Quando o autor em questão chama-se Johnny Jewel, tudo é possível – inclusive nada. Os fãs dos Chromatics, a climática banda que o produtor norte-americano atravessou as duas últimas décadas aumentando sua reputação em discos clássicos (e demorados) como Kill for Love, Closer to Grey e Dear Tommy, conhecem bem a saga do sujeito, que anuncia disco novo com capa, novos singles e data de lançamento para, em muitos casos, NA VÉSPERA, mudar de ideia e abandonar tudo na frente de todo mundo. Vamos torcer para o recém-anunciado Games People Play, terceiro disco de seu projeto Desire, ao lado de sua esposa, a cantora Megan Louise, saia mesmo em outubro, como anunciou sua gravadora Italians Do It Better após lançar mais um novo single, “Dangerous Drug” (ouça abaixo). É o terceiro single que a dupla lança este ano (“Darkside“, lançado há três meses, e “Vampire“, há um mês, vieram antes), o que é relativamente pouco tempo depois que o grupo lançou seu segundo álbum, Escape, em 2022. Antes desses três singles, os dois voltaram a lançar músicas novas ainda no ano passado, gravando versões de músicas do Metronomy e do Frankie Goes to Hollywood como aquecimento para esse novo disco. E se levaramos em conta que seu disco homônimo de estreia é de 2009, dá pra ter uma noção de como este Games People Play estava vindo praticamente à velocidade da luz. O clima das três faixas dão uma ideia de como será o tom do disco, típico dos discos anteriores, aquele eletropop climão em câmera lenta, vocais quase falados ou sussurrados sobre bases hipnóticas e repetitivas de synths oitentistas. Coisa fina.
O dono dos Chromatics, o produtor Johnny Jewel, foi convidado para remixar a faixa-título do melhor álbum do ano passado, All Mirrors, de Angel Olsen, mas embora este encontro onírico pudesse nos levar para um lado doce e anestesiado (afinal, o ponto de contato entre os dois artistas é o clima da série Twin Peeaks), mas ele estranhamente a transporta para um outro lugar, uma pista de dança em que o soul dos anos 80 encontra o maximalismo do fim da primeira década do século – e o que parece desconfortável à primeira audição ganha camadas de sutilezas à medida em que nos acostumamos com o remix, uma jóia.
Demorou, mas eis o primeiro VF de maio…
Beto Cajueiro – “Sistema da Vida”
Boogarins + John Schmersal – “A Pattern Repeated On”
War on Drugs – “Thinking of a Place”
Haim – “Right Now”
Fleet Foxes – “Fool’s Errand”
Ney Matogrosso + Nação Zumbi – “Amor”
Black Lips + Yoko Ono – “Occidental Front”
Angel Olsen – “Who’s Sorry Now”
Whitney – “You’ve Got A Woman”
Tiê – “Mexeu Comigo”
Amber Coffman – “No Coffee”
Lana Del Rey + Weeknd – “Lust for Life”
Johnny Jewell – “Stardust”
LCD Soundsystem – “American Dream”
PJ Harvey – “A Dog Called Money”
Curumin – “Boca de Groselha”
Rincon Sapiência – “Ponta de Lança (Verso Livre)”
BaianaSystem + Yzalú – “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”
Grande notícia: além dos temas de Angelo Badalamenti, a trilha sonora da nova versão de Twin Peaks, que estreia este mês, será assinada por Johnny Jewell, líder da banda Chromatics. Falei sobre como isso é uma boa notícia para os fãs da série no meu blog no UOL. Jewell acaba de lançar a trilha, com o título de Windswept, antes mesmo do lançamento da nova temporada.
Estamos às vésperas de voltar a um universo fictício em que a realidade e o sobrenatural se superpõem com estilo. A terceira temporada de Twin Peaks está a algumas semanas de distância entre seus criadores e, nós, seu público. A série que David Lynch produziu no início dos anos 90 era um alienígena na TV norte-americana e subvertia a estética de telefilme dos anos 80 ao misturar um assassinato numa cidadezinha do interior dos Estados Unidos que começa a ser investigado por um agente do FBI com uma camada de surrealismo de horror inimaginável até para a TV de hoje em da.
Foi, no entanto, um alienígena viral: contaminou o DNA das séries de TV de tal forma que mudou a perspectiva para todos os profissionais da área. A partir de Twin Peaks, que teve meras duas temporadas e terminou de forma abrupta, toda produção de TV nos Estados Unidos começou a mudar e os seriados, antes meros passatempos temáticos com gêneros bem estabelecidos (como o próprio conceito de sitcom, a “comédia de situação”), se tornaram obras autorais, com nível de complexidade mais exigente que o cinema. Twin Peaks abriu um caminho que foi percorrido por Arquivo X, Seinfeld e Buffy – A Caça-Vampiros (que, não parece, mas é bem importante), cada um contribuindo à sua maneira, para chegarmos à chamada nova era de ouro da televisão, que pariu obras como Sopranos, The Wire, Lost, Mad Men, Walking Dead, Six Feet Under, Breaking Bad, Game of Thrones. Todos estes seriam bem diferentes – outros talvez nem existissem – não fosse a série do início dos anos 90. É o que nos lembra mais um teaser da próxima temporada, que menciona indiretamente alguns destes programas:
https://www.youtube.com/watch?v=vlECLI34eCg&feature=emb_title
E são tantos teasers… Além dos que já haviam mostrado o Agente Cooper em 2017 e a volta de Angelo Badalamenti à trilha sonora, a série também lançou o teaser sobre locações que eu publiquei na semana passada e este sobre os velhos personagens hoje:
Esse outro abaixo – e, presumidamente, outros – está escondido no canal do YouTube onde a série vem publicando estes teasers e só aparece para os americanos que procuram “What is the Black Lodge?” no Google.
E vão continuar surgindo novos teasers até a data da exibição do primeiro episódio da terceira temporada, dia 21 de maio, no canal norte-americano Showtime. Mas esse excesso de publicidade me preocupa.
Porque alimenta uma expectativa que invariavelmente nos leva à frustração. E várias histórias clássicas foram ressuscitadas recentemente com alarde para encontrar produções fracas (a décima temporada de Arquivo X), forçadas (a última temporada de Arrested Development) ou vazias (como os filmes mais recentes da série Alien). Claro que há exemplos bem-sucedidos do outro lado (como a empolgante ressurreição de Battlestar Galactica, a brilhante reinvenção de Westworld e os filmes mais recentes da série Jornada e Guerra nas Estrelas), mas esse incessante bumbo batido pelo marketing da empresa me causa uma sensação ruim – além da lista de novos atores da série que inclui dezenas de nomes conhecidos (Michael Cera, Monica Belucci e até o Eddie Vedder!). Isso sem contar a inevitável máquina de memes da internet, que já está ligada no tema faz tempo – e, com a proximidade da estreia, irá aumentar sua produção consideravelmente. Como esta bela recriação que ilustrador Pakoto Martinez fez para a abertura da série:
Mas essa má sensação foi embora a partir do anúncio de que Johnny Jewell, líder do grupo norte-americano Chromatics, iria tomar conta da trilha sonora da série que não fosse escrita por seu compositor original, Angelo Badalamenti. Jewell é conhecido por sintetizar tensões em teclados vintage e vozes femininas sussurradas sobre guitarras que ecoam no espaço, em diferentes bandas sendo o Chromatics, a mais conhecida delas. E para quem questiona essa escolha, ouça o disco Windswept, que ele já lançou nas plataformas digitais. Eis sua capa:
E o disco pode ser ouvido na íntegra na playlist abaixo:
Aí tudo faz sentido. Mesmo a Monica Belucci, o Eddie Vedder, o Michael Cera. Tudo se encaixa nesse ambiente bizarro chamado Twin Peaks.