Marcha da Maconha em São Paulo: essa história só começou
Foto: Folha
“Kassab, seu sem vergonha, o busão está mais caro que a maconha“
Cheguei em cima da hora no debate de sábado lá no Sesc e o Mesac estava contando que havia pego o maior trânsito para chegar no local, enquanto a Daniela já havia ligado pra dizer que iria se atrasar, pois estava no meio de uma confusão na avenida Paulista. Era a Marcha da Maconha. Mas não dava pra ter noção que tinha sido assim:
Ricardo Galhardo, no Ig:
Um grupo de manifestantes foi negociar com a PM. O capitão Del Vecchio deu prazo de 10 minutos para que a pista fosse desobstruída mas três minutos depois ordenou uma nova carga da Tropa de Choque.
Até então não havia confronto. Os manifestantes continuavam marchando pacificamente pela avenida aos gritos de “eu sou maconheiro com muito orgulho, com muito amor“ ou “ão, ão, ão liberdade de expressão”. Quando os ataques da PM se intensificaram, já no final da avenida, perto da rua da Consolação, alguns responderam jogando garrafas de vidro. A reportagem contou três garrafas atiradas pelos manifestantes. Nenhum policial ficou ferido.
Bombas e tiros foram disparados contra quem estava nas calçadas. O repórter do iG foi ferido nas costas por estilhaço de uma bomba de efeito moral quando estava na calçada. O repórter Fabio Pagotto, do “Diário de S. Paulo”, foi atropelado pela moto do tenente Feitosa e agredido por outros policiais quando tentou reclamar. O tenente se desculpou dizendo que a moto da Polícia Militar estava sem freio.
Grupos conservadores
A tensão começou ainda na concentração. Enquanto os manifestantes pró-maconha se reuniam no vão livre do Masp, um grupo de 25 manifestantes pertencentes às organizações conservadoras União Conservadora Cristã, Resistência Nacionalista e Ultra Defesa esperavam do outro lado da avenida, na frente do Parque Trianon.Eles foram revistados pela PM, que também checou os documentos para saber se algum deles tinha passagem pela polícia. Embora rejeitem os rótulos de skinheads ou neonazistas, quase todos tinham os cabelos raspados. Alguns exibiam tatuagens com suásticas, a cruz pátea (ou cruz de ferro) e outros símbolos nazistas como a caveira com ossos cruzados usada pela SS, a tropa de elite de Aldolph Hitler.
“Não somos skinheads nem neonazistas. Somos conservadores. Alguns tiveram experiências na juventude e por isso têm tatuagens mas começaram a estudar a teoria conservadora e evoluíram. Alguns são carecas porque praticam jiu-jitsu”, explicou Antonio Silva, da Resistência Nacionalista.
Quando mais de 700 manifestantes pró-maconha (segundo a PM, ou 1.500 segundo a organização) iniciaram o protesto, eles marcharam em fila até o vão livre do Masp e se posicionaram com cartazes contra as drogas.
Apesar das orientações de ambas as partes para que não houvesse confronto, foi uma questão de minutos até que integrantes dos dois grupos partissem para a provocação. A situação quase saiu de controle quando o vendedor Bruno Leonardo, vestindo terno preto e óculos escuros, chamou os conservadores de egoístas.
Os manifestantes anti-maconha começaram a gritar de forma ameaçadora “fora CQC”, confundindo o vendedor com os apresentadores do programa humorístico da Band.
“Não era o CQC? Putz! Que mancada”, admitiu Antonio Silva.
A situação se acalmou quando a marcha saiu pela avenida Paulista aos gritos de “ei, polícia, maconha é uma delícia” ou “onha, onha, onha, eu quero debater”, ou ainda “ei Plínio Salgado (líder integralista brasileiro morto em 1975) fume um baseado”.
Quando a Tropa de Choque partiu brandindo os cassetetes nos escudos no encalço dos manifestantes, os conservadores foram ao delírio gritando “fora maconheiro, fora maconheiro”.
Acionada por meio da assessoria de imprensa, a PM não respondeu por que a ação foi violenta, por que jornalistas foram agredidos e por que o tenente Feitosa usava uma moto sem freio.
Camilo, no Bate-Estaca:
Outro dia, ouvi uma tiazinha reclamando sobre a “inversão de valores” dos dias de hoje.
Bom, eu vou falar sobre uma inversão de valores de dar tontura. É uma cena que resume bem o que foi a tarde deste sábado (21) em São Paulo, quando a PM paulistana avançou com bombas, balas de borracha e cacetetes para cima dos manifestantes da Marcha da Maconha.
Pois enquanto a PM “cumpria seu dever”, agredindo fisicamente cidadãos que exerciam seu direito à expressão e manifestação, skineads neo-nazis aplaudiam a cena. Tipo torcida mesmo.
Não era para ser o contrário? Não era para o fascista, aquele que abomina a diversidade de opinião e a sociedade plural, ser não o perseguido pelo cassetete, porque também não queremos isso, mas aquele que vive envergonhado, cochichando suas ideias rasteiras pelos cantos escuros?
Mas não. No dia 21 de maio de 2011, em São Paulo, o fascista andou de cabeça erguida, peito cheio e muito à vontade, muito feliz com o que estava vendo.Não é o caso de entrar aqui no mérito da legalização, da descriminalização, do mal que a maconha pode fazer. Isso é assunto para outro (s) texto(s).
Porque na Marcha da Maconha, a maconha é só um detalhe. O que se pede é algo bem mais amplo e que afeta quem fuma e quem não fuma: liberade de escolha e de expressão.
Se o ex-presidente FHC (do mesmo partido do governador do Estado) pode participar de um filme que defende uma nova política para as drogas, por que os mais de mil participantes da marcha não podem sair na rua e também pedir mudança?
Doente está uma sociedade e um governo que impedem cidadãos de dizerem o que pensam em público. E impedem com truculência e agressão.
E linka o vídeo:
“Meu olho está vermelho é de gás lacrimogênio”, diz o Sakamoto, que emenda o PS:
Ao trazer uma opinião dos organizadores da Marcha da Maconha nesta sexta, afirmei que a discussão não é apenas sobre como a sociedade encara o consumo de drogas tidas como ilícitas, mas também quais os limites para a liberdade de expressão. Pois não é compreensível que o Estado garanta a segurança de pessoas que protestem contra a sexualidade alheia e desça o cacete em quem defende um ponto de vista diferente sobre o consumo de maconha. Presenciando as cenas de hoje, acho que meu comentário foi bastante premonitório.
O Torturra separou umas fotos…
E manda:
Eu arrisco dizer que havia duas mil pessoas marchando pela Paulista. A causa não era mais a legalização da maconha, exatamente. Era um protesto pelo direito de pedir a legalização da maconha. Uma planta de inequívocas propriedades medicinais, industriais e e dona de uma amistosa psicoatividade. Eis todo o problema. Psicoatividade. Que, para mim, mostra o que está por trás dessa tarde de sábado: consciência. E o que fazer para alterá-la. Aos fatos:
Análises médicas do gás lacrimogênio indicam que ele causa danos ao fígado e ao coração. Também é indutor de anomalias genéticas em células mamárias (aka câncer de mama). Quando metabolizado, o gás CS deixa traços de cianureto no corpo humano… coisas assim. Fatos que duvido que conste nas cartilhas de formação de um PM como o Cap. Del Vacchio (no mesmo sábado, 93 novos soldados ganharam seus espadins, gaba-se o único tweet do dia do @pmesp). Ou nos calhamaços dos exmos. juízes do TJ. Duvido que a toxidade do gás lacrimogênio conste no repertório do médico Geraldo Alckmin, hoje governador de São Paulo. Mas foi essa a substância que a Força sobre seu comando atirou, em pleno sábado de sol, em gente indefesa, pelas costas, por discordar de uma lei – o que apenas circulavam por São Paulo na hora errada.
A troco de que? O parecer do desembargador Teodomiro Mendes é claro: “o evento que se quer coibir não trata de um debate de ideias, apenas, mas de uma manifestação de uso público coletivo de maconha, presentes indícios de práticas delitivas no ato questionado, especialmente porque, por fim, favorecem a fomentação do tráfico ilícito de drogas (crime equiparado aos hediondos)”.
Sim, eu vi gente acendendo baseados na marcha. Imediatamente reprimidos pelos próprios participantes que, em grupo, falavam que “não era a hora”. Toda a argumentação que vi na Marcha é em torno de um debate de ideias que, invariavelmente, aponta para a extinção do tráfico (“equiparado aos crimes hediondos”) através do cultivo legal de canabis (equiparado à jardinagem).
Sim, eu vi gente sendo presa na marcha. Ninguém por porte de drogas. Apenas por distribuir um jornal, e debater ideias, chamado “O Anti-proibicionista”, feito pelo coletivo DAR. A polícia não deu satisfações aos jornalistas que questionavam o motivo da prisão. Tive uma escopeta (com balas de borracha, suponho) apontada para mim quando tentei me aproximar para fotografar um dos membros do coletivo indo em cana.
E o repórter da Folha apanhou da polícia. Pesado:
Diz a Falha de S. Paulo, do Lino:
Menos de 24 horas antes de seu começo ela foi proibida pela Justiça — o nobre magistrado entendeu que, se você quer discutir a lei, na verdade você faz apologia. A marcha estava pacífica. Mais: foi fechado um acordo com a polícia para que não fosse usada a palavra “maconha” e a passeata foi renomeada para passeata pela Liberdade de Expressão. “Eu estava lá quando esse acordo foi fechado, foi feita assembleia na frente de todo mundo. E tudo o que foi combinado com a polícia foi cumprido, mas de repente a Tropa de Choque chegou na avenida Paulista jogando bomba e gás lacrimogêneo”, conta à fAlha Alexandre Youssef, um dos amigos presente ao ato. “Não há justificativa alguma para o que a polícia fez. Não se pode impedir a discussão. Alguém tem que responder por isso”, comentou à fAlha o também amigo –e jornalista– Bruno Torturra.
E o Pedro Alexandre também esteve por lá:
Tudo são flashes na lembrança, mas o público a priori me pareceu diferente do da semana passada, bem ali do lado, na avenida Angélica, o churrascão a favor do metrô na “sofisticada” (e aparentemente pacata) Higienópolis. Parecia ter uma cor mais “roots” a passeata de hoje, não tenho certeza. Mas ela vinha estranhamente depressa, rápida demais.
De slogans de manifestação, só consegui ouvir um, bastante agressivo: “Ei, polícia! Maconha é uma delícia”. “Xi, estão belicosos”, pensei. Mas a explicação foi quase simultânea. A tropa de choque vinha no encalço da turma. Jogando bombas.
Vão falar que eram bombas de efeito moral, bombas que não matam ninguém, bombas que só fazem verter lágrimas amargas, bombas de licor narcótico permitido pela “lei”. Não importa. Tá, sou burguesinho aqui em São Paulo, mas nunca antes na história deste país (e deste Pedro) eu tinha ouvido uma bomba de gás lacrimogênio estourar do meu lado.
O efeito que teve, para mim, foi de uma BOMBA. Uma. Duas. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Depois da primeira bomba explosão que ouvi, lançada na Consolação ainda acima da Maceió, a turma começou a correr. A passeata virou São Silvestre, amarga São Silvestre.
A tropa de choque ultrapassou em um segundo o ponto onde eu estava, eles sabem perfeita e calculadamente dispersar uma multidão, se assim o quiserem. E eu continuei descendo a Consolação a pé. Até chegar na altura da rua Maria Antônia, ouvi no mínimo oito explosões de BOMBA. Tá, de gás para chorar, éter, lança-perfume, loló, droguinha legalizada pelo e para o poder público. Para mim eram BOMBAS. Cheguei a lacrimejar – mas essas lágrimas não foram nada perto das que já me tinham brotado nos olhos (e na esquina da Maceió), assim que comecei a entender o que estava acontecendo.
Será que essa história vai ficar por aí? Será que não era o caso de aproveitar toda aquela animação do #churrascãodiferenciado? Nem a novela nova do SBT sobre a ditadura conseguiu produzir imagens tão fortes quanto essas da polícia do Alckmin (mentira, o beijo da Vendramini foi altos)… Isso é só truculência, não dá pra ficar só assistindo.
Afinal de contas, a rua é de todo mundo.
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