Eis o primeiro show do Kraftwerk, em 1970, quando parte do antigo grupo Organisation se apresentou ao vivo pela primeira vez, em uma performance de quase uma hora transmitida por um canal de TV alemão. O coração do grupo – a dupla Ralf Hütter e Florian Schneider – está lá, mas estão longe da imersão eletrônica que causariam a partir de 1974 com uma discografia impecável iniciada em Autobahn, de 1974. Hütter já experimentava com sintetizadores, mas sua abordagem era muito mais rocker do que viria a ser depois – a começar pelo visual setentão avesso à imagem clean que o grupo assumiria depois. Schneider, mais contido, tocava flauta e violino, e a dupla ainda era acompanhada pelo metrônomo bate-estaca Klaus Dinger, que depois formaria o Neu, outra banda fundamental na música popular alemã e na história da eletrônica. O show foi presenciado por então adolescente Dimitri Hegemann, que anos depois seria o dono da casa noturna Tresor, em Berlim, uma das principais da cena techno alemã, e ele escreveu sobre o show que redescobriu quatro décadas depois no YouTube na revista Electronic Beats:
“A câmera não fica apenas fixa nos músicos, como fazem hoje em dia, ela balança pelo público e você tem uma sensação imediata do zeitgeist da época. Perto do palco, talvez a um metro de Ralf Hütter, que está tocando um teclado pendurado em seus ombros, estão três garotas hippies de cabelo comprido e um garoto com cabelo ainda mais comprido e franja, de costas para a banda. Naturalmente, todo mundo fuma, muitos homens usam ternos e golas rolê. Por oito minutos, Hütter comanda um som de drone através de pedais de delay, antes do primeiro ritmo começar, com Klaus Dinger na bateria. Florian Schneider toca uma flauta no estilo Jethro Tull e vibrafone, além de vários outros sons indefiníveis, mas quase tudo ainda era criado com instrumentos analógicos. O público está chacoalhando suas cabeças, alguns de olhos fechados. Parte do público senta-se no chão com as pernas cruzadas e alguns aplaudem freneticamente junto com o ritmo. Durante uma das canções, um cara com um visual mod fica soprando um apito.”
Eis o setlist do show histórico:
“Vom Himmel Hoch”
“Ruckzuck”
“Stratovarius”
“Megaherz”
A piada recorrente em qualquer show do Kraftwerk desde que eles passaram a usar tecnologia digital é que em vez de tocar instrumentos, sincronizar música com vídeo ou disparar samples, os quatro alemães ficam apenas em seus laptops checando emails, navegando a esmo na internet ou conversando com amigos online, fingindo fazer um show enquanto passam uma hora em pé na lan house mais restrita – e vigiada – do mundo. A revista alemã Faze descolou imagens da banda se apresentando em Amsterdã em janeiro, com imagens de cima do palco, que torna visível o equipamento dos integrantes do banda. Inclusive o de Falk Grieffenhagen, que visita um site que parece ser uma espécie de tutorial do iPhone ou coisa do tipo. Confira a partir de quatro minutos e meio:
Mas se você se der ao trabalho de assistir ao vídeo todo, vai ver que a banda está realmente tocando e mexendo em equalizadores digitais, teclados e outros instrumentos eletrônicos. São quatro caras trabalhando na sincronia de beats e imagens, então tudo bem se um deles quer entrar na internet mesmo que pra checar emails. Se tem gente que tira foto do Instagram no palco durante o show, não acho que isso seja tão diferente assim. E, porra, os caras são os Kraftwerk e inventaram tudo isso, afinal de contas…
O designer Harvezt resolveu ver o que tinha do lado de cá das capas de discos e fez essa galeria com várias versões de álbuns clássicos vistos do ponto de vista da própria capa. Saca outras aí embaixo:
Esqueci de comentar a entrevista que Ralf Hütter deu ao Guardian há menos de um mês, quando revelou que um novo disco do Kraftwerk pode estar às vésperas de ser lançado. O grupo alemão termina em 2013 a série autocelebratória Retrospective 1-2-3-4-5-6-7-8, que começou no início do ano passado em Nova York, e já foi apresentada em várias capitais pelo planeta, em que visitam todos seus oitos discos por oito dias de shows consecutivos, num monumento épico à própria importância.
O oitavo disco desta série é o Tour de France Soundtracks, de 2003, que na verdade é apenas uma revisitação em formato álbum do EP lançado em 1983 e batizado apenas de Tour de France. Se não contarmos este disco como novo material e levarmos em consideração que o disco anterior, The Mix, de 1991, reúne remixes feitos pelo próprio grupo sobre suas próprias faixas, o nono disco do Kraftwerk seria seu primeiro álbum com material inédito desde Electric Cafe, de 1986.
No entanto, o conceito de “véspera”, no que diz respeito ao tempo do Kraftwerk é algo bem elástico – e o próprio Hütter já havia declarado que o novo disco estava pronto há um ano. O problema em relação ao lançamento de novas músicas do grupo é que, à medida em que sua profecia de um futuro eletrônico, feita nos anos 70, foi se concretizando no final do século 20, a sonoridade do grupo alemão foi datando com uma velocidade impressionante. Algumas músicas novas já foram apresentadas ao vivo – inclusive nos shows no Brasil -, mas o resultado era mais próximo de um trance genérico misturado com uma sombra pálida do que o grupo um dia já foi, quase uma caricatura triste. Resta saber se o novo material é este que está sendo tocado ao vivo…
E por falar em Kraftwerk, não custa lembrar que o 8-Bit Operators, coletivo que reúne diferentes nomes da chamada chiptune music – ou, em português claro, música de videogame -, lançou seu tributo à banda alemã há poucos meses, dá uma sacada:
Enquanto isso, em 1998…
Aproveitando a seqüência Chromatics, segue mais uma mixtape outonal (depois da fantástica feita pelos Poolside) que o jovem mestre Johnny Jewel disponibilizou há pouco em seu Soundcloud.
“After looping the globe twice…We’re finally back in Montreal for one of my favorite times of year. It’s the end of Autumn, & all of the Reds, Greens, & Yellows have disintegrated into Black & White. Everything is buried by the snow…Perfect weather for locking yourself in the studio with a synthesizer & your favorite records…I put together a collage of songs that, for one reason or another…always remind me of Autumn.
Something Old.
Something New.
Something Borrowed.
Something Blue.”
O set e a lista das faixas seguem logo abaixo:
Tudo bem que não faz nem um mês que eu coloquei uma mixtape do Johnny Jewel aqui, mas vale repeti-lo porque há um nobre motivo. Em julho, ele anunciou a continuação do setlist que deu origem ao seu selo Italians Do It Better, After Dark, mas, como ele mesmo explicou na semana passada, há três meses ele não sabia que a Chanel chamaria o Chromatics (sua banda) para tocar em um desfile (falo disso já já) nem que seu outro projeto, Symmetry, foi chamado para fazer a trilha de, como ele mesmo diz, “a top-secret motion picture for 2013” (dessa eu não sabia), o que tomou-lhe bastante tempo e, acabou por atrasar After Dark 2, que será lançada em edição tripla em vinil dourado (uou!). Para compensar, ele ressuscita a primeira mixtape, lançada há cinco anos em sua festa de aniversário, em versão remasterizada. “77 minutos de música eletrônica analógica mutando-se em disco music italiana, krautrock, electro, cinema Giallo e pop”, em suas próprias palavras. Eis a mixtape, abaixo:
Olha o setlist:
Glass Candy – “Rolling Down The Hills”
Chromatics – “Hands In The Dark”
Mirage – “Last Nite A Dj Saved My Life”
Mirage – “Lady Operator”
Glass Candy – “Computer Love”
Professor Genius – “La Grotta”
Chromatics – “Killing Spree”
Farah – “Law Of Life”
Chromatics – “In The City”
Glass Candy + Nat Walker + Eyvind Kang – “Miss Broadway”
Mirage – “Lake Of Dreams”
Farah – “Dancing Girls”
Glass Candy – “The Chameleon”
Professor Genius – “Pegaso”
É infame, mas eficaz. Vi lá no Camilo.