Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.
No dia 28 de agosto, às 20h30, faço mais uma edição da sessão Trabalho Sujo Apresenta no Belas Artes, quando convido o grupo Os Fadas a celebrar a discografia clássica dos Pixies em uma sala de cinema. O grupo começou antes da pandemia como uma banda tributo ao quarteto formado por Black Francis, Kim Deal, Joey Santiago e David Lovering e a partir disso começaram a compor suas próprias músicas, mas voltam às origens para tocar – com direito a uma tela de cinema no palco – o repertório dos cinco primeiros álbuns do icônico grupo norte-americano, a fase clássica que antecipou a revolução do rock alternativo dos anos 90. Os ingressos já estão à venda neste link.
Quis o destino que os Pixies anunciassem uma reedição em vinil de sua primeira fita demo – a clássica “fita roxa” – nesta quinta-feira. Para quem não conhece a mitologia, o grupo entrou no estúdio pela primeira vez em março de 1987, para rascunhar o que deveria ser seu primeiro disco, registrando nada menos que dezessete canções. A fita foi enviada para diferentes gravadoras nos Estados Unidos, que não acharam nada demais naquelas músicas, mas encontrou um ouvinte do outro lado do Atlântico, quando o presidente da gravadora inglesa 4AD, Ivo Watts-Russell, colocou a fita em seu walkman para passear por Nova York e ficou completamente bestificado com o que ouviu. Mas sua gravadora – conhecida por artistas etéreos, góticos e pós-punk como Cocteau Twins, Bauhaus e Dead Can Dance – havia acabado de assinar com uma banda indie norte-americana (os Throwing Muses) e ele estava reticente em trazer outra banda de fora para o selo, mas foi convencido por sua namorada, Deborah Edgeley, que trabalhava como secretária do selo e estava fissurada na banda. Oito faixas da demo se transformaram no primeiro disco da banda, o EP Come On Pilgrim, mas as músicas restantes seriam a base do repertório da banda nos anos seguintes, reunindo músicas que hoje são clássicos do grupo: “Broken Face”, “Build High”, “Rock a My Soul”, “Down to the Well”, “Break My Body”, “I’m Amazed”, “Here Comes Your Man” e “Subbacultcha”, além da versão que o grupo fez para “In Heaven (Lady in the Radiator Song)”, música-tema do primeiro filme de David Lynch, Eraserhead. O vinil com essas músicas sairá dia 17 de outubro e já está em pré-venda.
Não curto o formato do Lollapalooza conceitualmente: a ideia de dezenas de bandas em horas gigantescas por três dias em maratona é o oposto do que espero de um evento de música. Mesmo porque a escala gigantesca parece interferir diretamente na escolha dos artistas, quase sempre tratando o público como uma imensa massa amorfa sem gosto musical definido, abrindo brechas para artistas que existem mais na cabeça de seus agentes do que na vida real. É um desperdício de oportunidade, deixar de aproveitar o momento em que se reúne muitas pessoas para assistir a shows de artistas de maior escala para um evento em que o público possa ser apresentado a artistas que realmente estejam acontecendo e estejam passando longe do radar de muita gente. E parece que o Lolla entendeu isso e o elenco que reuniu para sua edição de 2026, apresentada nesta quinta-feira, é a prova viva de que é possível fazer com que um festival de música dessa escala volte a colocar música no centro de seus palcos – não apenas números, metas, views. O primeiro cumprimento vem ao impecável elenco principal, composto apenas por artistas contemporâneos – o único veterano dos grandes nomes, os Deftones, acabou de lançar um disco sem cheiro de nostalgia, pensando pra frente. Mas reuni-los num elenco que ainda inclui Lorde, Tyler the Creator, Sabrina Carpenter, Skrillex, Doechii, Turnstile e Chappel Roan mostra que é possível traçar um panorama do que está acontecendo de legal na música hoje sem sentir cheiro de naftalina. O grande salve, contudo, vem nas letras pequenas do festival. Além de trazer artistas que, se fossem reunidos em pares, garantiriam ótimos eventos indie de médio porte em São Paulo (Men I Trust, Addison Rae, Katseye, Djo, Interpol, Cypress Hill, Viagra Boys, Marina, Horsegirl, The Warning, entre outros), a edição do ano que vem do Lolla caprichou na escolha dos artistas nacionais, colocando nomes como Varanda, Jadsa, Nina Maia, FBC, Crizin da Z.O., Papisa, Oruã, Papangu, Stefanie, Terraplana, Cidade Dormitório, Jonabug e outros tantos, traçando não só uma ponte mais firme entre a cena independente e esse universo mainstream, como adubando seu futuro próximo para entender quem pode chegar a outros escalões de alcance. Mais do que só apresentar novos artistas para um público gigante, o festival reforça a aposta em artistas que, mesmo iniciantes, já têm maturidade para segurar um show dessa escala. Outras edições já faziam essa ponte, mas de forma tímida, o que virou passado com essa edição de 2026. Claro que há várias questões (que artista contemporâneo brasileiro poderia estar entre os grandes? Por que não temos mais artistas latinos circulando pelas outras praças que o festival também circula), mas a escalação deste ano foi um golaço. Particularmente gostei que eles não trouxeram nem a Charli XCX, o Magdalena Bay e a Clairo, porque talvez aí eu tivesse que ir pro evento. O festival acontece nos dias 20, 21 e 22 de março do ano que vem e os ingressos já estão à venda.
O encontro de Gabriel Milliet, Stephanie Borgani e Lucca Francisco no Centro da Terra nesta terça-feira consagrou a parceria que os três vêm trabalhando há dois anos, entrelaçando canções próprias, temas instrumentais e músicas de outros autores num longo transe delicado, quase meditativo, em que poucos instrumentos, tocados de forma minimalista, preenchem os espaços mínimos deixados pelo encontro das vozes dos três, quase sempre cantando em sincronia. Na apresentação desta terça, eles conseguiram chegar a um ponto de equilíbrio entre flauta, violão, guitarra, piano, sintetizador e efeitos que funcionou como uma base instrumental magnética para mantras de voz ou instrumentais que ainda passearam por “Ponta de Areia” (do Milton Nascimento), “Banana” (da Joyce) e “Cidade Nova” (do Edu Lobo).
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Encerramos nesta terça-feira a programação de música de agosto no Centro da Terra quando recebemos uma apresentação formal de um projeto que vem sendo burilado por três cantores e musicistas a partir das composições próprias e alheias. O espetáculo Espaço Semelhante reúne Gabriel Milliet, Lucca Francisco e Stephanie Borgani visitando, de forma meditativa, lúdica e com aberturas para o improviso, canções em forma de transe, acompanhadas de poucos instrumentos, como guitarra, violão, flauta, piano e sintetizador, em arranjos minimalistas. O espetáculo começa sempre às 20h e os ingressos já estão à venda no site do Centro da Terra.
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O Spoon nem bem terminou de gravar o sucessor de seu ótimo Lucifer on the Sofa, de 2022, e já liberou dois singles (as ótimas “Chateau Blues”, um blues elétrico naquela veia característica do grupo, e uma balada de andamento kraut, “Guess I’m Falling in Love”), bem diferentes entre si, mas com marcas indefectíveis de sua sonoridade. Não há nenhuma outra novidade sobre o próximo disco – nem título, previsão de data, nada – e o grupo usou esse lançamento também para anunciar a turnê que começam nesta semana pelos EUA, dividindo noites com os Pixies. Nada mal…
Rita Oliva encerrou com chave de ouro a temporada Em Brisas bolada com seu nome artístico Papisa, em que recebeu diferentes convidados a cada segunda-feira deste mês. E o convidado da noite se materializou a partir de sua coragem, como ela comentou no meio da apresentação, ao chamar o titã Paulo Miklos para dividir o palco do Centro da Terra com ela, que ela não conhecia pessoalmente, abordado através de mensagens no Instagram. A cara de pau deu certo e os dois não só fizeram uma linda apresentação a dois – visitando o repertório um do outro sempre em dupla -, como passearam por canções alheias (passando por músicas de Tim Bernardes, Evinha, Sabotage e, claro, Titãs) e mostraram até músicas que compuseram juntos especialmente para esta ocasião. Trocando de instrumentos, passaram do baixo para a guitarra para o violão para o bandolim para o piano e para a flauta, além de contar com a participação do pernambucano Arquétipo Rafa, que havia tocado com Rita na semana passada, e voltou ao palco do teatro para encerrar a noite. Foi demais.
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Uma noite mágica. Assim foi a apresentação que Francisca Barreto fez no Sesc Belenzinho neste domingo, quando conseguiu afiar ainda mais o espetáculo que organizou no final do ano passado e vem lapidando desde então. Com uma banda enorme entregue à sua sensibilidade, ela conseguiu sintetizar os sentimentos que queria passar para o público ao mesmo tempo em que mostrou que está pronta para assumir uma nova fase, em que deixa de ser apenas instrumentista e intérprete para assumir-se como compositora, vocalista e autora. O ponto-chave da noite passado aconteceu em sua composição “Bico da Proa” (que batizou seu primeiro espetáculo, no ano passado), quando o crescendo da canção a fez ergue-se da cadeira sem estar tocando nenhum instrumento, deixando corpo e voz tomarem conta do teatro, linha que seguiu em sua já clássica versão para “Teardrop”, do grupo Massive Attack. Contando com uma banda tão firme quanto próxima dela mesma (a baterista Bianca Godoi, o baixista Valentim Frateschi, o guitarrista Vitor Kroner – que produziu seu único single lançado até agora, “Habana” -, o violista Thales Hashi e o trumpetista Menifona, único novato no show), ela sublimou as inseguranças e hesitações das primeiras apresentações e cresceu artística e emocionalmente em frente aos olhos do público. A apresentação ainda contou com a presença de sua irmã de palco Nina Maia – que tornou-se apenas instrumentista ao tocar algumas canções no teclado antes de dividir vocais em seus dois duetos, as complementares “Amargo” e “Gosto Meio Doce” – e do produtor-executivo Yann Dardene, que assumiu o violão em três canções, além da moldura desenhada pelo véu central no palco e pelas luzes da dupla Retrato (Ana Zumpano e Beeau Gomez, cada vez mais autorais em suas luzes e cenografia). Para alguém que há pouco mais de dois anos não se assumia artista (apenas musicista), a apresentação de domingo foi mais do que um salto no escuro – foi o começo de um voo. Voa, Chica!
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Acompanho o trabalho de Francisca Barreto desde quando ela assinava apenas como Chica e dizia apenas ser violoncelista – embora já cantasse -, compondo dupla com Nina Maia, há mais de dois anos, quando fizemos a primeira apresentação delas lá no Centro da Terra. De lá pra cá, ela foi pinçada por ninguém menos que Damien Rice para acompanhar seus shows pelo mundo e passou a pensar na própria carreira solo à medida em que desbravava palcos no litoral Mediterrâneo, na Oceania e na Ásia, compondo suas primeiras canções e organizando um repertório que mistura Milton Nascimento com Heitor Villa-Lobos e Massive Attack. No começo de 2024 me procurou para dizer que queria levantar seu primeiro show solo, que ela fez no Centro da Terra e depois conseguimos repetir duas vezes – uma no Porta e outra no Belas Artes. Nesse mesmo período, fez shows em parcerias com outros artistas (além de sempre estar por perto de Nina, que lançou seu próprio disco solo em 2024) e lançou seu primeiro single, a delicada “Habana”, canção de seu mestre no instrumento, o cubano Yaniel Matos. E ao conseguir seu primeiro show num Sesc, ela me convidou para dirigir a apresentação, o que aceitei com um sorriso no rosto, do tanto que gosto do trabalho dela. A apresentação que coroa essa primeira fase de sua carreira solo acontece neste domingo, dia 24, às 18h, no Sesc Belenzinho. Seguindo a estrutura básica dos shows que fez até aqui (com algumas surpresas e acabamentos finais), a apresentação conta com o mesmo grupo que a acompanha até agora – Victor Kroner (guitarra, que produziu seu primeiro single), Bianca Godoi (bateria), Valentim Frateschi (baixo) e Thales Hashi (viola) – com o acréscimo dos sopros de Melifona e as participações de Nina Maia (cantando e tocando teclado) e Yann Dardenne (violão). O show ainda conta com luz e cenografia da dupla Retrato – Ana Zumpano e Beeau Gomez – e os ingressos já estão à venda. Tá ficando liindo demais…
Se há uma coisa que gosto de fazer é ver a evolução dos artistas, vê-los tomando consciência de experimentos estéticos e políticos ao traduzir suas vontades e aspirações em arte, não importa de qual natureza. E há muito tempo acompanho artistas em início de carreira, gente que, mesmo que não seja propriamente jovem, está começando a entender a natureza da própria linguagem e o impacto que ela tem no público, no inconsciente coletivo e em si mesmo. Quando falamos sobre música há dois palcos já estabelecidos que ajudam a forjar a identidade destes operários do som: um deles, o disco, tem pouco mais de um século de tradição e bem menos que isso como seu formato mais clássico, o álbum; enquanto o outro, o palco, é milenar e segue como principal veículo para a arte de qualquer músico (um terceiro, pós-moderno e recente, o palco online, aos poucos vem se impondo como novo escape para a produção artística). Desde que comecei a trabalhar como curador de apresentações ao vivo, há quase dez anos, percebi a centralidade do show como coração pulsante do organismo artístico, algo que o disco só consegue calcificar, engessar. E entre as centenas de artistas com quem trabalhei neste período, uma das carreiras que mais tenho gostado de ver desabrochar é a da violoncelista Francisca Barreto, que conheci em 2022 quando ainda fazia com a amiga Nina Maia (outra que acompanhei desde o começo e já estabeleceu-se como uma das revelações da música paulistana da década), e que aos poucos foi descobrindo sua própria identidade. No começo do ano passado, ela veio me propor fazer um primeiro show solo no Centro da Terra e desde então tenho a acompanhado na lapidação dessa primeira fase de sua vida artística em diferentes palcos, até que ela me chamou para dirigir sua primeira apresentação num Sesc, que acontece neste domingo, às 18h, no Sesc Belenzinho. E conhecendo-a como já conheço, não foi difícil tecer seu repertório num fio condutor coeso e crescente, sem perder a delicadeza, a intensidade e a carga dramática – e um tanto melancólica – que ela traz para o show. E o fato de ela ter reunido um time de músicos que elevam o nível musical à medida em que aumentam o astral do convívio em grupo (Bianca na bateria, Thales na viola, Valentim nos baixos, Kroner na guitarra, participação de Yann Dardenne e Nina Maia e a estreia dos sopros de Lucas Melifona) não só facilitou bastante meu trabalho como reforça a consciência que Chica tem do que quer fazer artisticamente. Unindo isso ao som tocado por Yann e por Anna Vis e com as luzes e elementos cênicos trabalhados ao lado de Ana Zumpano e Beeau Gomez, tenho certeza que quem for ao teatro do Belenzinho nesse domingo vai sair extasiado e com a certeza de ter visto um momento mágico na carreira de um artista. Ainda há ingressos disponíveis. Vamos lá?