O Anthology dos Rolling Stones

, por Alexandre Matias

O blog da Cosac & Naif me convidou para falar sobre esse livro que eles estão lançando por aqui, o According to the Rolling Stones, e o texto segue abaixo:

A história da maior banda de rock de todos os tempos

Quando a revista Bizz tentou sua última incursão às bancas como uma revista mensal de notícias sobre o mercado da música, fui chamado para assinar a matéria de capa da edição de reestreia, em setembro de 2005, que coincidia com o lançamento da nova turnê dos Rolling Stones. Mick Jagger havia sido o primeiro personagem da primeira edição da revista, o número zero, que só veio encartado em outras publicações da editora Abril para anunciar a nova revista, que trouxe Bruce Springsteen na capa de sua primeira edição. Vinte anos depois do lançamento da revista, Springsteen seguia sua carreira como o herói da classe trabalhadora favorito dos executivos norte-americanos que possuem uma Harley Davidson na garagem e sua importância histórica foi reduzida a um personagem menor de um cenário com cada vez mais protagonistas. Vinte anos após a primeira edição da Bizz, a trupe de ciganos mais conhecida do mundo, liderada pela dupla Mick Jagger e Keith Richards, ainda é tão importante quanto antes. E isso que, em 1985, eles já caminhavam rumo à terceira década de atividade!

Incumbido de tal tarefa, restou-me mergulhar na história do maior nome da história do rock. O superlativo inclui todos seus contemporâneos, um panteão que nenhuma outra geração conseguiu equiparar – Beatles, Dylan, Hendrix, Velvet Underground, Doors, Zappa, Clapton, Pink Floyd, Led Zeppelin. Todos sucumbiram ao tamanho, a disputas judiciais, à obesidade mórbida dos egos dos envolvidos ou à morte, menos os Stones – e, claro, Bob Dylan. Mas enquanto o septuagenário Bob carrega a fama e o fardo de não agradar a seu público (o que gerou uma audiência inteira de fãs infiéis), os Rolling Stones seguem extrapolando números, cifras e dimensões, transformando o espetáculo rock’n’roll em um parque temático em movimento. Daí tal denominação – até existem bandas melhores que os Stones (o que dizer da discografia irretocável do Velvet, por exemplo? Isso sem citar os Beatles), mas nenhuma delas aspirou tanto o gigantismo sem perder-se no próprio tamanho – que aconteceu com o Pink Floyd e o Led Zeppelin, por exemplo.

E lá fui eu atravessar horas de filmes e quilos de livros, além de reouvir, cronologicamente e depois cada disco com atenção, além de coletâneas, discos solo e singles. É um método kamikaze, mas costuma funcionar: deixo para me especializar em determinados assuntos quando eles me vêm em forma de trabalho, onde consigo transformar uma mania em processo, domar uma obsessão. E é muito fácil afundar nas histórias dos Rolling Stones – afinal de contas, material bruto para isso é o que não falta.

E entre todas as biografias, filmes piratas e entrevistas, o livro mais completo sobre a história da banda é o luxuoso volume According to the Rolling Stones, lançado originalmente em 2003 e que finalmente chega às prateleiras das lojas brasileiras em versão nacional, lançada pela Cosac Naify. O subtítulo do conjunto de entrevistas organizado por Dora Loewenstein e Philip Dodd é autoexplicativo – A banda conta sua história -, mas antes que alguém venha apontar o dedo para mostrar que até isso eles copiaram dos Beatles, uma coisa é fácil de perceber: chamar According to the Rolling Stones de outra Anthology é comparação simplista (a Cosac Naify também lançou no Brasil, em 2001, esta antologia dos Beatles, que hoje está esgotada).

Afinal, o que une as duas obras é apenas o fato de serem livros de entrevistas com as duas maiores bandas de seu tempo. O projeto dos Beatles é mais abrangente, pois, além do livro, ele também vem acompanhado de uma caixa de DVDs e de uma série de três álbuns duplos contendo material que ainda não havia sido lançado oficialmente. No entanto, ao contrário do livro dos Beatles, o dos Stones ganha por uma série de motivos. Primeiro, ele trata da vida integral de seus personagens, não apenas de um período de dez anos vividos por eles enquanto banda. Os Stones são considerados um grupo de rock desde o início dos anos 60 até hoje em dia, enquanto os Beatles abandonaram esse rótulo no fim daquela década, partindo para suas carreiras solo. Então o tom das entrevistas e do livro está longe da distância sentimental e do tratamento cirúrgico dado às emoções de fatos que já são parte da história do rock. Sem contar que apenas três dos quatro Beatles estavam vivos para contar sua história – e as partes de Lennon, assassinado em 1980, foram recuperadas através de entrevistas que deu nos anos 70, sem o distanciamento crítico e o tom nostálgico das entrevistas, feitas nos anos 90, de seus ex-companheiros de banda.

No caso dos Stones, não há essa frieza nem esse sentimentalismo burocrático – e a história gira em torno dos quatro Stones remanescentes, Keith Richards, Mick Jagger, Ronnie Wood e Charlie Watts. As entrevistas não têm uma perspectiva histórica alheia à carreira atual de cada um deles, pois em momento algum de suas vidas eles abandonaram o fato de que eram os Rolling Stones.

Some a isso capítulos intermediários com depoimentos de personalidades que foram cruciais na história da banda: o dono da gravadora Atlantic Ahmet Ertegun; Giorgio Gomelsky, dono da casa noturna em que começaram a virar lenda, o Crawdaddy Club; o fotógrafo David Bailey (que fez várias capas da banda); o amigo da banda Christopher Gibbs; Marshall Chess, que presidiu a Rolling Stones Records; o vocalista Peter Wolf e o produtor Don Was, entre outros. E, além dos depoimentos e das entrevistas, fotos inacreditáveis – algumas selvagens, outras lindíssimas, mais umas cândidas e algumas reveladoras -, ajudam a transformar o volume em uma obra que, ao mesmo tempo em que se dispõe a ser definitiva, revela-se intensa e emocionante, como a própria história do grupo.

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