Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.
Beatles, Men Without Hats, LFO, John Oswald, Grenade, Beck, Cure, Jackie Mittoo, New Radicals, Khaled e Salif Keita, LCD Soundsystem, Miguel de Deus e Ween. O podflash era teste, mas agora é pra valer: “Can you hear me?”, clicaqui.
Já que a Bizz com o U2 na capa saiu da banca, acho que dá pra colocar a materinha sobre as basement tapes do Dylan que eu fiz pra eles. Sem cortes, sem edição, versão crua memo:
Bob Dylan clandestino
A incrível história do “álbum perdido” de Dylan, as lendas em torno dele e como The Great White Wonder inventou o mercado de discos piratas
“Consideramos o lançamento deste disco um abuso da integridade de um grande artista. Ao publicar material sem o conhecimento ou a aprovação de Bob Dylan ou da Columbia Records, os vendedores deste disco estão privando grosseiramente um grande artista da oportunidade de aperfeiçoar sua performance até onde ele crê em sua integridade e validade. Eles difamam o artista e fraudam seus admiradores ao mesmo tempo. Por estas razões, a Columbia, em conjunto com os advogados de Bob Dylan, seguirá todos os procedimentos legais para interromper a distribuição e a venda deste álbum.”
Tarde demais. A nota divulgada pela gravadora de Dylan em setembro de 1969 sobre a existência de um disco chamado The Great White Wonder veio registrar, nos autos da própria indústria fonográfica, a existência de um registro sonoro inédito que começava a ganhar dimensões improváveis para o que deveria ser uma mera produção caseira. Vendido na casa dos milhares, o vinil duplo trazia dois momentos distintos de Dylan (doze canções gravadas em um hotel em 1961 e outras nove faixas de baixa qualidade acompanhado da mesma banda com quem excursionava, em 1967) e surgia imponente como aquilo que o editor da Rolling Stone, Jann Wenner, chamara de “o disco perdido de Bob Dylan”, na capa da edição de 22 de junho de 1968. Na matéria, eram descritas treze canções que circulavam por meios alternativos, que comporiam um próximo álbum do contratado da Columbia Records. “O conceito de um disco coeso já está presente”, escreveu, antes de clamar: “A fita do porão de Dylan precisa ser lançada.”
“Havia uma enorme demanda por Dylan e ele não lançava nada”, me explica Greil Marcus, uma das principais autoridades sobre o músico norte-americano. “Naquela época, um artista de seu porte não lançar nada por seis meses era algo improvável – que dizer do período de um ano e meio entre Blonde on Blonde (1966) and John Wesley Harding (1968). Neste sentido, os piratas preencheram a lacuna. Como aconteceu, haviam tantos lançamentos – sobras de estúdio, shows, músicas que nunca foram lançadas etc. – que constituem toda uma carreira à sombra – que Robert Polio recentemente construiu no livro Tin House”.
Em menos de um ano, The Great White Wonder veio à tona; as primeiras cópias eram vendidas em Los Angeles e logo se replicaram pelo mundo. Mais do que compartilhar com o grande público gravações que já eram conhecidas dentro da metiê fonográfico, o LP é o primeiro passo em uma história que todo fã de música pop adora: o disco pirata. Uma história em que o próprio Bob Dylan é um de seus principais protagonistas.
Like a Rolling Stone
Volte no tempo cinco anos e encontre Bob Dylan no auge de sua carreira. Mais do que se enamorar pelo rock’n’roll, o antigo garoto-prodígio da cena folk e a então voz de sua geração viu na combinação barulhenta de country e rhythm’n’blues em instrumentos elétricos uma capacidade de comunicação mais instantânea e mais ampla do que o beco sem saída das ladainhas ao violão que andava metido. O rock se tornava a nova música popular, o novo som das ruas. Ele reconhecia a reverência que a geração da Invasão Britânica fazia aos grandes nomes do rádio norte-americano dos anos 50 – não à toa, batizou um disco de Bringing it All Back Home (“Trazendo Tudo de Volta pra Casa”).
“Os Beatles estavam fazendo o que mais ninguém fazia”, disse Dylan em 1971 a um de seus biógrafos, Anthony Scaduto. “Os acordes eram ultrajantes e suas harmonias vocais validavam tudo. Você só pode fazer isso com outros músicos. Foi quando comecei a pensar em trabalhar com outras pessoas. Todo mundo pensava que os Beatles eram pra adolescentes, que logo iam passar. Pra mim, eles tinham chegado pra ficar. Sabia que eles apontavam o rumo que a música devia seguir.”
Desde o primeiro momento em que optou pelo rock, não havia meio-termo – tanto que sua “conversão” elétrica foi em alto e bom som no Newport Folk Festival. Dylan subiu no palco no dia 24 de junho de 1964 ao lado do tecladista Al Kooper e da Blues Band de Paul Butterfield, os mesmos músicos com quem, havia pouco mais de uma semana, gravara o hino “Like a Rolling Stone”. O single chegou às paradas no mesmo dia em que Dylan encerraria o evento. Ele foi chamado ao palco com entusiasmo pelo cantor Pete Seeger, um dos organizadores, o mesmo que dali a pouco tentaria cortar o cabo de eletricidade com um machado quando a banda de Dylan começou a tocar “Maggie’s Farm”.
Era guerra. Chamou os canadenses dos Hawks para ser sua banda e juntos cruzaram 1965 e 1966 na famosa turnê. Na primeira metade do show, Dylan tocava sozinho seu violão; na segunda parte, vinha com a banda e presenteava o público com uma descarga musical bruta e agressiva. A resposta vinha em forma de vaias.
O choque foi intenso para a banda, formada pelo guitarrista Robbie Robertson, o pianista Richard Manuel, o baixista Rick Danko, o organista Garth Hudson e o baterista Levon Helm – tanto que este pediu as contas em novembro de 65, pois não suportava mais ser vaiado. Acostumada a tocar em pequenos pardieiros, a banda era atirada às mais reputadas salas de espetáculo do mundo, do Hollywood Bowl ao Royal Albert Hall, secundando um dos principais artistas jovens da época, e ainda por cima para ser agredida pela platéia. Que, por sua vez, pagava para vaiar.
Se a banda estava chocada, o mesmo não parecia acontecer com Dylan. Desafiava o público, os fãs, os jornalistas e quem mais se colocasse entre ele sua nova música com um humor nonsense e aparente desprezo por todos. Seus discos haviam encontrado, no público de rock que aos poucos amadurecia, uma audiência maior que o conservadorismo folk. Mas aquilo parecia ter ampliado ainda mais seu papel de “voz de uma geração”. A agressividade musical parecia atrair outro tipo de agressividade. Violência gera violência. As vaias eram substituídas por xingamentos e pesadas trocas de acusação entre o cantor e a platéia, numa onda cada vez mais crescente em que a própria vida de Dylan parecia correr risco. “Olha o que eles fizeram com o Kennedy em Dallas!”, assustou-se o cantor folk Phil Ochs ao assistir ao confronto no estádio de Forest Hills, em Nova York.
Essa história é registrada magistralmente em dois dos mais importantes documentários da história do rock, Don’t Look Back do diretor D.A. Pennebaker, que acompanha o braço inglês da turnê de 1965 e foi crucial para difundir o novo Dylan para todo um planeta ainda não unificado pela TV via satélite, quando foi lançado em 1967; e No Direction Home, de Martin Scorsese, lançado no ano passado.
Woodstock
Precisando descansar, Dylan comprou uma casa de campo em Woodstock, assim como seu empresário Albert Grossman, pouco antes de reiniciar a turnê americana, em 1966. Impressionados com a tranqüilidade pastoral da região, próxima de Nova York, os quatro canadenses dos Hawks (só Levon era norte-americano) mudaram-se para uma enorme casa rosa em West Saugerties, próximo à casa de Bob. Montaram seus instrumentos no apertado mas confortável porão de uma horrorosa casa rosa (a “Big Pink”), onde começaram a ensaiar com freqüência, muitas vezes acompanhados por Dylan.
Até que, no dia 30 de julho de 1966, as rádios dos Estados Unidos passaram a noticiar que Bob havia sofrido um acidente de motocicleta.
Ninguém sabe ao certo o que aconteceu e a gravidade do estado de Dylan após os freios de sua Tryumph 500 terem parado de funcionar perto de sua casa, quando foi acompanhar a mulher, Sara Lownds, que saía de carro, em uma volta pela região, no dia 29 de julho. Na época, falavam que ele estava entre a vida e a morte, que o acidente estava apenas encobrindo o fato de ter enlouquecido, que a CIA havia sabotado sua moto. Depois do acidente, Dylan se isolou: não recebia visitas, falava com os amigos por meio de um interfone e não saía mais de seu quarto.
Quando começou a fazê-lo, encontrou sua banda em outro plano. Sem bateria, tocavam mais devagar e mais baixo, sem perder a pegada rock. A atmosfera do porão dava uma estranha vida ao local e som ecoava por mais tempo, como uma velha transmissão de radio. O lugar combinava com o som que lembrava em sua reclusão, som de infância, entre o blues e a música folk, de artistas anônimos e trovadores atordoados. À medida em que se recuperava, voltou a tocar com a banda, que não tinha mais nome. Eram apenas “The Band”.
Puseram o gravador para funcionar e em abril de 1967 começaram os históricos registros. Poucos instrumentos, tocados informalmente, entre tentativas e risadas, eram o centro dessa viagem ao passado em que nem Dylan nem a Band, podiam saber, conjurou espíritos de diferentes eras do som gravado nos EUA. Os cinco se tornavam um conjunto vocal, a princípio parodiando cantores antigos com vozes cômicas que, pouco a pouco, ganhavam um novo significado. Compunham músicas com se estivessem apenas tentando lembrar delas, numa jam session espiritual de retorno à infância de suas musicalidades. Ao comparar o som do porão ao de um laboratório, o Greil Marcus ouviu algo bem diferente de Robbie Robertson: “Não”, disse o guitarrista no livro Invisible Republic. “Aquilo era uma conspiração. Era como as fitas de Watergate. Pra muitas coisas, Bob dizia ‘devíamos destruir isso!’.”
Quatorze dessas faixas foram transformadas em discos de acetato por Albert Grossman. Dylan não tinha a intenção de lançar aquelas gravações, mas aproveitou para oferece-las a outros intérpretes. “Quinn the Eskimo” foi para Manfred Mann; “You Ain’t Goin’ Nowhere” para os Byrds; “This Wheel’s on Fire” caiu com Julie Driscoll, Brian Auger & the Trinity; “Too Much of Nothing” ficou com Peter, Paul & Mary. Cada artista que registrava algo daquele misterioso material dava dimensões ainda maiores às versões originais, como se elas encobrissem algum segredo.
O segredo, na verdade, eram as próprias fitas – já então apelidadas com seu nome clássico de “basement tapes” (“fitas do porão”). Dylan, aos poucos, voltava à carreira via country (o disco John Wesley Harding, gravado em Nashville, e na aparição no show em tributo a Woody Guthrie no Carniege Hall, em janeiro de 1968). Ao mesmo tempo, cópias daquele acetato circulavam entre artistas, jornalistas, fãs e empresários, revelando a música que Bob Dylan vinha fazendo quando virou as costas para o Verão do Amor. Reuniu-se com os amigos e voltou para o passado, num clima de convivência mais honesto e intenso que o sexo desesperado do amor livre, a piração ablué das drogas psicodélicas ou o ruído estridente do rock’n’roll. Eram apenas amigos fazendo música. Folk, direitos civis, psicodelia – estava cansado de pegar carona na onda dos outros.
Com as “fitas do porão”, era a vez dos outros seguirem sua onda. E foi assim que os Rolling Stones saíram do abismo paz e amor onde nunca deveriam ter ido, exilados uma chácara no interior de São Paulo, no Brasil, para compor seu disco mais “raiz”, Beggar’s Banquet, ouvindo as basement tapes sem parar. Nos Beatles, foi George Harrison quem deu a dica de Dylan e fez Paul McCartney bolar o conceito do disco Get Back, em que o grupo voltaria a descobrir o prazer de estar junto tocando músicas velhas – um projeto que deu errado, acelerou o fim da banda, e culminou nos disco e filme de mesmo nome, Let it Be. A música country era reavaliada e tinha sua importância ressarcida. Woodstock tornou-se o palco para o megafestival e sinônimo de todo aquele sentimento. Uma saída melancólica mas digna para a autodestrutiva psicodelia, já em rota de colisão, as basement tapes foram uma espécie de amuleto para a passagem dos anos 60 para os 70.
The Basement Tapes
Daí que em 1969 veio The Great White Wonder, dali a pouco Troubled Troubador, Waters of Oblivion e vários outros discos piratas, que ampliavam ainda mais o número de músicas do porão – das 14 originais foram para 23 em 1975, o ano em que a Columbia oficializar o disco, com todas as faixas (24! Uma única faixa desconhecida dos fãs, “Goin’ to Acapulco”, indicava que ainda havia mais a se descobrir) num mesmo volume. Mas a gravadora não gostou do som das fitas e fez a Band regravar algumas partes, descaracterizando-as. Oficializado, The Basement Tapes chegou aos dez discos mais vendidos na semana de seu lançamento: “Eu pensava que todo mundo já tivesse essas músicas!”, disse Dylan, surpreso.
Contudo, duas novas coletâneas piratas Blind Boy Grundy & the Hawks volumes 1 e 2 (o título vem dos nomes que Dylan e a Band usavam antes de serem conhecidos), só com faixas inéditas foram lançadas logo após o disco da Columbia, ampliando ainda as basement tapes. No livro Bootleg: The Secret History of Rock and Roll, o escritor Clinton Heylin localiza a origem deste segundo lote quando um amigo de Robbie Robertson deu uma série de fitas a uma loja no noroeste americano. Um terceiro lote de fitas seria encontrado e todas as gravações conhecidas das basement tapes seriam compiladas numa caixa de cinco CDs de 1990 – que melhoraram edição após edição até chegar ao box A Tree With Roots, de 2001.
A quantidade de artigos da pirataria Dylan o torna o artista mais lançado extra-oficialmente do mundo – até mais que os Beatles, pois eles terminaram em 1970. Só a existência de Jewels and Binoculars, uma única caixa com 26 CDs dedicadas a seus shows em um ano (1966, da gravadora Vigotone) já deveria servir como prova disso. Ele também contribui, produzindo mais do que pode lançar, trocando versões matadoras por faixas fracas em cima da hora, refazendo discos sem pestanejar. Tanto que começou a desovar este material em coletâneas oficias, como na Biography, em que comenta sobre a pirataria no encarte: “Eles tem coisas que se faz em uma cabine telefônica. Quando não tem ninguém por perto. Você num motel, sozinho, não conhece ninguém e… É como se o telefone estivesse grampeado… Aí aparece num disco pirata. Com uma foto de você que foi tirada debaixo da sua cama e com um título meio strip-tease, custando 30 contos. E depois você pergunta porque tantos artistas são paranóicos.”
Dylan entrou pra valer no jogo quando lançou sua série pirata, em 1991. A princípio, uma caixa com três CDs cheios de relíquias para maníacos e faixas incríveis para o público em geral, as Bootleg Series já estão em seu sétimo volume (a trilha sonora de No Direction Home) e nem sinal das basement tapes oficializadas mesmo – na íntegra, sem retoques, sem remasterização moderna. Como o documentário de Scorsese termina no misterioso acidente de moto, já especula-se sobre um segundo filme, que nos levaria às profundezas do mítico porão.
“Dylan, mais do que muitas figuras públicas viveu numa nuvem de desinformação e mito, boa parte deliberadamente criada ou encorajada por ele para aumentar sua própria imagem”, me disse Howard Sounes, outro biógrafo do músico. Marcus conclui: “Eu não tenho a menor idéia do que Dylan acha disso tudo. Contudo, não fui o único a notar que seu disco de 1970, Self Portrait (Auto-retrato), era um apanhado de faixas ao vivo, sobras, versões de segunda categoria e peças inacabadas, muito parecido com o disco que o precedeu, The Great White Wonder”, conclui Marcus.
É, nos mandaram da sexta pra segunda, mas isso não é motivo pra reclamação: o esquema da feshteenha continua no mesmo espírito das anteriores – o preço é quinze pilas, mas se você não tá numas de pagar pra entrar, é só mandar o seu nominho e o do seu povo pro meu email e pro do Ramiro, até o dia 20, às 18h. Entendido? Nos vemos lá, talvez com um convidado-surpresa…
We like the boys with the bullet proof vests
We like the girls with the cellophane chests
We like to ride on executive planes
We like to sit around and get real paid
I know you really want it cos your Daddy’s always on it
And he knows just how to flaunt it
He got pictures in his wallet and he want to be your lover
Does he look just like my mother
Does he cover you like butter and just leave you in the gutter
I want to know if I’m worth your time
There’s so much to do before you die
Thursday night, I think I’m pregnant again
Touch my ass if you’re qualified
“Life is a carnival – believe it or not” – The Band
E dia 20 tem mais uma feshteenha R.U.T.S. Behold…
Mais um defunto no meu obituário pessoal: meu PC Tranqüilo, que me acompanha desde 1998, pediu arrego terça passada. Dedos cruzados pro HD não ter ido pro saco, mas se tiver, paciência. Zerar é sempre bom pra cabeça.
Enquanto seu substituto não sai da parteira, estou freqüentando lan houses, esse antro subcultural de jogos em rede e meninas adolescentes que acessam o MSN em dupla. Como eu me sinto numa bowa por aqui…
Essa saiu antes do carnaval, mas inda não tinha postado aqui:
Alguém aí ainda agüenta Rolling Stones? Depois da overdose da megacorporação multinacional gerida por Jagger e Richards a que o Brasil foi submetido, voltar a máquina do tempo uns 40 anos e encontrar os atuais CEOs disfarçados de “rock stars” numa festa particular em uma cidade européia talvez seja o antídoto perfeito para anestesiar êxtases superlativos da passagem do grupo.
O documentário “Rolling Like a Stone”, que será exibido no Festival É Tudo Verdade (que começa dia 23 de março), em São Paulo, parte de um curto trecho de filme que registrou a passagem do grupo inglês pela cidade de Malmö, na Suécia, para reconstruir o conceito do grupo do outro lado do espelho. Centrado ao redor de uma festa particular da cena de rhythm’n’blues da minúscula cidade escandinava que contou com a presença ilustre de Mick Jagger, Keith Richards e Brian Jones (1942-69), o filme dos diretores suecos Magnus Gertten e Stefan Barg busca alguns dos coadjuvantes daquele dia para mostrar o que acontece com as pedras que deixam de rolar.
Somos atirados no meio de sexagenários saudosos de seus tempos de rock’n’roll, que recordam -uns com dor, outros com candura- dos tempos em que a sociedade poderia ser desafiada (e, quem sabe, o mundo ser mudado) com ruído elétrico, ritmo insistente e cabelos compridos. Integrantes de bandas anônimas (Gonks, Namelosers) e meninas apaixonadas pelo brilho dos ingleses colocam mais uma peça no quebra-cabeças cuja a imagem é a atual cultura pop –uma peça marginal, irrelevante, mas que mostra com precisão o impacto do rock na rotina do planeta.
Sem o áudio (a trilha sonora é composta por faixas das bandas citadas acima, de rock garageiro sem sal), o documentário é musicalmente insípido –mesmo para os fãs de carteirinha dos Stones (sempre em segundo plano, no filme), “Rolling Like a Stone” é, no máximo, curioso. Lento e enfadonho, o filme vale por mostrar de forma crua a triste realidade daqueles que sonham sonhos alheios. Como muitos no show histórico da praia de Copacabana.
Disco 21) In Between Dreams – Jack Johnson
“Onde as pessoas boas foram parar?”, pergunta-se Jack Johnson no meio de seu In Between Dreams, “estou mudando de canais e não as vejo nos programas de TV”. Ele está assistindo aos mesmos canais que nós, que passa esse estranho programa chamado CelebRealidade, em que só a vida de pessoas muito esquisitas parecem importar. À medida em que a máscara midiática aos pouco resseca, como avisou Alan Moore no “V de Vingança”, o sorriso revela-se apenas um esgar. Johnson pertence àquela tradição do violãozinho, que reúne hippies disfarçados (ou não), como George Harrison, Dave Gilmour, Renato Russo, Kurt Cobain, Beck e Brad Nowell, gente que, sozinho ou com uma turma, não precisa de mais de um instrumento (talvez um bongô ou palmas, vai), pra mudar a estação. Mas mais do que seus antecessores, o havaiano vem com uma improvável missão: trazer o pop de volta à “normalidade”, tirando piercings, músculos delineados, cabelos coloridos e o ar de bobo que a decadente indústria impingiu ao gênero para garantir sua “juventude”. No caminho, carrega fãs do Bon Jovi de cabelo curto, manezices como Matchbox 20 e outros presentes de grego inventados pela mesma indústria. Mas isso não é motivo para menosprezá-lo – pelo contrário. Juntando entusiastas de bandas insípidas para ouvir algo com um mínimo de tutano, ele também distrai o público das celebridades de seu passatempo predileto (a TV) e, sem querer, nos faz perceber que são as mesmas pessoas. Que mundo melhor seria se essas pessoas percebessem que não há nada de errado em suas vidas e que o que elas precisam é de apenas uma roda de violão em que possam cantar numa boa junto com pessoas de quem elas gostam – sem histeria, sem cabecismos, sem referências.
Música 21) “Music is My Hot Hot Sex” – Cansei de Ser Sexy
Bumbo e caixa eletrônicos se alternam, lentos e monótonos – é o enterro de um robô. Entra a guitarra a gingar, para lá e para cá, ao derreter uma parede de eletricidade em câmera lenta, desenhando o mesmo zigue-zague horizontal que as dançarinas de Robert Palmer no clipe de “Addicted to Love” ‘traçavam com seus quadris, como garotas da abertura do Fantástico nos anos 80 ossificadas por excesso de estilo (anos 80). A vocalista começa a balbuciar monótona sua paixão, perseguida à espreita por uma guitarra princeana. Anima-se um pouco no refrão, mas soa igualmente robótica, desta vez acompanhada por teclados fuleiros à Daft Punk e vocoder. Talvez seja o mais longe de um hit que o disco de estréia do Cansei de Ser Sexy traga entre suas faixas (não tem o kellykeysmo de “Superafim”, a grrlrockidão de “Off the Hook”, os “uh-uh” de “This Month Day 10”, as DFAíscas de “Alala”, a pegada atari disco de “Computer Heat”), mas “Music is My Hot Hot Sex” não é um truque pra fazer meninas bi-curious baixarem MP3s recomendados por um fotolog, nem uma picaretagem electrofoda-se feita pras colunas sociais da crítica muderna. Por um momento, Luísa Lovefoxx e Adriano Cintra desligam as luzes dos monitores dos outros para se declararem apaixonados – sérios, sem brincadeiras, um para o outro e para a música. Olham nos olhos um do outro, tremelicando a pálpebra inferior entre a tentativa de assassinato, o choro irreprimível e a tensão pré-beijo – mas não avançam. Permanecem estáticos, sentindo a vibração entre os dois tornar-se música, psicoterapia de casal racionalizada e transformada em um loop dramático, que une a puta velha do decadente underground paulistano à enfant prodige das ondas wi-fi num mesmo ser – andrógino, moleque, promíscuo, descontrolado e abusado. “Ele é fodão mas eu sei que eu sou também”. Fake e naïf na mesma medida, não coloque no repeat do seu Winamp senão ela atinge a corrente cerebral de seu DNA musical, lembrando porque nós (eles, você, eu) estamos aqui: “Música é minha casa de praia/ Música é minha cidade-natal/ Música é minha cama king-size/ Música é meu banho quente/ Música é meu sexo quente/ Música é minha coçada nas costas/ Música é onde eu quero que você toque”.
Show 21) Grenade no Milo Garage, em São Paulo
Nada como um palquinho pra uma grande banda de rock. Ali, na altura do público, sem degrau de ascensão, o Grenade mostrou sua faceta 2006 no meio de 2005. Findo o processo de sagração do nome do grupo como banda em seu disco de estréia, no ano anterior (a saber: até então “Grenade” era a marca por trás da qual o ex-Killing Chainsaw Rodrigo Guedes compunha suas incursões lo-fi, desde 1998), agora é a vez de dar passos adiante. As novas faixas continuam na linha Lennon/Barrett com aquele pop disfarçadamente torto, que propõe incursões individuais em sua tímida singularidade, mas a entrada do novo guitarrista Adauto Mangue (ex-Mudcracks, apresentado ao público paulistano neste show) deu a pegada 1971 que Rodrigo tanto buscava, equilibrada no primeiro CD (de 2004), mas atingindo uma veia ainda mais country. E o espírito elétrico de Neil Young, que já pairava magnético sobre a banda, encarnou pesado. Rock demoníaco é fácil fazer – microfonia espiritual não é pra qualquer um.
De volta à metrópole, deixo a capital pernambucana com um aperto no coração – mas sempre há uma hora de se reaclimatar à minha querida Aclimação, onde o vento é brisa, a chuva refresca, o sol doura e o céu resplandece. Recife, mesmo sem vento, com seu calor táctil, seus temporais de verão, um sol que castiga e um céu que queima os olhos de tão brilhante, vai deixar saudades em 17 dias de pura loucura adolescente mesclados com o pós-intelectualismo de sempre e o afã das fãs junto com certo élan de bizness carburado em temperaturas próximas aos quarenta graus. Se você acompanhou o Vida Fodona (que assim que o computador novo nascer, torna-se outra home) tem uma vaga noção do que estou falando. Senão, aqui vão alguns pontos a se destacar:
– Que mané Coachella: Recife no Carnaval tem mais bandas por metro quadrado do que qualquer Roskilde da vida. Artistas do primeiro (Lenine, Antônio Nóbrega, Mombojó, Alceu Valença, Mundo Livre S/A, Martinho da Vila, Elba Ramalho, Nação Zumbi, Cordel) e do segundo (Gabriel O Pensador, Vanessa da Mata, Lula Queiroga, Leci Brandão, Zéia Duncan) escalão do pop nacional (o referencial sou eu, lembre-se!), mestres da velha guarda (Lia de Itamaracá, Carimbó Uirapuru, Riachão e o inacreditável Erasto Vasconcellos) e várias bandas novas do pedaço (Playboys, Barbis, Turbo Trio, 3ETs, La Pupuña, entre várias outras) dividem espaço com rodas de break, emboladores, pagodes de playboy, carros bombando axé music, bandas de frevo, velhinhos tocando marchinhas, repentistas, letras de duplo sentido, rodas de samba, maracatus fakes e de verdade. Fora sua própria Salvador particular – Olinda bomba como se não existisse diferença entre o cordão e a pipoca nos trios elétricos da capital baiana, como se a indústria do axé ainda não tivesse sido inventada, como se o carnaval de Ouro Preto fosse abençoado pelo frescor litorâneo. E toneladas de gente. Pra todos os lados. Uma experiência imperdível;
– Nova safra de velhos pernambucanos tinindo trincando: além do Futura da Nação e do Bêbadogroove do Mundo Livre S/A ainda deu pra saborear os novos do Eddie (Metropolitano), Bonsucesso Samba Clube (Tem Arte na Barbearia) e Mombojó (vai dizer que você ainda não sabe o nome…), além de uma pérola musical que deu a tônica da turnê: “O Baile Betinha”, de Erasto Vasconcellos;
– Mais do que traçar as diretrizes da relação da música brasileira com o mundo, pauta semioficial do Porto Musical, o evento consolidou-se como pólo magnético de atração de algumas das melhores cabeças da cena independente brasileira – do baiano Big Bross ao gaúcho Fernando Rosa, passando pelo Lariú, Thaís Aragão, Alex Antunes, Briuno Ramos, Fabrício Nobre, Luciano Mattos, Messias do Brincando de Deus, Marcos Boffa, Frank Jorge, o pessoal da Funtelpa de Belém… Muita gente boa atraída pela importância do evento, que praticamente criaram um outro Porto Musical, paralelo às salas de conferência;
– Comidas para todos os níveis de paladar: do queijo coalho na Pitombeiras à frescura roots do Chica Pitanga, passando pelo filé de carne de sol d’O Bode, a sinfonia marítima (é o nome do prato) no Camarão do Zito em Brasília Teimosa, a macaxeira de Noca e o incrível LaçaCheddar – só comi mal no tal do Parraxaxá;
– Duas grandes naites comigo na trilha sonora: primeiro na Pitombeiras, em Olinda, dividindo CD players com o Bruno Pedrosa, o cearense Guga e o breasiliense radicado em Petrolina Thales, tocando na última Sonora do verão 2005/2006, pra gringos e famosos locais; depois no bar PoEtico, na primeira balada per se da casa, que fica atrás do árabe Salamaleque, na Casa Amarela. Desta vez, dividi os CDJs com o bamba Fred Leal, e a noite ainda contou com Dani, Flávio e Mone nas picapes, tocando para perdidos na noite, indies recifenses, teens a granel e a galera do psy-trance – noite que amanheceu no papadefunto Garagem, um clássico do rock pernambucano (uma borracharia que vende cerveja);
– Grandes companhias em 17 dias: Fernanda, Renato, Pedro, Vicente,Priscilla, Joli, Naomi, China, Fabinho, Pedrosa (vamo ver aqui em São Paulo), Guga (duplo salvador!), Jenny, Luiz, Débora, Bactéria, Cardoso e Gui, Luciano (cobaia!), Mari, Kélita, Chiquinho, Dani (festão, hein), Aninha, Vivian, Melina, Lariú, Cris, Paulo André, Marcelo Machado, Sérgio, Xico, Gina, Gui Moura (CDF por escrito, mas um tremendo fanfarrão pessoalmente) e Hugo, Hélder, Renata, Nobre, Sílvio, Felipe, Diego e Otávio, Flávio (santo da carona), os Jumbos, Gutie, Frank London, Karine (comentarista fiel!), Marinilda (parceira de entrevista), Marcelo Campello (vi o vídeo! Bizarro!), Pupilo, Bruno, Fernando, Thaís, Aninha e Leide, Carol, Marcela, Yuno, Hermano, Mariana do Estéreoclipe, Carla (relämpago!), Samuel, Tejo, Belma, Shi e Ju, Basa, Zizi e as gringas do Pipa Avoando, Junio Barreto, o Galo e o Rei. E as fãs, de todas as idades, que se desprenderam de suas vergonhas para abraçar a passagem do cronista aleijado por Recife (poizé, era eu de tipóia no meio da multidão) – também, quem mandou aparecer no jornal.. Além de, claro, o buda da malemolência, o Fausto Wolff indie, o monstro Michelin da indústria do cigarro, Fred Leal, hospedeiro do podcast, idealizador da ida a Pernambuco e descolador do chatô Goodtrip, além de parceiro-mor sem rumo de casa, só na autodestruição complacente e ressecamento das juntas oleosas entre as sinapses.
– Teve muito mais coisa, se der, eu lembro depois;
– “Longe de casa há mais de uma semana/ Milhas e milhas distante do meu amor”. Ela estava me esperando na volta, mas eu inda não consegui matar as saudades…
– E fica a pergunta no ar: George Israel é judeu?
Enquanto minha mão não volta ao normal, vamos de voz. Tou eu e Fred Leal, o capo da Badtrip, aqui na terra do mangue beat e eu tou mandando flashes de áudio do que acontece em Pernambuco. É meio beta, mas depois vou me enveredar sério por esse rumo. São as tais major changes começando.
Pra decorar: www.badtrip.com.br/vidafodona/