Ontologia sumaríssima, de Paulo Henriques Britto

, por Alexandre Matias

Umas quatro ou cinco coisas,
no máximo, são reais.
A primeira é só um gás
que provoca a sensação
de que existe no mundo
uma profusão de coisas.

A segunda é comprida,
aguda, dura e sem cor.
Sua única serventia
é instaurar a dor.

A terceira é redondinha,
macia, lisa, translúcida,
e mais frágil do que espuma.
Não serve para coisa alguma.

A quarta é escura e viscosa,
como uma tinta. Ela ocupa
todo e qualquer espaço
onde não se encontre a quinta
(se é que existe mesmo a quinta),
a qual é uma vaga suspeita
de que as quatro acima arroladas
sejam tudo o que resta
de alguma coisa malfeita
torta e mal-ajambrada
que há muito já apodreceu.

Fora essas quatro ou cinco
não há nada,
nem tu, leitor,
nem eu.

Não sou da poesia (não tenho paciência, acho que letra de música faz mais sentido) embora ame a ourivesaria das palavras – em especial, aquela sutil e quase voluntária, escondida na tradução. Por isso, concordo que foi uma surpresa quando descobri que o meu tradutor favorito também era poeta – surpresa que veio com o entusiasmo de ler o texto acima, um das coisas mais fodas que eu li em anos. Nem lembrei como cheguei nisso (email? comentário?), mas agradeço a quem me alertou sobre esse coelho branco. Me empolguei e vou engatar outras, a seguir.

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