As 50 melhores músicas de 2008: 24) MGMT – "Kids"

Se o MGMT pode ser encarado como o filho improvável do LCD Soundsystem com os Flaming Lips, “Kids” é o desenho colorido que ele vem mostrar feliz. Construída ao redor de uma única frase musical, um mantra repetido num teclado cafona, ela é uma espécie de busca ao tempo perdido da infância através da dança, encontrando paralelos no quase autismo de qualquer criança no pequeno universo de seu quarto e a dança de olhos fechados na pista de dança indie. Synthpop disfarçado de psicodelia dance, “Kids” existe desde 2003 (quando o grupo ainda se chamava The Management) e funcionou como a base dos três pilares que tornaram a dupla nova-iorquina em um dos principais nomes de 2008.


MGMT – “Kids

Os 50 melhores discos de 2008: 25) Britney Spears – Circus

Aos poucos, Britney Spears vem construindo uma discografia considerável – e se afirmando como uma das artistas mais importantes da atualidade. Ponha as aspas no “artista” caso se o seu escárnio queira, mas mesmo que ela não mova um centímetro na concepção estética de sua carreira (o que é mentira), ela tem uma qualidade que funciona sob quaisquer condições, uma espécie de fotogenia tridimensional, que faz com que ela se encaixe em toda paisagem em que é posta, no topo do pop adolescente ou no fundo do poço sensacionalista. Enumere todas as cantoras da recente safra de “novas musas” desta década e só com muita boa vontade todas elas, juntas, podem chegar perto do impacto de Britney – talvez apenas Amy a peite de igual para igual, o que aumenta ainda mais a importância de Ms. Winehouse (dado que, primeiro, ela é uma artista no sentido tradicional do termo e, depois, poir possuir apenas dois discos na carreira e três anos de exposição), mas essa é outra história. Mesmo completamente produzida pelos powers-that-be de uma indústria que insiste em negar a própria derrocada, Britney reúne méritos que vão além de sua futilidade pessoal ou de sua voz de pato – e funciona seja produzida pelo N*E*R*D ou James Murphy, seja num filme adolescente qualquer, mostrando a calcinha, participando de um seriado ou regravando Bobby Brown. Circus, aclamado como “grande volta” por quem só foi ouvir “Gimme More” do começo de 2008, na verdade é a continuação de uma reinvenção iniciada em Blackout, em que Britney sacode a poeira de dois fantasmas do passado – o ícone teen e a biatch pé-na-jaca – e se reveste com a cobertura que provavelmente a acompanhará por toda a carreira, a de diva pop, equiparando-se a Madonna e Kylie Minogue, enquanto deixa para trás Rihannas, Aguilleras, Katy Perrys, Feists, Duffys e Adeles. O único porém é sua insistência em baladas horrorosas – e em Circus elas são “Out from Under” e “My Baby”. O resto, no entanto, desce redondíssimo e funciona em qualquer situação e não apenas na pista de dança.

25) Britney Spears – Circus


Britney Spears – “Circus

Os 50 melhores discos de 2008: 26) Beck – Modern Guilt

Se analisarmos as carreiras de Dangermouse e Beck ao mesmo tempo, é possível traçar diversos paralelos, de diferentes naturezas, sejam estéticas ou temáticas, que levariam ambos a, inevitavelmente, trabalharem juntos em algum momento de suas vidas. Mas ao mesmo tempo em que seus marcos e clássicos (“Loser”, o Gray Album, Odelay, “Feel Good Inc.” e “Dare”, The Information, “Crazy”, Midnite Vultures) tendem a rotulá-los como artesãos do pop descartável irônico, como se fossem artistas plásticos que descobriram o toque de Midas do hit e o usassem sempre tendendo à brincadeira e ao humor, existe um lado negro intrínseco aos dois. E longe do soul ensolarado e da psicodelia pseudo-californiana (olhando direito, o Beck é pai do MGMT) existe uma tristeza de blues que ambos não escondem em sua música, embora deixem propositalmente em segundo plano, como um segredo que só os amigos mais próximos podem saber. Sob este ponto de vista, toda carreira do produtor que é metade do Gnarls Barkley torna-se subitamente melancólica – da cor escolhida para sua estréia no showbusiness (o cinza do mashup de Beatles com Jay-Z) à dor recolhida tanto em “Crazy” quanto em qualquer outra música de sua dupla com Cee-lo – sem contar o tom noturno que sua produção deu a discos tão diferentes quanto à estréia do The Good, The Bad & The Queen quanto o último do Black Keys. Beck, por sua vez, destila sua tristeza quase sempre sozinho, caminhando por pântanos e praias à noite, ao violão (Mutations) ou ao piano (Sea Change), sempre sublinhando sua necessidade por mudança. Em Modern Guilt, o azul da paisagem é composto por samples e colagens sonoras, mas nunca com as cores quentes do humor infantil, dos trocadilhos espertinhos ou da nostalgia retrô. Não que isso queira dizer que o disco é horizontal e sem solavancos – pelo contrário, o groove e o ritmo tomam conta de quase todas as músicas, embora na maioria das vezes tenha uma função meramente contemplativa, de balançar a cabeça concordando enquanto se dirige. É isso: em vez de outro passeio apreciando a natureza, Beck se propõe à introspecção na estrada, pegando carona com motoristas que são diferentes personalidades de Dangermouse.

26) Beck – Modern Guilt


Beck – “Youthless

As 50 melhores músicas de 2008: 25) Does it Offend You Yeah? – "We Are Rockstars"

Qual é o melhor exemplo do maximalismo que toma conta da música de pista hoje em dia? Os riffs metal do Justice? O pânico desenfreado do Goose? O quase-rock do Digitalism? O brutalismo ritmico do MSTRFKRFT? Embora surja em diferentes praias (as bandas listadas vêm da França, Bélgica, Alemanha e Canadá), a música que talvez melhor sintetize essa tendência, que começou a desenrolar a partir do raivoso Robot Rock do Daft Punk, seja o hit do quarteto inglês Does it Offend You Yeah?, que, no meio de bordoadas sintetizadas, sirenes, efeitos, vocoders, cowbell e levada de rock ainda resume, bem ou mal, o que anda acontecendo com a música em tempos de redes sociais:

You’re all rock stars now in a network town
theres no place to go,
to be on your own
making friends and foes
watch the network grow,

Will you find a time
when you’re not online
standing all alone,

Where’s your real friends now?
you have let them down
you’re a download pal.

Yeah.

25) Does it Offend You Yeah? – “We Are Rockstars

As 50 melhores músicas de 2008: 26) Empire of the Sun – "Walking on a Dream"

Um novo redesenho na geopolítica da música pop vem lentamente valorizando a canção tradicional – e ele vem, improvavelmente, da mesma música eletrônica que ajudou a demolir o formato introdução-estrofe-refrão-estrofe-refrão-instrumental-refrão-fim. E à medida em que duas cenas tradicionalmente coadjuvantes à história da música pop, a França e a Austrália, vão se movendo para o centro do palco principal graças às suas recentes safras de dance music, juntos trazem na bagagem o apreço pela canção perfeitinha, com começo, meio e fim. Os sabores utilizados para esse resgate, no entanto, passam longe do pop clássico dos anos 60, preferindo buscar, como base, o power pop dos anos 70 e o pop sintético dos 80. É essa melodia que faz bandas tão diferentes entre si soarem como uma cena – o que une, na França, Daft Punk, Air, Phoenix, Justice, Yelle e Stardust e, na Austrália, Cut Copy, Van She, Midnight Juggernauts, Ladyhawke e Presets. A dupla Empire of the Sun, formada por integrantes de outras bandas australianas (Luke Steele, líder do Sleepy Jackson, e Nick Littlemore, que toca no Pnau e no Teenager), batizou seu disco de estréia com o nome de sua melhor canção, que resume rapidamente o tipo de resgate que essa cena vem provocando. E à medida em que Sydney e Paris se aproximam, ecos desta nova canção aos poucos surgem em diferentes partes do planeta, seja na Nova York do MGMT e do Yeasayer ou na Inglaterra que viu sugir o Friendly Fires e o Late to the Pier.

26) Empire of the Sun – “Walking on a Dream

Os 50 melhores discos de 2008: 27) Burro Morto – Varadouro

O quarteto paraibano Burro Morto pode ser encarado como mais uma das bandas a engrossar o coro da cena instrumental que cada dia se torna mais forte à medida em que a primeira década do século termina. Mas há pouco pós-rock e noise na equação do grupo, aproximando-o muito mais de um cânone que, apesar de não ser propriamente nordestino, tem raízes fortes naquela região. É uma geração cuja criatividade foi desperta e liberada pela Nação Zumbi ainda com Chico Science e que encontra ecos no Instituto, no Cidadão Instigado, no dub de Lucas Santtana ou na psicodelia do Guizado. O som é um híbrido de gêneros setentões afeitos á jam session, como o funk, o jazz-funk e o jazz-rock, mas temperado com psicodelia africana, timbres elétricos, dub e efeitos hipnóticos. Em quatro músicas, eles mostram que não estão pra brincadeira.

27) Burro Morto – Varadouro


Burro Morto – “Navalha Cega

As 50 melhores músicas de 2008: 27) Hercules & Love Affair – "Blind"

A percussão começa levinha, devagar, e em menos de dez segundos, o baixo e os efeitos nos jogam em um trecho dos anos 70 em que a disco music ainda não tinha sido efetivada como gênero musical e caminhava à espreita por inferninhos nova-iorquinos que nunca imaginariam que aquele som poderia atingir um público massivo. Mas o aspecto retrô de “Blind” começa a se desfazer assim que Anthony começa a cantar – com seu timbre operístico e tom sóbrio avançam anos à frente, ultrapassando tanto o techno de Detroit quanto a house de Chicago, descambando em samples de metais que se misturam e pulsam à medida em que chegamos aos “feeling…” cantandos no refrão. Com melodia discreta, letra indie e produção precisa, A faixa resume a tensão de 2008 sem cair apenas na melancolia pessimista ou no desespero vazio característicos do ano. Uma canção introspectiva construída sobre uma base igualmente militar e funky, “Blind” é um clássico instantâneo.

27) Hercules & Love Affair – “Blind

Os 50 melhores discos de 2008: 28) Black Keys – Attack & Release

De quando é esse disco mesmo? Os Black Keys sempre caminharam para trás, enquanto toda dupla guitarra-bateria queria fugir de qualquer sonoridade retrô, Dan Auerbach e Patrick Carney apontavam cada vez mais para o passado – como se lamentassem que toda geração alt.country e pós-folk ignorasse a influência da eletricidade no espírito da música americana do século 20. Com a produção assinada por ninguém menos que Danger Mouse (que, a princípio, tinha convencido a dupla a compor um disco para o Ike Turner – e que depois da sua morte acabou se transformando no Attack & Release – valeu Danilo!), o quinto disco dos dois é de uma ignorância selvagem sequer referida pelo século 20. E assim o disco nos leva para ensaios do Experience de Jimi Hendrix, para jam sessions contínuas do Crazy Horse, para a Band com Dylan castigando seus ex-fãs ortodoxos, para a épica ausência de sutileza do Led Zeppelin ou um fim de tarde interminável com os Derek & the Dominos. Não deixe se enganar pelo hit “Strange Times” – a única concessão do disco para o mundo moderno (funciona tanto na pista quanto no GTA IV) -, Attack & Release é um disco de blues rock com cheiro de poeira e certa fumaça psicodélica no ar, o suficiente para embriagar o ambiente já tomado pela rispidez hipnótica da guitarra e pela selvageria lenta da bateria.

28) Black Keys – Attack & Release


Black Keys – “Strange Times”

Os 50 melhores discos de 2008: 29) João Brasil – Big Forbidden Dance

Ok, a fórmula é a mesma do Girl Talk, mas, começando pelo fato de João ser do Brasil, as coisas são bem diferentes. Pra começar, Big Forbidden Dance não é só uma reinvenção de uma carreira – e sim mais uma camada na obra de um artista que tem músicas batizadas de “Cobrinha Fanfarrona” ou “Mônica Waldvogel”, autor de um hit preciso (a indefectível “Baranga”, cujo clipe homenageia “Sultans of Swing” do Dire Straits) e parceiro de cariocas tão diferentes quanto Mr. Catra (“Pau Molão”) e De Leve (“Mamãe Virei Capitalista”). João Brasil chama-se João Brasil (não é nome artístico) e leva às últimas conseqüências o dúbio gosto que assola nossa nacionalidade. O que é brega e o que é fino para o brasileiro? Big Forbidden Dance, portanto, pode ser visto como um manifesto sobre o que é considerado de mau gosto pelo brasileiro (e inclusive nesse ponto não deixa de ser um disco essencialmente tropicalista) ao mesmo tempo em que uma apropriação carioca da metralhadora de mashups bolada por Greg Gills – a diferença aqui está, basicamente, na referência de bom/mau gosto. Boa parte do hip hop que toma conta dos dois discos do Girl Talk são o equivalente americano do pagode – que João substitui pelo funk carioca. E usando loops e loops de tambozão e atabaques eletrônicos, ele vai costurando hit atrás de hit, cutucando a nossa memória ao mesmo tempo em que força a dança. E tome “Feira de Acari” com “Ghostbusters”, Farofa Carioca com Faith No More, “Besame Mucho” com Grandmaster Flash, Lenny Kravitz com Iron Maiden, Digitalism com “Gimme More”, “Big in Japan” com Avril Lavigne, “Som de Preto” com Mallu Magalhães, RPM com LCD Soundsystem, Soup Dragons com “How We Do” (que mais na frente encontra o tema de Indiana Jones),”D.A.N.C.E.” com “Don’t Stop til You Get Enough” (ou melhor dizendo, o tema do Video Show). É como se perguntasse, entre dezenas de hits estrangeiros, o que diabo tem nesse país que consegue produzir Roberto Carlos, João Gilberto, Mutantes, Raul Seixas, Sepultura, Racionais, Cansei de Ser Sexy, Belo e o “Créu”?


29) João BrasilBig Forbidden Dance

As 50 melhores músicas de 2008: 28) Little Joy – "Brand New Start"

Dá pra sentir o fardo que o Los Hermanos vinha sendo nos ombros de Rodrigo Amarante no jeito que ele canta na primeira música que o Little Joy revelou ao mundo – ao mesmo tempo em que se inclina para trás, sua voz parece sair com um sorriso escancarado, acompanhado de uma guitarra posicionada entre o Havaí e alguma praia do sul da Bahia. De férias com uma banda californiana, ele parece está devolvendo para o mundo ensinamentos que aprendeu com Lulu Santos no Brasil: da tranqüilidade atmosférica ao calor tropical, passando pela métrica conversada, um refrão pra ser cantado em grupo ou a dois e melodias que grudam no cérebro como se viessem de fábrica.

28) Little Joy – “Brand New Start

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