Não passou o carnaval ainda então dá tempo de remoer o ano que terminou tem quase um mês e meio, por isso segue abaixo a minha votação na lista mais tradicional de melhores do ano da internet brasileira, promovida pelo heróico Scream & Yell do compadre Marcelo Costa.
Imensa satisfação receber a artista moçambicana Lenna Bahule pelas segundas-feiras de fevereiro, quando ela apresenta sua temporada Adupé – Gratidão, Bênçãos e Graças que nos Chegam do Divino no Centro da Terra. Nas quatro apresentações, a cantora multiartista, percussionista, arte-educadora e ativista cultural nascida em Maputo nos conduz por uma mescla de música, dança, palavra, imagem e movimento a partir dos convidados que recebe em cada apresentação. O time que ela reuniu para estas quatro segundas é da pesada, contando com Kiko Woiski (baixo e efeitos), Ed Woiski (guitarra e efeitos) na idealização e direção de todas as noites, que terão as presenças de Jota Erre (bateria e voz), Rubens Oliveira (dança), Ermi Panzo (poesia e dança), Alessandra Leão (voz e percussão), Maurício Badé (percussão), Camilo Zorilla (percussão e voz), Guinho Nascimento (dança), Juçara Marçal (voz), Ari Colares (percussão), Kabé Pinheiro (percussão), Bruno Duarte (percussão, bateria e vibrafone) e Jéssica Areias (voz). Na primeira noite, dia 3, além de Lenna, Kiko e Ed participam Alessandra Leão, Ermi Panzo e Rubens Oliveira. Na segunda segunda-feira, dia 10, os três recebem Jota Erre, Jessica Areias e Maurício Badé. Na segunda dia 17 é a vez de receberem Camilo Zorrilla, Bruno Duarte e Guinho Nascimento para finalmente, na última segunda do mês, dia 24, receberem Ari Colares, Juçara Marçal e Kabé Pinheiro, em apresentações que prometem ser intensas. Os espetáculos começam sempre às 20h e os ingressos podem ser comprados pelo site do Centro da Terra.
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Olha 2025 já chegando: a peça Avenida Paulista, idealizada, escrita e dirigida pelo dramaturgo Felipe Hirsch vai estrear em fevereiro no teatro do Sesi (onde ele mesmo montou Avenida Dropsie, do Will Eisner, há vinte anos) com a nata da atual música da cidade (Fabio Sá, Lello Bezerra, Negro Leo, Roberta Estrela D’Alva, Thalin, Maria Beraldo, Arnaldo Antunes, Romulo Fróes, Tulipa Ruiz, Alzira E, DJ K, Jéssica Caitano, Juçara Marçal, Kiko Dinucci, Maurício Pereira, Nuno Ramos, Rodrigo Campos e Rodrigo Ogi) é só um gostinho do ano que vem. Olha isso:
Já dá pra dizer que show do Metá Metá em dezembro já é uma tradição de fim de ano, como reforçou o camarada José à saída da primeira das duas apresentações que a melhor banda do Brasil faz esta semana no porão da Casa de Francisca. O encontro de Thiago França, Juçara Marçal e Kiko Dinucci é sempre um acontecimento, mesmo que eles mantenham intocável o mesmo repertório há uns bons anos. Não que isso seja um problema, pelo contrário. Ao reforçar uma seleção de músicas contemporâneas que já são clássicas, o trio pega o público pela goela e faz o que quiser com ele, tangendo-o da catarse à devoção como se tudo estivesse combinado. É sempre impressionante o que uma combinação tão improvável e mínima de instrumentos (voz, violão e saxofone ou flauta) consegue mexer com os ouvinte, atirando todos contra uma parede de som que faz expectativas altas serem ultrapassadas como se fossem fáceis. E passeando entre canções próprias – um rosário esplendoroso que inclui “Exu”, “Oyá”, “São Jorge”, “Vale do Jucá”, “Orunmilá”, “Atotô”, “Cobra Rasteira”, “Iyami Ilê Oró” – e alheias, como “Trovoa” de Maurício Pereira que o grupo eternizou cantada como se fosse um hino e uma oração, “Samuel” do Passo Torto (dedicada a um dos integrantes do grupo, Rômulo Froes, que estava presente) e “Let’s Play That” de Jards Macalé e Torquato Neto, além de três de Douglas Germano, “Sozinho”, “Rainha das Cabeças” e a joia “Vias de Fato”, em que Kiko convidou o próprio Douglas, que também estava na casa, para dividir os vocais com Juçara. Nos poucos momentos em que conversaram com o público destacou-se a insistência – justa – de Thiago França para que os presentes participassem da eleição para o Conselho Participativo Municipal que acontece neste domingo: “Cada um procure a sua subprefeitura e os candidatos progressistas pra gente parar de perder essa guerra por W.O.”, lembrando para levar RG e comprovante de residência para garantir a votação. “Não adianta reclamar na segunda-feira no Instagram”, esbravejou o saxofonista, com razão, abrindo caminho para encerrar a noite com a implacável “Obá Iná”. De lavar a alma.
Neste domingo pude ver mais um show que Juçara Marçal fez celebrando seu clássico disco de estreia, Encarnado, desta vez no Itaú Cultural, o primeiro no ano com a presença de Thiago França. Como nas outras vezes, a apresentação contou com o trio cinco estrelas que funda o púlpito eletroacústico em que a mestra discorre sua trágica obra: o suíço Thomas Rohrer na rabeca, Kiko Dinucci na guitarra e Rodrigo Campos alternando entre a guitarra e o cavaquinho. E além dos clássicos do disco de 2014 (canções inesquecíveis de seus compadres – “Velho Amarelo” de Rodrigo Campos, “Queimando a Língua” de Rômulo Froes, “Pena Mais que Perfeita” de Gui Amabis e “A Velha da Capa Preta” de Siba, além do ápice ao vivo que é a transição entre a dramática “Ciranda do Aborto” – ainda mais cantada neste fim de 2024 – e a bucólica “Canção para Ninar Oxum”), Ju ainda passeou por canções clássicas de seu cânone brasileiro pessoal, como “Xote de Navegação” de Chico Buarque (em que é acompanhada apenas por Thomas tocando um fuê de cozinha e desandou numa versão noise para “Odoyá”) e “Dor Elegante” do Itamar Assumpção (quando convidou Thiago para o palco e deslizou no nome do autor num momento cômico involuntário que serviu para dissipar o clima tenso da noite até então). Aproveitou a presença de Thiago para voltar ao disco com a imortal “Damião” e “E o Quico?”, do mesmo Itamar (qual deles?), com o maestro da Charanga disparando eletrônicos em vez de tocar seu sax. O show terminou com a saudação a Tom Zé em “Não Tenha Ódio no Verão” (e seu refrão desopilador) e as três tragédias suburbanas descritos por Paulinho da Viola (“Comprimido”), Kiko Dinucci (“João Carranca”) e Rômulo e Thiago (“Presente de Casamento”). O show terminou no alto com uma inédita que veio no bis, quando o quinteto novamente reunido, instigou o público com a emblemática “Opinião”, de Zé Keti, numa versão eletrocutada. Deixa andar…
Lindo o show que Gui Amabis fez nesta quinta-feira no Sesc Pompeia para mostrar, em grande estilo, o seu ótimo quinto disco, lançado no primeiro semestre deste ano, Contrapangeia. Escudado por dois velhos compadres cada um a seu um lado no palco – o violonista Regis Damasceno e o tecladista Zé Ruivo – ele foi acompanhado por um orquestra de câmara de 18 músicos e transpôs ao vivo o disco na íntegra, incluindo as participações de Manu Julian e Juçara Marçal, que encerrou a apresentação com a bela “Nesse Meio Tempo”, que também encerra o disco. Gui aproveitou a oportunidade única para reler naquela formação algumas músicas de discos anteriores (como “O Deus Que Mata Também Cura” de seu disco de estreia, Memórias Luso-Africanas, de 2011; e “Pena Mais Que Perfeita”, esta com Juçara, que a regravou em seu disco de estreia, e “Merece Quem Aceita”, do disco seguinte, Trabalhos Carnívoros, de 2012) e encerrou com um bis com uma versão deslumbrante para “Graxa e Sal”, de seu terceiro álbum, Ruivo em Sangue, de 2015, e fez todo mundo sair flutuando.
O concerto O Canto de Maldoror: Terra em Transe em Transe, apresentado no Theatro Municipal de São Paulo neste fim de semana pela Orquestra Sinfônica Municipal e pelo Coro Lírico Municipal, foi um arrebatador ataque aos sentidos que, a partir da dissolução das fronteiras entre som, sentido e ruído, converteu-se em um dos grandes acontecimentos artísticos do ano. Concebido e idealizado por por Nuno Ramos e Eduardo Climachauska, a apresentação recriava a trilha sonora e os diálogos de Terra em Transe, magnus opus do cinema nacional, forjada por Glauber Rocha em 1967, como uma única obra. E assim, à frente da orquestra regida por Gustavo Petri e do coro regido por Érica Hindrikson, os atores Georgette Fadel e Marat Descartes recriavam, ao lado do contrabaixo de Marcelo Cabral, as falas dos protagonistas do filme apresentadas em quatro diferentes sintonias, cada uma representada pela mudança de frequências e velocidades de cada instante. Em quatro tempos diferentes, estes diálogos foram reprocessados eletronicamente e entregues aos compositores Piero Schlochauer e Rodrigo Morte, que escreveram partituras para estes diferentes momentos distorcidos serem recriados analogicamente pelas vozes dos intérpretes e assim Fadel e Marat liam diálogos como se ouvíssemos um disco em diferentes rotações, cada uma delas referida a um dos três personagens do filme: sem distorção representavam o delírio do intelectual Paulo Martins (vivido no filme por Jardel Filho), em uma distorção mais lenta traziam o personagem ao presente, numa outra ainda mais lenta mostravam o passado do político populista Felipe Vieira (personagem vivido por José Lewgoy) e numa versão aceleradíssima davam voz ao passado do politico conservador Porfírio Diaz (vivido por Paulo Autran). As falas ditas pelos dois atores tornavam o português dito meramente sonoro e elas eram perseguidas pelo baixo de Cabral, que acentuava a musicalidade dos diálogos à direita do palco. Na outra ponta, à esquerda, a solista Marcela Lucatelli soltava sua voz animalesca entre o canto e o rugido (além de surgir impávida e serena ao cantar “Olá”, de Sergio Ricardo), enquanto a orquestra e o coro passeavam entre sambas, pontos de macumba, O Guarani de Carlos Gomes, trechos de obras de Villa-Lobos e Verdi, jazz e gritos de protesto, colocando o coro inclusive para solar com minicornetas de brinquedo. As partes cantadas pelo Coro Lírico, O Canto de Maldoror que batizava a peça, inspirado no título da obra clássico do uruguaio vertido francês Conde de Lautréamont, haviam sido escritas a partir de improvisos vocais de Juçara Marçal, criando mais uma camada de distorção na apresentação, que ainda contava com os quatro pêndulos imaginados pelos cenógrafos Laura Vinci e Wagner Antônio, que representavam os quatro tempos dos cantos mostrados, cada um deles movendo-se numa velocidade distinta. A contraposição destas distorções de tempo, sobrepostas ao caráter épico da apresentação e aos diálogos alegóricos – e infelizmente sempre atuais – escritos por Glauber abria janelas com novas dimensões temporais que tornavam Terra em Transe ainda mais atual do que em seu tempo, em pleno 2024. Um acontecimento de tirar o fôlego.
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Ao lançar um dos melhores discos de 2024 num espaço pequeno como o Auditório do Sesc Pinheiros, nesta quarta-feira, Thiago França sublinhou que seu novo disco (trinta e quantos?) é reservado para audições menores e mais intimistas, mas sem isso se confunda com mais leve ou mais delicado. Logicamente que há momentos de sutileza e sentimento, mas o forte da apresentação tinha peso, força e intensidade, especificamente por Thiago ter escolhido o formato de trio de jazz para conduzir o repertório da vez. E ao lado dos velhos comparsas Welington “Pimpa” Moreira e Marcelo Cabral, ele aproveitou para explorar todos o espectro possível daquela formação em cima dos temas registrados no novo disco. Uns deles (como “Luango” ou a faixa-título do disco, “Canhoto de Pé”) são velhos conhecidos de quem acompanha o trabalho do saxofonista e pontos de partidas para verdadeiras tours-de-force instrumentais, seja coletivamente ou em hipnóticos momentos solo. Mas no terço final do show, Thiago expandiu ainda mais sua paleta sonora, ao começar pelo “Bolero do Desterro”, faixa do segundo disco de seu projeto Sambanzo, que transformou-se num momento solo em que Pimpa e Cabral o deixaram só no palco, quando mostrou o motocontínuo de sua respiração circular, antes de receber Juçara Marçal para a versão dilaceradora que os dois registraram no novo disco de Thiago, quando visitaram, sax e voz, a preciosa “Dor Elegante”, de Itamar Assumpção. Aproveitando a presença de Juçara, encerrou o show com uma mistura (ou “um remix analógico e orgânico”, como ele mesmo brincou) de “Fear of the Bate Bola” do disco da vez com “Bará” que Juçara compôs quando o grupo Metá Metá foi convidado para fazer a trilha sonora de um espetáculo do grupo Corpo. O público pediu bis e Thiago encerrou a noite com a imortal “Cabecinha no Ombro”, de Paulo Borges, tocando sozinho e pedindo pro público cantar o eterno acalanto junto com seu sax. Que noite!
(Foto: Sebastina Scauvet/Divulgação)
“‘Canhoto de pé’, diz a mística do futebol, que são os jogadores mais habilidosos, de dribles desconcertantes, enigmáticos”, explica Thiago França sobre o título de seu quinto disco solo, que lança nessa próxima sexta-feira. Quase todo instrumental, o disco foi iniciado em plena pandemia e conta com participações de Juçara Marçal (que canta a única letra do disco, numa versão tocante para “Dor Elegante”, de Itamar Assumpção), dos comparsas que fecham seu trio (Marcelo Cabral e Welington “Pimpa” Moreira) e de dois integrantes do grupo Aguidavi do Jêje. Ele segue explicando o título do disco a partir das escalas que usou na gravação. “Daí a viagem: essa música usa uma escala próxima ao blues, que tem a terça maior e a menor e fica variando entre elas, driblando e enganado o ouvido. Acho que nesse disco eu tô tocando dum jeito mais ‘habilidoso’, diferente do Sambanzo e até do MetaL MetaL, onde tudo soa bem forte, explosivo. O fato de eu ser canhoto de pé não influencia nem ajuda em absolutamente nada meu jeito de tocar, e no meu caso, também não me ajudou nada com a bola”, brinca.
O disco, cujo show de lançamento acontece no dia 4 de setembro, no Sesc Pinheiros, surgiu durante o período pandêmico e, segundo o saxofonista mineiro “foi o disco menos planejado que já fiz”. “Ele foi acontecendo lentamente, ao contrário do que eu sempre faço, que é pegar uma idéia e desenvolvê-la ao redor de uma banda fechada que vai tocar tudo”, continua, fazendo referência aos processos tanto a seus projetos coletivos, como o Metá Metá, a Charanga do França, a Space Charanga, os Marginals e o Sambanzo, como a seus outros discos solo. “Eu tava fazendo backup dos arquivos do Logic ouvindo coisas que ficaram de fora do Bodiado (de 2021) e achei que tinha assunto ali pra continuar trabalhando”, contando que começou pelas faixas “Download de Paranóia” (cujo título surgiu num papo com André Abujamra), “Cabecinha no Ombro” (o clássico acalanto de Paulo Borges, gravada com quatro saxes, gravada no aniversário de seu avô) e “Ajuntó de Xangô”, que caíram fora de Bodiado por diferentes motivos e ressurgiram neste disco novo. “Eu não queria repetir a fórmula do disco anterior e elas ficaram guardadas, a vida foi seguindo, pandemia acabando, eleição de 22 que foi aquele caos…”