Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Falando sozinho

Mr. Bressane publicou um belo texto sobre o mestre PKD no caderno 2 do Estadão e como ele me citou de passagem, não ia deixar de clipar.

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Biografismo fantástico

No estranho romance Valis, em que narra experiências místicas e passagens autobiográficas, o escritor Philip K. Dick, conhecido por suas obras de ficção-científica, mais uma vez investiga os limites do real

Por Ronaldo Bressane

Realidade é aquela coisa que não desaparece quando você deixa de acreditar nela. O paradoxo é um entre vários enigmáticos enunciados contidos em Valis, espécie de autobiografia de Philip Kindred Dick (Editora Aleph). O norte-americano de Chicago (1928-1982) é um dos mais influentes escritores do século 20 – afirmação que pode parecer controversa pelo fato de K. Dick estar ligado a um gênero literário considerado “menor”: a ficção científica. Porém, com ela concordam autores tão diversos quanto o filósofo francês Jean Baudrillard, os escritores Ricardo Piglia, argentino, e Roberto Bolaño, chileno, o cineasta canadense David Cronenberg e a banda novaiorquina Sonic Youth (cujo álbum Sister é inspirado na vida de K. Dick).

Mesmo que você não acredite no poder de PKD, a realidade é que sua vasta influência espraia-se da neurociência à filosofia, passando, evidentemente, pelo cyberpunk – gênero derivado da ficção científica que deu origem à trilogia Matrix e cujo expoente é William Gibson (Neuromancer). Este Valis ajuda a iluminar a obra de um criador tão estranho quanto popular.

E como é estranho este Valis. Para começar, K. Dick envenena a confiança do leitor no narrador, ao dividi-lo em três unidades partícipes: o autor (o próprio PKD), o narrador (anônimo, na terceira pessoa) e o protagonista (um certo Horselover Fat). Acontece que o tal Horselover Fat protagoniza histórias da vida do próprio K. Dick, além de ser um jogo de palavras com seu nome: Horselover (“amigo de cavalos”) é parente da expressão grega Philohippos, que teria originado o nome Philip; e Fat, em alemão, é o termo que corresponde a Dick.

Quando o livro inicia, Horselover está perto do fim da linha – mesma situação em que se encontrava seu autor, no início dos anos 70. Uma amiga havia se suicidado e sugerido a ele atentar contra a própria vida; sua mulher o tinha deixado, levando o filho; as anfetaminas que tomava regularmente há décadas o induziam lentamente a um colapso; todos os seus amigos ou eram junkies ou cancerosos terminais (vários deles são retratados no romance O Homem Duplo, recém-lançado pela Rocco)

É curioso pensar hoje, quando a soma das bilheterias de todos os filmes baseados na obra de PKD se aproxima de US$ 1 bilhão, que o autor haja passado por perrengues financeiros. Embora K. Dick tenha sido um escritor premiado e reverenciado em vida, sua influência não ultrapassava o círculo dos fanáticos por ficção-científica. Eram livros baratos, pulp fiction, que vendiam milhares de cópias, mas pagavam pouquíssimo a quem os escrevesse. Por causa disso, PKD produzia feito desvairado. No período inicial, chegou a escrever três contos de dezenas de páginas no mesmo dia; em apenas 30 anos de carreira, publicou 121 contos e 44 romances, além de um diário, chamado Exegese, que contém cerca de um milhão de palavras.

Durante a maior parte da vida, escreveu doidão de bolinhas, que o permitiam matraquear numa surrada Olympic por dias e noites seguidos, sempre escapando dos credores – não à toa é chamado de Dostoiévski yankee. Na fase que documenta em Valis, K. Dick já estava no quinto casamento, com três filhos para alimentar, a conta bancária detonada. É nessa época que o escritor é atingido por um misterioso raio cor-de-rosa.

O Império nunca acabou
Qualquer nerd viciado em ficção científica sabe o que significa a seqüência 2-3-74. Nesta data, PKD teve uma epifania que influenciou os oito anos seguintes, período em que progressivamente abandonou a ficção científica e mergulhou numa literatura metafísica, além de ficar levemente paranóico – achava, por exemplo, que o presidente Nixon era um imperador romano reencarnado, e sentia-se perseguido por CIA e KGB. No mês de março de 1974, K. Dick estava atormentado por uma dor derivada da extração de um dente do siso. Pediu um remédio à farmácia, e uma moça veio entregar em sua casa. Ao abrir a porta, ficou magnetizado pelo pingente que pendia do colar da garota: um peixe – símbolo da cristandade. Quando o sol refletiu-se no pingente, o escritor teve uma visão em que retornava aos primeiros anos de Império Romano, depois de Cristo, e foi atingido por um raio cor-de-rosa.

Nos dias seguintes, sentiu-se bem como nunca; recebia cheques de direitos autorais atrasados; deixou de lado as anfetaminas; estranhamente, conseguia ler e escrever em grego, latim e sânscrito, idiomas que até então não dominava. Certo, dia, quando ouvia “Strawberry Fields Forever”, dos Beatles, K. Dick intuiu que o filho Christopher, recém-nascido, corria risco de vida, e o levou ao hospital. Para espanto de sua mulher e do médico, o filho realmente tinha uma hérnia na virilha que o poderia matar a qualquer momento. Cada vez mais obcecado pela visão, PKD começou a ter problemas em sua vida cotidiana, até que foi abandonado pela mulher. Tempos depois, tentaria o suicídio – simultaneamente cortando os pulsos, tomando cápsulas de nembutal e se encerrando dentro de um carro ligado, com a garagem fechada. Algo não funcionou, porém, e o escritor salvou-se, indo posteriormente convalescer numa clínica.

Essa experiência está contada de modo fragmentário em Valis, tendo sido quadrinizada por Robert Crumb em 1985 (uma versão em português, traduzida por Alexandre Matias). K. Dick também expôs detalhes do 2-3-74 na sua Exegese, que pode ser lida em partes no site do autor. Objeto de culto, a Exegese não tem previsão para ser publicada; os herdeiros do escritor publicam trechos de tempos em tempos, e há sites e mais sites que se dedicam a interpretá-los. São divagações metafísicas que aproximam violentamente conceitos do cristianismo, gnosticismo, hinduísmo, budismo, filosofia pré-socrátrica, conceitos alquímicos e teorias neurocientíficas até hoje controversas – como por exemplo The Origin of Consciousness in the Breakdown of the Bicameral Mind (A Origem da Consciência na Quebra da Mente Bicameral, nunca traduzido para o português), do psicólogo norte-americano Julian Jaynes (1920-1997).

O livro de Jaynes, que também influenciou escritores do porte de William S. Burroughs e é obra de cabeceira de neurocientistas respeitados como o brasileiro Sidarta Ribeiro, diretor do NatalNeuro, propõe algo muito semelhante ao exposto por K. Dick em Valis: há três mil anos, o cérebro humano era dividido em dois – o hemisfério direito seria o homem, executante, e o esquerdo, o deus, executivo. Uma das idéias justamente expostas no romance de PKD, quando o narrador demonstra que Horselover Fat é um homem que vive em 1974 e outro que vive nos primeiros anos da cristandade – tudo ao mesmo tempo. Para K. Dick, afinal, o Império Romano continuava sob o nome de Estados Unidos: a frase “O Império nunca acabou”, um mote de sua obra, teria surgido em um sonho recorrente que tinha, durante a infância.

Entre o sonho e a ficção científica
Sim, mas o que seria Valis? A dada altura, o narrador leva Fat ao cinema para assistir a um filme de ficção científica com este nome – e então percebemos que se trata de uma sigla para “Vast Active Living Intelligence System”, Vasto Sistema de Inteligência Viva e Ativa. Fat tem contato com o casting do filme e afinal descobre que VALIS – essa inteligência extraterrestre, um outro nome para Deus – é que teria iluminado seu cérebro com o raio rosa. A partir daí, o livro colapsa entre teorias conspiratórias, esoterismo setentista e um humor vagamente psicodélico – como se K. Dick, ao mesmo tempo em que formulasse um novo conceito místico, o ironizasse com crueldade.

“Estrangeiro, os sonhos são verdadeiramente confusos, ambíguos e, para os homens, nem tudo se cumpre”, escreveu Homero na Odisséia. “Pois são dois os portões dos tênues sonhos: um é feito de chifre, e o outro de marfim. Os sonhos que passam através do cerrado portão de marfim enganam, trazendo promessas que não se cumprem; mas, os que saem pelo polido portão de chifre, esses se cumprem, para os mortais que os vêem.” Dissolvendo a identidade do narrador, brincando com os limites do falso e do verdadeiro, impondo uma realidade plástica, em Valis Philip K. Dick propõe que no mundo em que vivemos os portões de chifre e de marfim sempre irremediavelmente nos confundam. Que portão abrir, só o leitor saberá responder.

Uma mina de ouro para o cinema
William Gibson é o mais copiado e menos louvado (a trilogia Matrix é descaradamente chupada de seu Neuromancer); Arthur C. Clarke (2001, Uma Odisséia no Espaço), Ray Bradbury (Fahrenheit 451) e Isaac Asimov (Eu, Robô), os mais conhecidos; Stanislaw Lem (Solaris), o mais cultuado. Mas é K. Dick de longe o autor de ficção científica mais adaptado ao cinema. O primeiro livro que foi levado às telas – e até hoje o que teve resultados mais ambiciosos – é O Caçador de Andróides (Blade Runner), adaptação do romance Sonharão os Andróides com Ovelhas Elétricas? realizada por Ridley Scott. Misturando os gêneros noir policial com sci-fi, dirigindo Harrison Ford, Hutger Hauer e Sean Young em atuações clássicas, Scott revitalizou o gênero (o que o estraga um pouco é a trilha tecnobrega de Vangelis, que foi depois usada até em comerciais televisivos de motel).

Apesar de ter assistido – e apreciado – o director’s cut de Blade Runner (que chega este ano às lojas, marcando o 25º aniversário do filme), PKD não viu a cor do sucesso de público: morreu duas semanas antes da estréia do filme. Seguiram esse caminho Total Recall, de Paul Verhoeven, Confessions d’un Barjo, de Jerôme Boivin, Screamers, de Peter Dugway, Impostor, de Gary Fleder, Minority Report, de Steven Spielberg, e Paycheck, de John Woo. Somente este ano, dois filmes baseados em K. Dick chegaram aos cinemas: o perturbador A Scanner Darkly (O Homem Duplo), em que Richard Linklater usa a revolucionária técnica de rotoscopia, e Next, de Lee Tamahori. Este último, com Nicholas Cage, Julianne Moore e Jessica Biel, estréia no Brasil no segundo semestre.

O oscarizado Paul Giamatti personificará PKD em uma biografia ainda em produção, The Owl in the Daylight, a ser concluída em 2008. A obra de K. Dick é uma mina de ouro: calcula-se que as bilheterias das adaptações somem US$ 1 bilhão. Se lembrarmos que só uns 15% de sua obra foram levadas às telas, é provável que assistamos a muitos outros filmes kdickianos – pelo menos até que o futuro imaginado por ele rime com o presente.

Silêncio: Beatles gravando

beatlesrecording.jpg

Uou.

Os 100 melhores discos de 2007

Já? Culpe (ou agradeça, dependendo de que lado você está a)o Pedro, que fez a lista.

Link – 28 de maio a 3 de junho de 2007

‘- Google quer tudo
Blogar via cel
Gametal
A história da TV brasileira na web
Bolão online
Outro procurador

“You Can Call Me Al” – Paul Simon

(F/ – C// – Bb/ |-| Bb/ – C// – F)

A man walks down the street
He says why am I soft in the middle now
Why am I soft in the middle
The rest of my life is so hard
I need a photo-opportunity
I want a shot at redemption
Don’t want to end up a cartoon
In a cartoon graveyard
Bonedigger bonedigger
Dogs in the moonlight
Far away my well-lit door
Mr. beerbelly beerbelly
Get these mutts away from me
You know I don’t find this stuff amusing anymore

If you’ll be my bodyguard
I can be your long lost pal
I can call you Betty
And Betty when you call me
You can call me Al

A man walks down the street
He says why am I short of attention
Got a short little span of attention
And wo my nights are so long
Where’s my wife and family
What if I die here
Who’ll be my role-model
Now that my role-model is
Gone gone
He ducked back down the alley
With some roly-poly little bat-faced girl
All along along
There were incidents and accidents
There were hints and allegations

If you’ll be my bodyguard
I can be your long lost pal
I can call you Betty
And Betty when you call me
You can call me Al
Call me Al

A man walks down the street
It’s a street in a strange world
Maybe it’s the third world
Maybe it’s his first time around
He doesn’t speak the language
He holds no currency
He is a foreign man
He is surrounded by the sound
The sound
Cattle in the marketplace
Scatterlings and orphanages
He looks around, around
He sees angels in the architecture
Spinning in infinity
He says amen! and hallelujah!

If you’ll be my bodyguard
I can be your long lost pal
I can call you Betty
And Betty when you call me
You can call me Al
Call me Al

Crepúsculo dos Deuses

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Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950. EUA). Diretor: Billy Wilder. Elenco: Gloria Swanson, William Holden. 110 min. Por que ver: Se Orson Welles filmasse Cantando na Chuva, o musical de Gene Kelly perderia as canções e a cor para ganhar as sombras e o pesar de Crepúsculo dos Deuses. Talvez o grande filme noir da história de Hollywood, ele confronta todos os elementos do gênero dark e urbano (inveja, cinismo, crimes, falsidade, interesse, negociações paralelas, falta de escrúpulos) com o glamour do star-system da indústria cinematográfica. Crespúsculo começa com um cadáver boiando na piscina de uma mansão em Los Angeles e conta a história de como aquele corpo apareceu ali – para isso, nos apresenta ao trambiqueiro Joe Gills (Holden) e à atriz decadente Norma Desmond (Swanson, a alma do filme, num papel que havia sido cogitado para Greta Garbo e Mae West), que desenvolvem uma relação de interesse mútuo que, à medida em que a conhecemos melhor, se revela falsa e doentia. Gills promete um roteiro para o filme que trará Desmond, estrela do cinema mudo, em decadência comercial, de volta para a frente das câmeras. No decorrer da história, Gills se envolve com a jovem escritora Betty e a partir daí as coisas fogem de controle. Mas nunca de Wilder, que conduz o filme com mão de ferro e cinismo azedo, amparado em atuações precisas e uma ambientação assustadora. Fique atento: Mesmo com pontas de nomes famosos de Hollywood, como o diretor Cecil B. DeMille, o comediante Buster Keaton e a colunista Hedda Hopper, a atuação principal é de Gloria Swanson, que usa das expressões exageradas do cinema mudo para compor uma Norma Desmond caricata, sinistra e perigosa, que revela-se, lentamente, uma psicopata ególatra disposta a fazer tudo pela fama.

A Conversação

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A Conversação (The Conversation, 1974, EUA). Diretor: Francis Ford Coppola. Elenco: Gene Hackman, John Cazale, Allen Garfield, Cindy Williams, Teri Garr. 113 min. Por que ver: Basta dizer que é o filme que Coppola fez entre os dois Poderoso Chefão e Apocalipse Now, mas A Conversação é muito mais do que o produto de uma boa fase de um gênio – na verdade, é uma obra-prima muito particular. Acompanhamos o trabalho do detetive Harry Caul (Hackman, em seu melhor papel e filme favorito), um especialista em grampos telefônicos e escutas clandestinas – o melhor, sublinham durante o filme, capaz de registrar uma conversa de duas pessoas em um barco no meio de um lago. Incumbido de gravar um aparente casual papo de um casal que passeia por uma praça movimentada, Caul mobiliza sua equipe, que capta trechos aleatórios da tal conversação do título, que requer diferentes técnicas e aparelhos para ser decifrada. O filme equilibra-se entre o charme vazio registrado por Antonioni em Blow Up e o sonho americano estilhaçado de vez com as fitas de Watergate, que obrigaram Nixon a renunciar. Enquanto Caul trabalha, conhecemos um agente fora-da-lei sem vida pessoal, um detetive noir às claras, sem penumbra para disfarçar o amargo de uma existência vazia e sem sentido. O filme mais europeu de Coppola. Fique atento: À forma com que a conversa entre Mark e Ann vai mudando à medida em que trechos vão se tornando claros, uma dupla homenagem de Coppola à importância da edição em um filme e ao seu editor de som e de imagem, Walter Murch, que foi indicado ao Oscar de melhor som. E à atuação de Hackman, que compõe magistralmente um personagem sem personalidade, escorado na Igreja Católica e no jazz (aprendeu a tocar sax apenas para o filme) como fundações de sua vida. A cena final é free jazz puro, traduzido em imagens.

Amused to Death – Roger Waters

E mais uma.

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Nem Jeff Beck apazigua o ego do ex-Floyd

Amused to Death é o quarto álbum conceitual da carreira solo de Roger Waters (o sexto, se incluirmos a trilha sonora do filme When the Wind Blows de 1986 e a versão ao vivo para o disco The Wall, do Pink Floyd, encenada sobre os escombros do muro de Berlim, em 1990), lançado originalmente em 1992 e reeditado por aqui graças à passagem do ex-Pink Floyd pelo Brasil. Como seus antecessores, o disco é mais uma obra cabeçuda em que o baixista da cara comprida exercita seus desígnios literários unindo canções intrasigentes entre si – sempre amparados por um bretão sensível nas seis cordas de lá, seja o erudito Ron Geesin (em Music from The Body), o deus Eric Clapton em seus dias de prata (em The Pros and Cons…) ou o discreto Andy Fairweather Low (em Radio K.A.O.S.), todos exercendo o papel que um dia pertenceu a David Gilmour. Amused…, em que Waters aponta sua mira para a televisão, tem o melhor parceiro de Roger até então – ninguém menos que Jeff Beck –, que é colocado quase em segundo plano porque afinal de contas o disco é de Roger Waters e não um dueto entre os dois… E é exatamente essa egolatria típica do homem que um dia foi o cérebro da maior banda de rock em seu tempo que torna o disco um pouco demais, seja nos arranjos, nas letras, no humor, na acidez da crítica. Podia ser menos… Fora que a reedição não acrescenta uma vírgula ao disco original – seja no encarte, faixas bônus, masterização… Nada. Um disco pra bater cartão.

Beatific Visions – The Brakes

Outra da Rolling Stone de abril.

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Country punk para leigos

Mais uma banda com nome curto vindo da Inglaterra e… opa, o Brakes não é pós-clone de Strokes como seu título faz supor. Gravado em Nashville, o segundo disco da banda, no entanto, tenta fazer pelo country punk o que o novo rock dos anos 00 fizeram pelo pós-punk. Em vão. Seu segundo disco parece uma colcha de retalhos de referências cruas do gênero, com acenos para o alt.country, Supersuckers, Violent Femmes e Minutemen – coisa que qualquer banda brasileira com disposição para o punk caubói tira de letra. Seus melhores momentos talvez sejam os mais aliens (como o andamento ensolarado e o miolo Velvet Underground da faixa-título, enquanto “Mobile Communication” dá saudade do Grandaddy) e as baladas dão vontade que o engano inicial pudesse ser verdade. Qualquer pós-clone de Strokes é melhor do que isso.

Amanhã é Tarde – Fellini

Outra resenha das antigas, essa saiu na Play número 5.

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felliniamanhatarde.jpg

Doze anos se passaram e nada aconteceu ao Fellini. Pioneiro indie brasileiro, a indefectível cult band paulistana volta em versão slim (o núcleo Cadão e Thomas assina todos os créditos do disco) e nem parece que seu último disco saiu em 1990 (o pós-samba Amor Louco). Nesse meio-tempo, Thomas tornou-se correspondente da BBC em Londres e Cadão assumiu a edição de cultura da revista época – enquanto o Fellini descansava no fundo do baú. Ele volta sem perder um milímetro do fôlego tênue das dois vocalistas. Ousando cada vez mais, embora timidamente (a idade nos ensina coisas…), os dois voltam com o que pode ser considerado seu melhor disco, não estivesse o antológico 3 Lugares Diferentes envolto numa mística underground que hoje passa ao largo – certamente, por opção. Afinal, podiam faturar um retorno hermético e bissexto, como bastiões pós-punks do mesmo calibre do grupo (Wire, Pere Ubu, Echo & the Bunnymen) que usam “a volta” como estratégia de marketing. Injetando doses de repetição lírica e saudosismo brasilianista, o grupo faz em Amanhã é Tarde o equivalente dos discos londrinos de Caetano e Gil, no começo dos anos 70. Não seria mal cogitar alguns shows de volta. Nem que seja apenas para ouvir “Gravado no Rio” ao vivo.