O fim de Lost por Dodô Azevedo

, por Alexandre Matias

O que tem em comum, Stanley Kubrick, Woody Allen, Joel Coen, Larry David, Claude Lelouch, Billy Wilder, Steven Spielberg, Doroty Parker, e Roman Polanski? Contar histórias é a vocação primeira do povo judeu. Da milenar misná a trilogia Star Wars, judeu tem a manha:

Ficção é o caminho mais curto para se chegar a Verdade.

A frase é minha. Tenho outra:

Se voce quer que as pessoas acreditem em você, conte uma mentira.

JJ Abrams é judeu. Ele também tem uma frase:

Antes de entedermos LOST, as montanhas são montanhas e os rios sãos os rios; Ao nos esforçarmos para entender LOST, as montanhas deixam de ser montanhas e os rios deixam de ser rios; Quando finalmente entendemos LOST, as montanhas voltam a ser montanhas e os rios voltam a ser rios.

Não. Essa frase não é de JJ Abrams. É um famoso Koan budista que adaptei para a ocasião. 2001 – Uma Odisséia no Espaço, o Torá: sim, os judeus sabem elaborar histórias que só se realizam enquanto estamos à procura de seus significados.

O sucesso de LOST foi ter ele aparecido em época de google, onde toda pergunta tem resposta, onde tudo o que é misterioso nos irrita, onde qualquer diálogo reticente nos faz mudar de canal. O sucesso de LOST foi apostar que tinha gente que achava este cenário um saco.

O sucesso de LOST foi ter ele aparecido em época de google, onde tecla pelo nome da série e encontra fóruns, blogs, vídeos e ficção adicional. Qualquer um podia ser monge beneditino e colocar sua glosa nos evangelhos. “A terra é oca”, “A ilha é atlântida”, “Estão todos mortos”. Eu disse evangelho?

Disse.

Ou voce acha que evangelho, ou qualquer texto-fundamento de qualquer religião, não surgiu da cabeça de gente muito criativa, muito boa de invenção e que foi, em seu tempo, tratado como ficção popular?

Dizer que LOST é um evangelho não é coisa de fã. Todo mundo segue escrituras. Até você, que não acredita em nada. Sim, você, que não acredita em nada, um dia leu os escritos de um filósofo que não acredita em nada e… reforçou sua fé em nada. A garotada não lê Bíblia, mas segue a ética do Homem Aranha, a Moral dos Trapalhões, a lógica do Grand Theft Auto.

As mocinhas tristes seguem as escrituras de Clarice Lispector. Os inseguros a música de Glenn Gould. Os operários as palavras do José Luiz Datena. Os cachaceiros os livros do Bukowski. Os diletantes, Seinfeld. Letras do Bob Dylan, pinceladas do Matisse, arranjos de Mahler. Todo mundo segue algum texto. A gente segue a Ficção.

Então tá liberado eu chamar LOST de evangelho, né? Beleza.

Evangelho de personagens. Uns tão ricos quanto Efraim, filho de José e Asenet. Outros tão pobres quanto Jar Jar Binks. LOST, como diz a página 108 o manual do evangelho, contou, nas três primeiras temporadas, a história de seus personagens. do 4o ao 6o episódio, dedicou-se à tarefa de apresentar os salmos, textos que garantem que uma obra é feita para consumo contínuo.

Aí veio o episódio final. De um lado, a rapaziada que não acompanhou a série e, humana demasiadamente humana, por sentimento de exclusão pela posição de 3o excluído, aguardava um motivo para criticar não a série, mas quem consome a série. Do outro lado, os fás das referências modernas, dos wormholes, da equação valenzetti, das descobertas da física contemporânea.

Veio o episódio final falar do Mr. Eko.

Do padre. De igreja.

Do Salmo 23. Declamado, inteiro, lá no episisódio… 23 Psalm.

Mr. Eko construiu uma igreja na ilha. Era sua obsessão.

Não deveria causar supressa que os personagens se encontrassem num lugar: “Que os próprios criaram para se encontrar, para se reconhecer, para relembrar”, como diz o Pastor Cristão, pai de Pastor José, no fim da história.

Evangelho?

Em “Buscando Vida no Multiverso”, publicado recentemente na Scientific American, Jenkins e Gilad Pérez, teórico do Instituto de Weizmann de Ciência em… *SPOILER* Israel, discutem a hipótese conhecida como o Princípio Antrópico, a qual afirma que a existência de vida inteligente (capaz de estudar processos físicos) impõe restrições sobre a possível forma das leis da física.

“As nossas vidas na Terra – tudo o que vemos e sabemos agora sobre o universo que nos rodeia – dependem de um conjunto preciso de condições que nos fazem possíveis”, diz Jenkins. “Por exemplo, se as forças fundamentais que dão forma à matéria no nosso universo se alterassem ainda que muito ligeiramente, seria concebível que os átomos nunca se formassem, ou que o elemento carbono, considerado um bloco básico para a vida tal como a conhecemos, não existisse. Então, como é que existe este equilíbrio tão perfeito? Alguns o atribuirão a Deus a sua criação, ideia esta que obviamente se encontra fora do domínio da física”.

Fora dos domínios da Física?

LAX, a igreja ecumênica, era só uma explicação científica up to date para o que se chama de além.

Já está arrependido das reclamações que você fez, né? Até lembrou de Jacob’s Ladder, do roteirista *SPOILER* judeu Bruce Joel Rubin que trata o assunto da ascensão de forma idêntica. Ótimo, sabe por quê?

Porque a tua opinião sobre o desfecho da série define que tipo de pessoa você é.

E não adianta procurar no Google atrás do significado da frase acima. Vai ter que pensar no assunto.

Outro judeu filmou o portão para o o que a gente chama além, como o aberto por Cristo Pastor para os personagens entrarem, usando viés científico e dele nasceu um “astronauta libertado, minha vida me ultrapassa em qualquer rota que eu faça”.

Na época, reclamaram também.

Só com o tempo, Stanley Kubrick teve reconhecido seu 2001 – uma odisséia no Espaço.

LOST já tem o reconhecimento, até dos detratores, de que não tem jeito: é assim que vamos passar a consumir entretenimento daqui pra frente.

Foi assim também com a bíblia glosada.

Foi assim também em 1895, quando Outcault inventou os quadrinhos.

Syd Field, judeu, na página 108 de seu manual de roteiro, ensinou a receita para o roteiro perfeito: “O roteiro perfeito não é um mito. Seria necessário que a 1a linha começasse com o início do conflito e a última linha encerrasse o fim do conflito. Como é necessária apresentação de personagens, desenvolvimento de trama, esqueça, o roteiro perfeito não existe.

A 1a linha do esposódio piloto de LOST diz o seguinte: “Jack Sheppard abre os olhos”. Técnicamente, o conflito começa. A última linha de LOST diz o seguinte: “Jack Sheppard fecha os olhos. Tecnicamente, o conflito acaba.

Evangelho.

Uma vez, o teólogo Alexander (não lembro o sobrenome, só lembro que em Hebraico quer dizer “Homem de Deus”) escreveu sobre o escritor latino Fernando A.

“Fernand A. criou uma ilha com palavras. Mas só depois de dar uma volta pela praia é que dá pra perceber que ele cercou o oceano com a ilha.”

Excelente definição para a ilha de LOST.

Excelente definição pro que a gente chama de desfecho.

* Dodô produz palavras e produziu essas pra cá.

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