A lunação de Juliana Kehl

, por Alexandre Matias

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Juliana Kehl escolheu o início de 2017 para retomar sua carreira, interrompida por questões pessoais há quatro anos. De lá pra cá, a cena paulistana que ela pertencia floresceu e tornou-se um dos principais cenários da música brasileira atual e foi natural que recomeçasse ao lado dos velhos amigos. Assim, seu segundo disco, Lua Full, que ela lança nesta sexta-feira nas plataformas digitais e com um show no teatro do Sesc Pompéia no dia 20 de janeiro, reúne vários amigos – desde os produtores Gustavo Ruiz e Luiz Chagas (respectivamente irmão e pai – e guitarristas – de Tulipa Ruiz), Marcelo Jeneci, Thiago Pethit, Serena Assumpção, Zé Pi e a irmã Maria Rita Kehl, O trabalho começou a ser divulgado na semana passada, quando ela lançou o clipe de “Ladainha”, composição de Alice Ruiz, Alzira Espíndola e Estrela Ruiz Leminski. Outra versão do disco é “Desterro”, de Reginaldo Rossi.

A capa do disco, que ela adianta com exclusividade para o Trabalho Sujo, foi feita por ela mesma. “Sou formada em artes plásticas e me meti a fazer a arte dos discos, o que torna tudo um verdadeiro parto”, explica. “Criei seguramente umas dez capas diferentes, todas com fotos. Um dia joguei tudo fora e resolvi fazer um desenho baseado num selfie que tirei no estúdio durante a gravação, e pronto, finalizei em um dia.”

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O show de lançamento deve ter participações de Thiago Pethit e do Zé Pi e “algumas surpresas para o repertório”, como ela adiantou. Abaixo, o papo que tive por email com ela sobre o disco Lua Full, batizado em homenagem à música que compôs com Serena Assumpção.

Por que você ficou tanto tempo sem gravar?
Foi um hiato de quatro anos. A última coisa que gravei antes do Lua Full foi uma faixa no disco Mulheres de Péricles lançado pelo Jóia Moderna. Em 2012 engravidei de gêmeas, foi uma gravidez chatinha, com repouso. Elas nasceram um pouco prematuras e foi tudo bem difícil no começo e logo em seguida me separei. Minha vida virou um turbilhão e precisei me dedicar integralmente às meninas e à minha recuperação. Tive depressão pós-parto, o combo todo.

O que fez você achar que era a hora de voltar?
Uma hora fiquei forte de novo, terminei a tarefa de juntar os caquinhos. Voltei a pensar em música e a compor. Aliás, a primeira canção que ficou pronta foi “Lua Full”, parceria minha com a Serena Assumpção. Era muito forte a vontade de cantar, ouvir minha própria voz soando de novo.

E como esta ideia começou a se materializar em disco?
Quando tinha uma meia dúzia de músicas prontas liguei pro Gustavo Ruiz e sugeri que ele e o Luiz Chagas, pai dele, produzissem o disco. Sou muito fã dos dois, tenho um amor enorme por essa família. Por coisas do destino, a estreia do Gustavo como produtor foi no meu primeiro disco e a estreia do Chagas no Lua Full. Eu gosto da ideia de uma dupla produzindo, meu primeiro disco foi assim – produzido pelo Gustavo Ruiz e Dipa -, queria repetir a experiência.

Fale sobre os produtores e as participações do disco.
O Gustavo e o Chagas têm um entrosamento quase hipnótico, são complementares tanto na linguagem quando no temperamento pra conduzir o trabalho no estúdio. O Gustavo é um erudito, minucioso, preciso, o Chagas tem um tempo só dele, uma interferência econômica no ambiente, mas quando toca já vem com um riff pronto, uma frase de guitarra genial.
A história da canção “Anoiteceu” começou em 2008 quando vi o Zé Pi tocando a música na casa de uma amiga. Cheguei pra ele e falei “Zé, guarda essa música pra mim que vou gravar.” Ele gravou a música antes de mim, no disco solo dele, Rizar, de 2015, também produzido pelo Gustavo Ruiz. Mas acabamos criando um arranjo bem diferente da original, super intimista e melancólico, adoro essa canção. “Red Number” tinha que ser do Pethit. A gravação foi deliciosa, tão entrosada que o Gustavo Ruiz sugeriu, seriamente, que eu monte uma dupla com o Thiago estilo Jane e Herondy. Eu achei mais simpático PJ Harvey e Nick Cave.

Quando o disco foi concluído?
O trabalho foi concluído no começo de 2016 quando também faleceu minha querida amiga e parceira Serena Assumpção com quem eu compus “Lua Full”. Foi um choque e uma tristeza, um sentimento de impotência por perder alguém tão jovem e importante na minha vida. O nome do disco é uma homenagem para a Serena.

Como você vê a atual música popular brasileira?
Vou falar de aspectos menos artístico e mais práticos. Batalhei muito pra conseguir terminar meu disco e colocar ele na rua e vejo a maioria dos meus amigos fazendo o mesmo. Música no Brasil virou sinônimo de resistência, administracão permanente da incerteza, conseguir patrocínio, não conseguir patrocínio, sobreviver de música. Ao mesmo tempo, existe uma enorme necessidade em manter a chama acesa, a insistência na arte, música, cultura. Somos quase todos sobreviventes, com orgulho.

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