O fim de Lost por Ana Maria Bahiana

, por Alexandre Matias

“This is the end/ beautiful friend/ of everything that dies, the end”
(The End – The Doors)

“And in the end the love you make is equal to the love you take”
(The End- The Beatles)

Vocês já perderam alguém importante na vida de vocês? Eu já . Mais do que posso contar com calma. Para qualquer pessoa que já perdeu alguém importante em sua vida, ou que já teve que enfrentar cara a cara sua própria mortalidade, o episódio final de Lost, no ar ontem as 21h aqui nos EUA, foi um banquete altamente satisfatório e catártico.

Não, as grandes perguntas não foram respondidas – o que, como explico aqui neste texto da UOL TV é, antes de mais nada, um modo muito inteligente e orgânico de manter a mitologia da série viva ab aeternum (para citar outro pedaço da mitologia). Mas A grande pergunta que os show runners Damon Lindelof e Carlton Cuse decidiram abraçar neste fim de série – a própria natureza humana e seu destino – foi completamente respondida, com a eficácia dos bons contadores de história , em volta da fogueira, desde o princípio dos tempos.

Escrever para TV fechada é fácil. (Mentira: é difícil, tão difícil quanto produzir qualquer boa obra audiovisual. ) Difícil mesmo é escrever para TV aberta , com o nível de sofisticação e profundidade que Lost atingiu, consistentemente, nestes seis anos. Escrever para TV aberta durante seis temporadas é ser Scheherazade eternamente adiando a decapitação por ordem do soberano mal humorado e todo poderoso, insatisfeito com os índices de audiência, os indicadores demográficos e o retorno dos anunciantes. Ser capaz de tirar uma história de dentro de outra história de dentro de outra história, fiel ao princípio da narrativa que deu partida a tudo mas capaz de manter o sultão feliz é feito para poucos.

No processo dessas mil e uma noites na Ilha, a visão inicial de JJ Abrams, possivelmente mais Além da Imaginação e Arquivo X do que Livro Tibetano dos Mortos, sofreu as transformações necessárias para sua sobrevivência. O mito da Ilha, construído para servir de base à narrativa e aos arcos dos personagens, tornou-se menos importante do que os personagens em si. Lost estreou numa época difícil – depois do 11 de setembro, tendo como plateia uma sociedade cínica, paranóica,fracionada e profundamente ferida. A virada que Carlton Cuse e Damon Lindelof propuseram conduziu a série na direção de sua humanidade , e não daquilo que era extra ou sobre-humano. É possível fazer uma indagação filosófica sobre o sentido da vida, 50 minutos por semana, três meses por ano, durante seis anos? Por incrível que pareça, é. E em TV aberta.

O que comoveu e permaneceu do último episódio de Lost – além de seu magnífico roteiro, escrito com enorme rigor de estrutura e o tipo de humor entre-dentes que estava fazendo falta na série, ultimamente (“não acredito em muita coisa, mas acredito em fita adesiva”, foi minha fala favorita) – foi a sinceridade com que abraçou o humano em todos nós, dos seus criadores a seus personagens e a toda a platéia. Se aprendermos a viver juntos, não morreremos sozinhos, foi o que restou depois que o último olho se fechou na última e maravilhosa cena. É o oposto do que tudo a nossa volta parece estar dizendo. As forças que nos separam, dividem e isolam não são tão poderosas quanto as forças que nos fazem procurar o Outro e reconhecer nela ou nele sua luz interior, igual à nossa: aloha, e namastê.

Uma palavra final sobre o magnífico trabalho de Michael Giacchino, tão integral ao impacto de Lost que, nos roteiros, suas entradas eram anotadas como “O Giacchino” (assim: “aqui, O Giacchino aumenta a tensão”; “tapete triste de O Giacchino por baixo do diálogo”). A música em Lost era velha-escola, gravada ao vivo no estúdio Eastwood do lot da Warner, com uma orquestra de músicos sinfônicos experientes, que acabou conhecida como Orquestra Lost. Era ao mesmo tempo incrivelmente avant garde e profundamente romântica, respeitosa do trabalho dos atores mas, ela mesma, um ator, adicionando sua voz – a harpa sinistra, os violinos e metais abstratos, o piano pensativo – ao coro dos desempenhos. Mais uma vez, uma lição concreta de colaboração, comunidade, estar junto.

Namastê!

* Ana Maria escreveu este texto em seu blog.

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