Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

O rascunho do Abismo

O gaúcho Pedro Pastoriz está chegando ao final do processo de seu terceiro disco solo, Pingue Pongue com o Abismo, lançado no fatídico ano de 2020, e para isso volta para as origens deste trabalho, ao lançar, nessa sexta-feira, as demos deste mesmo disco – ou, como preferir, as Replay Demos. “Elas foram gravadas entre abril de 2018 e março de 2019 e são registro de ideias pré-estúdio”, explica o ex-vocalista do Mustache e os Apaches, que gravou essas canções ao lado dos músicos e produtores Arhtur Decloedt e Charles Tixier. “São as primeiras versões que gravei pra mim mesmo, e que agora – depois que tudo já foi escolhido e lançado – complementam de um jeito interessante o disco”, continua o cantor, que antecipa suas demos em primeira mão para o Trabalho Sujo. Apesar de inédito para a maior parte de seu público, não é a primeira vez que ele as mostra para alguém. “Mostrei esse material caseiro pra uma primeira audição de quem participou do financiamento coletivo na época de pandemia, que viabilizou o lançamento do Pingue-Pongue com o Abismo e as variações do álbum, como produtos da loja e essas coisas do dia a dia da música”. A conclusão do processo desse disco antece no próximo dia 23, quando apresenta-se no Centro da Terra.

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Abram alas pra Clara Bicho!

Tem um bicho vindo aí e seu nome Clara. Segredo belorizontino que começa a ser revelado lentamente (como de praxe), Clara Bicho está despontando na cena independente brasileira e lança seu terceiro single, “Eu e a Lua”, feito em parceria com o produtor Linguini, nessa sexta-feira, só que o antecipa em primeira mão aqui para o Trabalho Sujo. “A música veio de uma vontade de fazer uma coisa diferente do que eu já lancei e ando gravando, não se parece muito com ‘Luzes da Cidade’ nem com ‘Tarde’ e nem com o meu EP, que vai sair”, ela explica, falando dos singles anteriores e do próximo lançamento. “Eu estava escutando muito Kaytranada e pensei que queria fazer um house, pelo que eu pesquisei, não tem muito house em português e queria fazer, aí chamei o Linguini. Não sei se o pessoal que me acompanha vai gostar, porque é outra ideia, mas me sinto feliz de ter feito.”

Para ela, o produtor que a acompanha é o artista mais talentoso de sua cidade. “Tentei fazer o house sozinha, não estava dando certo, aí me lembrei dele e mandei uma mensagem, já ele que tem a manha desse tipo de música”, explica a cantora mineira. “Nós estudamos no mesmo curso na mesma faculdade, fazemos Jornalismo na UFMG e temos alguns amigos em comum. Mandei para ele um áudio com voz e piano e ele começou a desenvolver a música, mexer na estrutura e fazer o beat. A música se transformou muito. Fiquei feliz de ter trabalhado com ele, foi incrível.”

Com influências que vão de Marcos Valle a Ana Frango Elétrico, ela ainda cita o synthpop do francês Lewis Ofman, a cena city pop do Japão e outras referências brasileiras, do Clube da Esquina a Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo. “Sempre fiz arte e há alguns anos, criei uma conta no Instagram para postar os meus desenhos e pinturas. Coloquei o nome de ‘Bicho’, porque queria que fosse algo sem gênero, sem idade, sem nome, apenas um bicho mesmo”, continua. “Aí começaram a me chamar de Clara Bicho, mas acho que ‘Clara Bicho’ sempre existiu em mim, antes de eu saber o nome.” Além dos primeiros singles, ela planeja lançar um EP na segunda metade do ano, apenas com músicas inéditas, que ela considera suas melhores composições. “Quem gostou desses singles muito provavelmente vai curtir o EP, toquei as músicas ao vivo e o público gostou… É um bom sinal, eu acho! Estou animada também porque terão algumas participações de artistas e músicos que admiro bastante”, comemora. Abram alas pra Clara Bicho!

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Itamar Assumpção vivo no Porão da Casa de Francisca

Finalmente conheci o recém inaugurado porão da Casa de Francisca – e não podia ser com uma atração melhor, quando, mais uma vez, Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Suzana Salles se juntaram para celebrar Itamar Assumpção apenas com violão e vozes. A entrada para o novo palco do Palacete Tereza fica na porta ao lado do acesso original da casa e o público desce por uma rampa abaixo de uma placa que nos recepciona para o “Cine Teatro – Espaço Imaginário e Recreativo”, que já dá a medida das possibilidades do novo espaço. O show desta quarta foi para um público sentado em poltronas ao redor do palco, que fica num tablado circular no centro do porão, mas o espaço permite várias modalidades de apresentação, inclusive além de atrações musicais, como deixa explícita a placa na entrada. A apresentação intimista pediu uma luz mais comedida e a sensibilidade dos três intérpretes nos deixava ainda mais próximos do palco. Todos de preto e óculos escuros passavam um repertório não tão óbvio das canções do mestre Ita e alternavam momentos de frágil delicadeza com espasmos de som liberados pelo violão de Kiko e acompanhado por berros de Suzana e Juçara. E tão bom quanto a apresentação da noite foi descobrir que a movimentação à entrada do Palacete, ocupando a rua em frente a outra nova área da Francisca, um bar e restaurante na parte térrea, seguia noite adentro, mesmo depois do DJ do dia, o grande Rodrigo Caçapa, que estava tocando desde o começo da noite até a hora do show começar, ter parado de tocar. Muito bom ver a Francisca tomando conta da rua e ampliando as possibilidades artísticas e culturais em uma região que, dez anos atrás, estava completamente largada. Viva a Casa de Francisca!

Assista abaixo:  

Mais uma da Beth Gibbons

A vocalista do Portishead, Beth Gibbons, aproveitou essa quarta-feira para soltar mais uma faixa de seu primeiro disco solo, Lives Outgrown, programado pra sair no dia 17 de maio (o mesmo dia do disco da Billie Eilish). “Reaching Out” é mais claustrofóbica e percussiva que “Floating on a Moment“, a balada que apresentou quando anunciou seu primeiro disco solo, e explode em metais pela metade da música em diante, deixando o vocal de Beth ecoar solto até o final da canção. O clipe, como o primeiro vídeo que lançou, segue o padrão que mistura computação gráfica, padrões de inteligência artificial, colagens visuais e fractais em 3D, ganhando inclusive uma versão interativa feita pelo autor do filme, o videoartista Weirdcore, neste link.

Assista abaixo:  

Dandy Warhols no Brasil!

A produtora Maraty, dos chapas Leandro Carbonato e André Barcinski, acaba de confirmar a vinda da banda norte-americana Dandy Warhols para o Brasil pela primeira vez! O show acontece no dia 13 de junho, no Carioca Club, a abertura fica por conta dos Autoramas e os ingressos já estão à venda neste link!

E esse festival de jazz com André 3000, Nile Rogers, Kamasi Washington, Elvis Costello…?

E que tal a escalação desse ano do Newport Jazz Festival, que inclui nomes como André 3000, o Chic de Nile Rogers, Kamasi Washington, Elvis Costello, o brasileiro Amaro Freitas, Brittany Howard, Laufey, Meshell Ndegeocello, Corey Wong, Noname, Robert Glasper, Sun Ra Arkestra, Samara Joy, Thievery Corporation, Lianne La Havas, o Dinner Party de Terrace Martin, Robert Glasper e Kamasi Washington (que vem pra São Paulo tocar no festival C6), Cimafunk, Makaya McCraven com Jeff Parker e tantos outros? O evento acontece entre os dias 2 e 4 de agosto deste ano, em, claro, Newport, nos EUA, e os ingressos já estão à venda.

Cocção livre

Nesta terça-feira, o trio Música de Selvagem convidou o público do Centro da Terra para uma viagem densa que, ao mesmo tempo em que desbravava fronteiras de linguagem, lentamente aquecia sentimentos e neurônios ao apresentar o conceito de sua apresentação Cru/Cozido, inspirado no trabalho do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, inspirador do disco Pensamento Selvagem, lançado em 2021. O disco original, fruto do processo de isolamento do período pandêmico, misturou os instrumentos do trio (o baixo de Arthur Decloedt, os sopros de Filipe Nader e a percussão de Guilherme Marques) às incursões vocais de Inês Terra e às eletrônicas de Luisa Putterman – tudo gravado à distância e trabalhado em três partes de pós-produção dirigida por cada um dos integrantes do grupo. O trabalho de 2021, portanto dividido em três atos, foi seccionado em 94 partes, sendo que três delas apresentavam cada um dos atos. Para cada uma das 91 partes do trabalho, a artista gráfica Maria Cau Levy criou uma capa específica e todos esses 91 recortes visuais estavam espalhados pelo palco do teatro do Sumaré, de onde o público pode assistir à apresentação. Grudados na plateia, os instrumentistas não precisaram nem de microfones, deixando este apenas com Inês, que ainda processava sua própria voz no meio das diferentes camadas de improviso livre propostas pelo encontro. No lugar de Putterman, que não estava na cidade, o trio chamou o trompetista Rômulo Alexis, que alternou seu instrumento com apitos e flautas, complementando os malabarismos vocais de Inês. Como no disco, o espetáculo foi dividido em três partes, cada uma delas mostrando o processo de transformação da comida que mudou a cara da civilização, apresentando primeiro o estado cru para depois mostrar a metamorfose do momento de cocção para finalmente exibir a última etapa, já cozida. As três partes misturavam ataques coletivos com duos entre diferentes integrantes da apresentação, todos temperados pela luz que ia da penumbra ao calor de cores quentes, numa apresentação curta que ao mesmo tempo pareceu suspender nossa noção de tempo.

Assista abaixo:  

Música de Selvagem: Cru/Cozido

Quem dá as caras nesta terça-feira no Centro da Terra é o grupo instrumental Música de Selvagem, mostrando uma versão ao vivo do disco que lançaram em 2021 inspirado na obra do antropólogo e etnólogo francês Claude Lévi-Strauss chamado Pensamento Selvagem, disco que compuseram remotamente a partir de fragmentos que encontraram na internet e incorporaram à sua música ao lado da cantora Inés Terra e da artista sonora Luisa Putterman, a partir do espírito catalogador do pensador francês, cujo título de uma de suas principais obras batiza o disco, que conta com 94 faixas. Dada à dificuldade de reproduzir o experimento ao vivo, o grupo formado por Arthur Decloedt (baixo acústico), Filipe Nader (saxofones alto e barítono) e Guilherme Marques (piano, percussão e bateria) desenhou o espetáculo Cru/Cozido, em que a improvisação livre é pautada pelo disco de 2021, dividida em três partes: cru, transição entre cru e cozido e cozido. A apresentação conta com a presença de Inês e com o trompetista convidado Romulo Alexis. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos podem ser comprados neste link.

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Seis décadas do sonho californiano

Um dos principais acontecimentos dos anos 60 na história da cultura pop foi a transformação de uma região em ascensão dos Estados Unidos em marco central daquela década. Por mais que Hollywood já estivesse aberto as portas da Califórnia para o resto do mundo, só com a música que o estado da costa oeste dos EUA tornou-se reconhecido – mais que isso, desejado – pelo resto do planeta. Suas principais cidades, Los Angeles e São Francisco, tornaram-se pontos de referência para toda uma geração que cresceu lendo os beats e depois cairia de cabeça na psicodelia e no LSD, mas quem começou essa história foi uma banda de irmãos chamada Beach Boys, cuja história finalmente é repassada num documentário batizado apenas como o nome do grupo, produzido pela Disney, que estreia no próximo dia 24 de março no canal de streaming da produtora. Dirigido por Frank Marshall e Thom Zimny, o documentário conta com entrevistas com os integrantes da banda que ainda estão vivos – Brian Wilson, Mike Love, Al Jardine, David Marks e Bruce Johnston -, além de trazer cenas inéditas e muito material raro sobre o grupo que mudou a cara da música pop nos Estados Unidos. O trailer do filme, que ainda traz depoimentos de fãs como Lindsey Buckingham, Janelle Monáe e Don Was, acaba de dar o ar de sua graça, veja abaixo:  

Começando miudinho

E a temporada de abril no Centro da Terra começou devagarinho, como quem não quer nada, e aos poucos dominou o público que saiu de casa numa segunda-feira chuvosa para encher o teatro do Sumaré. Rodrigo Campos, Rômulo Froes e Thiago França começaram pelo projeto mais recente dos dois primeiros (o ótimo Elefante, lançado no ano passado), contando com a presença de Marcelo Cabral e Anna Vis como convidados. Cabral esteve no palco desde o início, quase um quarto integrante da temporada, e enquanto Rômulo e Rodrigo dividiam-se nos violões, ele e Thiago alternavam de instrumentos a cada nova canção: Thiago ia do sax pra flauta pro surdo pro cavaco e pra caixinha de fósforos, enquanto Cabral alternava seu contrabaixo acústico (tocado com ou sem arco e com ou sem efeitos) com outros instrumentos de percussão. Da metade da apresentação em diante, Anna Vis veio sem instrumentos para o centro do quarteto, dobrando vozes com os outros dois vocalistas, que expandiam o repertório para além do disco de 2023, puxando músicas em comum aos envolvidos, desde canções solo de Rômulo e Rodrigo (que estreou uma inédita, “Cadê o Dinheiro?”) a uma natalina fora de época (e triiiiste) “Boas Festas” de Assis Valente até “Da Vila Guilherme até o Imirim”, do Passo Torto, e “Dono da Bateria”, do disco Conversas Com Toshiro, de Rodrigo, que encerraram a apresentação.

Assista abaixo: