Jornalismo

Se na penúltima apresentação de sua temporada Águas Turvas no Centro da Terra Dinho Almeida reuniu sua família de escolha, juntando amigos/vizinhos para uma jam onírica em torno de seu novo repertório, nesta última segunda-feira de setembro ele embarcou em uma viagem ainda mais cossangüínea ao convidar sua irmã Flávia Carolina para entoar suas canções. E não só as de Dinho, mas também as dela e inclusive uma do pai dos dois, finalizando a temporada no mesmo tom terapêutico esteve presente nessas noites. A entrega superou as expectativas: as vozes dos irmãos têm um encaixe perfeito, mesmo com timbres parecidos, e o ritmo de Flávia, que por vezes alternava instrumentos de percussão, explicava a mão direita de Dinho na guitarra, tornando riffs e acordes quase sempre pulsantes. Uma noite linda de uma temporada transformadora. Voa, Dinho!

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Quem ressurgiu nos palcos este fim de semana foi nossa musa PJ Harvey, que, mesmo tendo lançado disco novo este ano – o denso e enigmático I Inside the Old Year Dying – não havia entrado em turnê desde 2017, quando passou inclusive por São Paulo, fazendo shows de seu solene The Hope Six Demolition Project, lançado um ano antes. E além de tocar o disco novo na íntegra em duas apresentações em Dublin, ela dedicou metade do show aos grandes momentos de sua carreira, com versões avassaladoras para “Send His Love to Me”, “Man-Size”, “Dress”, “Down by the Water” e “To Bring You My Love”, entre outras. Assista a alguns vídeos que já apareceram online e veja o setlist completo abaixo: Continue

O público da edição de 2023 do Farm Aid, festival decano que arrecada fundos para os trabalhadores rurais familiares nos Estados Unidos, esperava que o evento fechasse, como sempre, com uma apresentação final de seu idealizador, o guru country Willie Nelson. Mas qual foi a surpresa deste quando, antes do festival acabar, neste sábado passado, surgem as silhuetas de uma banda liderada por uma figura toda de preto e de cabelos despenteados, sem a bandana vermelha ou barba grisalha que marcam o fundador do evento. Aos poucos o público percebeu que era ninguém menos que Bob Dylan, fazendo uma rara aparição surpresa e, ao contrário do que tem feito na turnê de seu disco mais recente, tocando guitarra e de pé – em vez de estar sentado ao piano. Dylan é o responsável indireto pela existência do festival, pois comentou, durante o festival Live Aid, realizado no meio dos anos 80 para arrecadar fundos para acabar com a fome na Etiópia, que seria interessante se alguém fizesse isso nos EUA pensando na agricultura familiar, que vivia o início de sua decadência com a chegada agressiva do agronegócio. Willie Nelson pinçou a sugestão e uniu-se a Neil Young e John Mellencamp (os dois apresentaram-se na edição deste ano) para criar o evento que, em sua primeira edição, contou com a presença do velho Bob, em 1985. Em sua aparição surpresa, Dylan voltou para clássicos de seus anos mais emblemáticos e enfileirou três hinos: “Maggie’s Farm”, “Positively 4th Street” e “Ballad of a Thin Man” . Acompanhando-o, nada menos que três quintos dos Hearbreakers de Tom Petty: o guitarrista Mike Campbell, o tecladista Benmont Tench e o baterista Steve Ferrone, que não tocam juntos desde que seu líder deixou nosso plano. Dylan chegou a sentar-se numa banqueta quando chegou na última música (82 anos, bicho!), mas manteve o tom apocalíptico que lhe é característico, destruindo os arranjos originais de suas músicas em versões que passam pela gente com um trem de carga ou uma manada de búfalos. Ave, mestre!

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O velho Neil Young segue firme e forte, inclusive nos palcos. Em plena turnê pelos Estados Unidos, um dos maiores nomes da história do rock pousou no mitológico Roxy Theater, em Los Angeles, na quarta passada, para uma celebração dupla: era o aniversário da casa de shows, que completava 50 anos naquele 20 de setembro, que abriu justamente com uma apresentação do bardo canadense, então acompanhado pela banda Santa Monica Flyers. Desta vez ele voltou ao palco angeleno com seu clássico grupo Crazy Horse (com uma pequena mudança na formação, quando o guitarrista Nils Lofgren, que não pode comparecer, foi substituído pelo filho de Willie Nelson, Micah Nelson) e puxou não apenas um, mas dois discos clássicos tocados na íntegra: os soberbos Tonight’s the Night (de 1975) e sua estreia solo Everybody Knows This Is Nowhere (de 1969), de onde pinçou a estreia ao vivo de “Round and Round (It Won’t Be Long)”, que nunca havia sido tocada num palco. E é claro que almas heróicas estiveram presentes registrando esse momento para a posteridade, embora não tenha encontrado quem filmou o show inteiro. Seguem os vídeos que achei e o setlist dessa noite maravilhosa (e, porra, ninguém vai trazer o Neil Young pra cá de novo?): Continue

Mais um tijolo na reconstrução que Roger Waters está fazendo do disco mais clássico do Pink Floyd, que será lançado no próximo dia 6 de outubro. Em The Dark Side of the Moon Redux ele parte da premissa que o texto do disco do prisma é responsável por seu status histórico e recria as canções como se fossem poemas com bases sonoras. Nos dois maiores hits do disco (“Time” e “Money“, que ele escolheu para serem seus primeiros singles), Waters despiu quase por completo as canções de suas melodias, deixando apenas sua voz recitando as letras sobre bases sonoras etéreas que ecoam as músicas originais. Nesta sexta-feira, o ex-baixista do grupo lançou mais uma versão, recriando como um single duplo as faixas que abrem o disco original, “Speak to Me” e “Breathe”. No disco original, a primeira é uma colagem sonora de vários trechos que são tocados no decorrer do álbum, funcionando como uma rapsódia de introdução ao disco. Sem referir-se à sonoridade do disco de 1973, Waters prefere recitar uma faixa de outro disco que a banda gravou no ano anterior, “Free Four” do Obscured by Clouds. Trilha sonora composta às pressas enquanto o grupo viajava pelos Estados Unidos e Europa tocando Dark Side of the Moon antes de este ter sido lançado, Obscured by Clouds também carrega o tema do disco clássico em várias canções em que Waters filosofa sobre a existência. Assim, na nova versão de seu Redux, “Speak to Me” é uma versão falada de “Free Four”, que canta sobre “as lembranças do homem em sua idade avançada são os feitos de sua vida em seu auge” e que “a vida é um curto e quente momento e a morte é um longo e frio descanso”, para depois cair em “Breathe”, a primeira canção de fato do disco e também a primeira canção cantada por Waters – e não recitada – de seu novo projeto. Apesar da ótima lembrança à faixa do sempre esquecido Obscured… (um dos melhores discos do Floyd), é o single mais fraco até agora.

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Participo, neste sábado, da primeira ação do coletivo Aonde, união de dez casas de shows de São Paulo que começam a conversar entre si para facilitar a colaboração mútua em vez de pensar em concorrência. Neste primeiro encontro, que acontece no Cine Joia, cada uma das casas mandará uma atração musical composta por integrantes de sua equipe. Assim, discoteco no começo da noite em nome de uma das casas participantes da noite, o Centro da Terra, numa programação que ainda incluirá a banda Emicaeli e as DJs Camilla & Erikat (representando a Associação Cultural Cecília), a banda Combover (do Estúdio Aurora), a banda Madrugada e o DJ Nag Nag (da casa de shows Porta), a banda Batto (representando o 74Club de Santo André), a banda Huey (em nome do FFFront), o grupo N0rvana (representando a Laje SP e o Tectonica) a discotecagem Punk Reggae Party (em nome da Secilians Shop) e a banda Punho de Mahin (representando a Fun House de Ribeirão Pires). Mais informações sobre o evento aqui.


(Foto: Alexandre Barcelos/Divulgação)

Gabriela Terra sai da toca. A mente por trás do My Magical Glowing Lens finalmente dá notícias após um longo período distante da música, quando teve que voltar ao seu Espírito Santo e trabalhar em outras áreas para sobreviver durante o período pandêmico. Depois de passar um tempo no Recife e começar a colher os frutos de seu primeiro álbum Cosmos (2017), ela, como todo o planeta, entrou em um longo período de reclusão que inevitavelmente impactou em seu som. Deixou a guitarra de lado e abraçou o sintetizador, além de ter colaborado com a cena capixaba de rap e trap (por considerá-los muito além na discussão sobre música do que a cena de rock de seu estado, que considera conservadora), e passou a investigar suas próprias perturbações. E se no trabalho anterior ela olhava para o espaço exterior, sua nova fase busca o cosmos que cada um contém em si. “Sobrevoar”, primeiro fruto desta nova obra, será lançado nessa sexta-feira em todas as plataformas digitais, mas ela preferiu antecipar aqui no Trabalho Sujo, mostrando inclusive o clipe que fez para esta nova fase de sua carreira. O single é produzido por Pupillo, que ela conheceu como produtor a partir dos trabalhos do ex-baterista da Nação Zumbi com a cantora Céu, e conta com o baixista de Céu, Lucas Martins, entre os instrumentistas, além do tecladista Bruno Saraiva, da banda Kalouv, que também tocava com Gabriela quando ela morava no Recife. “Sobrevoar” foi mixada por Benke Ferraz, dos Boogarins, e masterizada por Alexandre Barcelos, que também dirigiu o clipe, e traz uma psicodelia mais introspectiva, que deve ser a tônica do próximo álbum, que sua autora ainda está em fase de amadurecimento.

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“Cá estou, mais perto da sarjeta do que nunca. A passarela da fama de Hollywood, o primeiro lugar que eu vim quando cheguei em Los Angeles, depois dirigir através do país com David Lockery. Eu saí do meu carro em 1970, na esquina das ruas Hollywood e Vine e saí atravessando a rua até ganhar uma multa por atravessar na rua fora da faixa de pedestres, minha primeira, e nunca mais olhei para trás”. comemorou John Waters nesta segunda-feira, quando foi entronizado à eternidade do cinema norte-americano ao ter sua estrela da famigerada calçada da fama de Hollywood.

Ele dedicou a condecoração aos seus falecidos pais: “Pat e John Waters, que, apesar de ficarem horrorizados com meus primeiros filmes, e alguns dos mais recentes também, me encorajaram a continuar porque acho que eles devem ter pensado o que mais que eu poderia fazer além de estar no showbusiness?”

E depois de agradecer nominalmente diversos amigos – não apenas do cinema -, ele concluiu celebrando a atração turística da qual faz parte. “Passarela da fama de Hollywood, você é demais e espero que os rejeitados do showbusiness mais desesperados passem por aqui por cima de mim e sintam alguma espécie de respeito e força. Os esgotos deste boulevard mágico nunca secarão a sarjeta da minha gratidão, os detritos da minha carreira ou o desperdício da apreciação de Waters. Obrigado Hollywood, desta vez eu finalmente fui para além do vale das bonecas”, citando o clássico trash de Russ Meyer, com roteiro do crítico Roger Ebert, um dos pilares de sua formação. E ainda deu a deixa que, de repente, ano que vem, teremos a estrela de Divine, musa e estrela de sua maior obra, o infame Pink Flamingos.

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“Morreu Fernando Botero, o pintor das nossas tradições e defeitos, o pintor das nossas virtudes. O pintor da nossa violência e paz. Da pomba rejeitada mil vezes e mil vezes colocada em seu trono”, assim escreveu o atual presidente da Colômbia, Gustavo Petro, em sua conta no Twitter, ao falar da passagem do artista de seu país mais reconhecido no mundo todo, que faleceu no último dia 15.

Adeus aos palcos

Uma provocação sobre lançar um disco de 2020 que ainda não havia sido propriamente lançado acabou tornando-se uma sessão de terapia aberta ao público sobre as dificuldades e o sentido de ser uma mulher artista musical no Brasil atual. Seja tocando seus instrumentos (violão e acordeão) ou apenas no gogó, a cantora e compositora Marília Calderón abriu suas angústias em público, trazendo à tona a personagem Cida, uma versão sua que lhe atormenta em pesadelos. Contando com a ajuda de uma girafa cênica – vivida genialmente pela atriz e sapateadora Paula Ravache, que a ajudou a conceituar o espetáculo -, ela ainda recebeu participações especiais – a atriz Zenaide e a cantora e poeta Socorro Lira – que a ajudaram a ampliar a intensidade de seu drama em canções confessionais que ajudaram a compartilhar sua decisão de encerrar a carreira nos palcos, numa apresentação que misturou show, teatro de revista, vaudeville e comédia. Eu mesmo duvido disso (e falei pra ela, mas dê tempo ao tempo), mas foi um processo bonito de se acompanhar.

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