Jardim Sonoro 2024: A primeira edição do primeiro festival de música de Inhotim aponta novas possibilidades para o formato

, por Alexandre Matias

Desde que a curadoria de música do parque Inhotim, um dos grandes templos à arte contemporânea brasileira, no interior de Minas Gerais, foi criada, em abril do ano passado, o primeiro titular do cargo, o maestro carioca Leandro Oliveira vislumbra a possibilidade de realizar um grande festival que mostrasse a que veio este novo pilar do museu-parque. Importante frisar que o superlativo não necessariamente se traduziria em números – a ideia nunca foi reunir nomes pop ou grandes para gerar números para atrair possíveis patrocinadores e sim fazer jus à grandiosidade a céu aberto do jardim que fica do lado da cidade de Brumadinho. O evento aconteceu no fim de semana passada e seu título, Jardim Sonoro, acertou em cheio ao contemplar nomes radicalmente modernos e amplamente populares, reunindo artistas de diferentes nacionalidades, mas com principais atrações brasileiras. Fui convidado pela organização do evento e voltei apaixonado pelo festival.

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Não pude comparecer à programação de sexta-feira (por motivos de Inferninho Trabalho Sujo), por isso perdi tanto a apresentação da saxofonista estadunidense Zoh Amba quanto a fala do escritor e músico angolano Kalaf Epalanga, mas desde a manhã de sábado, quando o segundo dia do evento começou com o encontro dos músicos Ballakée Sissoko (do Mali) e Vincent Segal (da França), o primeiro tocando um instrumento tradicional (e imperial, pois sua audição originalmente era restrita à elite que governava o país africano) chamado Corá, uma mistura de harpa com alaúde e o segundo tocando violoncelo de forma pouco ortodoxa, no palco que levava o nome da galeria que expõe as obras de Tunga no local, True Rouge. Depois foi a vez do quarteto dos EUA Joshua Abrams & Natural Information Society, que misturou instrumentos pouco convencionais – como o instrumento árabe guimbri (tocado como um baixo pelo líder do grupo), harmonium (tocado por Lisa Alvarado), clarinete baixo (a cargo de Jason Stein) e bateria (com Mikel Patrick Avery) – no palco Tamboril, em frente à majestosa árvore de mesmo nome que recebe os convidados do parque em sua praça central.

O encerramento do sábado veio na voz imortal – plácida e firme, delicada e precisa, como sempre – de nosso príncipe do samba, o mestre Paulinho da Viola, em ótima forma (e ótimo humor) como de praxe. No palco que levava o nome do penetrável Magic Square de Helio Oiticica, ele desfilou seu rosário de hits, fazendo o público, que começou a assistir ao show sentado, logo se levantasse para cantar juntos hinos de nossa música como “Eu canto samba”, “Nervos de aço”, “Roendo as unhas”, “Dança Da Solidão”, “Pecado Capital”, “Coração leviano”, “Argumento”, “Timoneiro”, “Prisma luminoso” e “Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida”. O sábado terminou com nova apresentação de Epalanga, desta vez discotecando, misturando músicas pop de diferentes países com pérolas da música brasileira, entre Azymuth e João Nogueira – e confesso que não esperava ouvir Luedji Luna após um remix da Feist. O fato de realizar o festival sem cobrar ingressos a mais do que a simples entrada no parque (custando 50 reais a inteira) fez o parque receber o maior número de visitantes desde o início do ano, lotando quase toda sua capacidade com quase cinco mil pessoas. Num dia frio mas ensolarado, tudo funcionou lindamente.

O Jardim Sonoro seguiu no domingo enfileirando atrações tão instigantes quanto populares, desta vez com maior ênfase à música brasileira. O terceiro dia do evento começou com o contrabaixista francês Kham Meslien tocando seu instrumento ao mesmo tempo em que disparava loops e montava suas composições em tempo real. Depois foi a vez de Juçara Marçal, Rodrigo Campos, Gui Amabis e Regis Damasceno mostrarem seus Sambas do Absurdo, aplaudidos de pé por um público que inclusive sabia cantar músicas do projeto paralelo das quatro carreiras. O fim de semana foi encerrado com uma apresentação magistral da orquestra de atabaques Aguidavi do Jêje, que deixou todos boquiabertos (como aconteceu em sua apresentação recente em São Paulo) com o terreiro instantâneo que abriu no meio do Inhotim. Tratado ainda como uma edição de teste por seus realizadores, a primeira versão do Jardim Sonoro mostrou que é possível realizar um evento tão moderno quanto pop, sem render-se à megalomania vazia dos inúmeros festivais brasileiros que nasceram depois da pandemia e enfileiram dezenas de atrações por dia apenas para inflar números e cortejar patrocinadores – assim apontando novas possibilidades para um formato que muitos acham que estagnou. E se levarmos em conta que em breve a cidade receberá um grande hotel que pode receber ainda mais turistas (diferente do número reduzido de quartos disponíveis na pequena rede hoteleira de Brumadinho), a próxima edição – que ainda não é certa, mas desejada para o ano que vem, no mesmo mês de julho que quase não chove – pode ter um público de fora ainda maior. Vida longa ao Jardim Sonoro!

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