Apocalypse Now (Apocalypse Now, 1979, EUA). Diretor: Francis Ford Coppola. Elenco: Martin Sheen, Marlon Brando, Robert Duvall, Dennis Hopper. Vencedor da Palma de Ouro em Cannes e dos Globos de Ouro de melhor diretor, melhor ator coadjuvante (Duvall) e trilha sonora. 153 min. (versão original)/ 202 min (Redux). Por que ver: Antes de ouvirmos as primeiras palavras ditas em voz alta pelo protagonista, assistimos à mistura de imagens, sons e idéias que, em pouco mais de um minuto, sintoniza nossa consciência ao trauma da guerra dos Estados Unidos no Vietnã: uma floresta de palmeiras, rasantes de helicópteros, uma névoa amarela que cresce junto com o instrumental dos Doors – Jim Morrison saúda as bombas sobre as árvores com seu “This is the end” clássico, enquanto vemos o enorme rosto de Martin Sheen de cabeça para baixo. “Saigon. Merda…”, diz o Capitão Willard, ao olhar a cidade pela veneziana, “ainda estou em Saigon”. Coppola adapta o Coração das Trevas de Joseph Conrad para o cinema transpondo a África e seus entrepostos comerciais do século dezenove para um contemporâneo Sudeste Asiático em guerra, mas preserva sua essência: a viagem a um inferno verde que também é uma viagem ao centro da sanidade mental. A missão de Willard é encontrar um certo Coronel Kurtz, um dos melhores militares do exército americano, que, após ser transferido para o meio da selva do Vietnã, aparentemente pirou e criou sua própria base militar autônoma. Na jornada, Willard é acompanhado de um time de jovens soldados que são uma boa amostra do tipo de jovens americanos que morreram nesta guerra (um moleque do Bronx nova-iorquino – Laurence Fishburne, então com 17 anos – , um ex-campeão de surfe, um chef de cozinha…) e passam por situações tão surreais quanto tétricas. O horror da guerra é transformado em uma ópera de cenas inacreditáveis, com toda a teatralidade do sangue italiano do diretor surgindo em imagens grotescas e hilárias, às vezes, ao mesmo tempo. E com um elenco impecável – a melhor atuação de Sheen, Hopper interpretando a si mesmo, Brando improvisando, Duvall épico –, Coppola supera a saga da família Corleone em um único filme, fazendo sua obra-prima. Mas Apocalypse Now é um filme maior do que sua duração: foi bancado todo com a grana que Coppola faturou com os dois primeiros filmes da série O Poderoso Chefão, levou três anos para ser concluído, teve o set destruído por um furacão, mudou de protagonista duas vezes (Roy Scheider e Harvey Keitel abandonaram o papel), teve problemas com Brando (que se negava a seguir o roteiro), enfartou o ator principal (durante as filmagens da primeira cena) e levou sexo, drogas e rock’n’roll para as Filipinas, onde foi filmado, em escala hollywoodiana. Tanto foi filmado que o diretor lançou sua versão autoral, chamada “Redux”, em 2001, acrescentando 49 minutos de cenas inéditas. Fique atento: Outro show de cenas fantásticas e texto preciso, é difícil sublinhar um só momento ou aspecto: da respiração tensa de Willard ao batalhão de caubóis em helicópteros liderados pelo personagem de Duvall, passando pelo tribalismo psicótico das cenas finais e a atuação plena de Brando – que só aparece no finzinho, mas com menos de vinte minutos de filme já toma o inconsciente de assalto, apenas com a voz, tudo é uma aula de cinema.
Brazil – O Filme (Brazil, 1985. Inglaterra). Dir: Terry Gilliam. Elenco: Jonathan Pryce, Kim Greist, Michael Palin, Robert De Niro, Bob Hoskins, Ian Holm. 142 min. Por que ver: Também conhecido como 1984 1/2, numa referência tanto ao livro profético de George Orwell quanto ao work-in-progress 8 e 1/2 de Fellini, Brazil é uma fábula distópica sobre o espírito humano aprisionado em um sistema opressor. Gilliam, que desde o tempo em que fazia seus desenhos animados no Monty Python, já mostrava sua tendência para a alegoria, chocando uma caricatura da fleuma inglesa com cenas e situações nada sutis – mas incrivelmente belas. Aqui a burocracia é um organismo mecânico e vivo, que se comunica por telas e aparelhos dos anos 50. A direção de arte cria um futuro com cara de passado e é fácil se identificar com os delírios do personagem principal, à procura de uma musa que, mal sabe, é uma agente terrorista. Fique atento: Ao uso de “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, como a alma do filme. A canção é o motivo do filme levar este nome e foi a inspiração original para esta utopia às avessas de Gilliam.
Senão me engano, essa resenha saiu no Correio Popular em pleno ano 2000, mas a Ana do Whiplash pediu pra republicar e graças a isso, consegui resgatá-la…
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Como as décadas finais de pelo menos dois séculos anteriores, os anos 1990 foram marcados por uma retrospectiva dos 90 anos anteriores, aglutinando em células compactas de conhecimento tudo aquilo que a centena de anos completa ao final da década quis dizer pausadamente. Mas a década que encerrou-se no final do ano passado foi caracterizada por outros sabores: a ironia e o excesso de informação. Associadas, estas duas qualidades despem a grande verdade sobre a sociedade capitalista às vésperas do novo milênio, um paradoxo em escala planetária que nos emburrece à medida que mais aprendemos. O saber está no ar, mas ninguém está interessado em mostrar como usá-lo.
Na música pop, estas características foram detectadas pela primeira vez pelo U2. Embora ecos destas qualidades já viessem cantando os 1990 por caminhos alternativos na década anterior (como os discos Paul’s Boutique, dos Beastie Boys; Pills’n’Thrills and Bellyaches, dos Happy Mondays; e Into the Dragon, do Bomb the Bass), foi apenas com Achtung Baby que elas se encontraram com o teor que filtrou a década. Ali estão a paixão pelo virtual frente à realidade (“Even Better than the Real Thing”), referências à história do rock (“Who’s Gonna Ride Your Wild Horses?”, “One”), paranóia (“The Fly”) e um misto de expectativa com esperança (“Zoo Station”). “Você? Você estava falando do fim do mundo”, debochava Bono enquanto mudava radicalmente o visual de sua banda, abandonando a pose de sacerdotes do rock e entrando num terreno estranho à sua antiga religião: a música eletrônica, um carnaval de ritmos e cores fundido com o preto e branco ríspido do fotógrafo Anton Corbijn. O disco de 1991, no entanto, não funcionava sozinho. Vinha acompanhado de uma extensa turnê dividida em três fases (Zoo TV, Zooropa – que acabou virando disco – e Zoomerang), que assistia a banda entre dezenas de monitores de TV e automóveis pendurados no palco, numa clara alusão à deselegância burra pré-colapso do capitalismo. Numa fantasia de caubói prateada, Bono rasgava notas de dólar enquanto, como pastor evangélico, anunciava que teve “uma visão”: “TELEVISÃO!”, berrava frente ao câmera que, do palco, registrava tudo pelas telas espalhadas no show. Juntos, a Zoo Tour e Achtung Baby deram o tom “rir pra não chorar” que acentuou-se nos anos 90.
A ironia virava fórmula e todas as mídias passaram a usá-la, primeiro o cinema, depois a TV, caindo no gosto popular e reverberando, assim, por todas as formas de comunicação. Falar a verdade era constrangedor demais – ou melhor, falso demais -, por isso era melhor fingir querer dizer justamente o oposto, finalmente, desta forma, atingindo seu objetivo. Passamos a ler textos que nos fingiam contar o contrário do que realmente queriam dizer, ouvir músicas que ridicularizavam o hábito de ser humano, ver filmes cujo verdadeiro tema só é desvendado da metade para o fim, contradizendo tudo que havia sido visto desde o começo. A propaganda passa a se ridicularizar na tentativa de ganhar crédito com o consumidor. Tudo é muito falso, todo mundo sabe; então porque não assumimos falsamente esta falsidade? Era isso que a ironia nos anos 90 significou: uma espécie de afirmação de identidade cultural às avessas, corrompendo nosso entendimento da realidade numa mão dupla, que ao mesmo tempo que acende uma vela pro sim (afirmando algo), acende outra pro não (ridicularizando aquilo que está sendo afirmado, simultaneamente). Sem um, nem outro, caímos na década do “tanto faz”, em que as pessoas passaram a fazer exatamente o que o capitalismo queria, plugando-se às necessidades consumistas como se estas fossem responsáveis pelo bem estar espiritual – não material. Até Alanis Morrissette, em seu maior hit, perguntou: “Não é irônico?”.
É neste cenário que o Radiohead surge como força disposta ao desequilíbrio. O grupo surgiu na Inglaterra no começo dos anos 90, mas só conseguiu fazer sucesso nos Estados Unidos, graças ao hit “Creep” (do LP Pablo Honey, de 93), ganhando primeiro o público, depois a crítica americana. “Você é tão fucking especial”, sussurrava o vocalista Thom Yorke, “mas eu sou uma coisa, sou um esquisito”. Só ganhou algum reconhecimento em seu país ao se levar mais a sério em The Bends, de 94, onde deixavam de falar de relações cotidianas para contemplar a sociedade moderna como um todo, num dos primeiros discos conceituais da década (tantos viriam depois). O grau de importância do grupo foi crescendo tão logo eles ganhavam intimidade como músicos, contemplando possibilidades diversas a partir do formato três guitarras (Yorke, Jonny Greenwood e Ed O’Brien), baixo (Colin Greenwood) e bateria (Phil Selway). Reinventando o rock clássico como fazia o indie rock americano na metade da década passada (com uma certa dose de ironia, claro), o Radiohead chamava cada vez mais atenção.
Até que atingiu seu auge com o clássico inato OK Computer, ácida descrição da sociedade capitalista sem ironia nenhuma. Ao reproduzir as normas do novo dia-a-dia sem se preocupar com sentido lírico (quase todas as composições do disco de 97 empilhavam referências e situações sem o comprometimento com o sentido), ia nos vestindo com a roupa do andróide paranóico que a vida consumista de hoje nos transformou. O disco também antecipava a invasão techno ao mercado que aconteceria naquele mesmo ano (com os discos Dig Your Own Hole, dos Chemical Brothers; e The Fat of the Land, do Prodigy), mas apenas nas entrelinhas – a produção sci-fi de Nigel Godrich deixava apenas um ar eletrônico no álbum. Sem contar a música em si, as progressões guitarreiras que mudavam a atmosfera das canções, dando uma dinâmica inédita ao som do grupo. Incensado pela crítica, OK Computer tornou-se padrão de excelência do rock dos anos 90.
E o que fazer depois disto? Depois que toca-se o céu, resta outro rumo senão a queda? O grupo passou a dedicar-se a uma turnê em que viu-se condicionado ao máximo do capitalismo que criticavam. Laureados como a mais importante banda de rock do mundo, o Radiohead tentou lançou um EP (Airbag / How Am I Driving?) e dois vídeos (a coletânea de clipes 7 Television Commercials e o homevídeo Meeting People is Easy) na tentativa de esgotar a responsabilidade em torno do próximo álbum. Em vão: cada produto lançado era recebido como prova que o sucessor de OK Computer vinha aí.
A solução seria eliminar os parâmetros conhecidos e assim o grupo começou a trabalhar: Thom Yorke desencantou-se com a melodia e passou a procurar alternativas rítmicas. Ed O’Brien queria um disco curto, enxuto, com canções simples e diretas. Colin preferia um álbum mais aprofundado na eletrônica, mas sem soar “techno”. Kid A (EMI) é o produto das cinco (seis, contando o produtor Nigel) perspectivas de como o grupo fugiria do formato OK Computer.
O resultado é um disco árido, tenso, pós-rock, ermo – adequado para o ano 2000. Enquanto a quantidade de informações contida no álbum anterior dava um aspecto de poluição visual ao disco, o novo álbum elimina recursos visuais em favor de uma música sem rosto, sintética, ciborgue, futurista. Mas enquanto o futuro de OK Computer era hi-tech e bucólico, o de Kid A é vago e ameaçador, como se o espírito de máquinas mortas sobrevoasse por cima de desértica paisagem pós-apocalíptica.
O disco abre com teclados lunares que reverberam ondas eletromagnéticas que funcionam como uma canção de ninar por onde Thom Yorke pode improvisar apaixonadamente a letra. “Tudo está no lugar certo”, ele canta ao começo do disco, repetindo os versos à medida que a canção se robotiza, cada vez mais. Entra a faixa-título, novos teclados (e caixa de música marcando o andamento, ao lado de uma bateria de bebop) descortinam o caminho para a entrada do vocal, um zumbido metálico que com certeza canta algo, mas em idioma indistinguível. A voz de Yorke é distorcida por um aparelho pré-histórico chamado Ondes Martenot (usado na trilha de Star Trek) e remete ao Menino A, o primeiro clone humano, como reza a mitologia radioheadiana.
Esta forma carinhosa que o grupo se refere à pioneira cópia de DNA humano posta em prática num laboratório (que poderia se chamar qualquer coisa mas é reconhecido com uma intimidade familiar) torna possível outro paralelo com Stanley Kubrick, o maestro cineasta cuja pompa e pulso firme à direção, já que OK Computer remetia instintivamente a 2001 (quando a máquina contra-ataca). No novo disco, o Radiohead contempla A.I., a ode não-filmada do cineasta à robótica, em que ele assume que as máquinas são herdeiras do legado humano, nossos descendentes. O grupo vai além e pensa no clone como descendente, a máquina perfeita projetada pela natureza e reprogramada de acordo com nossa vontade. Mas que vontade? Racional ou instintiva? O grupo deixa a resposta em aberto, por enquanto.
“The Nation Anthem” nos apresenta ao baixista da banda, Colin Greenwood, que puxa um groove funk pesado que escurece mais ainda à entrada de um time de metais reverenciando os graves pesos-pesados de John Coltrane. Em falsete, Yorke canta a vontade e a disposição de mudar, que aos poucos impregna o inconsciente coletivo: “Todo mundo por aqui / Todo mundo vai parar aqui / O que está acontecendo? / (…) / Todo mundo vai parar aqui / Todo mundo vai parar o medo / O que está acontecendo?”. Ao citar literalmente o nome do mítico disco político de Marvin Gaye (What’s Going On? – O que está acontecendo?), o grupo nos lembra que os tempos atuais são tão (ou mais) interessante que os anos 60 que inspiraram Gaye a se perguntar sobre a ordem mundial. O grupo prega decisões coletivas como a melhor forma de ir contra o individualismo robótico e passivo de OK Computer. Não é nenhum pouco diferente do que a simbólica luta anti-FMI / OMC / Banco Mundial que já nos deu notórias batalhas como em Seattle (no ano passado) e Praga (semana passada).
“How to Disappear Completely and Not Be Found” finalmente apresenta os violões, enquanto o vocalista nos lembra que o filme Matrix é na verdade uma metáfora da nossa situação atual: “Eu não estou aqui / Isso não está acontecendo”, balbucia Yorke, enquanto o disco vai ficando cada vez mais lento, atingindo seu ponto máximo de estática na instrumental “Treefingers”, entrando vagarosamente no terreno gelado das brancas vibrações eletrônicas de Brian Eno. “Optimistic” poderia ser irônica caso se referisse à sociedade (ainda mais com este título – “otimista”). Mas a paisagem que o grupo vê é pós-civilização e o otimismo a que se referem é um abandono das tecnologias, uma volta à natureza, onde a lei da selva – perfeita – reina soberana: “Os peixes grandes comem os pequenos”, canta a letra sobre guitarras psico-metálicas que poderiam ter saído de Led Zeppelin III, “tente o melhor que você pode / O melhor que você pode é o suficiente”. “In Limbo” parece apenas descritiva, ecos e guitarras dissipando conforme a paisagem é mostrada: “Estou do seu lado / Não há onde me esconder / Estou perdido no mar / Você está vivendo uma fantasia / Não se importe comigo”, num novo ataque ao individualismo.
O ritmo marcial technopop que soa através de “Idioteque”, marcando um compasso eletrônico por onde a sociedade do desperdício é cruelmente descrita, em vocais familiares (mas entrelaçados de uma nova forma) de Thom Yorke: “Deixa eu te dizer que você é o primeiro / Eu vou rir até minha cabeça sair / Eu vou engolir até explodir / Já vi muito / Já vi tudo / A era glacial está vindo”. Descreve os seres humanos como dinossauros às vésperas da extinção, porque já ultrapassaram o limite de consumo de recursos naturais. O sotaque techno (proveniente da atual obsessão do grupo: a gravadora Warp) só ajuda a entender a crítica do grupo, que vai de encontro à letargia e o subsequente estado de automação que o ser humano aos poucos vai se submetendo – o ponto central de OK Computer. Em “Morning Bell”, o grupo volta ao campo da melodia do último álbum (até certo ponto ignorado no novo disco) e como um aparelho de TV ligado durante um bocejo matinal despeja informações de forma vaga e desencontrada – “Eu não conheço o assassino”, “Onde você estacionou o carro?”, “E todo mundo mente para mim”, “Todo mundo mente nas pesquisas” e o golpe final “Todo mundo quer estar lá / Todo mundo quer ser o mesmo / Andando, andando, andando, andando”. A vida moderna é um tédio.
Kid A termina com a melancólica “Motion Picture Soundtrack”: “Pare de mandar cartas / Cartas sempre queimam / Não são como os filmes / Que nos enchem de mentiras brandas”, divaga o vocal triste e tímido do final, que enuncia um clima de felicidade mágica à Walt Disney (orquestras cheias de harpas dedilhadas) por baixo do tremor original do álbum. Estamos no meio de uma cratera, depois da bomba explodir. Esta bomba é o século 20, que se engole cada vez mais à medida que chega ao fim. Quando 2000 passar, zera tudo. É contemplando este futuro que Kid A sorri. É um sorriso estranho, não-humano, pensativo. Mas feliz e esperançoso, como há muito não víamos.
Mais uma utilidade para o YouTube, possibilitar listas terem uma louvável muleta audiovisual, linkada direto do site. Tem várias de clipes e de cinema por aí (linkem, eu sempre curto), mas essa sobre monólogos ou discursos históricos de grandes filmes é bem foda. Pessoalmente sou fã da crise de stress do âncora de Rede de Intrigas e do cheiro matinal de Napalm do Apocalypse Now (mas, porra, ainda tem a citação bíblica de Pulp Fiction e a contagem de tiros do velho Harry, só pra ficarmos em outros duas jóias). Mas a minha citação favorita não tava na lista, mas não demorei muito pra encontrar.
(Tiraram a íntegra do ar, só sobrou:
)
Ferris Bueller, Curtindo a Vida Adoidado (1986): “How can I possibly be expected to handle school on a day like this? The key to faking out the parents is the clammy hands. It’s a good non-specific symptom. A lot of people will tell you that a phony fever is a dead lock, but if you get a nervous mother, you could land in the doctor’s office. That’s worse than school. What you do is, you fake a stomach cramp, and when you’re bent over, moaning and wailing, you lick your palms. It’s a little childish and stupid, but then, so is high school. Life moves pretty fast. You don’t stop and look around once in a while, you could miss it. I did have a test today. That wasn’t bullshit. It’s on European socialism. I mean, really, what’s the point? I’m not European, I don’t plan on being European, so who gives a crap if they’re socialist? They could be fascist anarchists – that still wouldn’t change the fact that I don’t own a car. Not that I condone fascism, or any ism for that matter. Isms in my opinion are not good. A person should not believe in an ism – he should believe in himself. I quote John Lennon: “I don’t believe in Beatles – I just believe in me”. A good point there. Of course, he was the Walrus. I could be the Walrus – I’d still have to bum rides off of people“.
Ieah, rait… Vida Fodona, indeed (Ah é, falando em filme, o Maron pediu pra avisar que o 300 Filmes tá vendendo no Submarino).
Essa entrou na Tesouros Perdidos daquela Bizz com o Lennon na capa.
Eu Sou o Rio – Black Future
Entre a “Copacabana” de Dick Farney e a “L.A.P.A.” de Marcelo D2 há um imenso abismo. Afinal, o Rio de Janeiro mutou-se formidavelmente em pouco mais de 40 anos: de Acapulco do Sul à Favelópole pró-Garotinho, há mais do que um amadurecimento cultural ou uma decadência de estilo, como visões rasas poderiam supor. Quando o governo federal fez as malas para o cerrado prometido de JK, deixou a antiga maior cidade do país perdida, em busca de uma Ipanema que existiu mais no saudosismo de atuais sexagenários do que de verdade.
Mas, enquanto a bossa nova e o turismo procuravam novas opções, o Rio foi reinventado pela necessidade da juventude local – é preciso se divertir, afinal. Na década de 80, Zé Carioca reencarnou em Evandro Mesquita, Fausto Fawcett documentava tudo e Hermano Vianna ajudava o DJ Marlboro a inventar o funk carioca. Quando os 90 começaram, o mapa da cidade já havia sido redesenhado – cabia a bandas como Planet Hemp, Funk Fuckers, Second Come, Piu-Piu e Sua Banda, Soutien Xiita, Gangrena Gasosa, Dash, Acabou La Tequila e PELVs divulgá-lo, ainda que via underground, para o resto do Brasil.
Mas antes disso, apareceu um pequeno caroço no pop rock carioca. O rock dos anos 80 começava a se paulistanizar (roupas pretas, penteados pra cima, teclados soturnos, baixo slap, vocal falado) e a sombra desta nuvem negra veio parar do outro lado da Dutra: era o Black Future.
O grupo teve vários formações mas era reduzido à dupla Satanésio e Tantão que, como seus pares paulistas, tentavam entender – em alguns casos, imitar – o que estava acontecendo na Inglaterra depois do punk. Diferente de seus pares paulistas, no entanto, tinham o suingue do samba e o sotaque carioca.
O que não facilitava as coisas – pelo contrário. O som é quase sempre ruidoso, hermético, quadrado, kraut. Doses cavalares de pós-punk (Joy Division e Pere Ubu na veia) com eletrônica naïf, funk torto e baixo pronunciado, berros de pânico e desespero (Artaud no talo), guitarras que grunhem, gemem, guincham. “Não existe mais magia”, urra Satanésio, “os deuses acabaram”. Acompanhando a banda, músicos que ajudam a compor um cânone do experimentalismo pop brasileiro naquela década: o guitarrista Edgard Scandurra, Edu K e Biba do De Falla, o jornalista Alex Antunes, o poeta Chacal, o titã Paulo Miklos e a produção de Thomas Pappon, do Fellini.
Seu único disco lançado – Eu Sou o Rio, de 88 – é um ET na discografia brasileira lançada pelas multinacionais no Brasil. Figuraria mais nobre e plausível no catálogo da Wop Bop, por exemplo, entre o Harry e o Vzyadoq Moe. É quase incrível que uma gravadora que não tivesse apenas interesse estético no disco pudesse ter lançado isso por aqui. Um feito heróico – que só existe em vinil.
E também esqueci de colocar a íntegra da matéria da Bizz do mês passado… Depois eu posto o depoimento do Andy Gill.
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Guerra de um Homem Só
Uma carta, datada de 30 de setembro de 1974, enviada por um certo “Dr. Winston O’Boogie”, chegou à redação do tablóide musical inglês “Melody Maker” e foi prontamente publicada nas páginas do jornal. Depois de uma breve apresentação, ela listava uma série de itens:
“1) Eu nunca disse que era um revolucionário. Mas eu tenho direito de cantar sobre o que eu quiser! Certo?
2) Eu nunca bati em uma garçonete no Troubador. Eu agi como um cuzão, estava muito bêbado. Tem problema?
3) Acho que todos nós todos queremos atenção Rodd, e você realmente acha que eu não sei como consegui-la, sem uma “revolução”? Eu podia pintar meu cabelo de verde e rosa, pra começar!
4) Eu não represento ninguém além de EU MESMO. Parece que eu represento algo para você, senão você não seria tão violento em relação a mim (seu pai, talvez)?
5) Sim, Dodd, a violência se expressa das maneiras misteriosas que ela quer se manifestar, incluindo verbal.
6) Então o Nazz fazia “tipo heavy metal” e agora DE REPENTE começa a tocar “baladas bem levinhas”. Que original!
7) O que leva aos Beatles, “que não tinham outro estilo além de ser os Beatles”!! Isso cobre muito estilo, cara, incluindo o seu, ATÉ HOJE…
Sim, Godd, o que os Beatles fizeram foi afetar as MENTES DAS PESSOAS. Talvez você queira mais uma dose?”
Cínico, ácido, grosso e arrogante, o ex-beatle John Lennon atravessava seu histórico Finde Perdido (o “Lost Weekend”, dezoito meses longe de Yoko Ono em Los Angeles, título tirado do original de “Farrapo Humano”, de Billy Wilder, o primeiro filme a falar sobre alcoolismo) quando mandou a carta para a Inglaterra. Todd Rundgren, da banda Nazz, havia comentado em uma entrevista para o jornal inglês, comentando o fato de Lennon ter dado em cima de uma garçonete de forma agressiva. Lennon estava destruído, saindo todos os dias e enchendo a cara com profissionais do álcool como Keith Moon, Harry Nilsson e Phil Spector. Quase na metade de seus trinta anos, atravessava sua via crúcis num lento processo de destruição de uma auto-imagem que o acompanhou até seu assassinato em Nova York no dia 8 de dezembro de 1980 e segue até hoje, perene. Ao ler Rundgren comentar sua vida particular em público, deu o troco no tom amargo daqueles dias. E pensar que há menos três anos, Lennon se entregava exatamente a esta imagem e lançava seu hino da paz no mesmo mês em que abandonava seu lar inglês definitivamente – atravessaria o Atlântico como seu pai havia cansado de fazer, mas, de uma vez só. Rumo à América.
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Lançado no último dia do mês passado durante a 63ª edição do Festival de Cinema Internacional de Veneza, “The U.S. vs. John Lennon” é um documentário que mostra como Lennon se livrou dos Beatles ao criar uma imagem que o transformou no ícone que depois tentaria exorcizar. O Lennon humanista, pacifista, feminista, engajado num projeto de fazer as pessoas pararem para pensar no que acontece ao seu redor através da música. Produzido pela mesma Lions Gate de filmes como “Crash – No Limite” e “Farenheit 11 de Setembro”, o filme é dirigido pelo mesmo David Leaf que acompanhou o processo de reconstituição do Pet Sounds dos Beach Boys no imaginário coletivo (desde a primeira reedição à caixa com quatro CDs) ao lado de seu compadre John Schenfeld. Ambos dirigiram e produziram diferentes documentários para a TV, abordando temas caros mas não centrais na cultura americana, como Nat King Cole, Harry Nilsson, Ricky Nelson, Dean Martin e Jimmy Durante, e agora pulam pala a tela grande com um assunto digno da proporção do salto.
“The U.S. vs. John Lennon” trata da transformação da rebeldia rock’n’roll do fundador dos Beatles em ativismo político, e como suas declarações e manifestações em público passaram a incomodar gente graúda no governo americano – mais especificamente Richard M. Nixon, em sua campanha para reeleição em 1972. Fala de sua mudança de países e como, ao entrar pelos EUA com uma guia escaldada em Nova York (antes de conhecer Lennon, Yoko Ono era uma artista respeitada nos circuitos de vanguarda da cidade), percebeu que poderia se reinventar como ser humano, não como celebridade. Sua relação com a cidade mudou sua forma de ver o mundo e o tornou consciente de seus limites e missões. Estes batiam de frente com a administração Nixon que, além de colocar o FBI em seu encalço, acionou pessoalmente seu departamento de deportação para devolver aquele inglês de volta pra sua ilha. Já havia perdido uma eleição para um Kennedy, não ia perder para um beatle.
Trechos de programas para a TV na época e material inédito e raro, além de entrevistas com personalidades e contemporâneos desta época formam o grosso do filme, que ainda rendeu uma trilha sonora com duas músicas nunca lançadas – uma versão ao vivo para “Attica State”, durante o show pela libertação de John Sinclair em 1971 e uma versão instrumental para “How Do You Sleep?”, do disco Imagine, do mesmo ano. “The U.S. vs. John Lennon” estréia nos EUA no dia 15 de setembro e ainda não tem previsão de quando chega ao Brasil.
Mas não dá para furtar-se do fato das conotações políticas envolvidas no lançamento: desde os cartazes que iniciaram a divulgação do filme (reproduzindo a campanha de 1969, quando John e Yoko compraram outdoors em 11 cidades do mundo, com os dizeres: “War is Over/ If You Want It”, “A Guerra Termina/ Se Você Quiser”), até trechos de entrevistas no próprio documentário que aludem ao fato que o personagem Lennon, o político, o ativista, o agitador, fazer falta do cenário atual. “É triste o fato de o mundo estar em guerra”, disse Leaf à agência de notícias Reuters, “acho que um filme sobre Lennon, destemido em sua campanha pela paz, é particularmente relevante numa época em que o medo parece mandar”.
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Há exatos trinta e cinco anos, quando acabou de gravar o álbum Imagine, em que apresentaria o maior hit de sua carreira – dentro ou fora dos Beatles – ao mundo, Lennon decidiu mudar-se para os Estados Unidos. Frasista de efeito, repetia aos quatro ventos a frase que funciona como epígrafe do segundo disco de sua Anthology pessoal: “Se eu vivesse na época dos romanos, teria que viver em Roma. Onde mais? Hoje os Estados Unidos são o Império Romano e Nova York é a própria Roma”.
“Foi uma época tumultuada pra ele”, lembra a biógrafa Elizabeth Patridge, autora do livro “All I Want is the Truth”, “E Nova York era o lugar certo para ele, pois havia tanta coisa acontecendo e, paradoxalmente, a cidade lhe oferecia privacidade”.
Dito assim, os contornos que levaram Lennon a pisar pela última vez como turista no Aeroporto Internacional John Fitzgerald Kennedy foram primordialmente políticos, mas haviam outros motivos: os altos impostos cobrados pela Coroa Britânica, assunto nunca comentado em voz alta, e mais uma tentativa de resgatar a filha de Yoko, Kyoko, que estava nos EUA com seu pai, Tony Cox.
Mas Lennon queria, mais que o palco, o palanque. É fácil dizer que John havia adotado o rock’n’roll nos anos 50 devido à sua natureza de bad boy, mas esta só realmente surgiu quando lhe foi confrontado com diferentes patamares de autoridade – a ausência dos pais e os mimos da Tia Mimi, que lhe criou, ajudaram a criar confusão com quem queria lhe dizer o que fazer.
Rebelde sem causa, Lennon era o menos proletário dos quatro Beatles e, entre eles, era quem tinha a consciência artística mais aguçada. Ao chocar estes três universos – o arruaceiro que sentava no fundo da classe, o menino estragado pelos confortos da tia e o existencialista crítico da própria produção artística – criava uma personalidade distinta, doce e ácida o suficiente para até hoje ser considerado uma espécie de santo moderno. Mas se nos primeiros dias da montanha-russa dos Beatles John era tido como o espertinho, sempre com uma resposta pronta para qualquer provocação, à medida em que as coisas começaram a fugir do controle, o que parecia apenas sarcasmo juvenil aos poucos foi dando lugar a outro tipo de manifestação.
Começou antes da Beatlemania atravessar o Atlântico, quando, ao agradecer ao público da principal apresentação dos Beatles até aquele 4 de novembro de 1963, que incluía ninguém menos que a Rainha Elizabeth, a Rainha Mãe e a Princesa Margaret, durante a Royal Variety Performance, na capital inglesa, Lennon soltou uma de suas muitas tiradas históricas: “As pessoas nos lugares mais baratos podem bater palmas”, dizia enquanto fazia Paul McCartney e Brian Epstein congelar de aflição com o possível uso do adjetivo “fuckin’”, como tinha prometido, “o resto de vocês, podem chacoalhar as jóias”.
Começava a se incomodar com as injustiças do mundo e a falar sobre elas, mesmo que Brian, o empresário que transformou o grupo de Liverpool em pop, pedisse para que ele por favor não mencionasse nada sobre a Guerra do Vietnã, que crescia no imaginário mundial com a mesma velocidade e agressividade dos Beatles. Ele e George logo dariam entrevistas condenando o conflito, mas não chegou sequer a arranhar a reputação do grupo. Foi outro assunto que deu pano para a manga e transformou Lennon em algo maior do que um mero popstar.
“O Cristianismo irá acabar. Irá diminuir e encolher. Não dá pra fazer nada, estou certo e provarei que estou certo”, disse numa entrevista à jornalista-tiete Maureen Cleave, numa entrevista publicada na edição de 4 de março de 1966 do jornal londrinho “Evening Standard”. E continuou: “Hoje, somos mais populares do que Jesus. Eu não sei o que irá embora antes, o rock’n’roll ou o o Cristianismo”.
Em menos de um semestre – tempos pré-satélite e internet – a frase atravessou o oceano e chegou nos rincões cristãos dos EUA como se Lennon tivesse dito que os Beatles eram maiores que Jesus Cristo. Discos queimados, rituais realizados pela Ku Klux Klan contra o grupo, planos em adiar mais a turnê, ameaças de morte. John realmente temia por sua vida e qualquer flash na platéia lhe lembrava que podia ter sido um tiro. Com aquela frase, ele atenuou as tensões das turnês e antecipou o fim da primeira fase dos Beatles, que os tirou dos palcos e os transformou em artistas de estúdio. Mas a mudança para Lennon havia sido maior: ele havia percebido o poder da sua voz.
E até o fim dos Beatles, passou a amplificá-la para diferentes lados, cada vez mais ciente do poder de comunicação das canções, mais do que o de entretenimento. Cada música de Lennon entre 1967 e 1970 tem conotações que vão além do mero pop. Queria mostrar para as pessoas o que pensava, o que sentia.
Chorou a perda da mãe, lembrou da infância, criticou os cínicos, festejou Yoko, clamou por revolução. Terminou seu ciclo no grupo com uma música criada para a campanha de Timothy Leary para governador da Califórnia (“Come Together”) e com a música composta em seus protestos pela paz ao lado de Yoko Ono em quartos de hotéis pelo mundo, em que convidava jornalistas e personalidades para discutir o estado das coisas e pedir paz, nos famosos bed-ins (“Give Peace a Chance”).
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Quando mudou-se para os Estados Unidos, veio pilhado de política, gastando o verbo em entrevistas memoráveis e compondo canções qualquer cada vez mais apertavam o dedo nas feridas que o incomodavam. Assim, foi natural que, ao chegarem em Nova York, no dia 3 de setembro de 1971, John e Yoko tenham sido recebido por duas das principais figuras do ativismo político americano: Jerry Rubin e Abbie Hoffman.
Os dois eram parte do grupo que ficou conhecido como “os sete de Chicago”, que, ao lado da banda MC5, tomaram de assalto a Convenção Nacional do Partido Democrata Americano em 1968, lançando a candidatura do porco Pigasus para concorrer com Eugene McCarthy e Hubert Humphrey, os nomes que surgiram após o candidato natural, Robert Kennedy, morrer assassinado no dia 6 de junho daquele ano. Mas a farra custou caro e o grupo foi indiciado por incitar protestos e atiçar conspirações. O julgamento os inocentou, no final das contas, e, com a fama, Rubin e Hoffman fundaram o partido de mentira Partido da Juventude Internacional, cuja sigla, “YIP”, dava origem ao nome de seus simpatizantes, os Yippies.
Com Hoffman e Rubin emocionados com o fato de um músico da grandeza de Lennon ter, mais do que simpatizado, abraçado sua causa, eles logo entraram no coração da contracultura política nova-iorquina e logo estavam organizando e participando de passeatas, protestos e shows com motivações políticas. O principal deles foi o concerto para a libertação de John Sinclair, ativista político, antigo empresário do MC5 e criador dos Panteras Brancas (outro partido de gozação), que havia sido condenado a dez anos de cadeia por ter sido apanhado com dois cigarros de maconha. O concerto aconteceu no dia 10 de dezembro de 1971 e dois dias depois Sinclair estava livre.
Mais do que prometer, Lennon cumpria.
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Quase dez anos mais tarde, o estagiário de direto Jon Wiener foi ao escritório do FBI e pediu os arquivos da polícia federal americana sobre John Lennon. O ex-beatle havia sido morto há menos de três meses e o estudante tinha um pressentimento sobre o que poderia haver nas fichas do Bureau. “O FBI me disse que eles tinham mais de 400 páginas sobre Lennon dos anos de 71 e 72, quando ele mudou-se para Nova York e se juntou ao movimento pacifista”, conta hoje Wiener, autor do livro “Gimme Some Truth – The John Lennon FBI Files”, “destes papéis, eles diziam que dois terços eram arquivos de segurança nacional e não poderiam ser liberados”.
No livro de Wiener, provas que a paranóia que começa a baixar sobre Lennon a partir de 72 era real: telefones grampeados, movimentos rastreados, transcrições de reuniões com amigos, tentativas de batidas para apreensão de drogas e até uma foto transmitida para todo o país para que os agentes federais pudessem identificá-lo (detalhe surreal: mesmo sendo um dos rostos mais conhecidos do mundo, o FBI anexou uma foto do cantor David Peel, cuja carreira fora lançada por John). “Só no final do ano passado que todos os arquivos foram liberados”, conta o autor, “mas há serviços secretos de outros países, como o MI5 inglês, que também têm documentos sobre vigilância de Lennon”.
O motivo da perseguição do governo americano era simples: Lennon era contra a guerra do Vietnã, o presidente Nixon era a favor e os dois estavam em rota de colisão. Ainda mais quando Lennon, Rubin e Hoffman resolveram fazer de tudo para atrapalhar a campanha para a reeleição de Nixon – de canções a protestos sistemáticos. O governo americano, além de lançar o FBI, ainda dispôs de dois recursos para desbaratinar o ex-beatle: “Ao serviço de imigrição foi passado a missão de deportá-lo, enquanto coube à CIA monitorar seu dia-a-dia doméstico”, continua Wiener, “é possível que outras agências tenham o mantido sob escuta – inteligência do exército, polícia de Nova York – mas não sabemos ao certo”.
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Perseguido pelo FBI e pelo serviço de imigração americano e completamente obcecado por causas políticas que ia descobrindo diariamente, Lennon deixou a música em segundo plano. Ele foi co-apresentador do talk show de Mike Douglas durante uma semana inteira de fevereiro, trazendo Hoffman e Rubin para os lares americanos, na mesma época em que, ao lado de Yoko e da banda Elephant’s Memory (rebatizada de Plastic Ono Elephant’s Memory Band) fez um de seus discos mais fracos, “Some Time in New York City”, lançado em junho. As faixas são todas panfletárias e quase todas estáveis, secas e com pouca emoção – salvo a brilhante exceção que é “Woman is the Nigger of the World”. Criou o conceito de “música jornal” que era levado até a capa do disco, que imitava o “New York Times” e que trazia canções como se estas fossem matérias – denunciando condições carcerárias, a guerra santa no Reino Unido, o sistema educacional, sexismo, racismo.
O disco foi recebido pela crítica com frieza e com desânimo pelo público, embora tenha dado origem a dois shows beneficentes no Madison Square Garden em agosto daquele ano, à frente da mesma banda com a qual gravou o disco, que seriam as últimas apresentações oficiais da vida de Lennon. Anos mais tarde, ele participaria de duas músicas em show de Elton John, mas foi o Lennon político – com a farda da força aérea britânica, longas e volumosas costeletas, sem barba e de óculos de lentes azuis – quem encerrou oficialmente a carreira de John nos palcos.
Alie isso a brigas judiciais sobre os direitos autorais de “Come Together” (que Chuck Berry dizia ser sua) e a tentativa de obter o visto definitivo para ficar nos EUA e aos poucos Lennon foi cansando. A pá de cal no Lennon político aconteceu no dia da vitória de Richard Nixon na eleição de 1972, quando, numa festa na casa de uns amigos, John, bêbado, pegou uma garota pela mão e levou-a para um quarto. Bateu a porta e alguém lembrou que aquele era o quarto onde estavam os casacos, mas era tarde: Lennon partiu pra cima da menina ruidosamente, constrangendo todos os presentes e principalmente Yoko Ono, que teve de, calada, ouvir os gemidos do outro cômodo. Começariam então os jogos mentais que desestabeleceriam de vez a relação do casal, que, em menos de um ano, estaria separado – inclusive em cidades diferentes.
Mas isso é outra história.
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Publicada no dia 21 de janeiro de 1971 no jornal inglês “Red Mole” (isso mesmo, a “Toupeira Vermelha”, uma publicação trotskista), a entrevista a seguir foi realizada pelo escritor, diretor e jornalista paquistanês Tariq Ali, ao lado de seu colega de ativismo Robin Blackburn, que hoje dá aula New School University em Nova York e é editor da New Left Review.
Ali, um dos principais críticos do capitalismo ocidental desde os anos 70 – quando protagonizou debates históricos com o homem que mandava nos EUA na época, Henry Kissinger – até hoje – foi vaiado na Feira de Livros Internacional de Parati deste ano, onde foi um dos convidados internacionais em terras brasileiras, por defender seus velhos princípios de que a política de Israel é nociva para o Oriente Médio. Ele é autor de vários livros sobre a contracultura e movimentos políticos da década de 60 e de diversos temas em voga nesta era de peso político nos ombros do inconsciente coletivo depois do 11 de setembro. Terrorismo, geopolítica, economia internacional, imperialismo e resistência são alguns dos temas recorrentes no imaginário relacionado ao autor, cujo livro mais recente chama-se “Pirates of the Caribbean: Axis of Hope” (“Piratas do Caribe: Eixo da Esperança”, publicado pela Verso), em que examina a revolução bolivariana de Hugo Chávez na Venezuela e traça paralelos com os governos de Evo Moralez na Bolívia e Fidel Castro em Cuba.
Mas há pouco mais de 35 anos, ele era apenas um ativista ferrenho que se encontrava com o maior rockstar de seu tempo. Lennon, recém-saído dos Beatles, começava a abraçar o ativismo político e usava sua influência pop para divagar sobre inúmeros assuntos relacionados à Guerra do Vietnã, o papel dos EUA e da Inglaterra no cenário internacional e sua função como intelectual orgânico, que prega e age ao mesmo tempo. Essas divagações começaram nos bed-ins como Yoko Ono e continuaram em séries de longas entrevistas que John daria para diversos veículos, como o representado por Ali e Blackburn, que você lê pela primeira vez em português a seguir.
Tariq Ali: Seu último disco e declarações sugerem que seu ponto de vista se tornou mais radical e político. Quando isso começou?
John Lennon: Eu sempre tive inclinações políticas, contra o status quo. É bem básico enquanto você cresce, como eu cresci, odiar e temer a polícia como um inimigo natural e desprezar o exército como algo que leva as pessoas embora para morrer em algum lugar.
É uma coisa básica da classe operária, que começa a desgastar quando você fica velho, arruma uma família e é engolido pelo sistema.
No meu caso, eu nunca não fui político, apesar de a religião ter obscurecido isto em meus dias mais ácidos, por volta de 65 ou 66. E que a religião era diretamente o resultado daquela merda de superestrela – a religião foi um canal de escape para a minha repressão. Eu pensei, “Bem, deve ter algo a mais na vida, não é? Não é só isso, com certeza?”.
Mas eu sempre fui político de uma certa forma, sabe. Nos dois livros que escrevi, mesmo que eles estejam escritos num nonsense joyceano, há muitos cutucões na religião e há uma peça sobre um trabalhador e um capitalista. Eu satirizava o sistema desde a minha infância. Eu fazia revistas na escola e as distribuía de mão em mão.
Eu sempre tive consciência de classe e sempre agi de forma agressiva, porque eu sabia o que acontecia comigo e sabia sobre a repressão de classe sobre nós – era a porra de um fato, mas no furacão do mundo dos Beatles isso acabou de fora, eu saí da realidade por um tempo.
Ali: Ao que você atribui a razão do sucesso do seu tipo de música?
Lennon: Na época eu imaginava que os operários haviam conseguido, mas eu percebi em retrospecto que é o mesmo acordo que eles fizeram com os negros, era exatamente como eles permitiam que os negros pudessem ser corredores, boxeadores ou artistas. Essa é a escolha que eles te dão – agora o veículo é ser um astro pop, o que é exatamente o que vou dizer no disco na música “Working Class Hero”. São as mesmas pessoas que ainda têm o poder, o sistema de classes não mudou nada.
Claro que agora há muito mais gente por aí com os cabelos compridos e uns garotos classe média descolados com roupas legais. Mas nada mudou, fora o fato que estamos melhores vestidos, deixamos os mesmos filhosdaputa mandar em tudo.
Ali: Quando você começou a romper com o papel lhe imposto por ser um Beatle?
Lennon: Mesmo no auge dos Beatles eu tentei ir contra aquilo, como George. Fomos aos EUA algumas vezes e Epstein sempre tentava nos desconversar para que não falássemos nada sobre o Vietnã. Até que chegou uma hora quando George e eu dissemos: “Escute, a próxima vez que eles perguntarem, vamos dizer que não gostamos daquela guerra e que eles devia sair dali agora!”. E foi isso que fizemos. Na época, foi uma coisa muito radical, principalmente para os “Fab Four”. Foi a primeira oportunidade que eu tive de agitar um pouco a bandeira.
Mas você tem de lembrar que eu sempre me senti reprimido. Estávamos tão pressurizados na época que mal tínhamos chance de nos expressar, ainda mais naquela correria, sempre em turnês e sempre mantido num casulo de mitos e sonhos. É bem difícil quando se é o César e todo mundo te diz como você é maravilhoso e te dão tudo de bom e as meninas, é bem difícil sair disso e dizer ‘Eu não quero ser um rei, eu quero ser real’. Então, desta forma, a segunda coisa política que fiz foi dizer que “os Beatles são maiores que Jesus”. Isso realmente arruinou tudo, eu quase fui morto nos Estados Unidos por causa disso. Foi um grande trauma para os moleques que nos seguia. Até então havia uma política velada sobre não responder questões delicadas, apesar de eu sempre ter lido jornal, a parte de política.
A consciência contínua do que acontecia me fazia sentir vergonha por não dizer nada. Eu explodi porque eu não conseguia mais jogar aquele jogo, era demais para mim. Claro que ir para os Estados Unidos fez crescer essa cobrança sobre mim, particularmente pela guerra acontecer com eles. De certa forma, nos tornamos um Cavalo de Tróia. Os “Fab Four” foram exatamente para o topo e então cantaram sobre drogas e sexo e se meteram em coisas cada vez mais pesadas e então eles resolveram nos deixar de lado.
Era uma opressão total. Quer dizer, tivemos que atravessar humilhação atrás de humilhação com a classe média e o mundo do entretenimento e os Lord Mayors e coisas assim. Eles eram tão condescendentes e idiotas. Todo mundo queria nos usar. Era uma humilhação em especial para mim, porque eu não conseguia ficar calado e sempre tinha que estar bêbado ou dopado para contrabalançar essa pressão. Era um inferno…
Yoko Ono: E acabava o privando de qualquer experiência real, sabe…
Lennon: Era muita mesquinharia. Quero dizer, além do primeiro rubor de conseguir – a emoção do primeiro disco no topo da parada, a primeira viagem aos EUA. Primeiro, tínhamos o objetivo de sermos tão grandes quanto Elvis – continuar em frente era o grande barato, mas na verdade ele veio junto com uma grande frustração. Eu percebi que tinha que agradar continuamente o tipo de pessoa que eu sempre havia odiado quando era criança. Isso começou a me trazer de volta à realidade.
Comecei a perceber que todos somos oprimidos por isso resolvi que eu devia fazer algo sobre isso, apesar de eu não saber qual é o meu lugar.
Robin Blackburn: Em todo caso, política e cultura estão interligadas, não? Quero dizer, os operários atualmente são reprimidos pela cultura e não por armas…
Lennon: Estão dopados…
Blackburn: E a cultura que está os dopando é aquela em que o artista precisa dar certo ou errado…
Lennon: É isso que eu quero com estes álbuns e entrevistas. Quero influenciar as pessoas que eu posso influenciar. Todas aquelas que ainda estão naquele sonho e deixar uma grande interrogação em suas mentes. O sonho de ácido terminou, é isso que estou querendo dizer.
Quando eu comecei, o próprio rock’n’roll era a revolução básica para as pessoas da minha idade e na minha situação. Precisávamos de algo alto e claro para atravessar toda a apatia e a repressão que caía sobre nós moleques. Éramos um tanto conscientes para começar como uma imitação dos americanos. Mas lidávamos com a música e descobrimos que era meio country branco e meio rhythm’n’blues negro. A maior parte das músicas vieram da Europa e da África e então estavam voltando pra gente. Muitas das melhores canções de Dylan vieram da Escócia, Irlanda ou Inglaterra. Era uma espécie de intercâmbio cultural.
Mas no geral música folk são pessoas com vozinhas doces tentando viver algo antigo e morto. É tudo meio chato, como balé: uma coisa de uma minoria que ainda sobrevive graças a um grupo que também é uma minoria. A música folk, popular, dos dias de hoje é o rock’n’roll. Apesar de ele ter acontecido de emanar dos EUA, no fim, isso não é importante, porque nós escrevemos nossa própria música e isso mudou tudo.
Ono: Existem basicamente dois tipos de pessoas no mundo, as pessoas que têm confiança porque sabem que têm a habilidade para criar e as pessoas que têm sido desmoralizadas, que não têm confiança em si mesmo porque lhes disseram que eles não tinham habilidade criativa, que eles deviam obedecer ordens. O sistema gosta de pessoas que não assumam a responsabilidade e que não se respeitem. As pessoas precisam acreditar em si mesmas.
Ali: Este é um ponto vital. A classe operária precisa ser incutida de um sentimento de confiança em si mesma. Isso não pode ser feito apenas com campanhas – os trabalhadores devem mover-se, assumir suas próprias fábricas e mandar os capitalistas pastarem. Foi isso que começou a acontecer em maio de 1968, na França. Os trabalhadores passaram a sentir sua própria força.
Lennon: Mas o partido comunista estava envolvido, não estava?
Blackburn: Não, não estava. Com 10 milhões de operários em greve eles poderiam ter transformado uma das maiores passeatas que aconteceram no centro de Paris em uma ocupação massiva de todos os prédios e instituições governamentais, substituindo DeGaulle com uma nova forma de poder popular como a Comuna ou os Sovietes originais – eles teriam começado uma revolução de verdade, mas o partido comunista francês teve medo. Eles preferiram lidar com o topo, em vez de encorajar os trabalhadores e a terem a iniciativa…
Lennon: Ótimo, mas há um problema aí, você sabe. Todas as revoluções aconteceram quando um Fidel, um Marx, um Lênin ou quem for, que eram intelectuais, conseguiram comunicar-se com os trabalhadores. Eles juntaram um punhado de pessoas e os trabalhadores pareciam entender que estavam em um estado repressor. Eles ainda não acordaram, eles ainda acham que carros e aparelhos de TV são a resposta. Você deveria fazer estes estudantes de esquerda saírem e conversarem com os trabalhadores, fazer com que os estudantes se envolvam com o Red Mole.
Devemos atingir jovens operários porque é quando eles são mais idealistas e têm menos medo.
Os revolucionários de alguma forma tem de atingir os trabalhadores, porque os trabalhadores não vão chegar neles. Mas é difícil saber onde começar, nós temos um dedo num buraco na represa. O problema para mim é que à medida em que eu me tornei mais real, eu deixei a classe trabalhadora para trás – você sabe, eles gostam de Engelbert Humperdinck. São os estudantes que nos compram hoje e isso não é problema. Agora os Beatles são quatro pessoas separadas, não temos mais o impacto que tínhamos quando estávamos juntos…
Blackburn: Você está nadando contra a corrente da sociedade burguesa, que é bem mais difícil.
Lennon: Sim, eles controlam todos os jornais, toda a distribuição e promoção. Quando aparecemos havia apenas a Decca, a Philips e a EMI através das quais você podia conseguir ter um disco produzido. Você tinha de atravessar toda uma burocracia para chegar ao estúdio de gravação. Você fica numa posição tão miserável, que você não tem nem dozes horas para gravar um disco, que era o que tínhamos no começo.
Mesmo agora é o mesma coisa. Se você é um artista desconhecido, você tem sorte se conseguir uma hora num estúdio – é uma hierarquia e se você não fizer sucesso, você não volta a gravar. E eles controlam a distribuição. Tentamos mudar isso com a Apple, mas no final fomos derrotados. Eles ainda controlam tudo. A EMI matou nosso disco Two Virgins porque eles não gostaram. No último disco, eles censuraram as letras das músicas que estavam na contracapa do disco. Merda ridícula e hipócrita – eles me deixam cantar, mas não deixam que você leia. Loucura.
Blackburn: Apesar de você atingir menos pessoas hoje, talvez o efeito seja mais concentrado.
Lennon: Sim, acho que isso é verdade. Para começar, as pessoas de classe média reagiram contra nossa abertura em relação ao sexo. Eles têm medo da nudez, eles estão tão reprimidos quanto os outros. Talvez eles pensaram, “Paul é um cara legal, ele não faz esse tipo de coisa”.
Mas os trabalhadores são mais amigáveis conosco, por isso acho que há uma mudança. Parece que os estudantes estão meio acordados o suficiente para tentar acordar seus irmãos operários. Se você não passar seu conhecimento, então ele se fecha novamente. Por isso acho que a necessidade básica é que os estudantes se dêem com os operários e os convençam de que não falamos bobagem. E claro que é difícil saber o que os trabalhadores pensam de verdade, porque a imprensa capitalista só usa aspas de falastrões como Vic Feather mesmo.
Por isso, resta apenas falar com eles diretamente, especialmente com os jovens. Temos que começar com eles porque eles sabem contra quem eles estão. É por isso que eu falo da escola no disco. Eu quero incitar as pessoas para quebrar a moldura, serem desobedientes na escola, mostrar a língua, insultar a autoridade.
O quanto mais nós encaramos a realidade, mais percebemos que a irrealidade é o prato principal do dia. O quanto mais reais nos tornamos, o quanto mais forçamos a barra, isto também nos radicaliza de uma forma, como se fôssemos colocados num canto. Mas seria melhor que existissem mais de nós.
Ono: Nós não devemos ser tradicionais na forma que nos comunicamos com as pessoas – especialmente com o sistema. Devemos surpreender as pessoas ao dizer coisas novas de formas inteiramente novas. Comunicação tem uma força fantástica desde que você não aja da forma que esperam que você aja.
Blackburn: A comunicação é vital para construer um movimento, mas no fim das contas ela é inofensiva se você não desenvolver uma força popular.
Ono: Eu fico muito triste quando penso no Vietnã, onde parece não haver escolha a não ser a violência. Esta violência tem atravessado séculos apenas se perpetuando. Nesta época em que vivemos, quando a comunicação é tão rápida, nós devíamos criar tradições diferentes, tradições são criadas todos os dias. Cinco anos hoje é como cem anos antes. Vivemos em uma sociedade sem história. Não há precedentes de um tipo de sociedade destes, por isso podemos romper velhos padrões.
Ali: Nenhuma classe dominante em toda a história desistiu de seu poder voluntariamente e eu não acho que isso tem mudado.
Blackburn: E vivemos em um país imperialista que explora o Terceiro Mundo e até nossa cultura está envolvida nisso. Houve um tempo em que a música dos Beatles tocava na “Voz da América”…
Lennon: Os russos diziam que éramos robôs capitalistas, o que acho que seja verdade…
Blackburn: Eles eram bem burros para não ver que era outra coisa.
Ono: Essa é a verdade, os Beatles eram a música popular do século vinte numa moldura capitalista, eles não podiam fazer nada diferente se eles quisessem se comunicar dentro desta moldura.
Blackburn: Eu estava em Cuba quando Sgt. Pepper’s saiu e foi quando eles começaram a tocar rock no rádio.
Lennon: Tomara que eles não vejam o rock’n’roll como a mesma coisa que a Coca-Cola. À medida que avançamos para além do sonho isso parece ser mais fácil: é por isso que estou dizendo declarações mais fortes e tentar tirar essa imagem de ídolo adolescente. Eu quero atingir as pessoas certas e eu quero que o que eu diga seja simples e direto.
Capa desta edição da Bizz é minha, falando sobre a fase ativista político de Lennon, logo que ele chega aos EUA, em setembro de 71: textinho sobre o The U.S. vs John Lennon, entrevista com o Jon Wienner, tradução da entrevista feita pelo Tariq Ali na época e papo sobre rock e política com o Andy Gill do Gang of Four. Tudo no meu nome.
Sei que tou devendo o entrevistão drogas e o memorial de Syd Barrett que eu fiz pra revista. Conserto isso dia desses…
Taí o trechinho que eles liberaram no site:
Há exatos 35 anos, quando gravou Imagine, em que apresentaria o maior hit de sua carreira, Lennon decidiu mudar-se para Nova York. Curiosamente, ele era o menos proletário dos quatro Beatles e, entre eles, quem tinha a consciência artística mais aguçada. Quando mudou-se para os EUA, veio pilhado de política, gastando o verbo em entrevistas memoráveis e compondo canções que cada vez mais apertavam o dedo nas feridas que o incomodavam. Assim, foi natural que, ao chegar em Nova York, no dia 3 de setembro de 1971, John e Yoko tenham sido recebidos por duas das principais figuras do ativismo político americano: Jerry Rubin e Abbie Hoffman, os dois eram parte dos “sete de Chicago”, grupo que, ao lado do MC5, tomou de assalto a Convenção Nacional do Partido Democrata Americano em 1968, lançando a candidatura do porco Pigasus.
Assim, Lennon e Yoko entraram no coração da contracultura política nova-iorquina e logo estavam organizando e participando de passeatas e shows com motivações políticas. O principal deles foi o concerto pela libertação de John Sinclair, ativista político, antigo empresário do MC5 e criador dos Panteras Brancas (um partido de gozação), condenado a dez anos de cadeia por porte de dois cigarros de maconha. Quase dez anos mais tarde, o estagiário de direito Jon Wiener foi ao escritório do FBI e pediu os arquivos da polícia federal americana sobre John Lennon. “O FBI me disse que eles tinham mais de 400 páginas sobre Lennon dos anos de 71 e 72”, conta hoje Wiener, autor do livro Gimme Some Truth – The John Lennon FBI Files. “Destes papéis, eles diziam que dois terços eram arquivos de segurança nacional e não poderiam ser liberados.”
Perseguido e obcecado por causas políticas que descobria diariamente, Lennon deixou a música em segundo plano. A pá de cal no Lennon político aconteceu no dia da vitória de Richard Nixon na eleição de 1972. Numa festa, completamente bêbado, John pegou uma garota pela mãoe levou-a para um quarto, constrangendo todos os presentes e principalmente Yoko, que teve de, calada, ouvir os gemidos do outro cômodo. Começariam então os jogos mentais que abalariam de vez a relação do casal… Mas essa é outra história.
Esse trocadilho é infame e já foi usado mil vezes, mas não custa repeti-lo – ainda mais quando se tem motivo pra isso!
Duas músicas novas: uma em vídeo (“Think I’m in Love“) e outra em MP3 (“Cell Phone’s Dead“).
Exibição de clássicos Disney encerra festival Anima Mundi
“Você Já Foi à Bahia?”, de 1945, é um dos destaques de hoje no Memorial
O último dia do Anima Mundi 2006 será encerrado com a exibição de dois clássicos dos estúdios Disney: “Você Já Foi à Bahia”, de 1945, e “Alice no País das Maravilhas”, de 1951. Os dois filmes são uma amostra do trabalho da animadora Mary Blair, tema das palestras de um dos convidados internacionais do festival, o vencedor do Oscar John Canemaker.
Preferida de Walt Disney, Blair diferia do estilo hiper-realista do estúdio na época, que era influenciado pelo americano Norman Rockwell e pelas ilustrações européias para contos de fada. Ela usava uma paleta de cores quase surreal, de cores vivas e intensas, que são melhor demonstradas em “Você Já Foi à Bahia”, que apresentou o papagaio brasileiro Zé Carioca ao grande público, na adaptação do clássico de Lewis Carroll, além de “Cinderela”, de 1950, e “Peter Pan”, de 1953, e curtas .
Além dos dois filmes da Disney, o festival ainda tem outros dois longas como atrações de seu último dia: o brasileiro “Brichos”, de Paulo Munhoz e Tadao Miaqui, e o hilário musical politicamente incorreto “Terkel in Trouble”, dirigido pelos dinamarqueses Stefan Fjeldmark, Kresten Vestbjerg Andersen e Thorbjørn Christoffersen.
Hoje também acontecem as últimas sessões das mostras de alguns dos convidados desta edição do Anima Mundi, como a produtora brasileira TV Pingüim, os animadores britânicos MacKinnon and Saunders, do israelense Gil Alkabetz e do norte-americano John Canemaker, vencedor do Oscar de animação deste ano.
Anima Mundi, último dia
Alice no País das Maravilhas – Às 13h, na Sala II
Você Já Foi a Bahia – Às 15h, na Sala II
Mostra TV Pingüim – Às 15h, na Sala III
Brichos – Às 16h, na Sala I
Terkel in Trouble – Às 18h, na Sala I
Mostra MacKinnon and Saunders – Às 19h, na Sala II
Mostra Gil Alkabetz – Às 21h, na Sala II
Mostra John Canemaker – Às 22h, na Sala III
Anima Mundi 2006 – Último dia do festival, que acontece no Memorial da América Latina (Av. Auro Soares de Moura Andrade 664. Barra Funda. (11) 3823-4600). Ingressos a R$ 6,00 (Salas I e II) e R$ 3,00 (Sala III).
Alice às 13h de um domingo frio como esse me parece um ótimo programa, que acham? Mas se você acordou tarde (normal, ó o frio), vê se pega o Terkel, que é engraçadaço. Essa matéria saiu na Folha de hoje.