Lost por Alexandre Maron

, por Alexandre Matias

A gente fica falando e falando sobre o quanto Lost é relevante, revolucionário, multiplataforma, transmedia, enigmatico e tudo mais. Mas o que importa, o que sempre fez toda a diferença do mundo, é que Lost é bom demais. Simples assim.

Agora, jogar adjetivos ao vento é simplificar demais. Por que “bom demais”? Poucas vezes eu vi um equlíbrio tão preciso entre história (o episódio da semana e a grande trama que serve de pano de fundo) e caracterização (as personalidades complexas dos personagens que movem a história). Os escritores se deram a chance de explorar sem pressa cada item que julgavam importante para a história que queriam contar. Convenhamos que isso não é comum para um programa exibido na TV aberta Americana, a mais impiedosa do mundo quanto ao resultado de sua programação.

Durante essa jornada, a trama inicialmente nebulosa foi tomando forma e os segredos sendo revelados. Os escritores habilmente manobraram as expectativas das tribos de fãs oferecendo, lá e cá, fé e ciência, mas quem ia vendo sua teoria de estimação descartada, muitas vezes se desinteressava pelo programa. Era o choque dos homens de fé (as teses místicas) e os de ciência (os ratos do sci-fi). Quem achava que eles estavam mortos, ou que eles eram avatares, ou que habitavam um limbo espiritual, ou ou ou…

Nessa jornada, aprendemos a jogar de uma maneira nova. Muita gente nunca se tocou que um romance de mistério, um “whodunit” clássico, é um jogo entre o leitor e o escritor. Estão brincando uma mistura de Esconde-esconde e, sei lá o nome daquela brincadeira de “tá quente-tá frio”. Lost trouxe isso pro terreno da multimedia-multiplataforma e explodiu as cabeças de uma geração que achava que só havia um jeito de acompanhar uma trama. Quando alguém tenta explicar o que é esse negócio de narrativa transmedia, Lost é o exemplo perfeito, o estudo de caso. Pense nisso: uma geração de espectadores do mundo todo aprendendo a jogar com sua série. Uau.

Mas chamar uma audiência de milhões de pessoas para… jogar? Era óbvio que a coisa ia filtrar seu público. Sobramos nós, que ouvimos o chamado de Darlton (o nome ridículo dado à entidade formada por DAmon Lindelof e CARLTON Cuse) materializado no refrão da música “Make Your Own Kind Of Music”, cantada por Mama Cass Elliot, tocada na primeira cena do primeiro episódio do segundo ano:

“You gotta make your own kind of music
Sing your own special song
Make your own kind music
Even if nobody else sings along”

Esperamos semanas entre episódios que entregavam uma gota de informação, meses entre temporadas. Minha mulher, irritada com as doses homeopáticas de informação no segundo ano da série, cunhou a frase: “é muito pouco pela minha fidelidade” (Hummm, penso sempre nessa frase em outros contextos e fico bem espertinho, sabe. Mais uma informação importante que Darlton me deu).

E, caramba, como somos globais, somos muitos. Dezenas de milhões em todo o mundo. Gente que aprendeu a fazer downloads e catar legendas, operar gravadores digitais, ressuscitar videocassetes, ficou de olho na tela do AXN, acompanhou a exibição diária na Globo no início do ano ou esperou pelos lançamentos anuais das caixas de DVDs. Tudo para saber o que estava por trás daquele fatídico acidente do vôo 815 da Oceanic Airlines. Ou da escotilha, ou o que acontecia na outra ilha, ou porque os Oceanic Six tinham que voltar ou agora: o que diabos é aquela luz no coração da Ilha? Agora queremos saber como vai ser nossa vida depois de, bem, do fim.

Somos talvez menos do que quando Lost podia ser qualquer coisa, naqueles primeiros e nebulosos dias. Mas agora estamos em todo lugar, conectados por um programa revolucionário, genial e que, na essência, pode ser definido, depois de tantos rodeios, como smplesmente bom demais.

* Alexandre Maron é do tempo em que se orgulhar de ser nerd era motivo de vergonha.

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