O adeus de um dos maiores nomes da história do rock
Escrevi sobre a morte de Ozzy Osbourne e sua importância para a música e para o rock em mais um texto para o Toca UOL.
Mais que pioneiro do metal, Ozzy foi ícone dos excessos e perigos do rock
A morte de Ozzy Osbourne é o início do fim de um ciclo na história da música. Embora esteja longe de ter sido o primeiro nome do rock pesado a sucumbir — despedidas trágicas e imprevisíveis são quase inerentes à história do gênero, desde sua incepção —, ele deixa esse plano logo após encerrar sua carreira em grande estilo.
Ozzy despediu-se dos palcos ao fazer, na mesma noite, seu último concerto solo e a última apresentação do Black Sabbath, banda que fundou o gênero com sua clássica formação, no espetacular evento Back to the Beginning, que aconteceu em Birmingham, na Inglaterra, no dia 5 deste mês.
Justamente por isso, a notícia de sua morte, que aconteceu na manhã desta terça-feira (22) e foi anunciada pela família, pegou a todos de surpresa. Não era novidade que a saúde de Ozzy estava péssima – uma série de doenças o acometeram desde 2019, quando realizou a turnê “No More Tours 2”, ironizando a despedida desde o título, que repetia o nome daquela série de shows, no início dos anos 1990, que achava que seria seu adeus aos palcos.
Embora aquela despedida fosse definitiva — tirando o show único realizado neste mês —, a disposição e seriedade que apresentou nas poucas músicas que tocou naquela noite (cinco em seu show solo, quatro no show com o Black Sabbath) parecia deixá-lo pronto para encarar uma aposentadoria tranquila, dentro do que permitia suas condições de saúde.
Pois apesar de bem debilitado, Ozzy pode manter, durante a última apresentação, a moral majestática de príncipe das trevas que carrega desde o início de sua carreira solo, quando saiu do Black Sabbath no final dos anos 1970 já reconhecido como realeza do heavy metal, gênero que ajudou a fundar. Todos aplaudiram o último esforço ao vivo do ícone como um último gesto gigantesco em uma carreira marcada por excessos.
Mal sabíamos que estávamos assistindo praticamente a uma despedida da vida transformada em um palco em si, algo que pouquíssimos nomes na história da arte puderam conceber.
Como Frida Kahlo em sua tela “Viva La Vida”, John Huston e Tarkovsky em seus filmes “Os Vivos e os Mortos” e “O Sacrifício” ou o grafitti interrompido “Unfinished Painting” de Keith Haring, “Back to the Beginning” também foi um adeus consciente à própria vida.
Na história da música, só David Bowie conseguiu tal maestria ao lançar seu disco “Black Star”, dias antes de sua morte e de seu aniversário, em 2016.
Ozzy Osbourne é mais do que um pioneiro do heavy metal ou o vocalista de uma das bandas mais importantes da história do rock — seria isso apenas se nos restringíssemos a louvar seu legado no campo da música.
Se observarmos só por essa lente, descobrimos um autor que forjou um imaginário ao fundir traumas pessoais com os limites da consciência, magia negra e o cenário político em que nasceu, criando uma sensação de pesadelo iminente que torna seus discos com o Black Sabbath atuais até hoje, uma contribuição conjunta aos três outros músicos do grupo, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward.
Como vocalista, inventou um jeito de cantar que ao mesmo tempo soa desesperador e monótono, algo completamente inverso aos vocais olímpicos de timbres malabaristas de seus contemporâneos.
Sem alçar ao virtuosismo vocal, preferia criar climas tensos e sem esperança em músicas que, em muitos casos, mal tinham melodias vocais, deixando-o livre apenas para narrar contos terríveis com poucas variações em escala, quase como se encaixasse riffs vocais sobre as frases que a guitarra de Iommi e o baixo de Butler repetiam implacavelmente.
Mas Ozzy é muito mais do que música. Sua persona limítrofe o colocou na iminência da morte por anos a fio, algo comparado apenas com outros titãs dos excessos que atravessaram os anos 1970 e 1980, como Keith Richards e Eric Clapton. Mas enquanto os dois guitarristas mantinham fama de sérios e valentões, Ozzy tinha a personalidade de um palhaço assassino, fama que assumiu ainda mais quando saiu em carreira solo nos anos 1980, cometendo as piores atrocidades de sua vida.
Não foram poucas, nem engraçadas. Numa delas arrancou a cabeça de um morcego no palco. Em outra, fez o mesmo com a cabeça de um pombo em uma reunião com executivos de sua gravadora. Foi preso por urinar num monumento confederado no Texas norte-americano, expulso por encher a cara sozinho em um campo de concentração na Alemanha, cheirou uma carreira de formigas, desmaiou no casamento com sua eterna esposa Sharon – que quase morreu anos depois por suas próprias mãos, quando Ozzy acordou em uma cela em uma cadeia sem saber o que havia feito. Se a beatlemania liberou a festa interminável em turnês nos anos 60 e o rock clássico explorou estas mesmas festas infinitas com excessos inomináveis, Ozzy encarnava uma versão caricata e perigosa destes momentos, criando um novo parâmetro de artista.
O que o tornou ainda mais caricato quando estrelou, ao lado de sua família, um reality show com seu sobrenome, sendo apresentado para uma nova geração quase como um exemplo vivo do que acontece com um rockstar que não conhece os próprios limites.
E ao mesmo tempo pode manter uma carreira solo que não foi tão inventiva e influente quanto seus anos com o Black Sabbath, mas que ergueu hits, álbuns clássicos e o manteve como um dos principais nomes de sua geração, sempre em atividade.
Triste saber de sua morte, mas ao mesmo tempo é bonito saber que o concerto de despedida foi criado ao lado de sua mulher como uma forma de manter-se vivo entre os diversos tratamentos médicos que teve que se submeter.
A última apresentação era o motivo que fazia Ozzy seguir indo para hospitais e mantendo as medicações para a série de doenças que o afetava nos últimos anos. A despedida dos palcos também foi a despedida da vida e, embora a causa de sua morte não tenha sido revelada, ele partiu ao perder o mundo do entretenimento do horizonte.
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