#NósSim

, por Alexandre Matias

largodabatata

Que movimento maravilhoso. Que data linda. Que exemplo histórico. Quanta organização. O ato puxado pelas mulheres neste sábado dia 29 de setembro de 2018 em dezenas de cidades pelo Brasil reuniu centenas de milhares de brasileiros de todas as cores, tamanhos, gêneros e ideologias num mesmo coro contra a intolerância, a truculência, a agressividade e a tensão que dominam nossos dias desde o início desta década – e pode ter começado a encerrar esta fase deprimente que o país vive desde aqueles nada saudosos dias descontrolados de junho de 2013.

O candidato líder das pesquisas, o inominado Ele a quem o Não se dirigia, conseguiu seu primeiro feito histórico que não é digno de vergonha ou constrangimento: uniu as forças progressistas brasileiras em um mesmo cenário e num mesmo coro, dando voz a sentimentos que não tinham eco nesta época de bolhas digitais em que todos querem gritar mais alto. E apesar da firmeza na insistência do “não”, do pulso firme em não arredar pé e da sempre escandalosa gritaria da torcida do outro time, não se viu nenhum gesto violento, nenhuma truculência, nenhuma agressão.

E isso é mérito feminino. O fato deste grande ato ter vindo das mulheres mudou completamente a cara da discussão e nossos cenhos, sempre fechados a cada novo e surreal acontecimento político em 2018, puderam relaxar. No lugar das expressões tensas e da fisionomia preocupada surgia um sorriso, um brilho no olhar, um suspiro aliviado. No início temia-se que trogloditas da ultradireita pudessem aproveitar da gigantesca reunião para disseminar o medo e o terror. Mas todos estavam a postos caso eles aparecessem – e seriam claramente expostos como os brucutus que provocam este cenário turbulento.

elenao

A primeira coisa que todos percebiam logo ao chegar no Largo da Batata, em São Paulo, ou em qualquer outro ponto de partida do ato em várias cidades do país, era a extrema diversidade de público. Estavam lá gente de todos os credos, cores, preferências, ideologias, idades e classes sociais. Famílias, casais, mulheres grávidas, crianças, idosos, grupos de amigos e conhecidos – todos levantando a bandeira da esperança, da tolerância, da paz e do amor. E, principalmente, vários partidos: bandeiras de quase todos os candidatos à presidência (além de nomes que pleiteiam cargos estaduais) foram erguidas ao lado umas das outras sem nenhum embate, nenhuma discussão – nem sequer um muxoxo ou esgar. Em pouco tempo, todos estavam à vontade, cantarolando e batucando juntos, mas sem perder o foco e a seriedade do momento político.

E quando aquele mar de gente gritava “ele não”, o principal timbre era feminino. Afinal, esta vitória não é apenas feminista – mas feminina. Não temos medida exata de como a força das mulheres está revertendo esta onda reacionária que assola o planeta – mas é inegável seu protagonismo. O futuro deve agradecer a todas as minas e manas que decididas, marcharam contra a perturbação masculina que quer que o mundo volte para o século passado, atropelando conquistas e valores humanistas apenas no grito e no soco. Esta atitude dantesca é uma clara reação aos progressos sociais conquistados nas últimas décadas, não apenas no Brasil.

E não apenas femininos. As vozes das mulheres ecoavam sentimentos presos nas gargantas de negros, gays, pobres, pessoas com necessidades especiais, imigrantes, miseráveis, famintos e tantos outros que compõem a imensa maioria da população do planeta e são chamados de forma quase jocosa pelo establishment branco, rico, hetero e sexagenário de “minorias”.

largodabatata-elenao

Acompanhei a concentração do #EleNão no Largo da Batata e sua dispersão depois na Paulista – não pude seguir a emocionante subida da Avenida Rebouças para assistir à Ana Frango Elétrico no Centro Cultural São Paulo (e digo que valeu a pena, mas perdi o show do Marcelo Callado) – e nos dois momentos me veio um sentimento oposto ao de exclusão e divisão que nos faz parar de falar com amigos, desamigar conhecidos do Facebook ou desistir de dialogar com pessoas que antes pareciam razoáveis. Em vez de nos sentir isolados e acuados, nos sentimos parte de uma coisa só, uma senhora festa, um enorme carnaval – sem brigas, sem álcool, sem nada forçado. Cada um que estava ali pode voltar a se sentir parte deste enorme coletivo que chamamos de país – e ver que a dita cisão que separa o Brasil em dois grupos, a tão propalada polarização pregada pela Globo e pelo Facebook, é artificial e serve interesses específicos. Sabemos gostar uns dos outros e podemos conviver numa boa desde que haja tolerância e respeito. Se isso não acontecer, já sabemos dizer não.

E lá pelo meio do ato esquecíamos da vil figura que nos motivou a nos reunir neste sábado histórico. Tanto o “ele” quanto o “não” se dissolveram na coletividade positiva do #NósSim. Vamos lá.

Tags: