E não dá pra falar em música brasileira atual sem citar o Emicida. Leandro Roque de Oliveira já não é novidade faz tempo, mas só consegui ver um show do cara no mês passado, dentro da noite que o Rômulo e as meninas da Alavanca tão fazendo ali no CB, nas quintas-feiras. Venho acompanhando a ascensão do cara há um tempinho (até já tinha pautado a Ana para fazer um Vida Digital com ele) e é interessante perceber como ele é a síntese da mudança de ares que aconteceu na década passada com o hip hop brasileiro, ao mesmo tempo em que também é um reflexo do que também aconteceu com a MPB.
No lugar da marra e da cara de mau dos Racionais MCs e seus contemporâneos gangsta, surge um rapper quase sambista, quase malandro, quase manhoso, cantando sobre pobreza, miséria e violência sem separá-las da rotina, da felicidade e da família. Sem o pesar arrastado de beats de funk, ele prefere ancorar-se no samba e resume uma evolução que aconteceu no rap nacional. E mais especificamente no que diz respeito ao MC – e é possível ouvir enfileirados na voz de Leandro nomes tão diferentes quanto Sabotage, Marcelo D2, De Leve, Max B.O., Kamau, Marechal, Rappin’ Hood e todos aqueles que orbitaram entre o Instituto e o Quinto Andar, a Trama e o festival Indie Hip Hop, entre mixtapes e MP3s.
Ao mesmo tempo é estúpido mantê-lo apenas sob o rótulo do hip hop. Suas referências não são tão universais quanto as de seus compadres do microfone e das picapes – ele prefere samplear referências brasileiras e citar Cartola, enchentes em São Paulo e a novela das oito em vez de repetir a mesma ladainha de gangues e guerra urbana do rap do século passado. Como aconteceu antes com Sabotage, ele regula o equilíbrio entre o sambista, o rapper e o cronista com exatidão, assumindo o papel de trovador que nenhum outro cantor ou músico brasileiro atual – presos demais às egotrips, a conceitos abstratos e à correria para pagar as contas para assumir esse papel – se dispõe.
E ele também é bom de conversa: rendeu um ótimo papo com o PAS, uma boa matéria sobre samba com o Werneck e uma boa entrevista feita pela Stefanie, além do perfil feito pela Ana pro Link. Sai clicando e vai lendo – se você não o conhece ainda, está passando da hora.
É sério, ele começou hoje.
1) O disco (como suporte físico) acabou?
Não acredito que o disco tenha acabado, mas a ganância está com os dias contados. Para muitos, eu inclusive, o fetiche pelo objeto disco permanece. Ainda é bom poder ler encartes, letras, ver a ficha técnica, pirar na arte etc. Mas as gravadoras precisam entender melhor o que fazer com o disco, como pensar o seu marketing, e entender que nem toda cópia é pirataria. Hoje, todos os meios digitais têm um grau de confiabilidade bem discutível, e o CD não é exceção. Tenho discos comprados no primeiro momento dos CDs que já estão com mais de 20 anos e praticamente desintegrando. Imagine se eu não tivesse guardado uma cópia digital? Teria de comprá-los de novo, pelos preços extorsivos praticados pela grande indústria. Pensando no Brasil, onde ainda não houve o boom dos tocadores digitais de música e onde a oferta de música digital ainda é ridícula, com poucos títulos e quase todos protegidos de uma maneira bisonha, como o DRM (Digital Rights Management) da Microsoft usado pelo iMúsica (nossa única loja virtual). Para mim, o disco vai durar um tempo mais longo por aqui do que nos países asiáticos (Coréia do Sule Japão), na Europa e nos EUA, onde o mercado digital já começa a amadurecer a fezaer frente ao CD. Todas as pesquisas de vendas do disco físico apontam essa queda. Mas, no Brasil e em outros países pobres, o CD vai existir em profusão, se não para a venda nas lojas e supermercados, na rua, nas banquinhas dos piratas.
2) Como a música será consumida no futuro? Quem paga a conta?
É difícil prever o futuro porque, para além da tendência de mercado, que é mesmo a de a música migrar para um formato digital tipo o MP3, existem também questões jurídicas que podem acelerar ou retardar essa inclinação do mercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o mercado de música digital vendida legalmente online cresceu bastante nos últimos dois anos não porque as pessoas se conscientizaram de que devem pagar os artistas e sim porque houve um cerco de leis. Hoje, copiar uma música protegida por DRM dá cadeia, a RIAA tem ganhado nos tribunais ações contra pessoas físicas que trocam músicas. Isso tem o seu peso. Por outro lado,a reação a esse cerco é bem inteligente. Um caso clássico é a idéia dos Creative Commons, contrato que sobrepõe o padrão do todos os direitos reservados e dá ao artista o poder de decidir como proteger os direitos de sua obra. Nesse caso, se o artista libera a cópia, deixa de ganhar dinheiro por uma lado, mas coloca para fora a sua música e pode ganhar bem com shows e com licenciamento de suas composições para cinema e publicidade, por exemplo. Outro modelo que, na minha opinião, tem mais chance de vingar é o da venda mais aberta de música, sem restrições de uso e de cópia. Vários selos e gravadoras pequenas já estão optando por essa forma de venda, que também tem como um dos principais atrativos os baixos preços. Cito dois exemplos interessantes nesse sentido. Um é o da gravadora virtual Magnatune, que permite que você ouça o disco todo antes de comprar – não só os 30 segundos do chamado “fair use” – e deixa você escolher o quanto pagar pela música. Lembrando que o artista fica com 50% do total pago pelo consumidor. Numa escala maior, o site de venda de músicas eMusic.com, que oferece mais de um milhão de canções de independentes, de gente desconhecida mas também de artistas muito populares, como Miles Davis. Todos os discos que tive vontade mesmo de comprar, encontrei por lá. E o preço é ótimo. Tenho uma assinatura anual, que me dá direito a 90 downloads por mês a um preço de US$ 0,17 por canção. Bem melhor do que comprar música por US$ 0,99, com DRM, no iTunes.
Fora esses dois casos, acredito também que iniciativas como as do TramaVirtual e do MySpace, que dão a possibilidade de o músico colocar canções para serem baixadas de graça da internet vão vingar. Já do ponto de vista de negócios, não dá para ignorar o crescimento absurdo dos ringtones e truetones, coisa que acho que só vai aumentar no futuro, a despeito dos preços. Afinal, hoje pode-se pagar quase R$ 5 por um trecho de uma música, o que é absurdo.
É importante notar que a indústria do disco está em crise – muito por conta de ser uma indústria bastante reacionária e com dificuldades de inovar – mas a indústria da música como um todo, não vê crise. Mesmo nos tempos do walkman, não lembro de ver tanta gente nas ruas com fones de ouvido. Em São Paulo, se compararmos os espaços de show de hoje com os de há 20 anos, o crescimento é brutal. Acho que esses fatores vão fortalecer um futuro em que o ouvinte médio de música vai migrar do gosto massificado promovido pelo esquema de “plantation” das grandes gravadoras, que ainda insistem em colar todos os seus ovos numa mesma cesta, para uma segmentação maior.
Coisas que só rolavam no underground, para iniciados, estão muito mais acessíveis a quem tem um pouco de curiosidade e um computador plugado na web. Antes, era só a TV e o rádio a ditar o que se devia ouvir, hoje, é fácil driblar essa ditadura do gosto e desenvolver um gosto pessoal, com menos imposições externas.
3) Qual a principal vantagem desta época em que estamos vivendo?
Acredito que seja essa segmentação que eu citei no fim da última questão, essa oportunidade de ouvir o que quiser. Gosto especialmente de iniciativas como a dos sites Pandora e Last.fm, que ajudam as pessoas a encontrar o que não sabem que existe. Acho que a distância entre artista e seu público também tende a diminuir. É só pensar no MySpace e em blogs de bandas. Acho que hoje nós vivemos um momento propício para que os artistas façam menos pose e mais música interessante.
4) Que artista voce só conheceu devido às facilidades da época em que estamos vivendo?
Um monte de gente. Semana passada mesmo eu conheci uma banda muito legal de funk-reggae dos anos 70 chamada Cymande, que ouvi num podcast brasileiro chamado Octopus Mono Sound. Das coisas novas, Arctic Monkeys, Clap Your Hands Say Yeah, Cee-Lo, Gnarls Barkley, Chihei Hatakeyama, David Thomas Broughton.
5) O estado da indústria da música atual já realizou algum sonho seu que seria impossível em outra época?
É só abrir o SoulSeek ou o baixar alguma coisa usando Bittorrent que muitos sonhos meus, impossíveis de imaginar em outras épocas, se realizam em pouquíssimos minutos.
Guilherme Werneck é editor-assistente do caderno Link e editor do podcast Discofonia.