Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

O Castelo Animado – Hayao Miyazaki

Essa também tá na Folha de hoje.

Uma inocente garota descobre um universo mágico que irá mudar sua forma de ver o mundo real – poderia ser “Alice no País das Maravilhas”, “Sex and the City” ou “O Mundo de Sofia”, mas é apenas mais uma incursão da mente metadisney de Miyazaki, um filósofo pacifista que decidiu passar suas mensagens criando um novo formato para o conto de fadas. Tradicional, psicodélico e encantador na mesma medida, o anime (como “Princesa Mononoke” e “A Viagem de Chihro” antes dele) mira o formato “família” da forma mais ampla possível, englobando velhos, crianças, animais, plantas, seres mágicos, andróginos e objetos (há um fogo – adorável, aliás – que fala!) num grande e ecológico sentido de “família terrestre”. Fora as paisagens, todas deslumbrantes. Um filme de encher os olhos.

Manifesto ½ 171 – De Leve

Essa eu não lembro se saiu na Bizz 200 ou na 201

Nem enfant terrible da nova escola do hip hop nacional, nem cronista da sociedade do espetáculo ou Eminem à brasileira. Todos estes rótulos acabam reduzindo o impacto que De Leve deveria ter com seu público-alvo. Bem-definido, ele foi descrito com precisão em “Largado” de seu disco de estréia (O Estilo Foda-se, de 2003) e é aquele moleque pós-adolescente que ainda mora com os pais, vive de bicos aqui e ali, fuma um e ouve hip hop, tem uma certa consciência política e está de saco cheio com tudo, até com a própria apatia – um recorte social parecido com o loser de Beck, o espírito juvenil de Kurt Cobain, a farra dos Beastie Boys ou a geração Coca-Cola de Renato Russo, embora mais autocrítico e sem pretensões estéticas. Ao sair do Segundo Mundo de Dudu Marote e voltar para o terceiro mundo dos discos lançados pelos próprios artistas, ele não deixa de botar o dedo na ferida da indústria de entretenimento brasileira, como gosta. “É um caô fudido, tudo aquilo que eu faço e em que eu tô metido”, diz, sem se poupar com metáforas ou dar mole de dar nome aos bois, deixando a carapuça no alto (“por que que não adianta só com vontade e trabalho?/ Tem que ter algo a mais pra ser enfiado/ Babar ovo e comer uns viados/ E disso eu tou fora que nem gandula/ Isso é que dá tomar remédio sem ler receita nem a bula”, “esse negócio de música só é bom quando/ Teu pai já era famoso quando tu tava engatinhando/ Aí as portas se abrem que nem perna na zona/ Sempre cabem mais talentos quando esse vem à tona”, escarniça a letra). Mas pisa em calos doídos do brasileiro em geral, como a paranóia de emprego (“Assalariado”, “Se Liga”, “Diploma”) e a política (“Isso Sim É uma Piada” e “Pode Queimar”, incitando à fogueira). Ainda há momentos para candura familiar (“Magali, Carol, Bisteca e Chuleta”, suas cachorras – rá!), gozação generalizada (“Feipa”, uma ode às avessas à feiúra) e a contemplação (“Rolé de Camelim”). Pronto para seu público (aliás, desde o primeiro), resta saber se De Leve chegará nele.

Opinião: ”Simpsons” não perderam o cinismo

Essa é a resenha pro primeiro episódio da décima-sétima temporada dos Simpsons, que saiu na Folha. Na edição impressa, o Lucio entrevista o Matt Groening.

De vez em quando pinta aquele papo: que Matt Groening quer fazer outros projetos (como se não fizesse), que a equipe de redatores está sem assunto pra escrever (como se isso fosse possível), que os dubladores gringos estão sendo mal pagos (como se não fossem pagar seu preço mais umas temporadas), mas não tem erro. Toda temporada os Simpsons voltam mais pesados, mais cínicos, mais pessimistas em relação à humanidade – mas igualmente amáveis, desfuncionais e otimistas em relação às pessoas como indivíduos.

“O Desafio dos Manatis”, primeiro episódio da 17ª (gasp!) temporada do desenho animado, mostra como os Simpsons nem começaram a chafurdar na lama que assola o planeta – eles apenas testam a temperatura e provocam sempre de forma agressiva sem se aprofundar nas questões que levantam apenas como piadas ilustrativas, de passagem. O desenho de Groening mostra que a TV – e, mais abstratamente, a mídia – se tornou o sexto elemento de uma sitcom familiar; e a TV pós-moderna, com suas centenas de canais a cabo, pay-per-views e 24 horas de canais de compra de qualquer coisa imaginável – de bate-papos eróticos por telefones a tapetes e jóias.

A história-base é simples e você conhece: Homer apronta, Marge sai de casa, se apega a alguma coisa diferente, Homer a convence de voltar de uma forma estúpida. No meio do caminho, esbarramos em um Papai Noel lendo Tom Clancy, bastidores de um filme pornô, playboys que esfolam bichos, um enterro com ar-condicionado, uma mãe psicótica que se vinga do marido com o carro, referências à máfia gay, Mr. Burns e Smithers brincando com água ao som de “Car Wash” e Moe falando que conhece “um cara que transforma cavalos mortos em carne seca e vende para os bares”, enquanto Homer devora um bastão desses. Simpsons nem começou sua verdadeira missão: desnudar a TV. E quando Homer pergunta à Lisa “onde está seu senso de magia e fantasia?”, sabemos que está em qualquer outro canal, basta zapear. Acreditar é que são elas.

St. Elsewhere – Gnarls Barkley

Essa saiu na última Trip.

Podia falar horas sobre a entidade Gnarls Barkley, as fantasias de droog, o fenômeno Danger Mouse, os primeiros formatos ao chegar ao topo do pop, a nostalgia feliz de “Smiley Faces” ou da cover de Violent Femmes, mas, podemos resumir tudo a “Crazy”, esse petardo de soul music que marca o início da segunda metade da década como “Hey Ya” havia marcado o da primeira. Enquanto o clima da música do Outkast incendiava pistas de dança como os aviões que explodiram dentro do World Trade Center, o single-bomba da dupla americana transforma a tensão dos dias de hoje em tentativa de explicar o sentido de tudo. O tema da loucura é levado para onde músicas-irmãs (a do Fine Young Cannibals, a do Seal) sequer cogitaram: a percepção da insanidade iminente, marcada por um baixo-pilastras e cordas descendentes das do Play de Moby. Séria, densa, sóbria e sombria, é um hit hip hop que prova que o gênero já se dissolveu na paisagem e um cartão de visitas perfeito para o século 21.

On an Island – David Gilmour

Essa saiu na Bizz número 200.

Que grande alívio foi assistir aos quatro Pink Floyd tocando novamente juntos no Live 8 do ano passado (o que não faz uma causa humanitária, mas… qual que era mesmo?), depois de quase um quarto de século do corte final das relações entre Roger Waters e David Gilmour. Alívio pra todo mundo: para os milhões de fãs do grupo, para Waters (que devia esperar por aquele momento como os irmãos Cavallera esperam a Sepultura Reunion Tour – com a impaciência de um escada de comédia pastelão que espera a torta na cara), mas principalmente para Gilmour.

Eis o fardo que o velho Dave carrega ao capitanear a persistência temporal da franquia que se tornou seu antigo grupo: uma vez cuidando da galinha dos ovos de ouro, torna-se inibidora a produção de uma carreira solo que esteja desvinculada da marca original. Porque se colocarmos na ponta do lápis, tanto o Momentary Lapse of Reason quanto o Division Bell (os dois discos de inéditas lançados após a reformulação do Floyd sem Waters) são discos solo de Gilmour cuja ausência cerebral do ex-parceiro o forçou a emular uma opulência autoral que não é natural em sua composição genética.

Ainda com os pingos nos is: sem Waters, o Floyd talvez se tornasse a grande banda inglesa de blues rock dos anos 70, ao preencher a vaga deixada por bandas como Cream, Blind Faith e Jeff Beck Group, competindo com o Led Zeppelin num terreno que, em nossa realidade, Page e Plant reinaram sozinhos. Ou você nunca reparou como “Shine on You Crazy Diamond” é quase uma “Since I’ve Been Loving You”?

Eu tou falando da guitarra elétrica, aquele antigo instrumento que gemia e rugia notas antes do punk reinventá-la como máquina de riffs, tal como o hip hop reinventou o toca-discos como instrumento musical. Esse é o domínio de Gilmour, o habitat natural que faz o pacato dinossauro caminhar feliz. Não importa onde esteja, desde que tenha a oportunidade de embarcar num solo mortal (dá pra vê-lo fazendo caretas sobre as notas), Gilmour voa satisfeito como o albatroz de “Echoes”.

Isso é bom e ruim. Pois se é bom ouvi-lo renovado no lamento de sua Stratocaster (aquele mesmo, confortavelmente entorpecido), não há necessidade de as músicas serem grandes coisas para abrigarem seus solos. “Dave precisa de um veículo para sua guitarra”, desmereceu Waters em várias entrevistas, ridicularizando (como os fãs xiitas) o fato de sua mulher, Polly Samsom, ser co-autora de mais da metade de On an Island. E daí? Ao encarar as engrenagens do sistema no Live 8 (“onde você esteve?”, pergunta a máquina), Gilmour exorcizou-se, ao menos por hora, do karma floydiano e pariu um disco despretensioso e, por isso mesmo, insosso – mas seus solos não se incomodam e permanecem precisos como animais selvagens à solta, celebrando a vida ao correr pelo mato. As condições para assisti-los (as canções, de fato) talvez não sejam tão confortáveis, mas quando eles vêm… A beleza segue intacta.

Resenhinhas dominicais

Um set de músicas com “Sunday” no MP3 player, Vida Fodona sendo gravado e vou despachando microrresenhas que despejei por aí…

Sou Eu

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Tem duas materinhas minhas nessa edição da Simples que acabou de chegar na banca, mas vou começar postando a coluna de música, que também leva minha signatura. As outras eu posto depois:

Especialização já foi gueto. A pessoa que se enfurnava em um determinado gênero musical tendia a se fechar em certas referências que lhe aproximavam de outros iguais ao mesmo em que se isolava de todas as outras pessoas. Podia ser bancário de dia é gótico de noite, office-boy no expediente e punk fora dele, redator de publicidade que nas horas vagas faz vídeo. Eram os hoje redivivos anos 80. Eram as tribos.

A década seguinte assistiu à queda dos muros que separavam estes grupos. Em algum momento do início dos 90, diferentes híbridos musicais surgiram após a aproximação de gêneros e, por conseqüência, tribos. Punk pop, hippie hop, forrócore, folk rap, funk metal, MPB indie, axé music – a Nova Ordem Mundial, pós-Muro de Berlim, americanizava tudo e ao mesmo tempo linkava tudo a todos. Tribos se fundindo, mistos musicais: assim podemos resumir a história dos anos 90.

Crucial para esta dissolução em massa foi a apropriação da internet pelos consumidores de música, que puxaram e continuam puxando as principais fronteiras da melhor metáfora para a vida offline (que é a vida online). Em rede, começamos a nos expor e nos fuçar, o que tem gerado frutos e filtros úteis para a vida em carne e osso. O processo é lento, mas a imagem está se assumindo como farsa ao mesmo tempo em que a estética sonora ganha o corpo do que antes estava preso ao conteúdo desta. Fazer-se soar é mais eficaz e mais fácil do que fazer-se ver, e a cada novo DJ surgido em festas de aniversário dos amigos, mais uma célula percebe que o que chamamos de realidade é apenas um remix das referências mais frequentes em nosso dia-a-dia.

Hoje, todo mundo é uma tribo. A individualidade egoísta cede aos poucos ao deslumbre egocêntrico que, com o tempo, descambará no hedonismo ególatra. A diferença pode ser risível para a maioria, mas quem vive este processo percebe os ganhos desde sua própria reconstrução de sua realidade. “Sou eu” é um processo de afirmação e poder, que, ainda que autocelebratório e de aparente efemeridade, retoma a evolução da raça humana após pouco mais de um século de estagnação criativa sob os grilhões de uma indústria cultural. Sabemos como a indústria funciona e ela disfarça (mal) sua própria falência. A chave agora é outra e você sabe qual é.

Depois eu falo mais disso.

Vida Fodona #037: Basicamente som pra ficar numa boa

Dubzeira de baile funk, baubaubaubaubaubau, tudo osso, classic glam, groovezeira fina, ministro disco music, Danny Ocean na linha, despedida de Floripa, pista Delírio, fogueira beatle e Echobilly.

– “Come Together” – Wilson das Neves
– “Los Conquistadores Chocolate” – Johnny Hammmond
– “Boobytrapping” – David Holmes
– “Lycra-Limão (Dub Versão)” – Lucas Santtana
– “Move By Yourself” – Donovan Frankenreiter
– “(Não Contavam com) Os Pistoleiros” – Os Pistoleiros
– “The Sharing Song” – Jack Johnson
– “I Feel Free” – Cream
– “Message in a Bottle” – Police
– “Pessoa Nefasta” – Gilberto Gil
– “The Killing Moon” – The Quakes
– “Esqueletos” – Rogério Skylab
– “Blues nº2: Beatle Bonfire” – Swell Maps
– “Buick McKane” – T. Rex

Clique e vá.

“When Doves Cry” – Prince

Am G F°

Am G
Dig if u will the picture
G F°
Of u and I engaged in a kiss
Am G
The sweat of your body covers me
G F°
Can u my darling can u picture this?

Am G
Dream if u can a courtyard
G F°
An ocean of violets in bloom
Am G
Animals strike curious poses
G
They feel the heat

The heat between me and u

Am G
How can u just leave me standing?
G F°
Alone in a world that’s so cold
Am G
Maybe I’m just 2 demanding
G F°
Maybe I’m just like my father 2 bold
Am G
Maybe you’re just like my mother
G F°
She’s never satisfied
Am G
Why do we scream at each other
G F°
This is what it sounds like when doves cry.

Am G
Touch if you will my stomach
G F°
Feel how it trembles inside
Am G
You’ve got the butterflies all tied up
G
Don’t make me chase u

Even doves have pride

Am G
How can u just leave me standing?
G F°
Alone in a world that’s so cold (world so cold)
Am G
Maybe I’m just 2 demanding
G F°
Maybe I’m just like my father 2 bold
Am G
Maybe you’re just like my mother
G F°
She’s never satisfied
Am G
Why do we scream at each other
G F°
This is what it sounds like when doves cry.

F° = 003434

Hurtmold e o hipertexto

''Baby, Don't Hurt No Mold''

E hoje, antes do show, o Pedro Bayeux vai passar o documentário que ele gravou no Rec Beat desse ano (ele meteu uns trechos no YouTube – nesse aqui tem o Riachão, nesse aqui tem o Edgar Scandurra, o Felipe do Mombojó e o DJ Spooky, nesse aqui tem a participação da Nação – e a deste seu correspondente como entrevistador… (lá embaixo tem o bruto, vê lá), nesse aqui tem o Ronaldo Lemos falando sobre Creative Commons e o Jumbo Elektro ao vivo [e o Tatá conversando com uma barata e apresentando o carnaval olindense] e nesse aqui tem um grupo de tango (!!)– além desses dois takes quase brutos do show da Nação que fechou o carnaval, [nesse tem “Quando a Maré Encher”, “Macô”, “Blunt of Judah” e “Memorando”, além de eu entrevistando o Lucio e nesse tem “Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada”, “Na Hora de Ir”, “Hoje Amanhã e Depois” e eu entrevistando o Jorge e o Pupilo), cola lá…