Música de Selvagem e o improviso livre remoto
Como gravar um disco de um grupo instrumental que baseia seu trabalho no improviso livre num período em que os músicos não podem se encontrar pessoalmente? O grupo paulistano Música de Selvagem responde essa questão com o projeto O Pensamento Selvagem, que será lançado nesta terça-feira, em que partiram do livro homônimo do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss para criar um banco de samples de sons pinçados da internet em uma extensa tabela sonora em que repassam o movimento contínuo do cru para o cozido em uma sequência de 94 faixas de 30 segundos – antecipando um destes trechos em primeira mão para o Trabalho Sujo, ouça abaixo.
“O Arthur Decloedt trouxe a ideia de lidarmos com o livro do Claude Levi-Strauss, O Pensamento Selvagem, pela associação com o título”, me explica o saxofonista Filipe Nader, um dos fundadores da banda ao lado do baixista Arhtur, sobre o processo criativo que deu origem ao disco. Começaram a fazer reuniões ao lado do baterista e pianista Guilherme Marques e do ensaísta André Goldfeder, que serviu como um guia para o grupo para a obra do pensador francês.
“Tinha uma ideia que a gente percebeu logo no começo dessas reuniões que era a ‘bricolagem’, que falava em conseguir usar as ferramentas que você tem à disposição de maneira criativa pra fazer as coisas que você quer fazer, numa oposição ao pensamento mais cartesiano”, continua Felipe, explicando como esta ideia tinha ideia com o conceito de improvisação livre, que é a base da lógica da banda.
Depois de reuniões conceituais, os quatro se reuniram à produtora Luisa Puterman, à vocalista Inés Terra e a narradora Tetembua Dandara para colocar esses conceitos em prática. “A gente ficou um tempão conversando sem fazer música, só discutindo sobre o disco, ideias, sobre como organizá-las numa narrativa estruturalista. “Tem um movimento no disco que acontece o tempo inteiro, que é entre o cru e o cozido, uma ideia do Lévi-Strauss pra organizar os mitos, que ele escreveu no livro Mitológicas”, continua Nader. “A gente pegou esse eixo e foi desenvolvendo com diferentes ideias, que deu origem a uma tabela gigante de movimento do cru para o cozido e aos poucos começamos a popular essa tabela com samples – e cada uma dessas ideias ganhou um sample. Como a gente não podia ter contato entre si, a gente se conectou uns com os outros a partir da ideia desses samples, era como se esses samples estavam no meio da sala e estivéssemos olhando para a mesma coisa”. Esses pedaços de música passaram por reprocessamentos e, enfileirados, tornam-se o disco que lançam nesta quarta.
Para ilustrar essa tabela, o grupo convidou a artista plástica Maria Cau Levy, que criou uma imagem para cada um dos 94 samples, que deu origem à capa do disco, também mostrada pela primeira vez aqui.
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