Não mexe com ela!
Com seu novo disco Todxs, Ana Cañas chega ao seu melhor álbum ao assumir as rédeas de sua própria carreira – e ela me chamou para escrever o release deste seu novo lançamento.
Ana Cañas vem sorrateira sob um teclado elétrico quente que vai desenhando um ambiente que simultaneamente soa suntuoso e aconchegante. Baixo e beat eletrônico surgem milimétricos, marcando o tempo à espera de algo tenso que parece se avizinhar. A cantora e compositora paulistana entra sussurrando e gritando a letra de “Declaro My Love”, soul de lavar a alma que compôs com Arnaldo Antunes. É o início de Todxs, seu quinto disco, seu trabalho mais ousado e o melhor álbum de sua carreira, que muda completamente o patamar onde ela está atualmente.
O clima romântico cai por terra logo na segunda faixa, “Eu Dou”, quando ela muda completamente o rumo do álbum, colocando o dedo em várias feridas comportamentais, cuspindo frases que sintetizam os interesses que coloca em jogo no álbum: “Dou uns pega, dou uns trago /Nas idéia, dou um trato / Dou pros lek, dou pras manas / Corpo laico, a gente ganha / Dou uns beijo, uns abraçaço / Demorô, bora orgasmo / Quatro e vinte, tô brisando / Tiro a zika e saio andando.” O groove, desenhado mais uma vez pelo teclado, desta vez conta com scratches de uma vitrola para sair do clima intimista da faixa de abertura – afinal é uma canção que fala, sem meios termos, “sou a buceta, não o caralho”.
A faixa-título, que conta com a participação do rapper Sombra, do grupo SNJ, confirma a suspeita: Todxs é um disco minimalista na sonoridade, delicado e sutil, embora tenha peso e groove. Esta aura musical é traduzida também nas letras, concluindo um processo de dois anos desde que ela começou a pensar no disco que sucederia seu Tô Na Vida, de 2015.
Ana começou a entender melhor o rumo que iria seguir a partir de seu envolvimento com o rap e com causas sociais. O marco deste envolvimento é o single “Respeita”, lançado no ano passado, em que ela rimava pela primeira vez e convidava a dupla Instituto (que revelou Sabotage, entre outros nomes do gênero) para produzi-la. Mas mais do que um rap, “Respeita” era uma conexão que Ana fazia com sua própria feminilidade e começar a levantar a bandeira do feminismo e traçar vínculos com movimentos negros, sem teto e de periferia.
Esta nova atitude seria revigorada pela série de shows em homenagem a Belchior, que fez ao lado de Karina Buhr e Taciana Barros (que também coassina a faixa de abertura). Esta última que apresentou Ana a Thiago Barromeu, e que veio acompanhar o trio de cantoras no tributo ao ao cantor e compositor cearense. A conexão com Thiago foi quase que imediata e aos poucos os dois começaram a conversar e a trabalhar juntos – fazendo shows apenas com violão ou experimentando com bases eletrônicas. Foi quando Ana o chamou para produzir o disco – o primeiro trabalho de Thiago nesta função.
Todxs também foi uma oportunidade de Ana se reencontrar como novos e velhos conhecidos, como Tim Maia, Itamar Assumpção, Carlos Posada e Chico Chico. O síndico ressurge em outro momento romântico do disco, na versão que Ana fez para “Eu Amo Você”, que foi eternizada por Tim. Já Itamar vem junto com Chico Chico, filho de Cássia Eller e novo parceiro de Ana, com quem tem feito shows em parceria (num destes, inclusive, conheceu o rapper Sombra, que chamou para rimar no disco). Chico e Ana consolidam este laço com a irresistível “Tua Boca”. O novo cantor e compositor Carlos Posada também é agraciado no disco com seu tocante poema “Tijolo”.
Mas são as novas canções de Ana Cañas que dão a cara do álbum. “Eu Dou”, “Todxs”, “Tão Sua”, a didática e hilária “Lambe-Lambe”, “Independer” (outra parceria com Arnaldo e Taciana) e o hit “A Onça e o Escorpião” mostram a cantora completamente à vontade com sua nova faceta, segura de si e de suas ideias, dando as cartas e determinando as regras de seu próprio jogo. Todxs consagra a maturidade dela tanto como cantora, compositora e personalidade pop e ela está pronta para enfrentar os dragões da maldade que aparecerem em seu caminho (coitado deles). Ana Cañas não está pra brincadeira – seu sorriso de canto e o olhar penetrante são apenas a tradução de canções prontas para conquistar um novo público. Não mexe com ela!
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