Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Televisão: Lente de Scorsese redimensiona Dylan em documentário

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Materinha na Folha de hoje do filme que vai passar amanhã. Vê se não perde, ow.

Imagine se João Gilberto virasse um Chico Buarque tropicalista, como se o herói de uma música “refinada” e “adulta” (bom gosto, não custa lembrar, é subjetivo como aspas), pai de uma cena que não conseguia andar sozinha, virasse-se para as guitarras da Jovem Guarda e um surrealismo de araque, e dissesse que aquilo era o futuro de sua carreira. A comparação pode parecer forçada, mas basta ver a reação dos antigos fãs de Bob Dylan ao sair de seu concerto elétrico em maio de 1966 e compará-lo com o esgar permanente de MPBistas ortodoxos a termos como “rock” ou “pop”. Ao canalizar sua veia criativa na força juvenil dos Beatles, Dylan não apenas deixou a insípida e repetitiva cena folk para a história como ampliou seu alcance e importância na segunda metade do século passado.

Não dá nem pra tentar comparações sobre o outro lado da câmera. Enquanto Dylan pode ser descrito como o híbrido mutante do início do texto, melhor evitar achar o que significaria, num parâmetro brasileiro, um dos principais momentos desta carreira ser revisto pela lente cada vez mais classuda de Martin Scorsese. Mais do que a primeira e mais importante parte da história do principal compositor vivo dos EUA pela lente do autor de “Goodfellas”, “Taxi Driver” e “Casino”, “No Direction Home”, que o Telecine Premium exibe amanhã (segunda) às 23h40, é a dança perfeita entre dos mestres da manipulação – e o resultado é um dos melhores documentários, não apenas sobre rock, não apenas sobre música, já feitos.

Dividido em duas partes distintas, o filme do ano passado mostra como o franzino Robert Zimmerman, saiu de uma pequena cidade do interior de Minnesotta para se tornar “Bob Dylan”, o messias da geração folk do Village nova-iorquino. A primeira parte vem repleta de vasto material audiovisual inédito sobre o cantor (Scorsese teve acesso aos arquivos pessoais de Bob, pela primeira vez aberto a alguém de fora de seu diminuto círculo pessoal) e o diretor recria geneticamente a persona Dylan, comparando maneirismos de suas influências confessas (Woody Guthrie, Hank Williams, Billie Holliday) com o jogo de cena adotado após ser descoberto pela intelligentsia folk.

Mas é na segunda parte que está o filé mignon, quando o compositor, encurralado com o título de voz de sua geração, puxa um cavalo-de-pau na própria história e abraça o rock’n’roll como estética, ideologia e válvula de escape. Assume as rédeas de sua vida, ciente das responsabilidades e conseqüências, sem rumo, mas livre. “Liberdade é um sinônimo para nada a perder”, rezaria um adágio no final daquela década, e Dylan não tinha nada a perder. Como na própria carreira, é a partir de 1964 que o filme decola num crescendo quase abrupto.

Não faltam imagens raras, entrevistas inéditas, apresentações históricas, sobras de filmes da época, em especial da turnê entre 65 e 66, boa parte registrada pelo documentarista para o também clássico “Don’t Look Back”, de 1968 (cenas coloridas!). Há até o célebre momento em que, numa apresentação com a banda elétrica que se tornaria The Band em Manchester, um espectador chama Dylan de “Judas!” antes de uma rendição agressiva de seu clássico central, “Like a Rolling Stone”, de onde saiu o título do documentário.

O crescendo dramático imposto por Scorsese em qualquer um de seus filmes ganha um enredo perfeito e uma coleção de imagens preciosas, que o deixam confortável para recriar os anos 60 norte-americanos usando Dylan como linha-mestra. O resultado, enfileirados a crise dos mísseis em Cuba, o assassinato de Kennedy, a Guerra Fria e a do Vietnã, é mais um dos capítulos da história dos EUA contada por um de seus mais hábeis narradores. “No Direction Home” faz parte do mesmo novo Scorsese que se reinventa como historiador e esteta, e está para os anos 60 como “O Aviador” está para a Segunda Guerra Mundial e “Gangues de Nova York” para a virada do século 18 para o 19.

Mas ao terminar o filme no mítico acidente de moto que tirou Dylan de circulação por oito anos em 66, o diretor suspende a tensão no ar, quase que matando seu personagem. Não precisa ser Dylanólogo para saber que Scorsese pára um pouco antes do território mais fértil e sagrado do compositor, quando ele e a Band viram as costas para o Verão do Amor para gravar sua própria lenda, recontando a história musical dos EUA nas influentes e ainda oficialmente inéditas Basement Tapes. E caso Scorsese venha concluir seus anos 60 fazendo uma segunda parte sobre este período… Er, melhor guardar os superlativos pra quando (e se) isso sair.

No Direction Home
Telecine Premium
Amanhã (segunda) às 23h40. Reprises na quarta às 11h10, dia 16 às 5h, 18 às 2h20 e 22 às 2h.

#22

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Disco 22) Free U.S.A. – Artificial
Kassin vem pouco a pouco mudando a paisagem do cenário pop brasileiro, contrabandeando idéias do underground para o mainstream, do indie paulista para o pop carioca, da MPB radiofônica para a IDM eletrônica – e vice-versa. O ponto central de sua carreira não parece ser o convencimento alheio de que suas idéias são relevantes, mas a lenta mutação de (todas, se possível) referências laterais, de forma que quando ele levantar a cabeça para olhar ao redor tudo já estará mudado – e, mais importante, por dentro. Uma empreitada que o coloca ao lado de nomes como Nelson Motta, DJ Marlboro, Lulu Santos, R.H. Jackson, Moraes Moreira, Frank Jorge, Fagner e Liminha – outros paisagistas do pop Brasil. Seu projeto pessoal, o Artificial, começou como um passatempo geek ao lado de seu compadre de estúdio Berna Ceppas, crackeando Gameboys para transformá-los em instrumentos musicais, mas tornou-se o melhor disco em que se envolveu desde O Bloco do Eu Sozinho, do Los Hermanos, além do único em que sua paisagem musical mostra-se por inteiro. Free U.S.A. é habitado pelas contradições artísticas de sua carreira (pop e hermético, noturno e tranqüilo, robótico sem ser frio, nerd com suíngue, indignado e cool), todas evidenciadas no fato do CD ser, ao mesmo tempo, vanguardista e clichê – e bom, como quase todo disco que ele faz.

Música 22) “Balança” – Turbo Trio
Mais do que uma das inúmeras peripécias de fim de ano do Instituto, “Balança” é decorrência natural do trabalho de BNegão – que mexe desde suas incursões a um som mais porrada de seus tempos do Planet Hemp (em que tocava rock e flertava com o hardcore), à crueza óbvia do Funk Fuckers (visitando o batidão carioca pela tosqueira, dez anos antes de “grime” ser elogio) e o lado mais seco e politizado com os Seletores de Freqüência. Não que um refrão repetitivo que imponha o requebro tenha algo de político (além das pol;iticas do groove, que é um cavalo de outra cor), mas acrescenta mais um fragmento à cada vez mais unificada persona musical do MC. As cores pintadas por Tejo e Basa (escuras, frias, robóticas e mais dance que funky) ajudam a dar uma tensão específica ao baile dos mortos-vivos incitado pelo mantra agressivo da música – e jogam um holofote macabro sobre o vocal de Bernardo, como relâmpagos de filmes de terror B recriados no século 21 (alguém viu Van Helsing?). Mesmo sem ter sido oficialmente lançada ainda, a faixa captura, uma “Dança do Patinho” do mal, com perfeição a vibração de 2005: tenso, oco, sério e divertido.

Show 22) Dr. John no Tim Festival, no Rio de Janeiro
Para algumas pessoas, era apenas um tiozinho num paletó laranja e chapéu de mosqueteiro puxando funk jazz blues pra turistas em um lobby de hotel quatro estrelas num país qualquer do fim do mundo. Mas sob o aparente conformismo fusion estava a voz do atual prefeito musical de Nova Orleans (no enésimo mandato, está no cargo desde os anos 80) cantando o pesar e o luto de uma cidade que sabe que irá renascer pela música. Se na casca era um show do antigo Free Jazz, por dentro era o sentimento de perda e devastação pós-Katrina que foi a espinha dorsal da noite e recriações de standards (“When the Saints Go Marchin’ In”, “Jambalaya” e “Goodnight Irene”), que ganharam contornos fúnebres e dramáticos à sombra do furacão – a caveirinha em cima do piano, é bom lembrar, serve pra não nos esquecermos do mesmo fim que a todos espera. O resto da noite trouxe músicas do EP Sippiana Hericane (de faixas como “Clean Water” e “Storm Surge”), entre elas “Sweet Home New Orleans”, com que o mestre de sala deixou o recinto: “We’re gonna be back/ Twice as strong”.

Esse Google…

Sabe qual é o primeiro resultado que aparece quando você digita “failure” no Google?

Um só coro

Nem Radiohead nem Pink Floyd nem Depeche Mode -queria começar a campanha pra trazer um artista verdadeiramente no auge pro Brasil: NICK CAVE.

Um soco na boca do estômago

Dezovê

Poizé, deixei pra ver O Jardineiro Fiel depois da hora e não o inclui entre os melhores de 2005 enquanto o ano ainda vigorava – mas faço isso djá. O terceiro filme de Fernando Meirelles é mais um salto quântico na carreira do diretor brasileiro, em diversos aspectos: cinematografia, densidade dramática, complexidade do argumento e, principalmente, a escolha do tema. A equação “indústria farmacêutica + África” pode parecer a princípio insípida como uma nota de agência de notícia gringa numa página burocrática de noticiário internacional, mas pode ganhar cores mais densas aos destrincharmos cada um dos elementos, onde que chegamos em “empresas multinacionais que faturam cada vez mais dinheiro + continente mais miserável do planeta em que centenas morrem por dia”. É nessa tecla que bate Meirelles. E bate. E bate. Para que não fingimos que não sabemos o que está acontecendo.

Amparado pelo ágil thriller hiperrealista do escritor John Le Carré e por ótimas e discretas atuações (Ralph Fiennes e Rachel Weisz dissolvem seus sentimentos lentamente, deixando a dor e a raiva transparecer sutis, dentro do espectador – e não na tela), Meirelles humilha. Cutuca feridas abertas em diferentes níveis, lembrando que a hipocrisia humanitária de governos fechados com empresas arrogantes sem medo de exibir o poder do dinheiro é a mesma que nos faz fechar o vidro do carro quando alguém mais pobre (e, via de regra, pardo, pelo menos) se aproxima. O filme não é um apelo às armas ONG, e sim a voz da consciência virando nosso olhar para onde fingimos não ver.

Os temas abordados pelo diretor de Cidade de Deus vão da epidemia de Aids da África, matadores de aluguel e política corrupta à especulações no mercado financeiro, fraudes em escala global e o sorriso falso do benfeitor. “É tudo parte de um mesmo jogo”, sublinha o diretor. Ao mostrar campos de refugiados sendo dizimados por piratas do deserto, pacientes morrendo por negligência médica, o exercício dos pequenos poderes e a descrição de torturas bárbaras, Meirelles o tempo todo faz e refaz a rede de contatos, dados e troca de informações – ativistas online, mensagens em secretárias eletrônicas, conversas em campos de golfe, ameaças de morte, cartas comprometedoras e relatórios encobertos. É tudo parte de um mesmo jogo.

Enquanto a trama se desenrola e se revela, a direção contrasta a miséria humana com a riqueza africana, seja nas paisagens, nos cantos ou nos olhares das crianças brincando na rua, ao mesmo tempo em que a burocracia européia revela-se mais cruel do que a tomada sangrenta do continente, séculos atrás, o tempo todo representadas por estátuas heróicas e altos palácios – a invasão e destruição continuam, mas há mais business que o mero aprisionamento de escravos. A câmera treme como a de um cinegrafista amador tentando filmar um vulcão em plena erupção, a lava parece que desce devagar, mas já queima o solo longe dos olhos, por baixo.

Meirelles começou bem debaixo dos nossos narizes, tratando o apartheid social brasileiro velado (a empregada doméstica) como uma crônica bem-humorada sobre nosso preconceito em seu segundo filme, Domésticas, de 2001 (O Menino Maluquinho 2 foi o primeiro). Depois foi conhecer o lugar de onde elas vêm, num filme de ação que tornou-se o melhor filme brasileiro de todos os tempos (e ponto), com Cidade de Deus. Agora volta-se para o continente de onde as cidades de deus do mundo vieram para nos pegar sem fôlego, como um soco na boca do estômago, e enfiar a nossa cara em uma África mais intensa do que o grande continente favelado que a nossa culpa branca exotique finge não ver para esfregar o problema: é o maior campo de concentração da história, o verdadeiro Holocausto.

Não sei qual é o próximo filme do sujeito, mas esse eu não vejo tão depois. Inda não viu? Vai ver. Divide o posto como melhor filme do ano com A History of Violence, do Cronenberg, mas este (do meu cineasta favorito) é mais um exercício de estilo. O filme de Meirelles também, mas há tantas nuances e camadas de preocupação que não dá pra classificá-lo apenas como um filme, como eram os dois filmes anteriores. Há um trabalho de explicação e conscientização que vai além da mera arte, embaralhando cinema com jornalismo, comunicação e política. Algo que já vem sendo feito pela nova safra de documentários da virada do século (todo mundo, do Eduardo Coutinho ao Michael Moore), pelos primeiros feitos da geração DV e por diferentes produções de TV para o cinema (das maxisséries da HBO aos filmes do Guel Arraes). Só que Meirelles está a quilômetros de distância, abrindo caminho – fora que internacionalizou o gestual de Renato Aragão (o V de vitória intercalado rapidamente com o polegar de positivo) na transmissão da festa do Oscar. O Jardineiro Fiel já é o que o cinema vai ser.

E, a propósito, não vi Manderlay ainda. Vou corrigir essa falha também.

Tem a manha

Esse texto aí embaixo foi parar clipado numa matéria da Bravo! online (vai entender as corporações brasileiras), mas é original da Bizz 193, aquela, dos Stones

***

“Se vê que vai cair, deita de vez, ó nego”, canta manhoso a voz grave de Junio Barreto na música quase homônima de seu homônimo disco de estréia, lançado por conta própria e disponibilizado em lojas pela distribuidora Tratore. Lentamente, sem se aperrear, Junio vai deitando-se. O olhar sonado e o sorriso horizontal tornam-se cada vez mais constantes, à medida em que relaxa para descansar ao ver-se caindo nas graças de um time nada desprezível de cantoras brasileiras.

Maria Rita, Céu, Mônica Feijó, a ex-Rouge Luciana Andrade, Gal Costa, Ana Carolina, Daniela Mercury e Maria Bethânia são algumas que já deixaram-se seduzir pelo canto macio e seu imaginário de sílabas incompreensíveis que se desdobram entre expressões nordestinas, saudações nagô, termos caipiras, inflexões verbais esquecidas. “Oi niná chegou pra tu simbora, vadiá/ Roça de caipora samba manhãzinha”, “Porque ter muito é ter não/ Por não ter jeito de vez/ Do riso, sono, sossego”. As letras parecem não fazer sentido, pois habitam um português puramente oral, sem vínculos com o texto impresso. Até o utópico banquete onírico de “Amigos Bons” (“Ontem acordei de susto com o ronco da minha barriga com fome/ Enquanto sonhava que estava jantando com alguns amigos bons”) parece surreal em seus nomes improváveis: “Salada e camurim/ Cajuada aromática/ Jenipapada e alguns amigos bons”. Mas geram imagens perfeitas: “Dengo de mão”, “separa o tudo”, “na casa mora a rua toda e ainda cabe o dia”.

Sozinho, Junio soaria como um xamã de calçada, invocando palavras e rimas com a inexatidão ilógica dos moradores de rua. Mas ao seu redor, surge uma banda de múltiplos maestros, gente que compõe o grosso dos músicos que sustentam a ainda resistente estrutura do famigerado rótulo MPB. Nomes como a percussionista Simone Soul (Zeca Baleiro), o tecladista Dudu Tsuda (Jumbo Elektro), o guitarrista Gustavo Ruiz (Donazica) e o baixista Alfredo Bello (o DJ Tudo) transformam a elegia pé-no-chão de Junio em um samba soul pós-bossa nova, com toques precisos de jazz e chorinho, com muita elegância e groove. Garanta um para a sua namorada antes que ela venha pedir cada um dos discos de cantora com as composições deste pernambucano careca. Não tem erro.

Domingo à tarde…

“Bob George”, do Prince. A música que deu origem ao gangsta rap.

Traje de gala

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Fui ver o Marcha do Pingûim e… sei lá. Quer dizer, em termos de visual, rito natural e captação documental, não tem o que dizer, o filme faz bonito em escala mega, um documentário Mundo Animal em grande estilo, meio Jacques Costeau com Amyr Klink e algumas cenas de cair o queixo. Não é à toa que o filme é o maior sucesso francês no mercado internacional de todos os tempos ou outro superlativo que o valha.

Mas aí, chega na pós-produção e neguinho fode tudo. Umas musiquinhas intragáveis, tipo Björk for dummies com Cardigans (ainda mais) infantilizado, cantando (EM INGLÊS! Cadê a tão famosa auto-estima napoleônica desse povo? Globalizou-se?) umas baladinhass de merda que comparam qualquer coisa (amor, beleza, a vida) com gelo, frio ou neve. Deprimente. Fora as vozes da família pingûim em off, com o pai, a mãe e o filho (“conversando” numa locução abobada, daquelas que crianças de cinco anos acham palha). Dava pra fazer o documentário sem emitir uma palavra sequer, mas aí entraram essa musiquinha e essa locução e um troço preza por pouco não desanda o filme num Querida Mamãe em movimento. Mas o filme presta pra fazer a moral com a namorada, inda mais se a tua mina (como quase todas) se derrete quando vê filhote de bicho.

#23

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Disco 23) Raps de Verão – Paulo Nápoli
Cadê o disco solo de Paulo Nápoli? Um dos MCs mais versáteis de São Paulo tá enrolando pra agilizar seu disquinho, enquanto boa parte de sua geração (a saber: todo mundo da coletânea Direto do Laboratório mais uns desgarrados, como os Inumanos) lança seus primeiros trabalhos solo, Nápoli faz onda transformando uma coletânea de uma grife de roupas em uma mixtape de hip hop nacional sobre a estação mais legal do ano. Foi à sombra vermelha do sol chapacoco do CD Raps de Verão que 2005 deu o ar de sua graça, ao derreter o miolo da Babilônia no verão pós-tsunami. Ele narra a transição das faixas como um locutor de vinhetas, lembrando o nome do disco ao ouvinte sobre o som das ondas do mar, e faz um bom apanhado de faixas que expandem o tema proposto para diferentes regiões e gêneros do Brasil: o forró no Testemunha Ocular, o samba de roda no A Filial, a gafieira curitibana do Mocambo, os Imaginários de Floripa caindo no soul brazuca, a funkeira do Maskot, também de Curitiba. Além dos bróders de Sampa: Elo da Corrente, Parteum, Jamal. Mas os grandes momentos são de Nápoli, daí a cobrança do disco solo. “Malas Prontas” com Leco (sobre a excitação pré-praia). “Mistura Insana” com Parteum, “Preso no Latão” com o quinto andar Shawlin. Disquinho pra deixar rodando de fundo, trilha sonora pra grandes momentos de bobeira ao sol… Podia ter o número 2, pra aproveitar esse sol bonito de 2006.

Música 23) “Don’t Cha” – Pussycat Dolls
Tudo bem, a versão original de Tori Alamaze é mesmo mais cool e sutil (eu às vezes prefiro tocar ela, que é bem Prince, repara), mas chega no refrão e ela desanda, justamente onde a versão das Pussycat Dolls explode. Melhor pra elas – número 1 em um monte de paradas de sucesso, um clipe óbvio e correto tocando sem parar e versos que são cantados com a desenvoltura e sensualidade de caixas registradoras. É justamente este equilíbrio (mercado e pista, aqui o assunto não é “Arte”…) que torna a versão das PCD tão instantânea. E daí que elas são um grupo de dançarinas de lingerie em Las Vegas que existe desde 1993 e cujo único integrante original é o criador, Robin Antin? E daí que sua atual “líder” (Carmen Electra já ocupou o posto), Nicole Scherzinger, seja ex-integrante do grupo Eden’s Crush, vencedor do American Idol (o Fama original)? E daí que é vulgar? A graça da horizontalização da época em que estamos vivendo é que até a grande indústria tem que rebolar pra emplacar um hit. E nesse caso, a moeda é o sexo – sem precisar de nudez, insinuação ou penetração, tudo no suíngue robô, tudo na base da perva superproduça, mas sem cair nos clichês de pornografia do pop moderno. Aqui a graça é a aerografada, photoshopada, protoolzada – Hollywood, parece brilhar o glow. A falação de Busta Rhymes ao final é dispensável, mas também não chega a incomodar.

Show 23) Jess Saes no Milo Garage, em São Paulo
Eles podem ser velhos indies brazucas (um ex-Second Come, dois ex-Terrible Head Cream) e citar referências de pós-rock, mas os quando cariocas dos Jess Saes tocaram no Milo, fediam à psicodelia moderna – um pé no Pink Floyd de Syd Barrett outros nas vaibes dos Chemical Brothers e a cabeça zunindo nas instrumentais viajandonas do Primal Scream, mas sem eletrônica, sempre rock, classudo – como se o Mopho de Alagoas começasse a tomar ecstasy entre as refeições de LSD. O mirrado público da noite decolou dali pra 67 e eu ficava pensando que bela noite eles não fariam com o E.S.S. de Curitiba e o Labo daqui de São Paulo…

Hit AM pra acompanhar sua madruga solitária…

“For the Love of You” – Isley Brothers

Downloada e chora. Agora chora mais por poder ouvir uma sonzeira dessas de uma hora pra outra, minutos depois que tiver lido isso. Houve um tempo em que as músicas desconhecidas – lidas, não ouvidas – só existiam na nossa imaginação. Agora não tem mais disso: se eu digo que esse é o soul perfeito pra essa madrugada de quinta pra sexta em frente ao computador, a minha palavra pode – e deve – ser testada, atestada e/ou contestada. De preferência, os três.

(Um dia eu ponho voz nessa porra, aí fudeu)

Isley Brothers. Na real, não consigo ouvir outra coisa desde a feshteenha da sexta-feira treze – que, ao que parece, deu tão certo que deve virar mensal (e é claro que eu vou te dizer, fica tranq, e provavelmente no mesmo esquema de zero reau na entrada). Depois de uma avalanche de Basement Tapes, só uma overdose funk pra compensar…

Falando nisso, mudando de faixa pra “Takin’ Care of Business”: “I got woooork to do”.