O que define um meme, por James Gleick
O escritor norte-americano James Gleick é um Harold Bloom da ciência – como o inglês faz com a cultura, ele reorganiza tudo para tirar novos pontos de vista, mas sem zerar cânones ou destrui-los, criando genialmente novas formas de interpretação do passado a partir da justaposição de temas. Tivemos o prazer de publicar, no Link, um trecho de seu novo livro, The Information, em que levanta a possibilidade da informação (o dado, a mensagem, o código) ser a base de tudo no universo. A ilustra da página dupla, reproduzida acima, é do Jairo, que sai fora para um longo sabático (boa sorte, compadre!). Segue um trecho do artigo:
“Aquilo que jaz no coração de todas as coisas vivas não é uma chama, nem um hálito quente, nem uma ‘faísca de vida’, e sim a informação, palavras, instruções”, declarou Richard Dawkins em 1986. Já consagrado como um dos maiores biólogos da evolução, ele tinha capturado o espírito de uma nova era. As células de um organismo são nódulos numa rede de comunicações, sempre transmitindo e recebendo, codificando e decodificando. A própria evolução é a encarnação de uma troca contínua de informações entre organismo e meio ambiente. “Se quiser compreender a vida”, escreveu Dawkins, “não pense nas gosmas e melecas pulsantes e fluidas, e sim na tecnologia da informação”.
A ascensão da teoria da informação foi facilitadora e cúmplice de uma nova forma de enxergar a vida. O código genético – não mais uma simples metáfora – estava sendo decifrado. Os cientistas falavam com grandiosidade numa biosfera: uma entidade composta por todas as formas de vida da Terra, transbordando de informação, replicando-se e evoluindo.
Jacques Monod, biólogo parisiense que dividiu um Prêmio Nobel em 1965 – por desvendar o papel desempenhado pelo RNA mensageiro na transmissão das informações genéticas –, propôs uma analogia: assim como a biosfera paira sobre o mundo da matéria não viva, um “reino abstrato” paira sobre a biosfera. Os súditos deste reino? As ideias.
“As ideias retiveram algumas das propriedades dos organismos”, escreveu. “Como eles, as ideias tendem a perpetuar sua estrutura e a se reproduzir; elas também podem se fundir, se recombinar, segregar seu conteúdo; de fato, também elas podem evoluir e, nesta evolução, a seleção sem dúvida desempenha um papel importante.”
As ideias têm um “poder de contágio”, destacou – “poderíamos chamá-lo de capacidade de infecção” –, e nisso algumas são mais fortes do que outras. O neurofisiologista americano Roger Sperry tinha apresentado uma ideia parecida anos antes, defendendo que as ideias seriam “tão reais” quanto os neurônios que elas habitam:
“Ideias interagem entre si e com outras forças mentais no cérebro, em cérebros vizinhos e, graças à comunicação global, em cérebros à distância. E elas também interagem com o meio externo que as cerca para produzir ao todo um rápido e imediato surto evolutivo que supera qualquer coisa que já tenha chegado à cena evolucionária.”
E acrescentava: “Não me arrisco a propor uma teoria da seleção das ideias”. Não precisava. Outros o fariam.
Dawkins deu seu próprio salto da evolução dos genes para a evolução das ideias. Para ele, o papel de protagonista cabe ao replicador, e isso não tem nada a ver com química. “Um novo tipo de replicador surgiu recentemente neste mesmo planeta”, proclamou Dawkins em seu primeiro livro, O Gene Egoísta, em 1976. “Ele está nos encarando. Ainda em sua infância, vagando desajeitado em seu caldo primordial, mas já está atingindo um ritmo de mudanças evolucionárias que deixa o velho gene para trás.” Esse “caldo” é a cultura humana; o vetor de transmissão é a linguagem, e o ambiente de reprodução é o cérebro.
A íntegra você lê aqui. The Information ainda não saiu no Brasil.
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