Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Violões univitelinos

“E aí, doutor Kiko?”, perguntou Jards Macalé a Kiko Dinucci, que respondeu com outra pergunta (“E agora?”) prontamente respondida por Macau: “Agora foda-se”. Sabíamos que seria memorável, mas acho que nem Kiko nem Jards tinham ideia da química que baixou sobre os dois na primeira das duas apresentações que marcaram para esta semana no Sesc Pompeia. Mesmo com diferenças de geração, personalidade, origem e criação, os dois são gêmeos univitelinos no violão e dividem o mesmo humor – autodepreciativo e de um pugilismo quase fraterno – e apreço pelo baixo calão da vida, o que tornou a apresentação um acontecimento histórico. Passeando por diferentes fases do repertório de Jards, clássicos do samba e algumas canções de Kiko, os dois mostraram a força e a delicadeza de seus violões. Jards é da geração impactada diretamente por João Gilberto e seu instrumento fica entre o ritmo sincopado do mestre baiano e o suingue carioca de seu contemporâneo Jorge Ben, enquanto Kiko, guitarrista de nascença, convertido ao outro instrumento pelo samba, é diretamente influenciado pelo violão de Jards, além de trazer suas influências elétricas – do punk ao noise – para seu pinho. Mas o ponto em comum dos dois é a história do samba, visitada através de clássicos (como “Se Você Jurar” de Ismael Silva embutida em “Let’s Play That”, “Luz Negra” de Nelson Cavaquinho, “Ronda” de Paulo Vanzolini e “Favela”), e a devoção de Kiko por Jards, mencionada pelo próprio, que o perseguia por shows vazios em São Paulo quando ainda era adolescente (dele e de Itamar Assumpção, que não conheceu, como frisou). Isso deixou-o à vontade para passear com Jards em seus sambas imortais como “Pano pra Manga”, “Farinha do Desprezo”, “Boneca Semiótica”, “Depressão Periférica” e “Soluços” (esta no bis), além de duas que Jards tocou maravilhosamente sozinho: “Anjo Exterminado” e “Mal Secreto”. Kiko por sua vez fez duas de seu Rastilho sem Jards (“Febre do Rato” e “Gaba”) e lembrou que há cinco anos ele lançava seu clássico disco naquele mesmo teatro do Pompeia. Os dois ainda tocaram músicas que compuseram juntos, como “Vampiro de Copacabana” e “Coração Bifurcado”, mas tiveram um de seus melhores momentos quando emendaram “Antonico” – eternizada por Gal em seu disco ao vivo Fatal, que Jards visitou diversas vezes em diferentes momentos de sua carreira (tanto só quanto com o próprio Ismael, com Marçal e com Dalva Torres) e que Kiko vem tocando no momento acústico do show mais recente de Juçara Marçal – com uma que Jards nunca havia tocado ao vivo, “No Meio do Mato”, de seu disco Contrastes, de 1977. Um show que parece, ao mesmo tempo, um reencontro de velhos irmãos e o início de uma longa amizade musical. Sorte a nossa.

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O acervo de David Lynch vai ser leiloado

450 itens do acervo de David Lynch irão a leilão no próximo mês através da casa norte-americana Julien’s Auctions, que já oferece em seu site tudo que irá ser vendido no dia 18 de junho. E não é pouca coisa. Entre itens corriqueiros de seu dia-a-dia, como móveis, eletrodomésticos, livros, discos e outros itens de casa, ainda há joias como sua cadeira de diretor, a claquete que usava nos filmes, roteiros originais de Cidade dos Sonhos, A Estrada Perdida e Twin Peaks (quando ainda chamava-se Northwest Passage), sua versão pessoal em película de seu primeiro filme, Eraserhead, o cenário que compõe o Black Lodge de sua clássica série (incluindo o piso em zigue-zague e as cortinas vermelhas), o megafone que usava ao dirigir, câmeras, microfones, instrumentos musicais, sua máquina de gelo seco, a foto com a explosão da bomba atômica que ficava no escritório de seu personagem na última temporada de Twin Peaks… Enfim, muita coisa. Triste ver todo um legado material desfazer-se na mão de fãs endinheirados, mas não é a primeira vez que algo desse tipo acontece. Tomara que algum fã (ou grupo de fãs) compre vários itens e tente fazer um museu em homenagem ao mestre, algo que tornaria tais itens parte de uma comunidade mais do que do prazer pessoal de poucas pessoas. Se alguém quiser dar algum lance, o link é esse.

Veja alguns itens abaixo:  

Centro da Terra: Junho de 2025

Junho já é semana que vem e essas são as atrações da curadoria de música do Centro da Terra neste mês. Quem toma conta da temporada de segunda-feira é o carioca Rubinho Jacobina, que se juntou ao baixista Gabriel “Bubu” Mayall e ao baterista Theo Ceccato para mostrar músicas inéditas que estarão em seu quarto álbum, além de sambas, toadas e marchinhas clássicas que fazem parte de sua formação. E cada segunda da temporada Segurando a Chama ele traz um show diferente: na primeira (dia 2), ele mostra pela primeira vez as músicas com esta nova formação; na segunda (dia 9), ele recebe Sílvia Machete; na terceira (dia 16), ele convida Péricles Cavalcanti; e na quarta (dia 23) é vez de Juliana Perdigão. A programação das terças começa no dia 3, com o show Voz e Coração, em que o pernambucano Tagore, pela segunda vez no palco do teatro, mostra músicas que estarão em seu próximo álbum, além de influências nordestinas, como Geraldo Azevedo e Alceu Valença. Dia 10 é vez da artista Antônia Midena mostrar seu primeiro espetáculo musical, batizado Antônima, em que mistura música e teatro para cruzar a barreira entre realidade e ficção. No dia 17, recebemos o violeiro Marco Nalesso, que apresenta o espetáculo S.O.M. (Sinfonia Orgânica Musical), em que mistura sua viola caipira com psicodelias latina, guitarra, violão, percussão, sintetizador e trompete – além de receber o guitar hero Lucio Maia. Dia 24 quem vem é o bardo Tatá Aeroplano, que aproveita o palco do teatro para gravar seu primeiro disco ao vivo, ao lado dos fiéis escudeiros Bruno Buarque, Dustan Gallas e Junior Boca e as vocalistas Malu Maria, Kika e Bia Magalhães, no espetáculo Vida Purpurina. O mês encerra com uma última segunda, a quinta do mês, que fica a cargo do cantor e compositor Morris, que aproveita a oportunidade para mostrar seu próximo trabalho ao lado de Marcelo Cabral e Décio 7, com participações de Juliana Perdigão, Joy Catarina e Caio Teixeira, na apresentação Abertura dos Trabalhos – Fé na Desordem. Os espetáculos começam sempre às 20h e os ingressos já estão à venda no site do Centro da Terra.

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Lá vem a segunda temporada de Cangaço Novo!

Finalmente novidades sobre a segunda temporada de Cangaço Novo, excelente série da Amazon Prime cuja primeira temporada só peca na escolha da música que encerra aquela fase, que foi anunciada para 2026 com o lançamento dessa cena inédita, em que os protagonistas Ubaldo (Allan Souza Lima) e Dinorah (Alice Carvalho) começam sua vingança no sertão do Ceará. TENSO.

Assista abaixo:  

Lupe de Lupe: Rock é trabalho


Foto: Tiago Baccarin (Divulgação)

“Dos poucos artifícios que ainda posso usar sobrou o sacrifício de não lhe procurar” – assim vem a Lupe de Lupe ressurge anunciando seu próximo disco, programado para ser lançado em breve, com uma pedrada épica de quase dez minutos de guitarradas sobre o término de um relacionamento chamada “Redenção (Três Gatos e um Cachorro)”. Se comentei outro dia que a nova cena de rock de Belo Horizonte poderia chamar-se de indie come-quieto, esta surgiu com a centelha acesa há mais de dez anos pela própria Lupe de Lupe, que, sem fazer alarde, tornou-se uma das melhores bandas de rock do Brasil, mesmo que não toque no rádio, não esteja em grandes festivais ou faça shows no exterior. Na verdade, o mote da Lupe é rock como trabalho, com o guitarrista e vocalista Vitor Brauer vindo à frente de suas redes sociais para falar das dificuldades de ser underground no Brasil, mas sem tom de reclamação – e sim pregando a importância do ofício, mostrando que fazer sucesso quer dizer ser pago pra fazer o que se gosta sem precisar bajular uns ou ter parentesco rico ou célebre . E além de anunciar sua volta com uma faixa espetacular (escrita e cantada por Renan Benini, com a participação de Felipe Pacheco Ventura, da banda Baleia, nos arranjos de cordas), o grupo também acaba de anunciar mais uma extensa turnê, passando por mais de 20 cidades nas cinco regiões do país apenas na raça, como sempre. Ouça a música nova e veja as datas da turnê abaixo:  

Lorde 2025: “Você me conheceu numa época estranha da minha vida”

“Você me conheceu numa época estranha da minha vida” – citando uma frase do Clube da Luta numa música que fala sobre a própria masculinidade, Lorde seguiu a construção de seu verão Virgin nesta quinta-feira, ao lançar, com alarde, o segundo single de seu próximo disco, “Man of the Year”, uma música ainda melhor que a ótima “What Was That”, que usou para abrir os trabalhos. Com produção de Jim-E Stack e cello gravado por Dev “Blood Orange” Hynes, ela escreveu o seguinte sobre a música nova em seu site: “Andar de bicicleta. Fumar. Nadar. Força nova em meus ombros. Sentir algo despertando. Primeiro tapar meu peito. Tanto medo de ser ele. A festa da GQ. Deitar no sofá branco com o microfone na mão e deixar rolar. Sol (…) O som do meu renascimento.” Além de lançar o single – junto com um belo clipe minimalista -, ela também revelou a ordem das faixas do novo álbum, que traz músicas com títulos como “Shapeshifter”, “Favourite Daughter”, “Current Affairs”, “GRWM”, “If She Could See Me Now” e “David”, entre outros. Veja o clipe e o nome das músicas abaixo:  

Letrux canta sua geração

E no mesmo fim de semana do C6 e da Virada Cultural, Letrux lançou seu novo show no Sesc Guarilhos. Em 20 Anos Alternativa ela visita artistas contemporâneos em versões bem particulares. Nesse vídeo que ela publicou em seu Insta (com imagens do @sillas.h), ela mostra algumas músicas deste repertório mágico, como “Deixe-se Acreditar” (do Mombojó), “Tempo de Pipa” (do Cícero), “Bubuia” (da Céu), “Homem Velho” (do Cidadão Instigado), “Moon” (do Thiago Pethit), “Telepata” (do +2), “Toda Bêbada Canta” (da Silvia Machete), “Alala” (do Cansei de Ser Sexy), “Cavalo” (do No Porn), além de outras da Karina Buhr, da Ava Rocha, do Metá Metá, da Anelis Assumpção, do Bruno Capinam, do Curumin, do Cérebro Eletrônico, entre outros. Ela segue com o show em turnê neste fim de semana, quando passa por nessa sexta por Curitiba (no Stage Garden), no sábado em Porto Alegre (no Opinião) com mais datas em São Paulo no Sesc Pompeia (dias 20 e 21 de junho) e no Rio no Circo Voador (dia 4 de julho).

Assista abaixo:  

Dua Lipa v češtině

E Dua Lipa passou pelo desafio tcheco ao cantar uma música local como tem feito em sua turnê, ao fazer duas datas na República Tcheca. Mas duas músicas diferentes seria um pouco demais até pra ela, por isso na segunda vez que ela cantou o hit “Na Ostří Nože”, da cantora local Ewa Farma, ela convidou a própria para dividir os vocais nesta noite.

Assista abaixo:  

Dimensão de sonho

Deslumbrante a apresentação Nunca Desi… que Desirée Marantes fez nesta terça-feira no Centro da Terra, quando antecipou seu primeiro disco solo Reparo, tocando-o ao vivo pela primeira vez no palco do teatro. Acompanhada da violoncelista Fer Koppe e da produtora e vocalista Alejandra Luciani, ela nos conduziu com seu violino a um sonho que misturava romantismo clássico com ambient music, disparando samples de piano e efeitos sem intervalos entre as faixas, deixando tudo fluir como uma mesma quase hora de transe musical, cerebral e sentimental, entrelaçando cordas com a voz celestial de Alejandra, tudo tornado ainda mais dramático e íntimo pela luz maravilhosa de Luíza Ventura, que contrapunha penumbras com grandes contrastes à medida que as três desbravavam novas searas sonoras. O disco sai no começo do mês que vem, mas ao ser transformado neste pequeno concerto ele ganha uma dimensão etérea e emotiva. Lindo demais.

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Desirée Marantes: Nunca Desi…

Enorme prazer de receber a grande Desirée Marantes como última atração musical de maio no Centro da Terra, quando comemora dez anos de volta à música no espetáculo Nunca Desi, em que ela antecipa seu próximo álbum, Reparo, uma viagem ambient que lançará em seu site na íntegra no dia 5 de junho, dia mundial do meio ambiente. Nesta terça-feira, ela também mostra um pouco de seu processo criativo, que mistura técnica, experimentação e improviso, tocando piano, violino, sintetizador e efeitos ao lado de Alejandra Luciani, que canta e dispara samplers e efeitos, e de Fer Koppe, que toca violoncelo. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos já estão à venda no site do Centro da Terra.

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