Foto: Fabio Heizenreder
No sábado passado, fui ao Sesc Belenzinho (que melhora sua programação e aos poucos começa a atrair muito mais gente de fora de sua região para a Zona Leste) reverenciar o velho mutante Arnaldo Baptista em ação. “Reverenciar” é bem o termo correto, uma vez que não dá para dissociar suas apresentações públicas à sua contribuição histórica para a música brasileira e não levar em consideração as adversidades pessoais que comprometeram sua antes arrojada técnica e seu carisma espontâneo. Arnaldo é Syd Barrett e Brian Wilson ao mesmo tempo – e só o fato de ter sobrevivido ao que passou já deveria ser motivo de aplausos. Saber que conseguiu superar dramas pessoais e vê-lo reefrentar estes mesmos dramas, encapsulados no formato de canções curtas e complexas, é apreciar a obra para além do artista. É assistir ao espetáculo de sobrevivência pela arte.
Arnaldo Baptista – “A Balada do Louco”
E assim reserva-se críticas à sua impetuosidade ao piano, que esbanja naturalidade mas fraqueja na técnica, notas trocadas ou tocadas fora de tempo, vocais cuja afinação discorda daquela do piano, versões curtíssimas (nem dois minutos) para músicas clássicas intercaladas com um gestual ingênuo e bobo, comparsa de uma comunicação tímida e inocente, quase infantil, junto a um público benevolente e súdito.
Arnaldo Baptista – “Sentado na Beira da Estrada” / “Greenfields” / “Desculpe Babe”
Descontados todos esses defeitos, vemos Arnaldo sem máscara, cru, naturalista, por inteiro, que rasga músicas próprias e alheias (quase metade do repertório foi de música clássica a standards do piano, de Bach a Elton John) como se pudesse deixar a alma sair do limite corpóreo. Um show intenso, à flor da pele, mais verdadeiro que o documentário Lóki – pois vemos o deus caído em nossa frente, sorrindo para mostrar que está bem. Um espetáculo que também é triste – Arnaldo é amparado por um produtor até o piano e depois para fora do palco -, mas que nos lembra que mesmo a tristeza tem a sua beleza. Mas não só triste: afinal o sorriso e o bom humor de Arnaldo – intactos, apesar de tudo – arrancam suspiros de alegria e felicidade de um público devoto.
Arnaldo Baptista – “Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?”
E ele segue genial.
Só quem já foi numa festas dessas tem noção do estrago. As fotos do Ariel dão uma boa medida (dá pra ver tanto no I Hate Flash quanto no Facebook, curte lá)…
Divido os CDJs com o Camilo, hoje lá no Caos. A partir das 23h até umas 3h da matina. Alguém anima?
Juçara, Décio, Kiko, Maurício, Thiago e Cris
Participei da entrevista que o Douglas e o Renan fizeram no especial África em São Paulo, capa do Divirta-se dessa sexta, que pega o gancho da Festa Fela (neste sábado) para falar sobre com o continente negro vem influenciando pesadamente a nova música paulistana. Conversamos com três integrantes do Bixiga 70 (Maurício, Décio e Cris), que lança seu primeiro disco na festa de homenagem ao aniversário de Fela Kuti, e os três autores do disco Metá Metá (Thiago, Kiko e Juçara) sobre o que está acontecendo em São Paulo, enquanto passeávamos pelo Museu Afro Brasileiro, no Ibirapuera.
Todo mundo vai dançar
Músicos dos bons foram buscar no afrobeat e em outros ritmos africanos a receita para pôr São Paulo inteira para balançar. Você não vai ficar de fora, vai?
A noite de São Paulo está ficando com cara de baile e a frase ‘sair para dançar’ passa a fazer (ainda mais) sentido. Não é por acaso. Pode ser que você não tenha se dado conta, mas a influência africana no trabalho de artistas presentes nas festas paulistanas está cada vez mais nítida. Seja nas excelentes composições de Kiko Dinucci; no saxofone inspirado de Thiago França em bandas como Sambanzo e MarginalS; no festejado disco ‘Nó na Orelha’, de Criolo; no trabalho de cantoras como Juçara Marçal, Anelis Assumpção e Céu, entre muitos outros.
E, não, não esquecemos da banda Bixiga 70, que lança amanhã (15) seu primeiro EP, ‘di Malaika’, na 5ª edição da Festa Fela – que, veja bem, foi criada para comemorar o aniversário do lendário pai do afrobeat, Fela Kuti.
Para entender como a cidade começou a ser tomada pelo suingue vindo da África, convidamos seis músicos importantes neste processo para um encontro com cara de papo de bar, mas no Parque do Ibirapuera, dentro do Museu Afro Brasil – que, vale lembrar, faz sete anos no próximo dia 23. Douglas Vieira
UMA ÁFRICA PARA CADA UM
Thiago França: “A África para a gente é meio a história do disco do Rodrigo Campos. É uma África fantástica. São impressões que a gente tem e traz para o nosso contexto, que não deixa de ser São Paulo em nenhum momento. A gente nunca foi lá. É YouTube, Wikipédia… Foi a internet. A gente foi sacar Fela Kuti vendo essas coisas, vídeos de shows… Foi o YouTube.”
Cris Scabello: “A internet foi muito importante. Potencializou muito esse encontro, essa conexão com o público. Mas tem de tudo, não é só o povo da internet.”
Décio 7: “Quando a gente começou com o dub, as pistas esvaziavam. Hoje está em tudo. Eu acho legal ter uma pesquisa e as pessoas estarem a fim de ouvir. O momento é outro. Na época não tinha internet forte. O (produtor musical) Ganjaman falou outro dia que afrobeat é o novo dub. E está em tudo, desde o Chico Science até a Céu, o Curumim… O público sabe dançar e sabe o nome. Isso muda tudo.”
Thiago: “Acho que é consequência do momento histórico que a gente está. Aqui em São Paulo tem gente com a cabeça muito aberta para som, que vai ver o Bixiga, o Metá Metá, o Criolo, ouve música eletrônica e vai na Sala São Paulo também.”
MAIS BANDAS, MAIS PÚBLICO
Cris: “É um fato. Tem mais bandas, mais público, mais mídia, mais tudo de uns dois ou três anos para cá. E é meio ‘porque eu não pensei nisso antes?’ Estão fazendo isso desde os anos 60. Por que não existia uma banda de afrobeat em São Paulo? E existe uma procura maior pelo assunto agora.”
Kiko Dinucci: “A maioria dos músicos da nossa geração têm algum namoro com a África. Seja no ritmo, na linha melódica… Não acho que existem grupos de música africana e nem tem que ter. Está bom assim. Cada um fazendo seu som e a gente vai parar na África ou no Japão. Ou em qualquer lugar que a gente queira, porque a gente tem internet e pode ouvir músicas do mundo inteiro.”
Mauricio Fleury: “E a gente é músico. Então a gente se encontra, toca um com o outro.
Tem uma troca. Cada um vai colocando seu elementinho no disco do outro.”
Thiago: “Mas se você for fazer um show em uma balada na Vila Olímpia já não vai rolar.”
Décio 7: “Não tem mais as tribos, mas São Paulo ainda tem uns recortes bem definidos.”
Juçara Marçal: “Por isso não dá para falar em movimento. Não é uma cena. São muitas.”
Cris: “A gente quer muito sair desse circuito Sesc, Vila Madalena, Augusta. Quer fazer essa movimentação. Mas a gente sabe que não vai ser simples.”
NOVOS RITMOS, SEM MESMICE
Juçara Marçal: “Quando se pensa em música africana, muitas vezes se pensa em um tipo de ritmo. Mas a riqueza da música africana é justamente a polirritmia, que não pode ser enjaulada no samba, como vinha sendo feito. É muito mais rico e muito mais variado.”
Kiko: “Me incomodava todo mundo tocando como um velho de 80 anos. Padronizou muito a batida. O pandeiro tem que ser assim, o tamborim, assado… Comecei a achar o samba sem suingue. A África estava escondida. Comecei a prestar atenção em samba de bumbo, jongo, batuque, terreiros… Fui fazer o filme sobre Exu e, quando vi, já estava compondo usando a estrutura dos tambores.”
Cris: “Para mim, o afrobeat veio mais travestido pelo Gilberto Gil, pelo Chico Science, pelos ‘Afro-Sambas’ (disco de Baden Powell e Vinicius de Moraes) – mesmo sendo anterior ao Fela.”
Kiko: “Tem coincidências no Brasil.”
Mauricio: “Tem a música ‘Saudação a Toco Preto’, do Candeia.”
Kiko: “Essa música é um ponto de terreiro.”
Mauricio: “Mas tem arranjo de afrobeat, com metais. A gente começou com sonoridades afro. Mas quando a banda começou a andar, e a gente sempre buscou um trabalho autoral, a galera foi voltando para o que já tinha. É sempre falar da gente. Não é ficar tentando reproduzir o Fela. Isso não passa nem perto da gente. São 10 caras, cada um com um background diferente. Todos procuravam esse suingue e todo mundo está feliz de colocar isso no Bixiga.”
DEIXA TOCAR
Thiago: “Eu sempre procurei uma coisa mais suingada. Estava em busca de alguma coisa que só fui saber o que era muito tempo depois. E, em 2007, comecei a ter uma vivência em terreiros e caiu uma ficha do lance de ficar tocando e deixar o pessoal dançar. O afrobeat no Sambanzo não é estudado. É deixar tocar.”
Juçara: “Na Barca, que começou em 1998, percebemos a riqueza da cultura popular. Isso levou a gente até cantigas, doutrinas e tradições de cerimônias afro-brasileiras. Tinha muita presença africana.”
Kiko: “O Bixiga é afrobeat, mas se toca alguma coisa mais latina, sai da Nigéria e entra em outros países da África. E eu fico atento para acontecer isso com a gente. Se alastrar mais. Não ficar restrito a um país. Tem Senegal, África do Sul… ”
Décio 7: “A galera está a fim de dançar. Você percebe nas festas. E o Bixiga é instrumental. As pessoas nem ficam olhando para o palco. É baile mesmo.”
Décio 7: “Tem essa cultura vintage, de procurar coisas antigas. As pessoas querem ouvir isso. E o Bixiga é muito orgânico. É 1, 2, 3 e sonzera. Olho no olho.”
Décio 7: “Tem muita gente.”
Juçara: “Tem o Siba, com um disco muito forte. Tem o Rodrigo Caçapa, grande referência. Douglas Germano.”
Décio: “O Afro Electro, que está há tempos tocando. A Céu e a Anelis Assumpção.”
Mauricio: “Vai sair um compacto do Bruno Morais com a gente de um lado e o Kiko do outro.”
Cris: “E acho que vai crescer exponencialmente.”
Thiago: “Tudo sinaliza para isso.”
Kiko: “Espero que sim.”
Quem é quem
Cris Scabello: dedicado ao groove desde os tempos do grupo de percussão Olho da Rua, foi precursor do dub na noite paulistana.
Décio 7: também do Olho da Rua, o baterista tem longa história no reggae e no dub, estilos que o ‘levaram’ à África.
Juçara Marçal: dona de uma voz suave e bela, que se encaixa perfeitamente nas composições do amigo Kiko Dinucci.
Kiko Dinucci: no Bando Afromacarrônico, no Metá Metá, ou em outros projetos, usa com classe as referências afrorreligiosas.
Mauricio Fleury: dono de um piano elétrico cheio de groove, é do Bixiga 70 e do coletivo de DJs Veneno Soundsystem.
Thiago França: um saxofonista que cai perfeitamente no jazz, no afrobeat, no samba e em qualquer outra coisa com groove.
Sem muito alarde, de uma hora pra outra, véspera de feriado, lua cheia, Venenos + Psycho na pista analógica, Gente Bonita + Camilo Rocha + Awe Mariah (é, Helô e as amigas estreando nas pistas) no lado digital. O lugar é aquele de sempre, a Trackers. Vai ser HISTÓRICO.
E a festa Lebowski deu tão certo que já apareceu mais gente disposta a sediá-la, olhaê na Folha de ontem. Vamo conversar aê!
Que show incrível esse de sábado, hein… Fácil fácil um dos melhores shows do ano.
Primal Scream – “Higher than the Sun”
Tu foi? Que achou?
Há cinco anos desmereciam o mashup como moda passada, nicho geek ou um jeito fácil de remixar uma música, quando começamos a erguer a bandeira do gênero no Brasil. Em setembro de 2006, no falecido Bar Treze, em frente à Faap, tinha início uma nova era da noite paulistana, quando os brasilienses Luciano Kalatalo e Alexandre Matias juntaram suas forças para mudar o jeito de se fazer festa. Era um tempo em que indies só ouviam new rock e indie rock, manos só ouviam hip hop, dance music era coisa de playboy e roqueiros dançavam fazendo air guitar. A norma da noite era a cara fechada, o ar blasé, virar o rosto se alguém tivesse tirando foto. Em nossas jornadas noturnas por aquela São Paulo pré-Vegas, reclamávamos dessa segregação, um jeito xiita de olhar pra música.
Crescemos em Brasília, nascemos em 1975 e fizemos parte de uma geração que descobriu rock clássico ao mesmo tempo em que o rock brasileiro, a MPB, o indie rock (“guitar”, era como nos referíamos na época), a soul music, a música eletrônica e o hip hop. Estávamos lá quando o Technotronic, o New Order, os Beastie Boys e o Nirvana destruíram as barreiras entre gêneros e hierarquias entre músicos, não-músicos,
produtores e popstars. Essa bagagem cultural não nos permitia viver em uma cidade que não se permitia a troca de músicas.durante a noite.
Foi por isso que erguemos a bandeira do mashup. Se dois gêneros conviviam na mesma música, óbvio que conviveriam numa mesma festa. E aos poucos a noite de São Paulo foi sendo mudada. A começar pelo nome da festa, Gente Bonita Clima de Paquera, que ia de encontro a todos os nomes em inglês e metidos a sério que existiam nas festas da época.
Fora a experimentações sonoras: fomos palco para a primeira discotecagem séria de muita gente boa que hoje seguiu seu próprio rumo, como Dani Arrais, do Don’t Touch My Moleskine, o DJ Goos além dos primeiros nomes do mashup brasileiro, que tocaram pela primeira vez em São Paulo em duas Gente Bonita: João Brasil e André Paste.
Cinco anos depois, a noite de São Paulo é outra. As pessoas sorriem quando dançam, o carão acabou, flashes pipocam na frente de meninas fazendo gracinhas pra câmera, indie rock, hip hop, música brasileira e techno convivem em pistas de danças espalhadas pela cidade, as festas assumiram a diversão, os DJs abriram a cara, a noite de São Paulo ganhou o toque de frescor das velhas festas na Asbac no início dos anos 90.
Mas seguimos mudando e a primeira novidade dos 5 anos de Gente Bonita, é a festa OK Pop, que engloba um novo gênero – o K-Pop, pop produzido na Coreia que mashup tudo que a gente conhece com tudo que eles conhecem do outro lado do mundo. E pra mostrar que distâncias não são barreiras, trazemos para a primeira festa o DJ Masa, principal DJ brasileiro de K-Pop, que mora em Belém (!) mas já tocou mais de uma vez para coreanos. Engrossando o caldo da noite, a Gente Bonita ainda recebe o mestre Camilo Rocha e os compadres da Hang the DJ – ampliando os horizontes da GB sem perder suas principais características: as melhores músicas do mundo e as melhores músicas pra dançar. Venha se acabar conosco nessa sexta, no Lab, na Augusta. E ver o início da nova fase de perto.
Alguém anima? Boraê!
Quinta corrida, passei correndo pela Clash, onde consegui ver parte do Fourfest (vi o show do Ariel Pink mas perdi o do Pains of Being Pure at Heart) porque queria pegar um pouco do show do Kassin, no Studio.
Ariel Pink’s Haunted Grafitti – “Bright Lit Blue Skies”
Ariel Pink’s Haunted Grafitti – “Round and Round”
Ariel Pink’s Haunted Grafitti – “Fright Night (Nevermore)”
Mas a psicodelia do Ariel Pink ainda está na garagem e tomando as drogas erradas. Ou talvez as certas, mas em quantidades desproporcionais – o que é espelhado no andamento de seu show. Quando mostram aqueles momentos em que acertam a veia, a banda funciona direitinho – até seu ar solto combina com o vibe solar dos hits que eu filmei aí em cima. Mas quando as músicas não são tão redondas a beleza largada anterior vira apenas frouxidão e parecia que estava assistindo a uma banda de adolescentes tentando tirar músicas da fase anos 60 de Frank Zappa de ouvido, sem ter um mínimo de apuro técnico com seus instrumentos. Uma banda ainda em formação, mas com bons momentos.
Kassin – “Homem ao Mar”
Kassin – “Ponto Final” / “Água”
Já Kassin é outra história. Pra começar, está cercado de músicos de verdade – Stéphane San Juan na bateria, Alberto Continentino no baixo, Donatinho no teclado – e ele mesmo é um senhor guitarrista. E embora não chegue a esse nível como vocalista, seu timbre frágil e tímido (para muitos, um defeito) funciona como contraponto perfeito para a excelência técnica do instrumental. Assim, o desapego hippie que no show do Ariel Pink vinha da limitação de seus músicos, em Kassin vinha apenas de fraco fio de voz, e soar como um gigante de voz fina ou um brucutu tentando ser dócil dá uma dimensão extra de personalidade à temática da introspecção bouncy que enquadra o meu xará como atual herdeiro da tocha da preguiça na música brasileira, troféu que já pertenceu a Caymmi, João Gilberto e João Donato. Parece exagero, mas se Kassin ainda não tem tal estatura é por ser um caçula temporão.
Peguei o finzinho do show e só ouvi o final de uma das músicas de seu Sonhando Devagar (meu disco brasileiro favorito de 2011), o que me cria uma dívida pessoal com esse show, que um dia eu assisto inteiro. Mas ser exposto a quase 20 minutos de Kassin ao vivo e tocando alguns pontos-chave de seu disco anterior (o mágico Futurismo, meu disco brasileiro favorito de 2006) já valeu pela noite. Tanto que só fui lembrar do Ariel Pink quando botei os vídeos pra subir, logo depois de chegar em casa.