música formada por uma base do Nirvana com os vocais do Johnny Cash ou então uma com Gwen Stefani com Queen
por Adriana Alves
Copiar e colar não é novidade na internet e muito menos na música. Mas desde que o duo belga 2ManyDjs gravou, em 2001, uma mistura bizarra e sem interrupção de pedaços de músicas tão variadas quanto “Push It”, do Salt-N-Pepa, com “No Fun”, dos Stooges, e “Dreadlock Holiday”, do 10cc, com “Independent Woman”, das Destiny’s Child, o copy e paste passou a ganhar ares de criação artística e a ser chamado de Bastard Pop. Um outro lançamento simultâneo ao do 2ManyDJs marca o início desta história. Trata-se da faixa “A Stroke of Genie-us”, uma mistura dos vocais de “Genie in a Bottle”, da Cristina Aguilera, com as guitarras de “Hard to Explain”, dos Strokes, feita pelo DJ The Freelance Hellraiser.
Tempos depois, este filho perdido ganhou outros nomes, entre eles o de mashup, mas trata-se da mesma coisa: junção de duas músicas ou mais numa só. Definitivamente, este conceito de mistura não é uma novidade. O rap, por exemplo, muitas vezes utiliza a base de uma música conhecida e coloca os vocais por cima. Só pra citar uma, “Homem na Estrada”, dos Racionais MCs, é cantada em cima da base de “Ela Partiu”, do Tim Maia.
Os samples são utilizados há bastante tempo e a mistura e sobreposição de ritmos fazem parte da música desde que nós humanos começamos a identificá-la como tal. “Se você for prestar atenção, o próprio rock’n’roll é um mashup. Afinal, ouvir um branco cantando soul com voz de negão ou um negro cantando country nos Estados Unidos do meio do século passado era tão bizarro e alienígena – e, igualmente, fazia tanto sentido, quanto ouvir o vocal de ‘Billie Jean’ sobre o instrumental de ‘Smells Like Teen Spirit’, no começo do século 21”, diz o jornalista e agora DJ Alexandre Matias, que comanda a festa de mashup Gente Bonita Clima de Paquera em São Paulo.
Desta vez, a diferença é que além de ser feita uma mistura completa entre as músicas, este é um fenômeno completamente virtual. Por conta dos direitos autorais não existem discos de mashup, só é possível baixá-los na internet. Graças a programas de conexão pier-to-pierpeer-to-peer (P2P), como o Kazaa, por exemplo, é possível fazer o download de qualquer música, filme ou software, mesmo que ilegalmente. Desta forma, dependendo da conexão, é possível ter em minutos um programa de edição de áudio e suas músicas prediletas. “Qualquer moleque pode fazer um ótimo mashup em seu quarto, fazer o upload e, se ele for bom e criativo, poderá eventualmente tocar em clubes e em rádios de Londres, Boston, São Francisco, Paris, Rio, ou qualquer outra cidade”, conta o DJ estadunidense BC, responsável por dois aclamados trabalhos, Let it Beast e DJ BC Presents The Beastles, que é a fusão dos Beatles com Beastie Boys. “Pra mim, a novidade com os mashups é que eles trazem o espírito do punk rock, o Do-It Yourself. Você não precisa saber tocar um instrumento e pode fazer um som tão simples ou tão complicado quanto desejar”.
Todo este sucesso se deve a explosão do número de mashups que começaram a pipocar na internet. Com o fácil e livre acesso às ferramentas na rede, qualquer um e a qualquer hora pode criar seu 2 em 1, ou 10 em 1, se preferir. “O mashup é parte integrante dessa ‘geração copia-e-cola’ e da cultura livre. Acho que ele representa bem essa leva de artistas jovens, como eu, que fazem seus trabalhos em casa, sem muita pretensão, com baixíssima tecnologia e ainda assim obtém resultados superbacanas”, conta o DJ Goos, que tem 19 anos, mora em São Paulo e no final do ano passado começou a fazer suas próprias misturas e a disponibilizá-las em seu Myspace.
Para Matias, o mashup é o primeiro gênero musical do século 21 por três motivos. “Primeiro, não é um gênero musical propriamente dito, mas um meta-gênero (assim como serão os novos gêneros do novo século), segundo, não nasceu em cidade nenhuma e é um fenômeno essencialmente da internet, e terceiro porque é o passo final do faça-você-mesmo, você não toca músicas, toca músicos!”.
É arte?
Caso você já tenha ouvido um mashup, sabe o quanto pode ser divertida a mistura da cantora de jazz Sarah Vaughan com as bases de “Promiscuous”, da Nelly Furtado, ou então Coolio com INXS ou Led Zeppelin com Beastie Boys. Obviamente, também existem os mashups tosquinhos e a pergunta que fica no ar é: será que este DJ, ou quase-DJ, ou não-DJ que faz um mashup misturando hits dos mais conhecidos pode ser considerado um artista? “Eu acho que é arte, porque é um meio para se expressar musicalmente. Mas me parece que a maioria das pessoas que faz mashups está fazendo pela diversão e o amor à música, e não tentando fazer uma escola artística”, diz DJ BC.
Para o DJ Goos, que já toca em algumas festas, algumas delas especialmente dedicadas ao estilo, o mashup é arte das mais detalhadas. “A arte do ‘mashupero’ está no processo da fragmentação e da recombinação estética de dois elementos que geralmente não estariam juntos. É difícil pensar em mashup como ‘projeto intelectual’ e não apenas como um amontoado de hits, mas a escolha das músicas, o processo da colagem e até o resultado final carregam conceitos de desconstrução, apropriação de pré-fabricados, entre outros, por mais sutil que seja”, conta o DJ, para em seguida assumir: “O fato de ser meio ilegal também conta, não?”.
Muita gente do nosso cenário musical tem observado estas mudanças. “Para criar, usa-se sempre, quer queira quer não, ferramentas, procedimentos que são, por assim dizer, ‘patrimônio cultural da humanidade’: progressões harmônicas, formas musicais”, diz Sérgio Britto, dos Titãs. “Acho que pode ser considerado como arte, mas o importante é que esse exercício não seja medíocre ou mera cópia. A meu ver, coisas assim não deveriam ser vistas com tanta ‘pompa’. Se é ‘arte’ ou não, não é tão importante. Tem sua graça? É divertido? Funciona? Então tá valendo!”
Daniel W, batera do NX Zero, acha que a modalidade pode até servir de solução em alguns casos. “Acho que quando um DJ seleciona músicas para fazer um mashup, dificilmente irá achar canções 100% originais. Seguindo aquele clichê de que nada se cria tudo se copia, a própria música original, ao ser feita, utilizou vários outros elementos já existentes. Às vezes o DJ pode até salvar uma música juntando com outras no timing certo”.
Japinha, do CPM 22, acha tudo isso superválido. “Porque não considerar uma espécie de arte? É resultado de criatividade! Se uma pessoa tem o dom de fazer algo que soe bem, independente da forma, já merece consideração. Neste caso, ainda resgata outros trabalhos, o que os valoriza, homenageia.”
Seria impossível um estilo musical (será que o mashup é um?) alcançar a unanimidade. Para o metaleiro Edu Falaschi, do Angra, é só o retrato dos tempos modernos. “Quando eu era adolescente achava que esses caras eram apenas pessoas que escolhiam a trilha sonora pra uma balada. Mas com o passar dos anos foram transformando os DJs em personalidades, chegando a considerá-los ‘músicos’ ou ‘artistas’, isso soa bem estranho pra mim”, conta Edu, desanimado com os novos rumos. “Quando os outros falam ‘nossa! Vamos ver tal DJ tocar’… Como assim tocar? O cara só aperta botões! É claro que tem especialistas em criar sons e esses caras que constroem a coisa do zero, pra mim são fantásticos, mas a maioria só clona. Essa idéia do ‘mashup’ é somente um reflexo dos dias modernos, ou seja, respeito zero.”
Festas
Esta história já ganhou as pistas de dança mundo afora. Uma destas festas, a Bootie, realizada em São Francisco, nos Estados Unidos, pela dupla de mashupeiros A Plus D, formada por Adrian Roberts e Misterious D, já têm dois discos incríveis gravados, The Best of Bootie 2005 e The Best of Bootie 2006. Ambos podem ser ouvidos e baixados em www.bootieusa.com . No álbum de 2006, é possível ouvir no que deu Bonde do Rolê com New Order, ou Destiny’s Child com Arctic Monkeys e ainda Nelly Furtado com Phil Collins. E a Bootie está em franca ascensão. Nos Estados Unidos, além de São Francisco, a festa passa por Los Angeles, Nova York e logo mais aterrisará em Denver. A França também já tem sua edição em Paris e o site anuncia para breve uma vinda pra São Paulo.
Em terras paulistanas, os mashups também estão ganhando espaço nas pistas e já existem festas exclusivamente dedicadas a estas misturas. Certamente a que mais fez barulho no primeiro semestre deste ano foi a comandada por Alexandre Matias e seu amigo, também jornalista e DJ, Luciano Kalatalo. O nome da balada é aquele mesmo, Gente Bonita Clima de Paquera. “É importado de uma gíria recifense que parodia um termo comum em todas colunas sociais do Brasil. O termo ‘Gente Bonita’, em inglês, é até mesmo sinônimo para ‘VIP’. Então foi uma forma de rir dessa cultura de celebridade”, diz Matias. No site, onde já tem podcast disponível tanto pra ouvir quanto para baixar, é defendida a bandeira de que Gente Bonita não é só uma festa, mas um novo conceito. “É o fim da segregação. Coisas como Artista/Platéia, Músico/Ouvinte, Celebridades/Anônimos, deixam de ter sentido, todos têm a possibilidade e o espaço para aparecer e serem vistos. E não falo de apenas 15 minutos de fama”, diz Luciano.
E parece que esta história já começa a apontar novos caminhos na música e na cultura em geral. “O mashup pressupõe a pluralidade e isso vale para tudo. É o contrário da cultura monotemática que estávamos nos habituando. Estamos nos libertando em diversos níveis, para que não corramos o risco de cair em uma ditadura de gosto”, diz Matias e revela que o termo vem sendo utilizado por diversas outras áreas. “O termo já se expande para solucionar fusões de corporações, sites que podem trabalhar em paralelo, recriações de cenas de filmes clássicos em videogames ou plataformas de comunidades.”
Os DJs estão pipocando pela rede e as ferramentas estão se tornando cada vez mais fáceis de se manipular, como o Splice Music (www.splicemusic.com), que é um site de relacionamento onde há um software de edição musical. Lá você pode editar músicas em tempo real, criar suas faixas, usar a dos outros e tudo isso sem encrenca judicial. Pelo menos este site, é todo licenciado pelo Creative Commons, que é uma flexibilização dos direitos autorais e portanto, liberado para sua diversão.