Impressão digital #134: Filmar shows
Minha coluna no Link de segunda-feira foi sobre uma prática cada vez mais comum – a de filmar shows.
A geração que filma os shows não está perdida
Não foi reclamando que o homem evoluiu
Sou desses que filmam show. Vou a shows com bastante frequência e gosto de guardar o registro de quando vi alguns de meus artistas favoritos. Comecei há quatro anos, quase de brincadeira, mais para testar uma câmera digital. Gostei do resultado, o som ficou bom e como gosto de assistir a vídeos de shows (mesmo amadores), entrei para este time.
Antes que arremessem latinhas em mim, lembro que tomo algum cuidado. Sou alto, portanto não preciso erguer o braço, e posiciono a câmera em frente à minha cabeça. Se alguém atrás de mim não consegue ver o show, é mais pela minha altura do que pela câmera. E filmo sem olhar o tempo todo para a câmera, assim vejo o show de fato sem me preocupar com o que é gravado.
Não sou o único, como podemos ver em qualquer show. Basta que as luzes da plateia sejam desligadas ao mesmo tempo em que as do palco são acesas para que, aos poucos, comecem a aparecer pequenos retângulos luminosos. É o público erguendo câmeras e celulares para fazer vídeos e fotos, para serem compartilhados em suas redes sociais favoritas.
É inevitável a reclamação reacionária. “No meu tempo as pessoas assistiam ao show”, “no meu tempo as pessoas queriam ver o artista e não ficar mostrando que estavam no show”, “no meu tempo a experiência era mais importante que o registro”. Não duvido. Mas os tempos mudaram. As pessoas não usam mais terno e gravata para viajar de avião e podem comer no cinema.
Há um desenho que circula há um tempo na internet que compara a evolução do público em shows a partir de mãos erguidas. Nos anos 60, os hippies levantavam as mãos com os dedos em “V”, celebrando a paz e o amor. Nos anos 80, fãs de heavy metal erguiam a tal “mão de chifres” típica do gênero. Nos anos 90, punhos fechados para fãs de rock alternativo. E, para os anos 2010, mãos levantando celulares e câmeras.
O cartum, que desconheço o autor, não chega a reclamar – é mais uma constatação –, mas muitos o divulgam como sinal de que “esta geração está perdida”, como gostam de resmungar. Mas se invertemos a lógica, quem reclama das câmeras e celulares erguidos de hoje, também reclamaria das mãos e gestos do passado. Talvez preferisse aquele tempo em que apresentações ao vivo eram chamadas de concertos, quando não havia barulho, não era possível beber nem cantar junto com o artista do palco.
Há exageros – e talvez o pior exemplo seja o das pessoas que filmam com um tablet. Quando você menos espera, alguém levanta algo e por um segundo você acha que estão mostrando um cartaz para o artista – mas é um iPad!
Há outras gafes menores, como aquele grupo que tira fotos com o show como cenário ou aquele cara que tira mil fotos e filma um monte de trechos da apresentação para nunca mais revê-los.
Mas celulares e câmeras para o alto são apenas uma fase – como os gestos do desenho. Já já vão aparecer câmeras menores e formas de registrar eventos mais discretas. Quem sabe até mesmo o formato show mude completamente – ou que apareçam eventos em que o registro seja mais proibitivo do que fumar em ambiente fechado. Mas, por enquanto, câmeras e celulares vão seguir como pontos luminosos durante os shows.
O que muitos esquecem é que a mesma situação que permite filmar e compartilhar shows ou qualquer outra situação) também possibilita que você possa tirar fotos do seu filho no momento exato em que ele começa a andar. Você não precisa mais sair correndo atrás da câmera – ela está no seu bolso, pois é o seu celular. Você não precisa nem revelar a foto e nem conectar o cabo ao computador para enviar o arquivo por e-mail. Basta tirar a foto e apertar o botão para que ela vá para quem você quiser.
Perceber as vantagens da nossa era digital é muito fácil, mas as pessoas preferem algo que, para elas, parece mais fácil ainda: reclamar. Não foi reclamando que o homem evoluiu – e sim pensando como a vida poderia melhorar. Menos reação, mais otimismo.
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