Loki

Milosevic Garage

Ondas rebeldes

“Rádio Guerrilha” narra a Guerra da Bósnia a partir das emissões de uma emissora alternativa

Era 1992 e o tempo fechava sobre a ex-Iugoslávia. Com seu comandante eleito, o ex-comunista Slobodan Milosevic a atiçar velhas rixas étnicas em nome do renascimento quase sagrado de uma Sérvia ancestral, um lento e doloroso Vietnã começava a ser desenhado no mapa do Leste Europeu, recém-ingresso no mundo capitalista após a falência do sistema soviético.

Na contramão dos países que antes formavam a Cortina de Ferro, o antigo império dos Balcãs entrava em uma ditadura arcaica, que fingia não interferir no nacionalismo extremo e no genocídio desenfreado, quando, na verdade, era seu principal incentivador. E sob aquele clima de paranóia, perseguição e proibição que acompanha qualquer guerra, uma pequena rádio jovem resistia bravamente à programação de mídia estatal e à agenda de Milosevic, intercalando relatos e depoimentos da linha de frente do campo de batalha com doses cavalares de Clash, Pixies, Public Enemy e Sonic Youth.

Versão chapa-branca
Até que, um dia, seus ouvintes se deparam com outra rádio, embora atuando sob o mesmo nome. Fora o pop barulhento vindo do exterior e o dedo na ferida de seu noticiário; em seu lugar, canções tradicionais e hinos militaristas se alternavam com versões chapa-branca para os acontecimentos no país.

A conclusão dos ouvintes foi inevitável: censuraram a rádio. E eles passaram a ligar para a emissora, quando eram atendidos por uma telefonista igualmente correta, que apenas dizia que a rádio era a mesma, mas havia mudado um pouco.

Depois de quase um dia inteiro de reclamações, o diretor da rádio, o jornalista Veran Matic, baixou a guarda e revelou que tudo não passava de uma brincadeira baseada nos rumores de que a rádio seria fechada.

Foco de resistência
Voltou a tocar, no dia seguinte, sua programação normal, incluindo os telefonemas dos ouvintes indignados com a mudança editorial de mentira. Só uma coisa mudou: seu slogan passou a ser “não confie em ninguém, nem na gente”.

Esse é um dos inúmeros “causos” reunidos no livro “Rádio Guerrilha – Rock e Resistência em Belgrado”, do inglês Matthew Collin, que conta a história da emissora B92 -depois, B2-92-, uma brincadeira de estudantes de comunicação que se tornou um dos principais focos de resistência política quando o horror da guerra assolou a velha Iugoslávia.

A rádio foi criada em 1989 como uma espécie de paródia às comemorações do aniversário do antigo líder comunista Tito, morto em 1980, para ter apenas duas semanas de existência. Mas a brincadeira deu gosto e logo a rádio continuaria com duas frentes que se bicavam: a do jornalismo independente e a da rádio rock. A fonte de atrito vinha do jornalismo da emissora, que achava que a rádio tinha uma programação musical extrema, que repelia ouvintes em potencial.

Mas prevaleceu a visão de Veran Matic, estudante de literatura que abandonou a vida acadêmica para dedicar-se ao jornalismo na prática. Ele acabou como uma das principais vozes do programa de rádio dos anos 80 “Ritam Scra”, que, ao lado do núcleo de jornalismo Index 202, tornou-se a base da B92.

Com pouco mais de 30 anos, boêmio e afeito ao amadorismo radiofônico por definição, Matic era um crítico de música respeitado que aos poucos se tornou um dos principais líderes de uma geração esmagada pela guerra -embora rejeitasse sempre esse papel.

Conglomerado de mídia
Cabeça da emissora, ele foi o responsável por mantê-la sempre à frente de sua época -tanto de seus detratores quanto de seus fãs- e por transformá-la num pequeno conglomerado de mídia alternativa, com editora, gravadora, emissora de TV e centro cultural.

Era um dos homens de mídia mais respeitados dos Bálcãs, a despeito das tentativas de interromper suas atividades. Ao acompanhar a saga da rádio, Collin, autor do ótimo “Altered State – The Story of Ecstasy Culture and Acid House” (Estado Alterado – A História da Cultura do Ecstasy e da Acid House), aproveita para contar a Guerra da Bósnia de uma forma simples e enxuta, ao mesmo tempo em que descreve a degradação e queda de Belgrado como amostra do que a guerra pode fazer a um país.

Mas tudo isso com um texto leve e bem-humorado -por vezes cínico- que equilibra tão bem as melhores qualidades da rádio: relatos pop disfarçados de jornalismo e jornalismo disfarçado de relato pop.

RÁDIO GUERRILHA – ROCK E RESISTÊNCIA EM BELGRADO
Autor: Matthew Collin
Tradução: Marcelo Orozco
Editora: Barracuda (tel. 0/xx/11/3237-3269)
Quanto: R$ 44 (336 págs.)

Essa matéria saiu na Folha de hoje, no Mais!. Vale ir atrás, o livrinho é istaile…

angelimatador.jpg

Angeli sem crise

“Wood & Stock”, filme com seus personagens, é atração no festival Anima Mundi

Angeli talvez seja um dos pais do rock brasileiro. Tudo bem que Roberto Carlos, Rita Lee e Raul Seixas vieram antes, mas para uma geração crescida sob a sombra da ditadura militar – quando ou você cantava as canções de exaltação à pátria ou cantava as canções da resistência, e se ouvisse música estrangeira era tachado de alienado político – foi o cartunista paulistano, que completa 50 anos no próximo dia 31 de agosto, quem melhor traduziu o que era o rock para um país submerso na MPB.

Com os personagens criados nas páginas da extinta revista “Chiclete com Banana”, que editava por conta própria nos anos 80, ele foi criando personagens para traduzir a fauna revelada com a queda da ditadura. Enquanto a Blitz e o rock carioca revelava o prazer de ser jovem depois da abertura política, Angeli descortinava uma São Paulo pós-industrial cheia de defeitos de fabricação em forma de gente. O punk Bob Cuspe, a gótica boêmia Rê Bordosa, o paranormal Rampal e o gay Nanico. Cada figura urbana criada pelo desenhista também encerrava uma tribo quase sempre ligada a um gênero musical, a uma série de hábitos desenhados pela própria história do rock. Sequer precisava citar preferências musicais para saber que o Meiaoito é viúva da MPB e que os Skrotinhos ouvem new wave.

Duas de suas criações saem das páginas do jornal para ganhar outros rumos. A dupla de velhos hippies Wood e Stock estrelam o primeiro longa baseado na obra de Angeli, que será exibido amanhã no Anima Mundi. “Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock’n’Roll”, do gaúcho Otto Guerra, reúne não apenas o núcleo bicho-grilo do título (a esposa Lady Jane, o filho Overall), mas quase todos os personagens criados pelo paulistano.

O outro lançamento são os livros que compilam as histórias do pré-adolescente Ozzy, filho da geração Nirvana que era publicado pela Folhinha durante os anos 90. São quatro volumes ao todo, dois deles saem agora e os outros dois em novembro.

Qual foi o seu envolvimento com o filme “Wood & Stock”?
Bom, eu cedi todo o meu material desde, hm, 84 para o Otto fazer o que quisesse, como referência gráfica e de roteiro. E fiquei meio como consultor. Detalhes, coisas do personagem que eu conheço porque eu os criei: tem uma cena em que o Wood, o Stock e a Rê Bordosa tomam um treco, piram e saem às gargalhadas. Epa: a Rê Bordosa não dá gargalhada. Detalhes assim, mas não interferi tanto. Eles me mandavam trechos e eu via.
Mas eu sou jornalista, eu trabalho num dia e no dia seguinte tá no jornal – e agora, com internet, tá na rua em cinco minutos. Então esse ritmo de cinema pra mim é muito moroso, muito lento, aí chegava algo pra mim, um trecho, e eu lembrava que o filme estava sendo feito (risos).
Depositei toda minha confiança no Otto porque ele é um cara como eu, da minha geração, a gente ouviu as mesmas coisas, tomamos as mesmas coisas, eu conhecia o trabalho dele e foi uma boa. Se eu fizesse o filme, ele seria completamente diferente, porque eu sou virginiano meticuloso e fico completamente obcecado com detalhes. Mesmo no filme pronto, reparo que o dedo mindinho do personagem tá uma nesga fora do lugar que deveria ser o certo. Mas eu já vi o filme umas cinco vezes e sei que é coisa minha, ninguém percebe.

O filme tem o andamento que você imaginava para os personagens?
Sim, acho que ele conseguiu pegar o ritmo dos hippies velhos, lentos, cansados…

É uma boa adaptação de uma história em quadrinhos para a animação?
Eu acho, me senti confortável com ele.

Você já havia cedido personagens para animação em um comercial de cerveja…
Sim, os Skrotinhos. E também usei o Moska, que é um coadjuvante do Luke & Tantra, para umas vinhetas curtas para o Cartoon Network. O trabalho do animador, Daniel Messias, foi muito bom. Já o comercial de cerveja eu tive que bater o pé em uma série de aspectos – era uma empresa (risos) – para fazer do jeito que eu quis. Neste, eu fiz os desenhos e os animadores do comercial, muito bons também, deram movimento. Gostei das duas, têm uma animação fluente, e os Skrotinhos tinham as vozes perfeitas, feitas pelo José Rubens Chachá, que eu recomendei…

E as vozes do longa?
Gostei . A primeira versão da voz do Stock era ainda mais paulistana – “orra, meo” – e eu gostava mais, mas preferiram deixar mais brando, pro filme ficar sem um sotaque específico. E a Rita Lee é perfeita, ela mesmo fala que as tiras da Rê Bordosa são a biografia não-autorizada dela (risos).

Você não acha que a relação em comum entre seus personagens, sejam os velhos Wood e Stock ou o garoto Ozzy, é o fato de eles representarem uma determinada tribo urbana quase sempre ligada ao rock’n’roll?
Com certeza. Mesmo no meu trabalho com charge, eu tenho essa pegada rock, essa pegada punk.

Você também tem consciência de que você apresentou a história do rock para pelo menos duas gerações…
Tenho. Sempre tive. Desde a época da Chiclete com Banana (revista que Angeli editava nos anos 80), eu sabia desse aspecto didático. Mas eu nunca me preocupei com isso. Eu nem acompanho quadrinho, quase nem sou desse ramo (risos). Minha literatura é toda de crítica de comportamento e uma visão política sobre o ser humano, que é muito pouco quadrinho… Talvez o Wolinski, que tem essa coisa de se colocar como personagem, para emitir opiniões.
Mas a Chiclete tinha uma linha editorial séria e eu não queria aviltá-la. Percebia cada vez mais o discurso da revista e chamava colaboradores que tivessem a ver com ele. Eu recebia cartas de pessoas que tinham montado banda porque liam a Chiclete, me mandavam discos independentes. Mesmo cartunistas, um monte de caras que eu gosto até hoje, como o Adão (Iturrusgarai) e o Allan (Sieber) foram na onda da Chiclete, o primeiro desenho do Adão saiu na seção de cartas da revista (risos)!
Mas sou contra esse papo que eu sou um mito, “Angeli, o Herói da Contracultura”. Odeio esse papo de herói…

Você não tem essa preocupação com o leitor nem quando escreve para crianças?
Não. Foi um desafio que eu me propus, porque eu sempre me achei pesado, imagina pra criança. Eu fiz o Ozzy depois de um convite da Folha, na época em que meu filho tinha a idade do Ozzy. Foi quando comecei a absorver informação através dele, sobre internet, da geração Seattle, skate, grunge, essas coisas e o Ozzy se tornou um laboratório de um humor feito para outra geração.

Um humor que acaba evolui no Luke & Tantra.
É. Ali eu tou mais à vontade. Com o Ozzy, eu não posso ir fundo, mas Ozzy, Luke e Tantra são da mesma geração. Eu só os fotografo em momentos diferentes.

Você disse que considera seu humor pesado para crianças, mas a geração Ozzy tem muita informação sobre coisas bem mais pesadas…
É, eu sei. É uma geração que não se assusta com assuntos, pode ser serial killer ou sexo anal, pra eles é tudo normal e tudo meio sem graça. É uma geração sem tabus. Mas só falar disso não dá em nada, tem que ter alguém pra explicar, alguém do lado…E eu não sei se sou esse alguém.

E em relação à música, você baixa música na internet?
Não, nunca. Eu não sei se vem música mesmo (risos). Escuto música no aparelho de som, compro CDs. Já fui mais atuante nesse departamento, mas eu tento me atualizar. E escuto de tudo. No carrossel de CDs do meu som, por exemplo, agora tem um violinista dos anos 20, o disco do Kills e um Jimi Hendrix.

Que mais você tem ouvido de banda nova?
Pouca coisa, tento me atualizar, mas como eu disse, já fui melhor. Gosto do Kills que eu falei, do Franz Ferdinand, do Arctic Monkeys… Eu gosto do Lou Reed, que tem essa coisa de fazer uma música séria e adulta, mas rock mesmo é coisa de moleque, barulhenta, senão não tem graça.

E quais são os próximos projetos?
Eu estou numa história longa meio autobiográfica que vai falar um pouco da minha geração, não só de mim. Falar de coisas que as pessoas quem têm a minha idade possam lembrar, ver o comportamento da minha geração. É meio que o início de um livro de memórias, que eu ainda não batizei. Mas tem lá as primeiras vezes todas, meu primeiro disco…

Qual foi?
O compacto de “Satisfaction” dos Rolling Stones.

E que mais você tem em andamento?
Tem coisas que não são minhas, são baseadas em obras minhas, como o filme da Cristiane Ticerri sobre a Mara Tara, que é uma personagem quase bissexta, saiu em umas três histórias, mas que tem um público feminino muito grande. E como ela é baseada nesses filmes de terror B do tipo “O Médico e o Monstro”, eu acho que ela vai funcionar bem como cinema, em vez de animação. E a Grace Gianoukas, da Terça Insana, pegou minhas coisas para adaptar para o teatro, que deve sair ainda esse ano…

Alguma chance de ver Angeli em Crise no palco?
Comigo? De jeito nenhum! Isso eu não faço! Evito fazer certas coisas, nos anos 80 eu apareci demais, até em tampa de privada! Só sou um desenhista, eu não sei fazer outra coisa, me deixem (risos)…

Lisérgico, filme tem voz de Rita Lee

Rita Lee dubla Rê Bordosa, a voz de Tom Zé cita trechos de letras saídos de um Raul Seixas de alucinação, músicas de Júpiter Maçã e Arnaldo Baptista intercaladas por baseados feitos de orégano. Enquanto desfilam nomes como Rhalah Ricota e Mara Tara, às vezes como figurantes. O filme de Otto Guerra parece uma viagem lisérgica em marcha lenta com a cara enfiada em uma velha edição da “Chiclete com Banana”.

Mais do que um bom filme, “Wood & Stock” é uma senhora homenagem, não apenas aos personagens, mas ao traço de Angeli. Diferentes de adaptações que não fazem jus ao traço do desenhista original (em que o “Fritz the Cat” de Crumb, adaptado por Ralph Bakshi, é o melhor exemplo), o filme parece ter sido feito pessoalmente pelo desenhista – cenários, personagens, tudo. O barulho do rock traduzido como a sujeira visual que tanto caracteriza os anos 80 de Angeli.

Porque os anos 90, representados por Ozzy, são sujos mas não visualmente – e sim de informação. Às vezes os quadrinhos não têm história: são apenas listas e descrições de uma imagem relacionada ao garoto (o quarto, a mochila, um museu particular). Mas, como no filme, a sujeira quase sempre evoca o barulho – e quase dá pra ouvir a distorção da guitarra soando no fundo – tanto do filme quanto dos livros.

WOOD & STOCK: SEXO, ORÉGANO E ROCK’N’ROLL
Direção: Otto Guerra
Quando: sáb., às 21h
Onde: sala 2 do Memorial da América Latina (Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, SP, 0/xx/11/3823-4600)
Quanto: R$ 6

OZZY 1: CARAMBA! MAS QUE GAROTO RABUGENTO!
Autor: Angeli
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 24 (56 págs.)

Essas saíram na Ilustrada de hoje.

Quero provas

A Lia está procurando um trecho bem específico da Copa do Mundo deste ano. Quem souber, avise.

Pô, fiquei curioso.

Tower of Power

É, tou botando som na Torre hoje (você sabe onde fica…), mas bem no começo da naite, da uma às quase três – o que, lá, é praticamente uma matinê… Glue there.

Sieber lança “Santa de Casa”, curta-celebração da carioquice

Filme está na programação de hoje do festival Anima Mundi, no Memorial

“Quando eu me mudei pro Rio em 99, fiquei dois meses sem sair do apartamento – sério! –, odiando tudo…”, ri o gaúcho Allan Sieber, cujo curta “Santa de Casa” será exibido hoje, no Anima Mundi (dentro da seção Curtas 6, que acontece às 20h na Sala I do Memorial). “Mas depois fui sacando a cidade e realmente gostando daqui. Tem outro acordo entre as pessoas, bem diferente do Sul. Hoje me sinto mil vezes mais em casa aqui do que em Porto Alegre”.

Tudo isso para concluir que o curta baseado no conto “Santinha Milagrosa”, de Aldir Blanc, é “uma homenagem mesmo à cidade e seus habitantes. Tem coisas hediondas como os governantes e essa miséria epidêmica, mas enfim…”.

Ilustrado ao lado do chargista Léo (seu parceiro de “F.”, a revista de humor que agora é distribuída pela editora Conrad), o curta se passa durante diferentes carnavais cariocas e conta a história de uma promessa feita por uma menina que sempre se cumpre durante a festa momina. Tudo desculpa para desfilar a fauna da Cidade Maravilhosa pelos blocos e bares de desenho animado.

“A idéia era homenagear a geração do Pasquim, caras como Jaguar, Fausto Wolff, Fortuna, Ivan Lessa, Aldir, Millor, caras que realmente quebraram a banca na época deles e o mais importante de tudo – continuam destruindo ainda, gênios absolutos. Esses caras na minha cabeça de gaúcho tapado sempre estiveram atrelados ao Carnaval – blocos, bebedeiras, Banda de Ipanema – , então além de colocá-los como personagem no curta resolvemos caprichar na bizarrice do bloco”, explica Sieber, que publica a tira “Preto no Branco” aos domingos na Folha. “Eu queria que o filme tivesse um clima de cruzamento entre ‘Vai trabalhar Vagabundo’ e ‘A Lira do Delírio’, uma coisa bem anos 70, inclusive nos diálogos, se você for ver não tem as óbvias piadas grosseiras que eu sempre uso, é mais uma tentativa de emular aqule clima e o humor da época”.

Outra materinha que saiu na Folha da sexta.

Nerdismos de Copa

Primeiro, um guia (desses que tão circulando por email) pros gringos pronunciarem os nomes dos jogadores brasileiros. Valeu, Ju:

1 – Did Are
2 – Car Full
3 – Look See You
4 – Who One
5 – When Mear Son
6 – Who Bear To Car Loss
7 – Add Dream An No
8 – Car Car
9 – Who Now Do ( Few Now Mem No )
10 – Who Now Dream You Gay You Show
11 – Zero Bear To
12 – Who Jerry Scene
13 – See Seen You
14 – Crisis
15 – Lowis On
16 – G You Bear To
17 – June In You
18 – Mean Arrow
19 – G You Bear To Silver
20 – Rich Are Dream You
21 – Fried
22 – July Seissor
23 – Who Bean You

E depois, é uma conspiração oculta que diz que, não apenas o Brasil irá conquistar o hexa (sabia que pronuncia-se “Éza” e não “Éksa” – não lembra como se fala “hexágono”, não?) esse ano, como vai ficar cinco copas sem ganhar nada. Léo e Arnaldo que começaram esse papo, se liga na ordem dos campeões da Copa…

1930 – Uruguai
1934 – Itália
1938 – Itália
1950 – Uruguai
1954 – Alemanha
1958 – Brasil
1962 – Brasil
1966 – Inglaterra
1970 – Brasil
1974 – Alemanha
1978 – Argentina
1982 – Itália
1986 – Argentina
1990 – Alemanha
1994 – Brasil
1998 – França
2002 – Brasil
2006 – ?

Então pegue o ano de 1982 como centro e vá reparando na estranha coincidência que acontece à medida em que nos afastamos dele – as copas anterior e posterior a 82 são da Argentina, indo mais pra trás e pra frente as copas são da Alemanha (74 e 90), depois Brasil (70 e 94) e, a única não-coincidência acontece agora, quando em 66 e 98 os campeões são Inglaterra e França – mas, rá!, são times europeus que ganharam seu único título quando foram o país-sede. Por essa conta, a copa de 2006 equivale à de 58, que foi o primeiro título brasileiro. Ou seja, se ganhar essa, é a última!

Mas até parece: tá tudo se armando pra final ser Brasil e Alemanha (a melhor final em todos os sentidos – audiência, publicidade – talvez não em futebol) e comece a reparar a quantidade de matérias falando que o povo alemão é outro, renascido, bem-humorado, longe daquele estereótipo da eficácia e da seriedade, que se redescobriu no futebol, que apagou o fantasma do nazismo e o escambau. Enquanto o povo fala da China, a Alemanha se arreganha toda pro mercado e tá aí, prontinha pra vir (segunda maior economia do mundo, esqueceu?), só falta ganhar um élan de gentebonice aí fica fácil. E de onde virá essa cobertura de sorrisos?

Mas, pô, o Brasil podia jogar direito pelo menos algum joguinho, né?

Mais YouTubices


Calypso com Iron Maiden;


Bing Bong Brothers e o poder do bigode (são os mesmos caras do Just 2 Guys);


James Brown mutcholoco;


Clipe classe do Mr. Catra (“Sem Mistério”);


Erros de gravação do Chaves;

O vizinho chato do Mateus;


Frank Zappa com John Belushi;


Orson Welles breaco;
Calotas picture (vai dizer que não era tudo que você queria?);
“Crazy” kid.

Tem mais, claro que tem. E valeu quem me mandou essas coisas, eu não lembro quem mandou o que (Vlad, Kalatalo, Mini), mas valeu eniuei.

nmh5.jpg

O violão martelado e a voz achatada de Jeff Mangum, o líder e cérebro do Neutral Milk Hotel, parecem tão inofensivo quanto um vagabundo bêbado que canta à sua janela às cinco da manhã. O que ele canta também não parece fazer sentido, como se inventasse a letra de uma música conhecida, criando imagens estranhas e novas. Na primeira música (“King of Carrot Flowers Pt. One”) do segundo disco de sua banda, In the Aeroplane Over the Sea (Merge, importado), ele canta sobre uma infância em que “a mãe enfia um garfo no ombro do pai/ E o pai joga lixo pelo chão/ Enquanto nos deitamos e aprendemos pra que servem nossos corpos”.

Cru e espontâneo, Mangum nos pega pela mão e nos leva a uma psicodelia rústica, caseira, que começa a se descortinar após a entrada de um mágico acordeão, nos avisando que, daí em diante, vem a mágica. Como o coelho de Alice, a voz de Jeff não pára para observar o ambiente e é nosso único referencial com o mundo real. Então mergulhamos de cabeça num mundo de sons que existe na cabeça do Neutral Milk Hotel, sem pára-quedas nem salva-vidas.

O Neutral Milk Hotel é uma das bandas do grupo multimídia Elephant 6, uma turma de amigos baseada em Athens, Georgia (terra de gente boa como R.E.M., B-52’s e Man or Astroman?) que resolveu fazer música para a própria apreciação, sem se preocupar com repercussões externas e com ampla vazão ao experimentalismo. Fazem parte deste grupo bandas como Olivia Tremor Control (que lê a psicodelia dos anos 60 como se fosse um filme surrealista) e Apples in Stereo (adeptos retrô 7do folk sessentista), que criaram uma cena particular, ousada e que aos poucos deixa de ser apreciado por uma pequena elite.

O que une as bandas do Elephant 6 é a clara despreocupação com o resultado final, a aceitação do erro e do irregular como um acerto, a imprecisão da música. O Neutral Milk Hotel se encaixa neste quesito pela forma peculiar que Mangum usa sua voz e pela naturalidade que os sons do grupo suspiram.

Jeff é descendente direto de uma geração que sabia dos limites da própria voz, mas não se importa com isso – o importante é cantar o que deve ser cantado. Como Syd Barrett (fase solo), Roky Eriksson (dos 13th Floor Elevators) e Captain Beefheart, ele deixa seu vocal cantar o que quiser, com ímpeto, garra, força e vigor. Qualidades filtradas por uma fragilidade e crueza do som, que se refletem no violão que toca. E se levarmos em consideração que ele está cantando sobre suas experiências de vida, mas de uma forma simples e fantástica (fingindo ser surreal para falar de coisas reais) encontramos um compositor ímpar na música popular atual.

Pois ele acredita na possibilidade de ser um poeta, fazer rock e ser levado a sério, sem maquiagens ou modismos. É preciso coragem para se lançar cru e despojado desta forma numa década marcada pela ironia e cinismo. Ele está jogando suas cinzas sobre nós, como o principal desenho do encarte (um gramofone misturado com um avião) e a letra da faixa-título (“E um dia vamos morrer/ Nossas cinzas voarão/ Do avião para o mar”) nos fazem crer. E não parece intimidado com isso, pelo contrário.

Ele fala conosco (“Estou te ouvindo onde quer que você esteja”, canta em “Two Headed-Boy”) criando imagens fantásticas com palavras simples (“E o pai pensava em formas diferentes de morrer/ Cada uma delas um pouco mais do que ele sequer ousaria tentar”), virando nosso ponto de vista o tempo todo. Enquanto canta que ama Jesus Cristo, ele escreve no encarte – no lugar da letra – que “desde que isso parece confundir algumas pessoas, eu quero dizer que eu realmente quis dizer o que canto. Apesar do tema infinito infinito do disco não seja baseado em qualquer religião e sim na crença que todas coisas têm uma luz clara dentro delas”. Mais tarde, canta-nos que “Deus é um lugar”.

Acompanhando o vocal de Jeff, vem o lado instrumental do grupo, uma banda marcial que perdeu a guerra. Trombones, percussão, trumpetes e saxofones cabisbaixos, tocando como se lamentassem a vida, chutando notas musicais no chão. A pompa dos arranjos de George Martin atravessada pela melancolia dos instrumentais de Nino Rota, uma tristeza preguiçosa tocada por uma banda de circo do começo do século.

In the Aeroplane Over the Sea é isso: psicodelia deprê, surrealismo cru, modernismo de bazar. Um estranho e mágico lugar musical onde as canções parecem esculpidas na madeira, em casas sem forro sob um céu nublado. O clima fim-de-século está espalhado por todo o encarte do disco, só que o século é o 19, o que transforma o Neutral Milk Hotel num elixir mágico vendido por mascates de casa em casa. Um remédio caseiro, mas sem contra-indicações: recomenda-se a audição várias vezes por vários dias.

1. The King Of Carrot Flowers, Pt. One
2. The King Of Carrot Flowers, Pts. Two And Three
3. In The Aeroplane Over The Sea
4. Two-Headed Boy
5. The Fool
6. Holland, 1945
7. Communist Daughter
8. Oh Comely
9. Ghost
10. (untitled)
11. Two-Headed Boy Pt. Two

Texto de 1999

Enquanto as luxuosas instalações do Marriott Hotel recebem, em Copacabana, no Rio de Janeiro, a cúpula mundial do conhecimento compartilhado ao redor de sua grife mais reluzente – a marca Creative Commons –, um informal baixo clero deste mesmo setor reúne-se em Ipanema, numa pequena loja de quadrinhos, roupas e assessórios alternativos, para celebrar a entrada no mainstream de seu produto mais bem recebido pelo mercado – o super-herói Capitão Presença.

“As Aventuras do Capitão Presença” (Conrad) não apenas consagra a inspiração coletiva instigada em toda uma geração de cartunistas como oficializa a carreira de Arnaldo Branco, o criador do personagem, que criou-se na internet e aos poucos come pelas beiradas do sistema: tornou-se colaborador fixo da revista “Bizz” e tranpôs a revista independente “F.” para a mesma Conrad que agora o publica em livro.

Natural que este lançamento acontecesse sob o manto de seu personagem mais popular, o herbífumo voador que reacende a questão das drogas no imaginário coletivo brasileiro – em seu caso, especificamente, a maconha. Enquanto nomes que se tornaram referências canábicas tupiniquins, como Gil, D2 ou Gabeira, hoje pigarreiam antes de começar a falar do assunto (sem contar as pára-quedistas Soninha e Luana Piovanni, que, sem querer, levantaram e deram bandeira ao mesmo tempo), o Capitão Presença esfrega na cara a familiaridade não apenas com a maconha, mas com o submundo da droga que o Brasil alimenta e finge não alimentar.

E não apenas do ponto de vista legal, mas também social, medicinal, artístico ou rotineiro. Afinal, não custa lembrar que o único super-poder do personagem é ter maconha na hora em que as pessoas precisam de maconha. Olha como o malandro carioca foi se reinventar…

Não é mero humor feito para quem usa drogas, como o excesso de obviedade parece supor. Este, tal como seus em pares de outras eras (Freak Brothers, Cheech & Chong e Wood & Stock), é só mais um elemento de crítica a este suposto público-alvo.

Isso, claro, sem o mínimo pudor ou formalismo intelectual, no humor sempre amargo de Arnaldo, que logo criou toda uma fauna ao redor do personagem, com nomes que falam por si, como o pidão Super Aba, o cachorro Malhado e o vacilão Mané Bandeira. Não bastasse seu universo, Presença ainda foi lançado para presidente da república neste ano, numa campanha em que o personagem promete “acabar com a seca não apenas no nordeste, mas em todo o Brasil”.

Mas o que une o encontro de Copacabana com o happy hour em Ipanema é o fato do personagem ser, na prática, um exemplo de conhecimento compartilhado e produção coletiva. Criado em duas tiras por Arnaldo, Presença ganhou vôo próprio e passou a ser redesenhado por cartunistas e ilustradores de sua geração que, a despeito (ou justamente por causa) das drogas, passaram a criar o personagem de forma coletiva – e assim Arnaldo publicou o personagem (como todo o livro) na licença Creative Commons. E enquanto no iCommons discute-se generosidade intelectual em palestras e workshops, esta mesma generosidade é celebrada, à brasileira, sem tanta teoria e com mais diversão – e longe, embora menos de um bairro de distância, dos gringos.

AS AVENTURAS DO CAPITÃO PRESENÇA
Editora: Conrad
Quanto: R$ 25 (144 págs)
Lançamento: hoje, às 19h, no La Cucaracha (r. Teixeira de Melo, 31-H, Ipanema, Rio, tel. 0/xx/21/2522-0103)

Esse texto saiu na Folha dessa sexta

Copa Cabana

A aspa do dia saiu daquele paragrafinho que sempre vem no canto do PublishNews:

“Nossa literatura ignora o futebol, e repito: nossos escritores não sabem cobrar um reles lateral”
Nelson Rodrigues