Trabalho Sujo - Home

Jornalismo

bombasuorebapho

Carnaval chegando e Thiago França já está à toda com sua Espetacular Charanga, que antecipa o clima do Carnaval deste ano, com mais um disco pré-fervo, Bomba, Suor e Bapho (que pode ser baixado no site do músico). “O disco todo foi gravado ao vivo, com 34 pessoas no estúdio”, ele me explica numa troca de áudios, contando que incluiu na formação músicos que conheceu na oficina de sopro que puxa em nome da Charanga. A gravação foi à moda antiga – dois microfones em cada canto da sala, músicos alinhados de acordo com a proximidade de seu instrumento em relação ao microfone (“mixagem física”, ele me explica, “trumpete tá alto? Dá um passo pra trás”) e captura o clima quente da apresentação, gravada e mixada em um dia.

“Não sei se vou conseguir manter essa história de ficar lançando um disco todo ano”, confessa, lembrando que a Espetacular Charanga lançou discos com repertório próprio desde o início. Thiago não quer se obrigar a fazer lançamentos anuais também devido ao período de virada de ano e ao próprio conceito de disco em tempos digitais: “O disco não precisa mais ter dez faixas, ter meia hora…” O disco conta com quatro músicas instrumentais e duas com vocal, uma com letra composta por Lucas Santtana e outra cantada por Suzana Salles.

Como todo ano, a Charanga sai na segunda-feira de Carnaval mas desta vez começa pela manhã, para enfatizar a natureza musical do bloco e deixar o lado da acabação em segundo plano. “De manhã a gente dribla também um pouco um público que tá se aproximando cada vez mais do carnaval de rua, que é a galera “HT topzêra”, que é um público que ainda necessita de muita educação cívica pra poder saber fazer as coisas na rua”, explica. “Os blocos que essa galera frequenta no ano passado tiveram muito caso de assédio, de violência mesmo, de homem batendo em mulher… Eu temo isso pra Charanga. É um bloco de bairro mesmo, menor”, conclui.

barbara_eugenia_2017

Bárbara Eugenia começou seu 2018 ainda no fim de 2017, quando lançou sua versão para “Sintonia”, de Moraes Moreira, gravada ao lado do dândi de Caruaru Junio Barreto, a primeira produção assinada apenas pela cantora e compositora. “É um gostinho do próximo disco, que vai ser todo produzido por mim”, me explica Bárbara ao telefone, antecipando que ainda lança mais um single deste disco antes de embarcar para uma viagem no meio deste semestre, quando atravessa parte da Europa em turnê ao lado do broder Tatá Aeroplano, com quem lançou um dos melhores discos do ano passado.

O clima festivo da versão (que foi chancelada pelo próprio Moraes) antecipa o calor do carnaval 2018, mas também dá os rumos do próximo disco, que ela ainda não batizou, mas que deverá seguir uma linha “Brasil Caribe Tropical Bahia Hippie Style”, descreve às gargalhadas – mas que será lançado só no segundo semestre. Ficamos à espera.

cranberries

Morta nesta segunda-feira, a vocalista do Cranberries fazia pop simples, sem rótulos – escrevi sobre ela pro UOL.

(Foto: Eduardo Hollanda/Facebook da Beija Flor)

(Foto: Eduardo Hollanda/Facebook da Beija Flor)

Ano novo começou, Carnaval já se avizinha e era inevitável que a insatisfação popular com o estado das coisas no Brasil iria refletir-se em nossa produção cultural, como podemos ver no samba-enredo da Beija Flor para este ano, “Monstro é Aquele que Não Sabe Amar; Os Filhos Abandonados da Pátria que os Pariu”, um tapa na cara dos vários coronéis que ainda mandam no Brasil, sem precisar dar nome aos bois.

Oh pátria amada, por onde andarás?
Seus filhos já não aguentam mais!
Você que não soube cuidar
Você que negou o amor
Vem aprender na beija-flor

Sou eu
Espelho da lendária criatura
Um mostro
Carente de amor e de ternura
O alvo na mira do desprezo e da segregação
Do pai que renegou a criação
Refém da intolerância dessa gente
Retalhos do meu próprio criador
Julgado pela força da ambição
Sigo carregando a minha cruz
A procura de uma luz, a salvação!

Estenda a mão meu senhor
Pois não entendo tua fé
Se ofereces com amor
Me alimento de axé
Me chamas tanto de irmão
E me abandonas ao léu
Troca um pedaço de pão
Por um pedaço de céu

Ganância veste terno e gravata
Onde a esperança sucumbiu
Vejo a liberdade aprisionada
Teu livro eu não sei ler, brasil!
Mas o samba faz essa dor dentro do peito ir embora
Feito um arrastão de alegria e emoção o pranto rola
Meu canto é resistência
No ecoar de um tambor
Vêm ver brilhar
Mais um menino que você abandonou

Oh pátria amada, por onde andarás?
Seus filhos já não aguentam mais!
Você que não soube cuidar
Você que negou o amor
Vem aprender na beija-flor

2018 promete!

superchunk-2018

Depois de lançar um single tão inesperado (“Break the Glass“) quanto o anúncio de um novo disco (o primeiro desde o álbum de 2013, I Hate Music), o Superchunk mostra mais uma de suas músicas novas para reforçar o lançamento de What a Time to Be Alive, que já está em pré-venda. “Erasure” segue o clima característico da banda, mostrando que eles seguem na mesma pegada.

umo-

Desde que inauguraram sua conta no Soundcloud no final de 2014, o grupo neopsicodélico Unknown Mortal Orchestra vem usando os fins de ano para celebrar novas fronteiras desbravadas em estúdio, cogitando possibilidades sonoras que podem eventualmente materializarem-se em discos. Foi assim que aconteceu com as colagens “SB-01” e “SB-02”, que antecipavam a guinada musical que o grupo deu em seu excelente Multi-Love, de 2015. Desde então sem lançar material novo, eles chegam agora com mais uma faixa experimental de presente de fim de ano para os fãs. E, como vêm fazendo desde 2015, a faixa é uma colagem de improvisos musicais cogitados pelos irmãos Ruban (o dono do UMO) e Kody Nielson (que toca sua própria banda, o Silicon).

O resultado é de cair o queixo, entre riffs pesados, grooves manhosos, bases eletrônicas lo-fi… O que será que vem por aí?

franz2018

O agora quinteto escocês Franz Ferdinand revela mais duas músicas de seu próximo álbum, Always Ascending, de tons escuros como uma pista de dança, que será lançado no próximo mês. “Feel The Love Go” segue o beat disco da faixa-título, que remete diretamente ao excelente Tonight, talvez o grande álbum da banda, lançado em 2009.

Como contraponto, o grupo também mostrou a quase balada “Paper Cages” ao vivo em um programa da BBC.

handitover

E a dupla MGMT, formada por Andrew VanWyngarden e Ben Goldwasser, revela mais um single do disco que lançam agora em fevereiro, Little Dark Age. “Hand it Over” é mais bucólica e solar que as faixas que mostraram até agora, a tensa que faixa-título e a paranoica “When You Die”, mudando um pouco o clima de psicodelia baixo astral que pairava sobre o novo disco.

Viva Walter Franco

walterfranco-2017

A primeira atividade da curadoria de música do Centro Cultural São Paulo em 2018 é uma homenagem a um ícone da música brasileira. A série de homenagens Viva celebra a importância de Walter Franco em dois shows neste sábado e domingo. O primeiro, dia 6, às 19h, Ou Não e Além, recria seu clássico disco de estreia Ou Não, de 1973, além de trazer músicas de outras fases de sua carreira. No domingo, dia 7, às 18h, Walter e banda voltam ao mítico Revolver, de 1975. Os dois shows serão precedidos pelos Concertos de Discos sobre os respectivos álbuns, que desta vez acontecem na Sala Adoniran Barbosa com a presença do próprio Walter, conduzidos pelo jornalista Thales de Menezes, que está escrevendo a biografia do músico (mais informações aqui). Abaixo, a introdução que escrevi no folder de apresentação do projeto, que será distribuído durante o evento e conta com textos do Thales sobre os dois discos revisitados.

O passo, o precipício
Um mergulho na obra de um dos artistas mais ousados da música brasileira

Walter Franco é um dos principais ícones da música brasileira moderna. Faz a ponte entre a canção popular e a academia, a vanguarda estética e a música pop. Seu período áureo, entre o Tropicalismo e o pop dos anos 80, é a espinha dorsal do projeto Viva Walter Franco, mais uma iniciativa da curadoria de música do Centro Cultural São Paulo que joga luz em biografias importantes de nossa cultura. Seus principais discos, Ou Não (de 1973) e Revolver (de 1975) serão contemplados em um fim de semana de shows e bate-papos – estes conduzidos pelo jornalista Thales de Menezes, que está escrevendo a biografia do músico. O evento festeja os 45 anos de carreira deste artista que nasceu em 1945 e que completa 73 anos exatamente no mesmo dia em que celebra seu primeiro disco, lançado em 1973. Coincidências não são novidades na vida deste artista complexo, ousado e instigante, que segue inspirando as novas gerações da música popular e erudita do país.

PROGRAMAÇÃO

dia 6/1 – sábado

16h
Concerto de Discos: Ou Não? (1973)
Walter Franco e Thales de Menezes conversam sobre o álbum de estreia.
90min – livre – Sala Adoniran Barbosa (622 lugares)
grátis – sem necessidade de retirada de ingressos

19h
Show: Ou Não e Além
Walter Franco toca músicas de seu primeiro disco e outras do decorrer de sua carreira.
90min – livre – Sala Adoniran Barbosa (622 lugares)
R$25,00 – a venda estará disponível na bilheteria em seu horário de funcionamento (terça a sábado, das 13h às 21h30, e domingos, das 13h às 20h30), e no site Ingresso Rápido

dia 7/1 – domingo

15h
Concerto de Discos: Revolver (1975)
Walter Franco e Thales de Menezes conversam sobre o segundo álbum.
grátis – sem necessidade de retirada de ingressos

18h
Show: Revolver Tudo
Walter Franco toca seu disco de 1975 na íntegra.
90min – livre – Sala Adoniran Barbosa (622 lugares)
R$25,00 – a venda estará disponível na bilheteria em seu horário de funcionamento (terça a sábado, das 13h às 21h30, e domingos, das 13h às 20h30), e no site Ingresso Rápido

carosamigos248

Despeço-me da revista Caros Amigos, cuja última edição chega às bancas neste dezembro de 2017, desejando um futuro próximo à publicação que acolheu esta coluna Tudo Tanto.

Depois do Juízo Final
Despeço-me da coluna Tudo Tanto falando sobre o alento épico de Chico Buarque na melhor canção deste ano

“O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
Do mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente
É o Juízo Final
A história do Bem e do Mal
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecer”

(Nelson Cavaquinho)

Na coluna da edição passada falei sobre como os maus tratos para com a figura de Chico Buarque – vindo tanto da esquerda quanto da direita radicais desta era politicamente polarizada em que vivemos – seriam lembrados como um retrato dos tempos ridículos que vivemos nesta segunda década do século no país. Um dos maiores nomes de nossa cultura foi atirado à arena pública do escárnio como se sua reputação fosse uma ameaça para desmascarar o jorro de bílis mental que infelizmente vem se tornando rotina em nosso dia-a-dia.

E é. Munido de suas maiores armas – notas musicais, palavras e um arguto senso de estética, ética e política -, Chico respondeu aos seus detratores com sua obra mais importante desde o século passado, o monumental Caravanas, um disco essencialmente político mesmo que não fale sobre a política partidária que intoxica nosso debate público. Chico canta a cultura de uma forma ampla, tratando-a como a essência de nossa sociedade, falando sobre diversas nuances comportamentais que retratam a sociedade que somos e que podemos ser.

Mas nada havia nos preparado para “As Caravanas”. A faixa que quase batiza o disco (que opta por não usar o artigo definido plural) é seu eixo gravitacional, um épico carioca que transforma todo o disco em acessório para este grande momento. Última faixa do álbum, ela chega sorrateira como se viesse apenas concluir as pequenas digressões que o compõem para finalmente amarrá-las todas a uma descrição das invasões bárbaras que tanto incomodam os poderes estabelecidos que mandam no país desde antes de seu descobrimento.

Parte de sua entrada súbita vem de um andamento conhecido – e hipnótico. “Caravanas” foi criada sobre “Caravan”, hoje um standard jazzístico que também é a espinha dorsal para o grande jazz norte-americano da segunda metade do século passado. O caminhar lento e constante das notas imortalizadas por Duke Ellington são a trilha percorrida por Chico, que munido também do Estrangeiro de Albert Camus, compara as imigrações ilegais que ameaçam o conservadorismo nos principais países no mundo (servindo também como desculpa para pesar a mão sobre políticas sociais e direitos humanos devido à chegada desta “ameaça”).

Ao pintar o Oceano Atlântico que banha o Rio de Janeiro com a cor do mar em Istambul, Chico está falando dos muçulmanos que fogem das guerras artificiais no Oriente Médio em busca de algum alento na Europa mas também remonta às invasões bárbaras, que desconstruíram o Império Romano, e também ao tráfico desumano de pessoas que forçou a diáspora africana que é a base de nosso país. As caravanas do Arará, do Caxangá e da Chatuba que despontam na zona sul do Rio de Janeiro também são navios negreiros e ordens de mouros que chegam com “seus facões e adagas em sungas estufadas e calções disformes” para subverter a sensação de ordem que faz os poderes instituídos chamarem um país hostil para com seus próprios cidadãos de democracia.

Chico ainda conta com a percussão vocal feita por Mike, do Dream Team do Passinho, trazendo a beatbox do funk carioca para a descrição épica de uma sociedade à beira de uma transformação. Ao descrever o melhor retrato deste país no trágico momento atual, Chico Buarque também compôs a melhor música deste 2017 e também um alento para que, após o vindouro Juízo Final de nossa política, algo mude completamente o estado das coisas.

Tenhamos fé.

***

Outro triste sintoma destes tempos ásperos que atravessamos no país é a súbita notícia do fim da Caros Amigos. Acompanho a revista desde sua primeira edição (com Juca Kfouri bombástico disparando para todos os lados na hoje mítica capa em preto e branco) e pude acompanhar todas suas transformações: as edições especiais, os fascículos sobre os heróis brasileiros, o site, a entrada das cores, a redução no tamanho do formato. Sempre amparada por longas entrevistas e artigos de fôlego, a revista é o constante antídoto para tempos superficiais e destros, que optam por transformar política e economia em jogatina comercial e arte e cultura em mero entretenimento. Também é lar para pensadores políticos brilhantes, como José Arbex e Gilberto Vasconcellos, este último uma espécie de farol na formação do meu próprio pensamento político (cabe aqui um agradecimento público).

A frase de efeito “a primeira à esquerda” não era só um trocadilho esperto, mas também um alento frente ao conservadorismo cada vez mais reacionário que toma conta da mentalidade das grandes publicações brasileiras, apenas pelo fato de tornar público seu credo, em vez de tentar convencer parca e porcamente ao leitor de um certo “jornalismo imparcial”, eufemismo mal utilizado que disfarça convicções editoriais que, no literal fim das contas, também são comerciais. Ao assumir-se de esquerda, a Caros Amigos saía com larga vantagem frente à maioria das publicações impressas brasileiras

Fiquei grato e envaidecido pelo convite para escrever sobre música brasileira numa publicação tão importante para a minha formação, além de poder retribuir este convite convidando o leitor para observar a produção cultural de nossos tempos, a mesma que é considerada fogo de palha ou meramente juvenil para os veículos tradicionais brasileiros. Foram quase quarenta colunas jogando luz em transformações culturais e mercadológicas que determinaram uma nova música brasileira, que nasceu influenciada pelo cânone tradicional de nossa canção (o samba, a bossa nova, a MPB) mas que foi buscar referências em recantos menos usuais, como o jazz, o hip hop, o rock, a música eletrônica, movimentos de vanguarda musical dentro e fora do país, ajudando, inclusive, a reinventar este cânone.

Foram pouco mais de três anos de Tudo Tanto, coluna batizada com o título do segundo disco de Tulipa Ruiz justamente para reforçar a intensidade – tanto de quantidade quanto de quantidade – da atual música brasileira. Aproveito a oportunidade não apenas para lamentar o fim deste ciclo quanto para agradecer aos fiéis camaradas que me acompanharam nesta jornada do lado de lá da revista: ao heroico Wagner Nabuco, que insistia teimoso na sobrevivência de sua publicação sendo esta sua própria carta de intenções, à paciente Nina Fideles, que recebe meus textos quase sempre em cima do fechamento final, e, finalmente, ao mestre Aray Nabuco, que conheci no meu berçário profissional, o Diário do Povo, cuja presença nos poucos anos de convívio pessoal ajudou a alicerçar meu jornalismo em seus primeiros anos, e que teve a ideia de me chamar para colaborar com esta que é das principais publicações da história do jornalismo brasileiro. Despeço-me também de leitores que desconheço agradecendo pela leitura, principalmente se ela os instigou a buscar estes novos artistas que não tocam no rádio nem aparecem na TV, mas que souberam usar a internet como seu principal veículo de divulgação.

Mas o gosto acridoce da despedida vem com uma ponta de esperança de que este fim de publicação não é propriamente um ponto final e sim o encerramento de um ciclo que irá revelar, num futuro próximo, uma nova encarnação da Caros Amigos para encantar novos e velhos leitores. Torço por isso. O sol parece não estar mais no horizonte durante este inverno sombrio que paira sobre nossas cabeças. Mas sabemos que estações vêm e vão e daqui a pouco voltaremos a respirar o ar puro da liberdade.

Até breve.