O reality show dos Beatles
Alguém ainda aguenta me ler escrevendo sobre o Get Back dos Beatles? Então toma o texto que fiz para o Observatório do Cinema sobre a série que Peter Jackson fez para o canal de streaming da Disney, em que defendo que Get Back é tudo isso porque os Beatles cresceram num reality show avant-la-lettre.
Por que série dos Beatles no Disney+ é na verdade o 1º reality show da história
Get Back faz sucesso no serviço de streaming com imagens documentadas pela própria bandaO sucesso de Get Back, série documental sobre os Beatles que estreou no canal de streaming Disney+, vem da imensa quantidade de material inédito sobre a banda inglesa e o fato deste material ter registrado a composição de clássicos como Get Back, Don’t Let Me Down, I’ve Got a Feeling e Let it Be. Mas o seriado talvez não fosse tão bem sucedido se os Beatles já não tivessem uma convivência inédita com as câmeras, tornando-os protagonistas do primeiro reality show da história – sua própria carreira!
Os Beatles fizeram sucesso no começo dos anos 1960, época em que cinema e rádio já eram mídias estabelecidas, mas que a televisão ainda engatinhava. As pessoas aos poucos traziam aquele novo aparelho para seus lares e começavam a se relacionar com as imagens que saíam daquela tela de uma forma diferente com as imagens que assistiam no escurinho do cinema. Em casa, em frente à mesa de jantar, a televisão misturava seriados, programas de auditório, telejornais e novelas para o consumo de toda a família.
Com isso, surge a primeira geração global de artistas pop. Se até então, astros do cinema e da indústria musical conseguiam ser reconhecidos à medida em que sua obra misturava-se com seus rostos, com a TV isso começou a ir para além do entretenimento e ampliava essa atuação para carismas que iam para além das artes, como esportes e política. Tudo era objetificado e transformado em produto pela televisão, ao contrário do cinema, que ainda tratava a imagem com alguma reverência.
Dos nomes que conseguiram estabelecer-se por conta da televisão, estão popstars que passam longe do mundo do entretenimento, como Pelé e John Kennedy – este último, por exemplo, basicamente ganhou a eleição para presidente nos EUA porque sua imagem de bom moço, que funcionava muito bem na TV, batia de frente com seu principal rival, Richard Nixon, que suava de nervoso nos debates televisionados.
Os Beatles não só surgiram no momento em que as câmeras estavam ligadas como fizeram sua carreira em cima disso – e se deram muito bem com aquelas máquinas de gravação, que ainda eram gigantescas se comparadas com os equipamentos de hoje em dia. Seu sucesso massivo fazia que andassem sempre acompanhados por câmeras o tempo todo, conversando com as lentes, fazendo caretas e contando piadas, algo que assistimos constantemente por todo o seriado Get Back.
A câmera é o quinto Beatle
A convivência com as câmeras era tamanha que em seu primeiro filme, eles resolveram assumir que eram eles mesmos (diferentes dos outros artistas de música da época, que quando faziam cinema, viviam outros personagens em cenários diferentes do seu). Os Reis do Iê-Iê-Iê (A Hard Day’s Night, de 1964) acompanha o dia-a-dia dos Beatles indo de programas de TV para shows, fugindo dos fãs e entrando em carros, trens e dando entrevistas. A câmera é quase o quinto Beatle, o que aproximava ainda mais o público deles, que se sentia íntimo da banda.Help!, o segundo filme, de 1965, segue a mesma premissa, mas coloca o grupo em uma espécie de filme de James Bond, fugindo de uma seita indiana enquanto viajam pelo mundo, gravando discos e fazendo shows.
Mesmo a televisão era presença constante na vida do grupo. Além de gravar um especial para a BBC inglesa no final de 1967, com seu filme Magical Mystery Tour, eles também participaram da primeira transmissão em via satélite da história, apresentando pela primeira vez a canção “All You Need is Love”.
Também pensando na TV, eles gravaram os primeiros clipes da história – várias de suas músicas desde 1966 (“Paperback Writer”, “Rain”, “Strawberry Fields Forever”, “Penny Lane”, “Revolution”) eram lançadas com pequenos filmes mostrando a cara da banda. Foi inclusive nas gravações de um desses vídeos, o de “Hey Jude”, que eles conheceram o diretor Michael Lindsay-Hogg e resolveram voltar a fazer um show ao vivo, gancho que deu origem ao projeto Get Back.
Por isso que quando as câmeras foram ligadas em janeiro de 1969 para acompanhar o que seria a gravação de mais um especial para a TV do grupo, eles não ficavam tão incomodados. Câmeras faziam parte de seu dia-a-dia, por isso não era difícil inclusive compor em frente às câmeras – algo impensável para a maior parte dos artistas.
Get Back, portanto, é um verdadeiro reality show com o maior grupo de todos os tempos. Momentos tensos e leves se contrapõem sem que John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr se incomodem. Para a nossa sorte.
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