O universo paralelo de Quentin Tarantino
E por falar em Tarantino, esqueci de linkar a matéria que escrevi para a revista Select sobre o universo de um dos diretores mais importantes de hoje em dia. Ela segue abaixo:
O universo paralelo de Quentin Tarantino
Às vésperas de lançar um novo filme – Django Livre -, Alexandre Matias cogita a possibilidade de todos os filmes do diretor de Pulp Fiction serem, na verdade, um só
Se você não assistiu a Bastardos Inglórios, o mais recente filme de Quentin Tarantino, pare por aqui – porque a tese sobre a qual irei discorrer não só parte do pressuposto que você já tenha assistido à grande parte da obra do cineasta norte-americano como tem como principal amarração o final de seu filme sobre a Segunda Guerra Mundial.
A teoria é relativamente simples: todos os filmes de Tarantino são um só. Ou, melhor dizendo, fazem parte de uma grande história em que diferentes personagens se encontram na fronteira da realidade com a ficção. A idéia não é propriamente nova e virou inclusive um curta feito pela produtora brasileira Republikka, em que Selton Mello e Seu Jorge, em inglês, discutem uma série de coincidências nos filmes de Tarantino que não seriam propriamente coincidências.
O fato da maleta que Travolta e Samuel L. Jackson caçarem Pulp Fiction brilhar quando é aberta não tem nada de metafísico (já especulou-se que ela conteria a alma do gângster Marcellus Wallace) e sim os diamantes roubados em Cães de Aluguel. O personagem de Travolta em Pulp Fiction não tem quase o mesmo nome do personagem de Michael Madsen em Cães de Aluguel – Vincent Vega e Vic Vega seriam irmãos. Mia Wallace, Uma Thurman em Pulp Fiction, fez um teste para atuar em um seriado chamado Fox Force Five, que consistia em um quinteto de assassinas de aluguel – o que nos leva a crer que este seriado pode ter virado o filme Kill Bill. As conexões entre personagens de mesmos sobrenomes, atores recorrentes e temas parecidos são dissecadas pelos dois atores brasileiros num papo de boteco que não leva em consideração Jackie Brown pelo fato de a história original não ser de Tarantino (e sim de Elmore Leonard) – e que esta teoria misturaria todos os filmes escritos por Quentin, não apenas os que ele dirigiu. Aí a lista aumentaria para incluir Amor à Queima Roupa (dirigido pelo recém-falecido Tony Scott), Assassinos por Natureza (de Oliver Stone) e até filmes menores como Um Drink no Inferno e Eles Matam, Nós Enterramos (de Red Braddock), os dois últimos com Tarantino e George Clooney vivendo o papel dos assaltantes irmãos Gecko.
O que nos leva a Bastardos Inglórios, que funcionaria como vórtex dessa realidade barra pesada de Tarantino. Como vimos, o filme não só deturpa completamente o final da Segunda Guerra Mundial como elege uma sala de cinema como palco da última vez dos nazistas, com Hitler e seus principais oficiais sendo metralhados e queimados vivos por uma gangue de soldados judeus que atravessou os anos 40 colecionando couros cabeludos de soldados alemães durante o maior conflito do século passado.
Em nossa realidade, Hitler tirou a própria vida num bunker e seu corpo nunca foi encontrado – o que tornou as décadas seguintes uma era de desconfiança, frustração e paranoia (a Guerra Fria e suas consequências). Na de Tarantino, ele não só foi assassinado como sua morte teve requintes de crueldade e aconteceu numa sala de cinema. Isso muda completamente a forma como a história foi contada e o que aconteceu com os Estados Unidos que venceram a Segunda Guerra daquele jeito- tornando-se um país que não só assimilou a violência de forma muito mais ampla que o de nossa realidade como tornou cada americano uma máquina de citações e referências de cultura pop.
Mais do que isso: um dos Bastardos Inglórios, vivido pelo ator e diretor Eli Roth, é o soldado Donny Donowitz, também conhecido como “Urso Judeu”, e, depois da Segunda Guerra Mundial, envolve-se com a produção de filmes a ponto de seu fillho, Lee Donowitz, ser um dos personagens de Amor à Queima Roupa, ele também um produtor de filmes.
Assim, dentro do universo de Quentin Tarantino, os personagens são mais violentos e sarcásticos, sacam mais de estilo e de formas de torturar pessoas e assistem a filmes ainda mais violentos que sua realidade (como nós). Segundo essa teoria, filmes como os dois Kill Bill e Um Drink no Inferno são filmes que estão em cartaz no universo habitado por Mia Wallace e Mr. White. Filmes que são muito mais malucos e violentos que os próprios filmes de Tarantino.
Agora o mundo está às vésperas do lançamento de mais um novo Tarantino, Django Livre, que estréia no final do ano. Resta saber como o novo filme – um faroeste estrelado por Jamie Foxx, Christopher Waltz, Leonardo di Caprio, Samuel L. Jackson e Jonah Hill, entre outros – se encaixa nesta teoria. Seria o personagem-título – vivido por Foxx – um ancestral do personagem de Samuel L. Jackson em Pulp Fiction? Ou é mais um filme dentro de um filme?
Por mais que Tarantino não se preocupe essencialmente com essas conexões para tornar seu filme crível, vai ser interessante ver como ele irá lidar com este tema.
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