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Are_You_Experienced

Escrevi para o meu blog no UOL sobre o mítico primeiro disco que Jimi Hendrix lançou com seu trio Experience, que completa meio século neste dia 12 de maio – e como Are You Experienced? captura todo o poder revolucionário do músico.

É fácil entender porque Jimi Hendrix ainda é um ícone imbatível da cultura, mesmo passado meio século desde o que o primeiro registro de sua força emocional e sonora foi disponibilizado em escala industrial. Are You Experienced?, que chegou às lojas de disco no dia 12 de maio de 1967, concentra as principais qualidades do guitarrista, mas, visto à distância, cinquenta anos depois, é essencialmente um disco pop. Canções como “Purple Haze”, “Fire”, “Foxy Lady” e a faixa-título já se embrenharam na textura sonora do inconsciente coletivo a ponto de serem consideradas, sem dúvida, hits. Fora a figura encantadora de Hendrix, um trickster armado com uma guitarra, um soul man psicodélico, um xamã elétrico.

Difícil, no entanto, é entender o impacto que Jimi Hendrix exerceu sobre os anos 60 – e como sua presença foi capital para sincronizar dois continentes em uma nova perspectiva de vida, alinhando a contracultura de Londres (e consequentemente a da Europa) à de Nova York e da Califórnia (e consequentemente a da América) ao redor de o despertar de uma nova consciência. Não por acaso o disco foi lançado no mítico 1967 – é um dos discos que ajudou a transformar aquele ano numa época de ouro para a música, para o rock e para a cultura contemporânea, como um todo.

E isso aconteceu num estalo. Um ano antes de seu lançamento, Jimi Hendrix sequer era Jimi Hendrix. Tocava em uma banda chamada Jimmy James and the Blue Flames onde exercitava todo seu virtuosismo rock aprendido na marra ao lado de titãs da música negra, como os Isley Brothers e Little Richards, de quem foi guitarrista de suas bandas de apoio. Mas estava longe do alienígena musical que se transformou em poucos meses. Já estava acompanhando o que seus contemporâneos brancos dos Estados Unidos e da Inglaterra estavam fazendo, principalmente Dylan, uma de suas principais influências, e os Beatles. Mas a barreira racial o impedia de ir para além da fronteira onde atuava, até que Linda Keith surgiu em sua vida.

A história de Linda com Hendrix parece um conto de fadas. Ela o viu se apresentando no Cafe Wha, em Nova York, e imediatamente reconheceu seu talento cru. Modelo e it girl inglesa, Linda era namorada de Keith Richards dos Rolling Stones e passava uma temporada na costa leste americana quando percebeu que poderia lapidar aquele guitarrista. Foi ela quem o convenceu a deixar o cabelo crescer e a cantar, usando Dylan como parâmetro para estas mudanças no guitarrista. Ela insistiu que adotasse seu verdadeiro sobrenome e não se escondesse atrás de uma banda – além de assinar seu prenome de forma singular, Jimi, e não como todos os outros James, que assinavam o próprio apelido como Jimmy. Ela lhe sugeriu que usasse roupas menos comportadas e que experimentasse o ácido lisérgico. Em outras palavras, Linda lhe aplicou uma dose expressa da Swinging London, a transformação comportamental que tirava Londres do pós-guerra e puxava a capital inglesa para a era psicodélica. O encontro de Jimi e Linda é crucial para a transformação de Hendrix em um ícone da música e da contracultura global.

Ela usou suas conexões para tentar chamar atenção da indústria fonográfica para o músico, mas nem Andrew Loog Oldham (empresário dos Rolling Stones) e Seymour Stein (dono da gravadora Sire Records) não viram grande coisa no guitarrista. Foi preciso que Linda o apresentasse a um amigo músico que estava insatisfeito com a vida dos palcos e queria experimentar a vida nos bastidores, empresariando um novo artista. Chas Chandler, ex-baixista dos Animals, havia ouvido a música “Hey Joe” e sabia que ela seria o hit do primeiro artista que empresariasse. E ele conseguiu ver exatamente o que Linda dizia quando assistiu Jimi Hendrix ao vivo.

Mitch Mitchell, Jimi Hendrix e Noel Redding

Mitch Mitchell, Jimi Hendrix e Noel Redding

Chandler é a segunda ferramenta para a ascensão de Hendrix. É ele quem banca a viagem do guitarrista para Londres, suas primeiras apresentações. É Chandler quem apresenta Hendrix a seus novos músicos, os ingleses Noel Redding, guitarrista que começava a tocar baixo, e Mitch Mitchell, baterista que também havia tocado com uma banda chamada Blue Flames (Georgie Fame and the Blue Flames). A química entre os três é instantânea e logo que eles começam a gravar, Chandler vê que não precisa alugar sala de ensaio para os três, que agora se chamavam The Jimi Hendrix Experience, pois os novos músicos aprendiam rapidamente as músicas de Jimi logo que estavam testando os instrumentos no estúdio.

O impacto ao vivo de Jimi Hendrix em Londres, ainda em 1967, foi avassalador. Guitarristas contemporâneos, como Jeff Beck, Eric Clapton e Pete Townshend sentiram o baque na hora e em menos de um mês todos os instrumentistas da cidade se viam confrontados com um novo patamar de excelência – todos mesmo, inclusive músicos que não se consideram virtuosos, como integrantes dos Beatles e dos Rolling Stones que puderam assistir aos primeiros show de Hendrix na Inglaterra.

Em frente a uma plateia progressista e sem preconceitos, o guitarrista explorava todos os limites de sua performance, assumindo o holofote como Linda Keith havia profetizado, não apenas como instrumentista, mas como showman, líder carismático no palco. Ele e sua guitarra Fender Stratocaster eram um só e ele ficava cada vez mais consciente e confiante de sua força artística, seja cuspindo frases de apresentação no começo de suas músicas ou narrativas melódicas completas nos intervalos entre os refrões. A guitarra também era a batuta com a qual regia a microfonia, o barulho dissonante dos instrumentos elétricos que Hendrix aos poucos domou. Hércules sonoro, desafiava bestas sonoras inomináveis e transformava estas lutas em solos memoráveis, deslumbrantes, transcendentais.

Era uma força ancestral. O que Hendrix mostrava para os ingleses era a versão atual da geração de músicos norte-americanos que a Swinging London venerava. Uma geração que surgiu com o rock’n’roll de Elvis Presley, Chuck Berry, Buddy Holly e Little Richards, mas que logo foi atrás dos discos anteriores, dos primeiros bluesmen elétricos, dos discos da gravadora Chess. Hendrix era um daqueles monstros sagrados, só que não vivia no passado, mas no presente, apontando para o futuro.

Sua importância é maior do que apenas para o rock. Hendrix faz a ponte entre as ragas indianas mencionadas por John Coltrane e o espaço sideral de Sun Ra com as viagens intergaláticas de George Clinton e a força política de Sly & The Family Stone. Não à toa foi parar com Miles Davis no momento em que o Picasso da música norte-americana começava sua fase elétrica. Hendrix não é apenas a consagração da união das novas consciências na cultura pop da América e da Europa, a consolidação do que Dylan dizia quando batizou um de seus discos de 1965 de “trazer tudo de volta pra casa”, em relação à cultura urbana que teria sido “roubada” pela geração dos Beatles. Ele também é a evolução improvável de uma consciência musical, que, por mais difícil que possa parecer, soa facílima uma vez apresentada pelo guitarrista e vocalista. E está tudo ali, encerrado no primeiro disco de seu power trio. “Você já experimentou?”, pergunta desafiador na faixa-título, para responder sorrindo. “Eu já.”

cooper

Grande notícia: além dos temas de Angelo Badalamenti, a trilha sonora da nova versão de Twin Peaks, que estreia este mês, será assinada por Johnny Jewell, líder da banda Chromatics. Falei sobre como isso é uma boa notícia para os fãs da série no meu blog no UOL. Jewell acaba de lançar a trilha, com o título de Windswept, antes mesmo do lançamento da nova temporada.

Estamos às vésperas de voltar a um universo fictício em que a realidade e o sobrenatural se superpõem com estilo. A terceira temporada de Twin Peaks está a algumas semanas de distância entre seus criadores e, nós, seu público. A série que David Lynch produziu no início dos anos 90 era um alienígena na TV norte-americana e subvertia a estética de telefilme dos anos 80 ao misturar um assassinato numa cidadezinha do interior dos Estados Unidos que começa a ser investigado por um agente do FBI com uma camada de surrealismo de horror inimaginável até para a TV de hoje em da.

Foi, no entanto, um alienígena viral: contaminou o DNA das séries de TV de tal forma que mudou a perspectiva para todos os profissionais da área. A partir de Twin Peaks, que teve meras duas temporadas e terminou de forma abrupta, toda produção de TV nos Estados Unidos começou a mudar e os seriados, antes meros passatempos temáticos com gêneros bem estabelecidos (como o próprio conceito de sitcom, a “comédia de situação”), se tornaram obras autorais, com nível de complexidade mais exigente que o cinema. Twin Peaks abriu um caminho que foi percorrido por Arquivo X, Seinfeld e Buffy – A Caça-Vampiros (que, não parece, mas é bem importante), cada um contribuindo à sua maneira, para chegarmos à chamada nova era de ouro da televisão, que pariu obras como Sopranos, The Wire, Lost, Mad Men, Walking Dead, Six Feet Under, Breaking Bad, Game of Thrones. Todos estes seriam bem diferentes – outros talvez nem existissem – não fosse a série do início dos anos 90. É o que nos lembra mais um teaser da próxima temporada, que menciona indiretamente alguns destes programas:

https://www.youtube.com/watch?v=vlECLI34eCg&feature=emb_title

E são tantos teasers… Além dos que já haviam mostrado o Agente Cooper em 2017 e a volta de Angelo Badalamenti à trilha sonora, a série também lançou o teaser sobre locações que eu publiquei na semana passada e este sobre os velhos personagens hoje:

Esse outro abaixo – e, presumidamente, outros – está escondido no canal do YouTube onde a série vem publicando estes teasers e só aparece para os americanos que procuram “What is the Black Lodge?” no Google.

E vão continuar surgindo novos teasers até a data da exibição do primeiro episódio da terceira temporada, dia 21 de maio, no canal norte-americano Showtime. Mas esse excesso de publicidade me preocupa.

Porque alimenta uma expectativa que invariavelmente nos leva à frustração. E várias histórias clássicas foram ressuscitadas recentemente com alarde para encontrar produções fracas (a décima temporada de Arquivo X), forçadas (a última temporada de Arrested Development) ou vazias (como os filmes mais recentes da série Alien). Claro que há exemplos bem-sucedidos do outro lado (como a empolgante ressurreição de Battlestar Galactica, a brilhante reinvenção de Westworld e os filmes mais recentes da série Jornada e Guerra nas Estrelas), mas esse incessante bumbo batido pelo marketing da empresa me causa uma sensação ruim – além da lista de novos atores da série que inclui dezenas de nomes conhecidos (Michael Cera, Monica Belucci e até o Eddie Vedder!). Isso sem contar a inevitável máquina de memes da internet, que já está ligada no tema faz tempo – e, com a proximidade da estreia, irá aumentar sua produção consideravelmente. Como esta bela recriação que ilustrador Pakoto Martinez fez para a abertura da série:

Mas essa má sensação foi embora a partir do anúncio de que Johnny Jewell, líder do grupo norte-americano Chromatics, iria tomar conta da trilha sonora da série que não fosse escrita por seu compositor original, Angelo Badalamenti. Jewell é conhecido por sintetizar tensões em teclados vintage e vozes femininas sussurradas sobre guitarras que ecoam no espaço, em diferentes bandas sendo o Chromatics, a mais conhecida delas. E para quem questiona essa escolha, ouça o disco Windswept, que ele já lançou nas plataformas digitais. Eis sua capa:

Windswept

E o disco pode ser ouvido na íntegra na playlist abaixo:

Aí tudo faz sentido. Mesmo a Monica Belucci, o Eddie Vedder, o Michael Cera. Tudo se encaixa nesse ambiente bizarro chamado Twin Peaks.

TV Gorillaz

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Um seriado no ano que vem e duas aparições ao vivo – uma com Noel Gallagher e outra com Stephen Colbert rimando! Gorillaz resolvem invadir a televisão – falei sobre isso no meu blog no UOL.

Depois de saírem da ficção para os palcos, os Gorillaz querem chegar na TV. A banda de desenho animado inventada pelo líder do Blur Damon Albarn e pelo criador da Tank Girl Jamie Hewlett acaba de lançar um novo álbum – o melancólico e moderno Humanz, que deve ter seu grande momento durante o próprio festival do grupo -, mas é só o começo desta nova fase.

Pelo menos foi o que o desenhista Hewlett disse em entrevista ao site canadense Exclaim, que lhe encomendaram dez episódios de série em desenho animado com o grupo símio. “Eu vou dirigir o primeiro e o último, mas teremos que ter alguém pra dirigir os outros episódios. Acho que se eu tentasse fazer tudo sozinho, iria morrer.”

Mas o desenho deve permanecer bidimensional, apesar da recente aventura em 3D para o clipe de lançamento do novo disco. “Eles serão assim de agora em diante. Acho que é um estilo bonito de animação”, continuou. “Todo mundo faz tudo no computador agora e é realmente ótimo para fazer cenários, como ambientes e paisagens, mas não os próprios personagens. Eu ainda sou muito inspirado pelo estilo de Chuck Jones, eu amo esse tipo de animação. É arte. Eu preferia deixar os personagens desse jeito pelo resto dessa campanha. Então os personagens serão em duas dimensões, mas todo o resto está em aberto”. Hewlett não descarta nem a possibilidade do resto da série ser filmada em vez de desenhada. “Ou pode ser uma mistura de colagem e fotografia e um pouco de computação gráfica”, completou. Ele também mencionou a possilidade do grupo ter sua própria grife, com roupas feitas pelo próprio desenhista.

Enquanto isso, o grupo continua sua rodada de lançamento, se apresentando ao vivo em diferentes programas de TV sem usar o recurso do desenho animado em vez da banda. O que provocou uma incrível apresentação no programa The Graham Norton Show, da emissora inglesa BBC, em que Damon Albarn cantou ao lado de seu ex-desafeto Noel Gallagher, um dos colaboradores do novo álbum, e da cantora Jehnny Beth, do grupo Savages.

https://www.youtube.com/watch?v=IGAzABa17cY

Em outra apresentação na TV, o grupo tocou o velho hit “Feel Good Inc.” no programa do apresentador norte-americano Stephen Colbert na emissora CBS, e no lugar do grupo De La Soul, o próprio Colbert assumiu a parte rap da música.

Fora que há um rumor que o grupo talvez venha mesmo para a América do Sul este ano – mas talvez não toque no Brasil.

Roger Waters e David Gilmour

Roger Waters e David Gilmour

Às vésperas de dois grandes lançamentos, seu primeiro disco de inéditas em mais de quinze anos e uma exposição sobre os 50 anos de sua banda, o baixista do Pink Floyd Roger Waters abre o jogo sobre sua relação com o ex-companheiro de grupo David Gilmour – falei mais sobre isso no meu blog no UOL.

Às vésperas de dois lançamentos importantes, o ex-baixista do Pink Floyd não está muito preocupado em manter as aparências para ajudar a publicidade. “Dave e eu não somos amigos, nunca fomos e duvido que um dia seremos”, disse Roger Waters em entrevista ao jornal inglês Telegraph, em referência ao ex-parceiro de banda, o guitarrista David Gilmour. “E tudo bem, não há razão para sermos”.

“Você pode ser criativo sem ser amigo”, acrescentou. “David e eu fizemos ótimos trabalhos juntos, que nunca teria acontecido nós dois não estivéssemos lá.” O baixista está prestes a lançar seu primeiro disco solo em mais de dez anos e para isso convocou o produtor do Radiohead, Nigel Godrich, para ajudá-lo a polir sua nova sonoridade. O disco Is This the Life We Really Want? está agendado para ser lançado no início de junho e o músico já apresentou o primeiro single, “Smell the Roses”, que ecoa bons momentos de seu grupo original.

Além do novo disco, Roger também está por trás da exposição The Pink Floyd Exhibition: Their Mortal Remains, que será inaugurada no próximo sábado, dia 13, no museu Victoria and Albert Museum, em Londres, e celebra o cinquentenário da banda reunindo todo tipo de memorabilia sobre a banda inglesa, de objetos pessoais de seus integrantes a equipamentos de shows e gravação, passando por rascunhos de canções e capas de discos, entre outras curiosidades. O jornal inglês The Guardian publicou algumas imagens que estarão na exposição, que reproduzo abaixo:

A bengala usada para punir fisicamente os alunos da escola Cambridgeshire quando Roger Waters, Syd Barrett e Storm Thorgerson (que depois iria fazer as capas do Pink Floyd) estudavam lá

A bengala usada para punir fisicamente os alunos da escola Cambridgeshire quando Roger Waters, Syd Barrett e Storm Thorgerson (que depois iria fazer as capas do Pink Floyd) estudavam lá

Uma das fotos tiradas na sessão para a capa de discos do primeiro disco da banda, em 1967

Uma das fotos tiradas na sessão para a capa de discos do primeiro disco da banda, em 1967

A formação clássica do Pink Floyd – Rick Wright, Nick Mason, Roger Waters e David Gilmour – em 1970

A formação clássica do Pink Floyd – Rick Wright, Nick Mason, Roger Waters e David Gilmour – em 1970

Uma pintura abstrata feita pelo líder original da banda, Syd Barrett, em 1965

Uma pintura abstrata feita pelo líder original da banda, Syd Barrett, em 1965

Um cartaz para uma apresentação do grupo no Royal Festival Hall, dia 14 de abril de 1969

Um cartaz para uma apresentação do grupo no Royal Festival Hall, dia 14 de abril de 1969

O baterista Nick Mason guardando seu instrumento em 1965

O baterista Nick Mason guardando seu instrumento em 1965

O Azymuth Coordinator, uma espécie de controle de som quadrafônico criado para um show da banda no Queen Elizabeth Hall, em maio de 1967

O Azymuth Coordinator, uma espécie de controle de som quadrafônico criado para um show da banda no Queen Elizabeth Hall, em maio de 1967

Cartaz feito para o lançamento do primeiro disco da banda, The Piper at the Gates of Dawn, em 1967

Cartaz feito para o lançamento do primeiro disco da banda, The Piper at the Gates of Dawn, em 1967

Projetor de luz usado entre 1966 e 1967 pela banda

Projetor de luz usado entre 1966 e 1967 pela banda

Uma flor espelhada que fazia parte do palco da banda entre 1973 e 1975

Uma flor espelhada que fazia parte do palco da banda entre 1973 e 1975

Ilustração de Roger Waters, da época do disco The Wall

Ilustração de Roger Waters, da época do disco The Wall

Twin Peaks intacta

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Mais um teaser da volta do clássico seriado de David Lynch revisita endereços conhecidos mais de um quarto de século depois – veja lá no meu blog no UOL.

Estamos a menos de vinte dias da volta ao universo estranho e vulgar criado por David Lynch ao redor da pequena cidade fictícia de Twin Peaks, no noroeste dos Estados Unidos. O diretor volta à série, que deu início à era de ouro da televisão que ainda vivemos hoje, em uma improvável mas esperada terceira temporada, que além de trazer todo o elenco original ainda reúne nomes de peso para esta nova safra. Sua estreia acontece no dia 21 de maio, no canal norte-americano Showtime, que lançou mais um teaser da nova temporada. Depois de nos fazer reencontrar com a trilha de Angelo Badalamenti e com o próprio Agente Cooper, é a vez de voltarmos à própria cidade que batiza o seriado, nos reencontrando com a delegacia, a casa de Laura Palmer, suas florestas fantasmagóricas, o restaurante Double R e até o estacionamento de trailers Fat Trout.

Parecem cenas de época, mas se você reparar nos carros estacionados em frente ao restaurante perceberá que, realmente, mais de um quarto de século se passou e a cidade parece ter continuado a mesma.

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O mashup Princess Leia’s Stolen Death Star Plans – que postei na íntegra no meu blog no UOL – é uma obra-prima pós-moderna.

Hoje é 4 de maio, o tradicional dia que os fãs da saga Guerra nas Estrelas criaram para celebrar esta religião moderna a partir de um trocadilho infame (o quatro de maio, em inglês, chama-se “May the Fourth”, que soa como o eterno lema Jedi “May the Force be with you” – “que a Força esteja com você”) e que tal revisitar a pedra fundamental da história imaginada por George Lucas pelo ponto de vista do mais clássico disco dos Beatles? Hein?

Foi o que fez a dupla norte-americana Palette-Swap Ninja, formada pelo vocalista Dan Amrich e pelo tecladista Jude Kelley, revisitando todo o Episódio IV, o primeiro filme que George Lucas fez sobre a saga (que completa 40 anos este ano), como uma paródia construída sobre o Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles (que completa 50 anos também este ano). Um mashup épico e meticuloso, que pode ser baixado gratuitamente no site da dupla, mas que funciona ainda mais quando assistimos à sua versão em vídeo, Princess Leia’s Stolen Death Star Plans é uma obra-prima pós-moderna.

Fico pensando em quais discos poderiam funcionar com os próximos filmes… O Álbum Branco com o Império Contra-Ataca? Tenso!

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O primeiro episódio da série inspirada no primeiro romance de Neil Gaiman fez valer a espera – escrevi sobre ele no meu blog no UOL.

Se havia motivos para desconfiar da adaptação do primeiro romance de Neil Gaiman, American Gods, para o formato seriado, estes desaparecem em seu primeiro episódio, que estreou no domingo nos Estados Unidos e pode ser visto desde ontem no mundo inteiro pelo serviço Prime de vídeos da loja Amazon. O episódio piloto do seriado não aprofunda-se em nenhuma história, funciona apenas para sintonizar os novos espectadores em um novo universo bem como prestar satisfação ao séquito de fãs do autor, uma religião que começou quando ele escrevia sua minissérie em quadrinhos Sandman e que amadureceu com sua passagem para o mundo dos livros. Abaixo comento sobre seu primeiro episódio sem dar maiores spoilers sobre o seriado.

American Gods fala sobre como os deuses do passado se perderam com a mudança dos povos da Europa para os Estados Unidos e como o nascimento de um novo país viu surgir deuses característicos de lá. Mas o embate entre o velho e o novo, mola-mestra para os acontecimentos do livro, ainda não é aprofundado neste episódio de abertura, apenas sugerido – e só perto da cena final. Antes disso, somos apresentados aos seus dois principais personagens, além de conhecermos três divindades distintas, em situações diferentes.

Não sem antes começar no passado. American Gods acena para os fãs de Game of Thrones logo em sua primeira cena, resgatando a chegada dos vikings à América pré-colombiana numa sequência de imagens que mostra que a série não está para brincadeira. O tom pesado e cru da primeira história contada no episódio pode nos ter apresentado discretamente um de seus principais personagens, mas funciona mais como termômetro lógico e cênico do que como introdução à história em si.

Esta começa com a libertação do personagem Shadow Moon (um ótimo e quieto, como deve ser, Ricky Whittle), que é solto da cadeia apenas para descobrir uma dura surpresa do destino. Em seu desdobramento, ele é acompanhado de perto de um intrigante Wednesday, um personagem que parece ter sido escrito para seu intérprete, o excelente Ian McShane. Os dois formam uma dupla perfeita no momento em que se encontram e é nesse vínculo que reside toda a força da narrativa do livro. Se o embate mitológico que é apenas mencionado no primeiro episódio é o motivo da história existir, o elo formado entre os personagens de Whittle e McShane é o motivo de continuarmos a acompanhando e o grau de empatia da dupla está à altura daquele imaginado por Gaiman (que, por sua vez, é consultor e produtor executivo do seriado).

Além da dupla, também conhecemos outros três deuses: o fanfarrão Mad Sweeney vivido por Pablo Schreiber em uma briga em um bar que parece ter saído de um filme de David Lynch (Coração Selvagem, especificamente); o pentelho Technical Boy vivido por Bruce Langley (e seus capangas saídos do Laranja Mecânica) e a intensa Bilquis vivida por Yetide Badaki, protagonista da principal cena do primeiro episódio, uma das cenas mais antológicas do livro. Os três seguram bem seus personagens e, assim, o seriado explora diferentes fronteiras em um mesmo episódio.

E é tudo muito pesado – e quente. Sexo e violência coexistem como é a tendência em alguns dos principais seriados atualmente, mas ambos são abordados por vias pouco ortodoxas. E é exatamente essa abordagem incomum – compare os três banhos de sangue do episódio e perceba como eles são distintos – que torna o piloto tão instigante. Agora é hora de começar a contar a história.

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Resgatei, lá no meu blog no UOL, uma entrevista que Belchior deu em 1976 que captura a essência do Dylan cearense falecido no fim de semana.

“Viver é melhor que sonhar” – se conseguisse escolher um único verso para lembrar da importância de Belchior seria esse, parte do monumento chamado “Como Nossos Pais”, esse pequeno livro de contos em forma de canção eternizado por Elis Regina e também uma das melhores músicas da história de nosso país. Morto neste fim de semana, o ícone cearense finalmente foi eternizado após seu sumiço definitivo, em vez de ironizado como tantas vezes foi em outros sumiços recentes. Inevitavelmente o preço de seus discos em vinil irá disparar, mas felizmente ele pode ver seu clássico Alucinação ser reverenciado como um dos grandes discos da nossa história recente. Como acontece quase sempre, sua morte servirá de gatilho para entusiastas se debruçarem sobre sua obra, neófitos vagarem com mais atenção por sua discografia e para apresentá-lo para pessoas que só o reconheciam pelo nome – ou pelo indefectível bigode.

***

Não vou emendar mais um texto sobre sua importância (deixo este a cargo de seu atual biógrafo, o grande Jotabê Medeiros, que escreveu a análise definitiva sobre o autor). Em vez disso, chamo o próprio compositor para falar em seu nome, resgatando uma entrevista que ele deu há mais de quarenta anos, à revista Hit Pop, quando lançava seu já festejado segundo álbum e destrinchava a filosofia daquele verso favorito meu, citado ao início: “O que é velho tem, realmente, que morrer”, reforçava na entrevista. Encontrei-a a reprodução do texto de Eduardo Athayde no ótimo blog Velhidade (vale perder umas duas horas fuçando em suas tags) e transcrevo-a a seguir:

Belchior: O que me interessa é amar e mudar

A cara larga de vaqueiro. A fome insaciável pelo novo. A rebeldia. A provocação. O indiscutível talento. Tudo isso somado, resulta em Belchior, nascido Antonio Carlos Gomes Belchior Fontinelli Fernandes, cearense de 29 anos.

E afirma, apenas, que é um “rapaz latino-americano”. E eu digo que isso quer significar três coisas: não cede, não concede, se impõe.

O seu novo LP, intitulado Alucinação, vai fazer a cabeça de todos os que estiverem atentos à música e principalmente à letra. É o LP do ano, não tenho a menor dúvida. Quem não se tocar, dançou. Reparem no repertório selecionado, todo de lavra sua: “Apenas um Rapaz Latino-Americano”, “Velha Roupa Colorida”, “Como Nossos Pais”, “Sujeito de Sorte”, “Como o Diabo Gosta”, “Alucinação”, “Não Leve Flores”, “A Palo Seco”, “Fotografia 3 x 4”, “Antes do fim”.

Vou pecar pela repetição, mas acho que o trabalho de Belchior se resume no verso: quero que meu cantotorto feito faca corte a carne de vocês. O torto, no caso, talvez se reflita na simplicidade do fraseado musical. Mas o afiada da faca pinta em cada um dos versos que ele faz, ele que é um letrista da pesada.

É esse Belchior que vem com tudo – seu canto torto e sua lâmina afiada – nesta entrevista concedida com exclusividade para o Hit-Pop. É um papo comprido, do geral ao particular, sempre denso de ideais e ideias. Eu dou fé.

É possível rotular sua música?
Olha. Fundamentalmente, eu faço música nordestina contemporânea. Transo de xaxado, xote, baião. Mas não dispenso o elemento eletrônico e tampouco as influências que recebi. E foram várias, variadas: Luiz Gonzaga, Beatles, cantadores de feira, ciganos nas estradas do Ceará, música de igreja. Some esses elementos todos e você terá, digamos, uma arte mestiça…

E a latinidade? Qual é, de fato, a dimensão deste (novo) elemento musical chamado som latino-americano ou influenciado por ele?
O que me impressiona é a possibilidade de nós, latino-americanos, podermos nos comunicar com uma linguagem nova, comovente, revolucionária. Aliás, o tango argentino é a autêntica linguagem das minorias latino-americanas. É claro que não sou contra o blues, forma de expressão dos negros americanos. Nem sou contra o samba ou contra o rock – um grito da juventude. O que eu não gosto – de músicas ou letras apenas contemplativas, passivas. Eu falo – e devo falar – dos enganos que nós, os jovens, sofremos por ver nossas esperanças caírem por terra. Assim, não abro mão da agressão. Acho que é preciso fazer um trabalho irreverente e insolente. Caso contrário, vira aquele negócio de música de fundo de restaurante, sabe como é? As pessoas estão comendo e a arte serve apenas de relaxante, entretenimento. Facilitador da digestão.
Se o meu canto vai chegar a todas as pessoas, eu não sei. O que eu sei é que mantenho meu trabalho sob controle absoluto. Eu digo: “sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco. Por favor, não saque a arma no saloon, eu sou apenas o cantor…”

Você imagina ter sua obra imortalizada, assim com os clássicos da música popular brasileira?
Não me interessa, como artista, produzir e criar pensando na eternidade da obra. Eu quero dar toques, e isso é fundamental para mim, pois o homem é o fim e o objetivo de si mesmo. Eternidade não é um dado humano, comum. Aliás, em qualquer nível é uma farsa, uma mentira. Sou contra. Eternidade é o tédio dos deuses, que gostariam de ser mortais. Minha ligação é com a terra, ouça: “Eu não estou interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia, nem no algo mais. Longe o profeta que a Laranja Mecânica anuncia. Amar e mudar as coisas me interessa mais!” Essa é a minha proposta. Isto é, suportar o dia-a-d-a e a experiência com coisas reais.

Seu novo LP está na praça, seu talento é reconhecido, a crítica elogia. Como você encara o sucesso?
O sucesso me interessa porque me dá possibilidade dedizer e cantar até chegar às pessoas. O disco é a chance que o artista tem, em se oferecer integralmente, com suas ideias, mensagens, reflexões. Neste momento, estou montando minha banda, para correr todo o Brasil. Já estou com o Liminha, o Áureo de Souza, o Rick, só busco um tecladista.
O meu disco tem um título que eu gosto, Alucinação. Sabe, viver é mais importante que pensar sobre a vida. É uma forma de delírio absoluto, entende? A alegria, a ironia, a provocação, são tão importantes quanto sorrir, brincar, amar. Acho importante provocar. Um trabalho novo só aparece através da agressividade. Eu estou tranquilo quanto às consequências do meu trabalho. Acho importante que ele cause polêmica. É para desafinar mesmo! Desafinar sempre, que esse é o desafio. Hoje em dia, já não se pode mais criar sem correr riscos. E eu quero enfrenta-los. Minha expectativa é para os jovens compositores. Sobre eles, recaem todas as dificuldades pra fazer qualquer coisa. E também costumo tomar o trabalho de compositores mais velhos como marco para começar tudo de novo. Artista reconhecido é importante, claro, mas no momento eu quero dar as mãos a Fagner, Alceu Valença, Luís Melodia, Ednardo, Marcos Vinícius… A todo o pessoal dessa geração violentada. Temos que encontrar uma forma de mostrar que estamos vivos. E isso só se consegue fugindo do convencional, optando definitivamente pela juventude. A cultura precisa se rejuvenescer sempre voltada para a nossa realidade. O que é velho tem, realmente, que morrer. Até agora, com raras exceções, a música tem sido uma forma artística com tendências à fuga, à evasão. Meu trabalho é uma colocação do real, pois nada muda por si mesmo…

Essas transas de misticismo, ioga, oriente… Elas têm significado pra você?
Fui criado comendo boi com abóbora, no interior do Ceará. Por isso, tenho a mente aberta para ver se existe algo, nisso tudo que você fala. Mas sou completamente desinteressado. Não acredito, não quero nenhuma nova teoria que me decepcione depois. Sou um cara mais preocupado com toques imediatos, do presente. A arte não pode viver de ilusões. Sinto necessidade de falar das aspirações imediatas: dormir, comer, sentir alegria, dor, prazer, tristeza, coisas claras, entende? Não sou, de fato, místico. Sou mal comportado por opção: “Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve: correta, branca, suave, muito limpa, muito leve. Sons, palavras, são navalhas e eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém.”

Como é que foi sua vinda para o sul, a barra que você encarou?
Minha família é nordestina, patriarcal. Somos 23 irmãos, vendo com grandeza e honradez o trabalho que fazíamos com as mãos. Aos 16 anos, eu não aguentei a barra, saí de casa, tentando buscar uma alternativa… Não vejo mal nenhum em sair por aí, botar o pé na estada. O nordestino tem a alma de emigrante, é uma ave de arribação, como diz Luiz Gonzaga, em “Asa Branca”. O jovem nordestino quer, um dia, voltar para lá, mas sempre tem necessidade de sair. Agora, quem põe o pé na estrada precisa estar preparado para aguentar a barra. De 1971 até hoje, o negócio não foi fácil. Dormi em muita calçada. Segurei de perto a barra da Lapa (RJ). Senti fome e frio. Fiquei de pires na mão, nas salas de espera das gravadoras. Hoje, comparando, digo que fazer beicinho porque o papai não deu grana pro cinema é a mais completa infantilidade. Não passa disso. As soluções estão dentro da gente, é lá que a gente deve ir buscá-las. É como digo em “Fotografia em 3 x 4: “Em cada esquina que eu passava, um guarda me parava, pedia meus documentos e depois sorria, examinando o 3 x 4 da fotografia e estranhando o nome do lugar de onde eu vinha.”

Qual a alternativa que você sugere?
Cada um tem a sua. Pelo amor, sexo, conhecimento, experiência de vida, o jovem, isolado, terá tempo de refletir e encontrar o seu próprio caminho. É o toque que eu dou, por exemplo, na música “Como o Diabo Gosta”.

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A Fox ainda acredita em Arquivo X, tanto que renovou com o criador e os protagonistas do clássico seriado por mais uma temporada – falei sobre isso no meu blog no UOL.

Agoniza, mas não morre. A emissora norte-americana Fox acaba de encomendar mais uma batelada de dez episódios de Arquivo X, a extensa saga sobre investigadores do FBI que lidam com casos sobrenaturais, segundo a revista Variety. Criada por Chris Carter nos anos 90, Arquivo X tornou-se uma das principais referências para o formato televisivo que levou à atual era de ouro da TV, em que seriados são tão importantes (em alguns casos, bem mais importantes) do que filmes de Hollywood. O casal protagonista Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) são ícones da cultura pop da virada do século, bem como sua obsessão por conspirações governamentais e alienígenas.

A próxima safra de episódios começa a ser filmada ainda este ano e deve estrear na temporada de séries do final de 2017, continuando no início de 2018. O problema é que a safra de episódios exibida em 2016, que ressuscitou o Arquivo X depois de mais de uma década esquecido, não só não chegou aos pés da expectativa, como trouxe alguns dos piores episódios da história do seriado, além de terminar com um final que aparentemente é um beco sem saída para a essência do seriado. Mas mesmo com uma história fraca, a temporada teve bons números de audiência, o que fez a emissora insistir no revival.

Abaixo, a imagem de divulgação da nova ressurreição de Mulder e Scully.

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Show dos Talking Heads dirigido pelo recém-falecido Jonathan Demme também redefiniu o conceito de música com imagens – escrevi sobre isso no meu blog no UOL.

Jonathan Demme, cuja morte foi anunciada nesta quarta-feira, era um diretor de trajetória única na história do cinema. Foi cult e pop, célebre e desconhecido, comercial e alternativo, embora não tenha uma filmografia robusta para exibir. É autor de filmes importantes como Filadélfia e O Silêncio dos Inocentes ao mesmo tempo em que flerta com o trivial em comédias aparentemente leves (Totalmente Selvagem, Melvin e Howard e O Casamento de Rachel) ou com o meramente comercial (como o remake desnecessário – mas bem executado – de Sob o Domínio do Mal). Do ponto de vista estritamente cinematográfico, ele é um Ridley Scott menos comercial, um Ron Howard com voz própria, um Spielberg menor. Mas sua importância cresce quando vemos que sua relação com a cultura vai além do cinema e que ele é destes raros cineastas que entende tanto de cinema quanto de música.

Demme dirigiu videoclipes no início de sua carreira, como o de “The Perfect Kiss” do New Order, o da versão de “I Got You Babe” que o UB40 fez com a Chrissie Hynde nos anos 80 e o de “Streets of Philadelphia” de Bruce Springsteen, que trouxe para a trilha sonora de seu filme sobre Aids, o primeiro a tratar do assunto. Sua relação com a música seguiu nos anos seguintes, quando dirigiu uma trilogia de documentários com Neil Young (Neil Young: Heart of Gold, Neil Young Trunk Show e Neil Young Journeys), outro sobre o músico inglês Robyn Hitchcock e acompanhando a turnê do disco mais recente de Justin Timberlake, em seu último filme, Justin Timberlake + the Tennessee Kids, do ano passado.

E, claro, sua grande obra, Stop Making Sense, que também é o melhor registro em filme de uma banda ao vivo, gravado com os Talking Heads em 1984. É por O Silêncio dos Inocentes que Demme sempre será lembrado, principalmente por levar o grand slam do cinema comercial norte-americano ao ser dos raros filmes que ganharam os cinco prêmios principais do Oscar (melhor filme, melhor ator, melhor atriz, melhor diretor e melhor roteiro). A sombra da influência do filme que conta a história de um canibal elegante paira sobre nossa cultura pop até hoje – desde a sobriedade firme dos agentes do FBI depois da Clarice Starling de Jodie Foster até a violência gratuita e gráfica que permeia as principais obras norte-americanas deste século.

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Mas Stop Making Sense, o filme em que Demme filma um show dos Talking Heads em seu auge, é mais do que isso: é a obra-prima de Demme. Ele está sim contando uma história, a história não-verbal que é um show de rock. Vai desenvolvendo um crescendo literal ao colocar músico a músico no palco ao mesmo tempo em que mostra um show sendo montado no palco, com os instrumentos entrando pouco a pouco enquanto o palco também vai sendo montado. É como se o show fosse também o making of do show.

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Ele também encontra em David Byrne o ator perfeito para seus delírios visuais. O gestual de Byrne e seu olhar perdido, sua dança robótica e sua interação com o público (“alguém tem alguma pergunta?”, diz após o súbito fim de uma música) acompanhada de um groove pós-punk pesado, em que a edição e a forma como os músicos são mostrados acompanha o ritmo de perto. O ritmo do show é incessante e tanto a banda quanto seus convidados (o tecladista do Parliament-Funkadelic Bernie Worrell, o guitarrista dos Brothers Johnson Alex Weir, o percussionista Steve Scales e as vocalistas Lynn Mabry e Ednah Holt) não param de dançar um minuto. Sem contar os elementos de palco inventados pelo diretor junto com a banda, como os telões monocromáticos, o hoje clássico enorme paletó de David Byrne ou a inclusão de um abajur como objeto cênico – e parceiro de dança.

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Stop Making Sense é como o show reage a era do videoclipe, novidade comercial do mundo da música no início dos anos 80, mas também reposiciona o espectador de volta à plateia. Antes dele, filmes de shows clássicos – como o Last Waltz que Scorsese dirigiu para a The Band ou The Song Remains the Same do Led Zeppelin – colocam o espectador bem próximo da banda, criando uma cumplicidade inexistente em shows daquela proporção. São filmes que mostram o público como a banda o vê, uma situação que, de verdade, a audiência nunca irá passar. Demme posiciona a maioria de suas câmeras no público e assistimos ao show como se estivéssemos na plateia. E assim ele isola uma sensação que a maioria dos diretores de shows tenta recriar até hoje: a que realmente estamos assistindo a um show como se estivéssemos lá. Poucos diretores chegaram perto disso (Scorsese mesmo é um deles, principalmente no Shine a Light que filmou com os Stones), mas nenhum conseguiu de forma tão empolgante quando o falecido Johnathan Demme.

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Veja com seus próprios olhos:

https://www.youtube.com/watch?v=-gUsGYtozko&list=PLVSlPiUUcHnDAesZb1ES7nyb07eVLdMzM