A hora e a vez de Giovani Cidreira

Foto: Patricia Martins

Foto: Patricia Martins

Quando estive em Salvador durante o festival Radioca no final do ano passado, vários amigos e conhecidos da cidade reforçavam a importância de assistir ao show de Giovani Cidreira. O ex-Velotroz já estava gravando seu primeiro disco solo e o comentário geral era de que ele era um dos novos nomes de Salvador para ficar de olho. Antes do show começar fui com a Roberta tomar um sorvete perto do Elevador Lacerda e quando cheguei no Trapiche Barnabé, onde acontecia o festival, o show tinha acabado de começar. Dei a volta por fora do lugar onde o festival acontecia para chegar perto da entrada de imprensa e pude ouvir uma canção interminável, épica, sem refrão, que ia crescendo e se tornando mais arrebatadora à medida em que eu apertava o passo para ouvi-la. Havia algo de Milton Nascimento, algo de Taiguara, uma carga dramática que unia Roberto Carlos e Raul Seixas a Belchior e Fagner, algo bem diferente do que escutamos na música pop brasileira atual.

Qual minha surpresa ao avistar um hipster com o cabelo pra cima como o do Shamir, vestindo um macacão e uma camisa com estampas do Mickey. Giovani Cidreira parece conter contradições aparentemente indissociáveis e complexas, mas resolve-as musicalmente, deixando a música fluir. O fato de seu primeiro disco, o passional e intenso Japanese Food, cuja capa você vê em primeira mão aqui no Trabalho Sujo, ter sido beneficiado por um edital da Natura e ser lançado pelo selo paulistano indie Balaclava também conversa com essas idiossincrasias da cena independente brasileira no inicio do século. Conversei com ele por email sobre este início de carreira solo e suas impressões sobre a música no Brasil hoje.

Giovani Cidreira_Japanese Food

Fala um pouco sobre a sua trajetória até aqui. Como você começou e encontrou este caminho musical?
Música sempre foi um troço forte na minha vida, na infância eu andava com um daqueles violões de brinquedo imitando Zezé Dicamargo, me ligava muito nas musicas de Luiz Gonzaga e Roberto Carlos, coisas que a gente ouvia em casa. Vim morar em Salvador com 9 anos e a essa altura nós já tínhamos uma radiola que pegava fita k7, lembro de meu pai chegar do trabalho a noite e colocar umas fitas de Raul Seixas pra a gente ouvir. Foi nessa época que comecei a fazer as letras. Logo depois ganhei um violão, a partir disso comecei a gravar em umas fitas com as primeiras musicas, acho que começou a valer daí. A música vai te levando, você vai conhecendo pessoas que gostam tanto quanto você.. Aí veio a primeira banda, Gramodisco, e depois fui chamado pra cantar na Velotroz. Gravamos três discos: Parque da Cidade, em 2007, Banda do Futuro Apresenta Espelho de Sharmene, em 2011, e o último, História do Tempo, em 2015. Também fizemos os shows mais verdadeiros de salvador, era um caos maravilhoso. Gravei o primeiro EP solo com a banda ainda na ativa, estava tocando o EP por aí quando Tadeu Mascarenhas, que dirige o disco novo, me convidou pra dar uma olhada num tal edital da Natura… É muita história.

Quais são suas influências musicais mais presentes? Quem você ouviu que mais lhe direcionou por esse caminho?
As coisas mais presentes em mim são as que eu aprendi em casa, com a minha família. Com música é a mesma coisa. Volta e meia eu vejo um traço de Roberto Carlos ou Renato Russo em alguma música, coisas que minha avó e minha mãe sempre ouviam. Quando eu fiz uns dezessete, um amigo me emprestou uma vitrola – inclusive ele nunca mais viu essa vitrola -, eu comecei a comprar LPs, uma cortina se abriu pra um mundo novo. Eu só fazia isso, meu dia se resumia a Caetano, Gil, Elis, Amelinha, Paulinho da Viola, Marcos Valle, Ivan Lins, Ney, Arrigo, e principalmente Clube da Esquina. Esses discos foram moldando meu jeito de escrever, acho que fica claro essas influências em algumas músicas.

Como você vê o crescimento da cena independente no Brasil? Quem são seus artistas favoritos hoje?
O campo de trabalho da música independente é a internet e o nível de informação e dispersão é absurdo, não dá pra acompanhar metade das coisas que acontecem, me surpreendo toda semana: Sara Não Tem Nome, Vladvostock, Caoexpiatorio de Paulo Diniz, Dark… O último disco de Negro Leo é simplesmente FODA! Adoro tudo que a Karina Buhr faz e adoro a Ava Rocha e Matheus Mota. Apesar das condições insalubres de trabalho, tem sempre alguém bom. A cena rap é uma maravilha a parte, os caras estão indo além. As pessoas que reclamam que na música atual não tem poesia não ouviram as rimas de Neto do Síntese, ou de Don L, Cintia Savoli, Dark do Contenção 33, Lívia Matos ou de Bacu.

E a cena em Salvador, há uma evolução? Não apenas de mercado, mas também estética?
Há uma mudança. A explosão do carnaval do BaianaSystem é uma das coisas que deixa claro que os tempos são outros pra cidade, o surgimento de artistas como Livia Nery e Jadsa Castro e bandas como Atooxa comprovam que são tempos de ouro. Quando comecei a tocar em Salvador eu tinha impressão de que todas as bandas independentes tinham que ser de rock, lembro que era um lance esquisito você levar um violão pra tocar no Nhô Caldos – bar lendário do Rio Vermelho – e era 2007!! Acredite! Eram bandas ruins demais pra mim, salvo raras exceções como a Ladrões de Bicicleta, banda do fera Ronei Jorge. A coisa mudou muito de dez anos pra cá, a minha geração tá interessada em ouvir e fazer não importa o segmento,nem a cor da sua camisa. Mas ainda não temos lugar pra tocar, é muito trabalhoso.

Fale um pouco sobre o novo disco, o que você queria dizer quando entrou no estúdio? Quem mais esteve junto contigo durante este percurso?
Entrei com um pensamento que parece muito besta no estúdio… Queria dizer pra as pessoas cuidarem mais umas das outras e prestarem atenção pra o fato de que amanha não tem ninguém vivo, acho que a mensagem é a mesma depois de meses todos ensaiando, gravando, mixando e lá vai… Meus amigos sempre estão comigo, e fiz muitos durante essa produção. Entre Salvador, Rio e SP foram muitas pessoas que contribuíram pra a finalização desse trabalho, ainda não acabou, eu sinto que estamos só começando.

Há previsão de show em São Paulo?
Chego em São Paulo em maio, mas não tem show até agora, nesse primeiro mês eu devo ficar ensaiando, vai rolar uma banda nova com dois nomes quentes daí de Sp, Rubens Adati ,do Vladvostock, e Ale Sater, do Terno Rei. Inclusive, SP, chama pra tocar que a gente vai!!

Vida Fodona #554: Vida Fodona de resistência

vf554

O único Vida Fodona de março de 2017.

!!! – “The One 2”
Spoon – “Whisperilllistentohearit”
Katy Perry – “Chained to the Rhythm (Hot Chip Remix)”
Bruno Mars – “24k Magic”
Dr. Dre – “Let Me Ride”
Mano Brown + Dom Pixote + Seu Jorge – “Dance Dance Dance”
Daryl Hall & John Oates – “I Can’t Go For That (No Can Do)”
Roxy Music – “Oh Yeah”
Paralamas do Sucesso – “Nebulosa do Amor”
Lorde – “Liability”
George Michael – “Careless Whisper”
Boogarins – “Olhos”
Feist – “Pleasure”
Velvet Underground + Nico – “All Tomorrow’s Parties”
Black Angels – “I’d Kill for Her”
Underworld – “Slow Slippy”
A Tribe Called Quest – “We the People”
Danny Brown – “White Lines”
Negro Léo – “O Céu dos Otários é Neutro”
Sambanzo – “Capadócia”
Sebadoh – “Vampire”
Giovani Cidreira – “Crimes da Terra”
Karina Buhr – “Esôfago”
Ney Matogrosso – “Freguês da Meia-Noite”

E aqui a versão do Spotify, com menos músicas:

“…I want to back to Bahia”

radioca-2016

Zarpo neste sábado rumo a Salvador, onde vou conferir a segunda edição do festival Radioca, que desta vez reúne Carne Doce, Jards Macalé, Karina Buhr, Aláfia e Dona Onete aos locais Josyara, Retrofoguetes e Giovani Cidreira. Também participo de um bate-papo no domingo com a Roberta Martinelli, do Cultura Livre e do Som a Pino, e de Daniela Souza, da Educadora FM, sobre a relação da nova música brasileira com a mídia, com mediação do Luciano Matos, um dos organizadores do festival (mais informações aqui). Mando notícias, valeu!