Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Vida Fodona #056: Muito mais esquema

A princípio, tudo indo…

– “Palco” – Gilberto Gil
– “Mamãe Virei Capitalista” – João Brasil
– “Long Distant Call (25 Hours a Day Remix)” – Phoenix
– “A La La (Bonde do Rolê Mix)” – Cansei de Ser Sexy
– “Zombie” – Azymuth
– “Regret” – New Order
– “Borrowed Time” – John Lennon
– “Promiscuous (Silk Remix)” – Nelly Furtado
– “69 Police (Four Tet Remx)” – David Holmes
– “Whoo! Alright, Yeah… Uh Huh! (Simian Mobile Disco Remix)” – Rapture
– “Rock You Girl (Mark Ronson Remix)” – Justin Timberlake
– “Monster Hospítal (MSTRKRFT Remix)” – Metric
– “Toop Toop (Martin Eyerer Remix)” – Cassius
– “Waiting for My Man (Backstage Sluts Remix)” – Velvet Underground
– “Back to Discos” – Loto
– “Hábitos Delinqüentes” – Autônomo
– “Within You Without You/ Tomorrow Never Knows” – Beatles

Por aqui.

VSP

Sabadão na Ilustrada, depois de uma quinta no far east da ZL…

David Lloyd mapeia São Paulo

Convidado para retratar a metrópole na série Cidades Ilustradas, quadrinista visita locais inusitados; “tenho a obrigação de entender a cidade como um todo”, diz o ilustrador de “V de Vingança”, que participa de evento hoje na Fnac

“Você já reparou que os carros em São Paulo são pintados de preto, branco ou cinza?”, pergunta-me David Lloyd em frente à subprefeitura da Cidade Tiradentes, a região mais leste da Zona Leste de São Paulo. Um dos autores da minissérie “V de Vingança”, o inglês de 56 anos – olhos pequenos, caminhar relaxado – passeia pela cidade até o próximo dia 3, enquanto vai dos lugares mais improváveis de São Paulo aos mais corriqueiros, entre eles uma sessão de autógrafos que acontece hoje na Fnac Pinheiros e um bate-papo na próxima segunda-feira, na Universidade Mackenzie.

O motivo da passagem é que Lloyd será o autor do sétimo volume da coleção Cidades Ilustradas, da editora Casa XXI, que já publicou edições dedicadas ao Rio de Janeiro, Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Salvador e as cidades históricas de Minas Gerais, vistas pelos olhos de quadrinhistas nacionais e estrangeiros – entre os últimos, bambas como o francês Jano – autor do rato punk Kebra -, que fez o Rio, e o espanhol Miguelanxo Prado – da graphic novel “Mundo Cão” – que desenhou a capital mineira.

Num calor de quase 40 graus, o desenhista não se abala e fotografa de vez em quando, sem nunca fazer rascunhos ou desenhar nada, só anotações mentais. “Eu sou inglês, meu caro. Nós não nos importamos. Quanto mais difícil, melhor”, ri.

A convite da editora, Lloyd aceitou o desafio de fazer São Paulo. “A única vez que havia vindo ao Brasil foi em 2003, quando vim para o Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte e passei pelo Rio, rapidamente. Não conheci São Paulo. Por isso, o convite é uma espécie de desafio. E como é um trabalho também – tenho prazo, salário -, eu tenho a obrigação de entender a cidade como um todo, ir além do turista e do artista. Se fosse um trabalho autoral, eu não teria a necessidade de falar de tudo. Eu podia contar a história de uma pessoa, de um bairro. É como se eu fosse para uma floresta e desenhasse apenas uma folha. Ainda é a floresta, mas não é ela inteira”.

A comparação de São Paulo com uma floresta suscita outras impressões que a cidade passou para o artista. “O Roberto (Ribeiro, editor da Casa XXI) me pediu para fazer o livro em preto e branco, com algumas referências de cor, aqui e ali. Mas, além das cores dos carros, o que me impressionou foi o contraste entre o cinza e o verde”, continua. “O cinza é muito mais presente do que em Londres, Nova York ou outras grandes cidades pelo excesso de concreto que se usa nas obras – e como esse concreto fica à mostra”.

“Já o verde vem em todos os lugares. Tudo bem, São Paulo é uma cidade poluída, mas há verde por toda a parte, muito mais do que em qualquer outro lugar deste porte. E o verde funciona como uma metáfora para as pessoas, que parecem aparecer de todos os lugares. Existem duas regras que parecem explicar a cidade: os pobres só têm aquilo que os ricos deixam eles ter e os pobres tomam à força o que eles querem ter. O equilíbrio entre estas duas forças, que dá origem a estas casas feitas de papelão, embaixo da ponte e a comunidades pobres enormes, dá o tom da cidade”.

Lloyd já passou por pontos óbvios da cidade – como o bairro da Liberdade e o Terraço Itália -, mas também visitou pontos distantes do dia-a-dia do paulistano, como a Cratera da Colônia, no extremo sul da cidade, onde uma comunidade de 20 mil pessoas mora num buraco formado pela queda de um meteoro. “É uma cidade com muitos contrastes, muita variedade de tudo – comida, música -, mas não é isso que faz São Paulo diferente das outras metrópoles. Seria diferente se não tivesse. Há um otimismo recorrente nas pessoas, independente de como elas vivem, e ao mesmo tempo um olhar de resignação. E há um fascínio incrível por carros!”.

Mais que o desenhista de “V de Vingança”, Lloyd foi co-autor da minissérie que virou filme dos irmãos Wachowski – foi dele a sugestão de colocar um bandido contra o estado, de dar um clima cinematográfico à obra e de não usar nem balões de narração, de pensamento ou onomatopéias na história. Ao contrário do outro autor, o venerado Alan Moore, Lloyd não se incomodou com a adaptação para o cinema e manteve seu nome no filme. “A essência da série está ali. A história é outra, afinal de contas, é um filme”, ele dá de ombros. David também aproveita a vinda ao Brasil para negociar o lançamento no país de sua nova série, “Kickback”.

Sessão de autógrafos com David Lloyd
Hoje, às 16h
Local: FNAC Pinheiros (av. Pedroso de Moraes, 858. Pinheiros)

Encontro com David Lloyd
Data: 27 de novembro, segunda-feira, às 20h
Local: Universidade Mackenzie (Rua da Consolação, 930)
Entrada franca

Confusão? Que confusão?

Mashing upings

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Coluninha na Trip, pá-pum, se liga…

***

Dois em um

“For Those About to Clown” – DJ Riko
O produtor francês pegou o riff básico de “For Those About to Rock” do AC/DC, uma virada de bateria tocada pelo John Bonham do Led Zeppelin e o vocal emocionado de Smokey Robinson cantando “Tears of a Clown” e fez uma música cool e enxuta, com cara de rock arena dos anos 80 bem feito – e pop até dizer chega.

“Sleeping” – CCC
Uma das pérolas centrais do disco Revolved, em que o produtor inglês Chris Shaw, funde o clássico disco dos Beatles de 1966 com hinos de diferentes épocas da história do pop. Essa joga o vocal de “I’m Only Sleeping” sobre a base trip hop do Portishead em “Glory Box” (por sua vez, tirada de “Ike’s Rap”, de Isaac Hayes), acrescentando cítaras de “Within You Without You” e os animais de “Good Morning, Good Morning”, duas faixas do Sgt. Pepper’s.

“Only Ur Lullaby” – Team9
A base galante e sinuosa do Cure em “Lullaby” funciona como base para os vocais da musa menor R&B Ashanti soltar sua “Only U” – criando, assim, uma música inteiramente nova – densa e suave, doce e amarga, indie e soul na mesma medida. Brilhante.

I look at the world and I notice it’s turning

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E na Ilustrada de hoje…

Beatles animam Cirque du Soleil

Produtor George Martin cria “Love”, um ótimo mix de samples que é trilha para novo espetáculo da trupe; álbum, que ganha lançamento mundial, repassa a história da banda com colagens sonoras de diferentes músicas

Eis a premissa, prepare-se para erguer as orelhas: nem Paul, nem Ringo, nem Yoko participaram efetivamente do novo produto que leva a chancela oficial dos quatro de Liverpool. O novo disco com o nome do grupo, que chegou às lojas do mundo inteiro esta semana, mais do que uma coletânea é um, er… “medley” gigantesco, em que Sir George Martin e seu filho Giles repassaram a carreira da banda como trilha sonora do novo espetáculo do grupo canadense Cirque du Soleil encenado em Las Vegas. Dá pra ver os olhos dos fãs se arregalarem num silêncio assustado e o sorriso malicioso dos chatos antibeatles crescer. Sabemos o quanto os Beatles podem ser piegas – principalmente, postumamente – e qualquer um está fadado a pisar na lama do fundo do poço.

Desfaçam a expressão – não foi agora. Com “Love”, o mais novo CD do grupo, os Beatles mais uma vez fazem jus à sua fama de topo do pop e acrescentam mais uma cotação máxima à sua estrelada carreira fonográfica. Com pouco mais de uma hora e vinte e seis faixas que reúnem trechos de nada menos que 130 canções do grupo, George Martin deixou de lado obviedades como temas orquestrados, regravações com novos intérpretes e novas composições para fazer uma homenagem à altura do legado do grupo formado por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr.

É um conceito incrível e mais incrível é a forma como ele funciona. “Love” é uma sinfonia de samples de diferentes fases da carreira do grupo, que entrelaçam canções umas às outras, criando um fluxo coeso de sentimento e informação. É o conceito de mashup que parte de um dos agentes do principal movimento cultural do século vinte, depois desta cultura de colisões musicais já haver flertado com os quatro de Liverpool em inúmeros bootlegs avulsos e discos inteiros, sendo o infame “Grey Album”, do DJ Danger Mouse (vocais do “Black Album” de Jay-Z sobre instrumentais do “White Album” dos Beatles), seu principal exemplar.

O resultado é inacreditável. Com maior ênfase no período posterior a 1966, quando os quatros desistiram de fazer shows ao vivo para dedicarem-se e existirem apenas nos sulcos dos discos do vinil, “Love” é a versão de Martin para o “Anthology”. Em vez de simplesmente revisitar os arquivos da banda ou tratar em estúdio com qualidade superior (o que também acontece neste disco, mas não é o principal atrativo), o produtor de todos as gravações do quarteto – um dos poucos seres vivos a ter o título de “quinto beatle” – resolve interferir no passado, “retocar a Mona Lisa”. Sim, ele opta pela heresia, reinventando músicas do grupo ao fundi-las umas com as outras.

Não podia ter sido mais feliz. Para quem gosta de cultura pop, “Love” é “a” aula sobre Beatles para ser dada aos iniciantes e uma cápsula do tempo sobre a importância do histórica do grupo. A base de “Tomorrow Never Knows” serve de apoio para o vocal de “Within You Without You”, ressaltando a influência indiana na psicodelia. “Strawberry Fields Forever” passa por suas diferentes versões – da demo ao violão à versão final – em um só take, numa clara homenagem ao passo mais ousado do grupo. “For the Benefit of Mr. Kite!” descamba na segunda parte de “I Want You (She’s So Heavy)” e o violão de “Blackbird” serve como introdução para “Yesterday”; o solo de “Taxman” entra em “Drive My Car”, o final de “Come Together” se mistura ao de “Dear Prudence”. Exemplos felizes destes transplantes musicais estão por todo o disco.

Já para o fã dos Beatles, o disco é um sonho. Não importa o quão brega (ou não) seja o musical circense, com personagens das canções se juntando à história da banda. Sozinho, a trilha é uma montanha-russa de sensações novíssimas, criadas a partir de velhos sabores. No imenso mashup de pai e filho Martin, os Beatles não só surgem como o principal legado cultural do século passado, mas como visionários sônicos, que abandonaram a performance ao vivo para abraçar as infinitas possibilidades do som gravado – abrindo uma fronteira cuja exploração assistimos até hoje.

“You gotta loaded side/ This is the prize”

Bom feriado aê pra geral.

As melhores músicas do mundo

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Ainda desnorteados pelo New Order ou esse feriado no meio da semana deu pra desanuviar?

Tomara, porque nessa sexta-feira tem mais “Gente Bonita, Clima dePaquera” ali no Bar Treze, em frente à Faap.

Assumiremos os CDJs com nossos CD-Rs pra lembrar que, mais que o hype da semana que vem e o hit que ainda não estourou no MP3blog mais conhecido da Bélgica, música pra dançar é música BOA – sem distinção de país de origem, época de lançamento, campanha de marketing, posição nas paradas de sucesso ou gênero musical. Aliás, você sabe, às vezes até uma música entra na outra e vira uma terceira – mas sem preciosismos de DJ. Ou seja, as melhores músicas que você conhece – daquelas do tipo que te faz desistir de ir embora, e sair correndo para dançar no momento que estava pagando a comanda – e músicas que vão fazer parte do seu playlist pessoal nos próximos meses – mas que neste exato momento você nem sabe que elas existem!

E, dividindo-se entre o começo da festa e momentums fotolog/colunismossocial, a primeira convidada – de uma série de muitas – de nossas noitadas, a reclusa onipresente DJ Mulher, que além de entrar no espírito da festa, ainda é nossa fotógrafa – e produtora, MC, DJ, atual Lily Allen versão brazuca e grafiteira do grupo de low-funk carioca Os Princesa.

Dez reais pra entrar, mas na nossa lista é cincão. Basta entrar no www.gentebonita.org e deixar o seu nominho (ainda dá pra incluir seu +1 e dar pitaco no repertório…) E é SEXTA – ou seja, dá pra ficar até ALTAS.

E é óbvio que vamos tocar Blue Monday (se pura ou misturada com Hung Up, Without Me ou Can’t Get You Outta My Head é que eu não sei…) e é claro que você a dançará como se fosse a primeira vez.

Sexta-feira, dia 17 de novembro de 2006
Discotecagem: Luciano Kalatalo, Alexandre Matias e Dj Mulher (convidada)
Local: Bar Treze – Rua Alagoas, 852 Higienopólis (em frente à Faap)
Telefone: 11 3666-0723
Horário: A partir das 23h
Preço(s): R$ 5,00 (é só se cadastrar no site: www.gentebonita.org)

Assim na terra como no cel

Nessa quinta, às 18h, medio um papo sobre música e celular no MobileFest, evento que começa hoje e vai até domingo, no Sesc da Avenida Paulista.

Painel 1
As partituras que vibram

Debatedores
Leonardo Xavier – Ligaki
Pedro Paranaguá – Creative Commons Brasil / CTS – FGV
Gustavo Mansur – TIM

Mediação
Alexandre Matias

Local: Auditório do SESC Paulista

Av. Paulista 119 CEP: 01311-903 / São Paulo / SP
Estação Brigadeiro do Metrô
Tels: 11-3179 3716 ou PABX 11- 3179 3700

mobilefest@avenidapaulista.sescsp.org.br

Inscrições – AQUI !

Vida Fodona #055: Vamo ver se eu consigo

Depois de uma estratégica mas involuntária pausa de meses fora do ar, volto à labuta como se nada tivesse acontecido… Tisque, tisque, hein…

– “Ooh La” – Kooks
– “Salve” – Tommy Guerrero (com Curumin)
– “MPB” – Mr. Catra e DJ Edgar
– “I Wanna Be Your Dog” – Uncle Tupelo
– “Ch-Ch-Check it Out (Mark Ronson RMX)” – Beastie Boys
– “Daft Punk is Playing in My House (Shibuya Soulwax Remix)” – LCD Soundsystem
– “Community Revolution in Progress” – MSTRKRFT
– “Afrihouse” – São Paulo Underground
– “We Share Our Mother’s Health” – The Knife
– “Crazy in Love” – Snow Patrol
– “More is Enough” – Epic Man & Plan B
– “Ogodô 2000 (Monstrão Remix)” – Lucas Santtana
– “Hustler” – Simian Mobile Disco
– “Frog Rock” – Supercordas

…and we’re back!

Mashup o Culote

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Materinha pra Outracoisa, a revistadolobão, que vem com um CDzinho do Carbona encartado…

Mexidinhas

O mashup, a justaposição de músicas diferentes em um mesmo single, é um fenômeno online, uma subcultura clandestina, uma fonte inesgotável de hits e uma tendência econômica. E está apenas começando

De um lado, o ritmo cru e a putaria clandestina que negros americanos faziam com guitarras elétricas, baixo e bateria. Do outro, a toada pesada e o senso de bebedeira que brancos americanos faziam com banjos, violões e percussão. Moleques entre 20 e 30 anos que tentavam a sorte no incipiente mercado de discos – ganhar dinheiro se divertindo era possível! – e que cantavam sobre sexo, álcool e confusão nos mesmos compassos, tempo e pegada. Eram apenas divididos por barreiras raciais e econômicas, mas um profeta chamado Sam Philips anunciou a chegada do escolhido quando ele descobrisse “um branco com voz de negro”. Elvis Presley canalizou ambas subculturas em algo único – rhythm’n’blues com sotaque de caubói, country’n’western com suíngue de negão. Representava duas culturas como se elas fossem uma mesma, ao tocar gêneros diferentes na mesma levada. O veículo para a mudança havia sido tecnológico e técnico – instrumentos fáceis de se tocar, tocados de forma simples.

Cinqüenta anos passados e o universo inaugurado pelo big bang de Elvis segue em franca expansão. Da fusão original que inventou um modismo dançante nos anos 50 nasceu uma imensa e fragmentada árvore genealógica, cujos galhos se entrelaçam quase sempre, mesmo quando crescem em direções opostas. E, apesar de não existir uma consciência de que a história do rock surgiu da justaposição de realidades diferentes, é notável que os grandes momentos desta história aconteceram quando estas colisões cognitivas comandaram o imaginário coletivo.

Os Beatles venderam, primeiro para a Inglaterra, depois para os EUA e finalmente para o mundo, que a colcha de retalhos da música popular americana dos anos 40 e 50 era, na verdade, uma só trilha sonora. A psicodelia diminui as distâncias entre bandas de rock e o ocultismo, as drogas de expansão da consciência e outras experiências místicas. O punk rock surgiu de uma estranha semelhança entre as bandas de garagem americanas e a apatia dos jovens operários ingleses. O reggae começou como uma tentativa de se fazer soul music no Caribe. O indie rock sempre emulou o rock clássico em condições opostas – o anonimato em vez do estrelato, o fracasso em vez do sucesso, a fraqueza em vez do poder. O grunge chocava hard rock farofa com hardcore tosco. O hip hop transformava o MC dos bailes em uma estrela do canto falado e o DJ, que usava trechos de músicas, em um instrumentista pilotando uma vitrola. Em todos estes momentos – todos cruciais para a formação e consolidação do rock e da música pop como trilha sonora de nossos tempos – aconteceram as mesmas duas coisas que ajudaram a criação e popularização do rock’n’roll: técnica e tecnologia se tornando mais acessíveis, baratas e simplificadas, proporcionando a criação de novas músicas e gêneros criativos a partir da simples soma de duas realidades.

Em pleno século 21, isso é nítido. Fãs de música eletrônica começam a entender o bate-estaca do rock – e via electro, um gênero inventado pelo hip hop. Roqueiros skatistas passam a entender o groove negro e fundi-lo com guitarras pesadas. A lógica do dub e do funk africano passa a definir novos subgêneros em áreas diferentes como samba, techno e jazz. Rock, rap, música eletrônica, dance music – tudo é entendido na mesma batida, no mesmo riff, na mesma frase repetida várias vezes.

Até que, em 2001, o inglês Roy Kerr, usou a base de “Hard to Explain” dos Strokes com o vocal de “Genie in a Bottle”, da Christina Aguillera, para lançar-se com o nome de Freelance Hellraiser. A dupla de irmãos belgas David e Stephen Dewaele foi ainda além e juntou pedaços de várias outras músicas em um longo mix que casava gêneros e canções tão diferentes quanto “Push It” do grupo de hip hop Salt’n’Peppa e “No Fun” dos Stooges ou “Dreadlock Holiday” do 10cc com “Independent Woman” das Destiny’s Child em um longo set lançado com o nome de As Heard on Radio Soulwax – Part 2, assumindo profissionalmente um codinome de brincadeira, 2ManyDJs. E embora o uso de pedaços de canções para construir diferentes faixas seja um hábito quase tão velho quanto a história do rock’n’roll (experiências com vitrolas feitas pelo compositor francês Pierre Schaffner datam dos anos 50, a psicodelia inglesa já havia superposto a narração da “invasão marciana” feita por Orson Welles nos anos 30 sobre uma base de rock, o hip hop e a acid house já tinham discos clássicos – Paul’s Boutique dos Beastie Boys e Straight Outta Compton dos NWA de um lado, Into the Dragon do Bomb the Bass e as experiências da dupla Double Dee & Steinski do outro), foi no primeiro ano do novo século que este hábito tornou-se um gênero próprio que cresce cada vez mais: o mashup.

Também conhecido como “bastard pop” ou “bootleg” (ou abreviações como “booty” ou “boot”), o gênero, como mais um sólido degrau na escalada do pop, propõe a fusão de realidades diferentes a partir de facilidades tecnológicas e técnicas. São duas ações simultâneas: programas de edição de áudio de interface cada vez mais simples e de resultados convincentes e profissionais caminham lado a lado com a proliferação de arquivos de áudio de toda espécie através da troca de MP3s online. Assim, um material que antes era disponibilizado apenas para DJs – modalidade que, à medida em que a eletrônica e o hip hop ganharam terreno, tornou-se tão distante do público quanto o decadente popstar – passou para a mão de pessoas com uma boa conexão online, um processador potente e um HD parrudo. É um passo ainda além do “faça-você-mesmo” do punk rock – quem faz música, nesta cena cada vez maior, são as mesmas pessoas que baixam e compartilham música na internet. Ou seja – gente que nem eu e você.

Citar nomes destes artistas é algo improdutivo, pois eles se multiplicam numa velocidade incrível, pelo simples fato de, ao ouvir um mashup, qualquer um comece a cogitar possibilidades de fusões musicais. Uns vêm da colisão de extremos opostos (Eminem com Smiths?), outros de possibilidades lingüísticas (há uma faixa que reúne quatro canções chamadas “Last Night”/“Last Nite”) e trocadilhos infames (“Smells Like Beach” reúne Nirvana e Beach Boys) – e saem das cabeças, mãos e mouses de pessoas chamadas CCC, DJ Zebra, Go Home Productions, DJ BC, Lenlow, Arty Fufkin, DJ Moule, Bobby Martini, C.H.A.O.S. Produtions, Team9, A plus D, Party Ben, DJ Riko – mas é só puxar qualquer um deles pra descobrir uma outra lista de artistas anônimos e igualmente numerosos.

A subcultura mashup se movimenta na internet e em festas – San Francisco, Nova York, Londres e Paris têm suas cenas consolidadas a partir destas baladas – e não se restringe a reciclar flashbacks. Um dos principais desafios destes produtores é capturar o sucesso mais recente e misturá-lo com hits do passado: LCD Soundsystem, o último disco de Madonna, a “Promiscuous” de Nelly Furtado e “Crazy” da dupla Gnarls Barkley são alguns dos favoritos entre estes produtores.

Gnarls Barkley, aliás, é o melhor exemplo do que está acontecendo com esta cultura. O grupo foi fundado pelo DJ Danger Mouse que, há três anos, mashupou o Álbum Branco dos Beatles com os vocais do Black Álbum do rapper Jay-Z, criando o “Grey Álbum”. Depois de ameaçar ser processado pela EMI, detentora dos direitos dos Beatles, o DJ suspendeu as vendas do disco e o download das músicas de seu site, mas teve a solidariedade de mais de uma centena servidores de internet pelo mundo, que, num ato de desobediência civil online, disponibilizaram gratuitamente o álbum em protesto contra a rigidez da EMI. Este protesto aconteceu no dia 24 de fevereiro de 2004, dia que ficou conhecido como “Grey Tuesday” (“Terça-feira Cinza”), em homenagem ao disco.

A repercussão do caso levou Danger Mouse a produzir o disco do ano passado do grupo Gorillaz, sendo responsável direto por duas das melhores músicas de 2005 – “Feel Good Inc.” e “Dare”. Na prática, Damon Albarn, do Blur (mentor dos Gorillaz), chamou Danger Mouse para produzir singles para o grupo de hip hop De La Soul e para o ex-vocalista dos Happy Mondays, Shawn Ryder, estrelas centrais de cada uma destas faixas do Gorillaz, respectivamente (ironicamente lançadas pela EMI). Dos Gorillaz, Danger Mouse produziu o disco Danger Doom ao lado do produtor de rap MF Doom – e usando samples de personagens do Adult Swim, a faixa adulta do Cartoon Network. E depois lançou o grupo Gnarls Barkley, ao lado do rapper Cee-Lo (ex-Goodie Mob), responsável pelo melhor disco do ano até então, St. Elsewhere, além da melhor música do ano, a citada “Crazy” – que também foi a primeira música vendida apenas online a chegar ao topo de uma parada de vendas (no caso, a britânica).

MP3s no topo das paradas, discos e desenhos animados, soul e indie dance, processos e discos de ouro – a história de Danger Mouse é uma interessante fábulas sobre as transformações de nossa época. E quando o Google começa a falar em fazer mashups de sites e a bolsa americana passa a elogiar mashups de empresas (diferentes de meras fusões), mais uma vez vemos a música assumir o papel de carro-chefe das transformações de nossa época.

E isso é só o começo.