E nesta edição da Galileu bati um papo com um dos maiores autores de livros de não-ficção da atualidade. Biógrafo de Richard Feynman e de Isaac Newton, James Gleick finalmente tem seu A Informação – de 2011 – lançado no Brasil. Editei textos dele nos meus tempos de editor do Link (um sobre memes e outro sobre o Google), por isso foi uma satisfação dupla conversar com ele. A íntegra do papo segue abaixo:
Bit a bit
Autor de importantes livros sobre ciência mostra que tudo – eu, você e o universo – é formado por informação
A bibliografia do jornalista e escritor norte-americano James Gleick já contava com obras de fôlego, como seu primeiro livro Caos — A Criação de uma Nova Ciência (1987), sobre a teoria do caos, e as biografias que escreveu sobre mestres da física como Richard Feynman (Feynman — A Natureza do Gênio, de 1992) e Isaac Newton (Isaac Newton — Uma Biografia, de 2003). Mas com A Informação — Uma História, Uma Teoria, Uma Enxurrada (Cia das Letras, R$ 59,90), lançado em 2011 e que só agora chega ao Brasil pela Companhia das Letras, o escritor dá um salto ainda maior em abrangência ao explicar que a base do Universo é o bit de informação. “Somos processadores de informação”, crava o escritor, em entrevista por telefone. • Alexandre Matias
Quando você notou que o tema “informação” daria um livro?
Ao pesquisar para fazer meu primeiro livro, Caos, descobri esta ciência chamada Teoria da Informação, criada por Claude Shannon, sem chamá-la assim, em 1948. Lembro ter visto seu livro A Teoria Matemática da Comunicação, que nunca saiu de catálogo, ainda naquela época, mas não me aprofundei. Os anos se passaram e vimos as drásticas mudanças que ocorreram. E, a partir daquela descoberta, sempre soube que sob todas aquelas mudanças havia uma ciência não muito conhecida chamada Teoria da Informação. Havia uma conexão entre uma área da ciência tão obscura e a extremamente dramática e óbvia revolução da informação pela qual estamos passando. Foi quando percebi que poderia organizar isso tudo em um livro. Queria contar apenas a história toda, desde o começo.
Uma tarefa tão ambiciosa quanto megalomaníaca.
Sim, uma tarefa impossível, como se fosse contar a história do mundo. Mas sempre achei que houvesse um tema, que daria coerência ou que funcionasse como um fio da meada para esta história tão complicada.
O subtítulo do livro dá a entender que ele pode ser encarado como três livros.
Sempre soube que este meu livro se chamaria apenas A Informação, só no final do processo é que o subtítulo apareceu. Não havia percebido que estava trabalhando num livro de três partes e essas três partes — a história, a teoria e a enxurrada — vêm todas ao mesmo tempo. E, sim, há três livros em um só volume, embora a divisão não seja clara.
Na parte histórica, um dos grandes méritos do livro é o reconhecimento de figuras que foram esquecidas pela história.
Duas delas, Charles Babbage e Ada Lovelace, surgiram na Inglaterra vitoriana. Algo peculiar sobre sua importância é que, por muito tempo, eles foram esquecidos. Babbage foi bem conhecido em seu próprio tempo, na Inglaterra. Mas logo depois ele sumiu da consciência das pessoas. Se você perguntasse para alguém, nos anos 1930, por exemplo, quem era Charles Babbage, acho que ninguém teria ouvido falar dele, mesmo em seu país. Com Ada Lovelace era pior, você teria de ser um estudioso sério de poesia inglesa para saber que Lord Byron teve uma filha e mesmo assim era pouco provável que alguém soubesse que ela era matemática.
Os dois foram redescobertos em nossa época por cientistas da computação — e mesmo hoje não dá para saber quem foi o responsável por desenterrar seu trabalho de bibliotecas e perceber que o que estava sendo feito nos anos 1950 na área de computação havia sido imaginado anteriormente, com muito detalhe e criatividade, por Babbage e Lovelace. E isso é muito excitante. Estas idéias nunca deixaram a consciência mundial, mesmo que a grande máquina de calcular idealizada por Babbage tenha sido um fracasso. Tentei entender suas motivações e acho que ele tentava estabelecer uma conexão entre o mundo abstrato dos números e o mundo físico das máquinas. Só isso já era algo emocionante: máquinas podem manipular não apenas tecidos e metais, mas também coisas de natureza mental. É uma ideia muito poderosa que nos fez viver no mundo que vivemos hoje. E é aí que a Ada torna-se uma figura tão importante nessa história, pois enquanto Babbage só pensava em termos de números, ela entendeu melhor do que ele que a informação é algo mais geral — se uma máquina pode manipular números, pode fazê-la manipular palavras e linguagens também.
O livro também cita exemplos de que não é a primeira vez que nos sentimos inundados por informação – você cita que, quando livros deixaram de ser novidade e aos poucos viraram um mercado, muitos diziam que era impossível ler tanto e que isso emburreceria a civilização. Mas ao mesmo tempo, estamos vivendo uma época única em respeito à velocidade e ao volume de informação.
Tentei escrever justamente para que parecesse contraditório. Por um lado, sentimos que nosso tempo não parece com nenhum outro que veio anteriormente. Afinal, no mundo em que vivemos hoje, todos estão conectados eletronicamente por todo o planeta, de forma instantânea, na velocidade da luz, e que podemos ver imagens do que está acontecendo exatamente agora no sudeste da Ásia – sem contar o fato de estarmos tendo esta conversa, mesmo a milhas de distância. Ao mesmo tempo, todos nós podemos ter acesso a todo o conhecimento do mundo ao acionar um aparelho de nossos bolsos. Tudo isso é genuinamente novo e nós só podemos supor o que poderá acontecer com a espécie humana a partir disso.
E o que torna esta afirmação contraditória é que as pessoas sempre sentiram isso, por várias vezes, em toda a história. E toda nova tecnologia da informação trouxe junto um coro de reclamações, medo e ansiedade que é muito parecida com a que vivemos hoje. E à medida em que fui escrevendo o livro, sabia que ele iria terminar na enxurrada de informações a que somos submetidos hoje, afogados em informação.
Mas sabia que iria repetir as previsões loucas do século 17 quando, depois da criação da impressora de tipos móveis, as pessoas temiam por uma terrível enxurrada de livros, que seria tão drástica que faria a humanidade retornar à barbárie, pois não haveria forma de acompanhar tanto conhecimento que, de repente, começava a ser impresso.
A forma que se fala que a internet irá aniquilar o tempo e o espaço é parecida com a forma como o telégrafo foi recebido ao ser criado. E realmente há conexões entre todas estas tecnologias de informação – não é só uma coincidência.
Isso tudo me levou a três considerações. Primeiro, já vimos isso acontecer e é importante termos isso em mente. Segundo, que é realmente diferente desta vez. E terceiro que não dá para imaginar como as pessoas daqui a 50 anos verão a época em que vivemos agora. Acho que isso é impossível de imaginar.
A compreensão da natureza da informação vai para além da área das comunicações e explica, inclusive, nossa biologia.
Com certeza. Pensar o mundo em termos de informação abriu nossos olhos e nos ajudou a entender o que somos como criaturas biológicas. Não há dúvida sobre isso: somos processadores de informação. Nosso sistema nervoso é responsável por mandar mensagens por todo o nosso corpo – e não apenas o sistema nervoso, que é um sistema de fios elétricos, mas também nossos hormônios e outros sinais químicos que são foram percebidos por muitos biólogos como sendo apenas informação. Isso só foi possível entender depois que o telégrafo foi inventado, ele funcionou como uma metáfora para nosso próprio funcionamento.
Mesmo num nível genético, somos feitos de informação. Quando falamos do código genético, isso não é uma metáfora, é literal. O DNA é um código, um alfabeto formado por quatro letras que codifica informações sobre como criar um novo organismo. Até os biólogos entenderem isso seria impossível para eles descobrirem, ou melhor, criarem a linguagem genética.
A grande revolução genética aconteceu nos anos 1950 e 1960, e não ocorreu apenas pela evolução da química ou pela criação de grandes microscópios eletrônicos, que nos permitiu ver a famosa hélice dupla, e sim o entendimento dos processos que estão na base de nossa biologia.
E você acha que em algum momento podemos nos fundir com as máquinas que criamos? O Google Glass, por exemplo, seria o próximo passo rumo à tal singularidade?
Fala-se muito sobre singularidade e acho que boa parte do que é dito é meio bobo, mas de certa forma esta singularidade já aconteceu. Eu não acho que iremos nos fundir como um só organismo com os Borgs (uma entidade coletiva do universo de Jornada nas Estrelas), mas acredito que já podemos nos ver como já somos criaturas mais complexas quando levamos em conta as máquinas e a tecnologia que ampliam nossas habilidades humanas. E é claro que o Google Glass é um dispositivo protético, da mesma forma que o celular que carregamos no bolso também é. Se você parar para pensar, até a escrita é uma tecnologia inventada para ampliar nossas capacidades mentais, como os muitos dispositivos que agregamos ao nosso corpo. Nós já somos híbridos e estamos felizes em nos conectar com o mundo eletrônico.
Dá para ser otimista imaginando este futuro?
Eu tendo a ser otimista pessoalmente, mas não posso defender isso. É mais uma questão de humor. Claro que há muitas coisas que nós precisamos temer e nos preocupar, não acho que seja saudável achar que tudo será ótimo e que a tecnologia irá resolver todos nossos problemas. Não acredito nisso, temos que estar alerta e temos o direito de termos medo e nos preocupar com o fato de estarmos cada vez mais distraídos, sobre perder a habilidade de nos concentrar, devemos nos vigiar se estivermos fazendo muitas coisas ao mesmo tempo e nos esquecermos de prestar atenção naquilo que é próximo da gente, no mundo físico. Mas acho que se fizermos isso, se formos cuidadosos, os desafios que teremos a seguir não serão tão diferentes dos desafios que vimos antes. Portanto, sim, sou um otimista.
E você pode antecipar qual é o assunto de seu próximo livro?
Eu só posso dizer brevemente que comecei a escrever um livro sobre viagens no tempo. Sobre a história da viagem no tempo. Acho que levarei alguns anos para concluí-lo.
A capa da Galileu deste mês já havia sido pautada bem antes do clima de paranóia e tensão invadir as ruas das capitais brasileiras – convidei o Carlos Orsi para escreve-la ainda em maio. Além da capa sobre conspirações, a revista ainda traz um dossiê escrito por Salvador Nogueira sobre as dificuldades que a pesquisa científica encontra no Brasil, uma matéria do Tiago Cordeiro sobre desmanches de navios no Oceano Índico, um panorama sobre o uso de armas de fogo – e suas conseqüências – pelo Brasil, uma entrevista que o Tiago Mali fez com o Louis Ignarro, vencedor do Nobel que hoje é garoto-propaganda da Herbalife, a incursão de Rafael Tonon pelo mundo da microbiologia na cozinha e como chefs estão usando cada vez mais o microscópio em busca do ponto de putrefação perfeito, a trágica e estranha decadência de John McAfee – que de programador prodígio e criador de um dos antivírus mais populares do mundo, tornou-se obcecado com remédios para performance sexual, foragido da polícia e acusado de assassinato na América Central -, cidades ocidentais clonadas na China, por que congelar óvulos, confecções brasileiras e trabalho escravo, o novo filme do Cavaleiro Solitário e games que nivelam a dificuldade para facilitar a socialização. Mas não podia fugir ao assunto da capa em minha Carta ao Leitor, que reproduzo abaixo.
PARANOIA É PRECAUÇÃO: O autor norte-americano Philip K. Dick consagrou-se ao criar personagens que vivem em alerta
Em uma entrevista dada em 1974, um dos meus escritores prediletos, Philip K. Dick, explicou o motivo de suas obras serem sempre cercadas de uma sensação de que algo vem sendo orquestrado por baixo dos panos, longe de nossas atenções. Dizia ele que “a paranoia é um desenvolvimento moderno de uma sensação antiga, arcaica, que os animais ainda possuem, um sentimento permanente que tínhamos há muito tempo, quando éramos — nossos ancestrais — muito vuneráveis a predadores”, explicando que seus personagens “vivem como estes novos ancestrais. Quer dizer, o equipamento é do futuro, o cenário é o futuro, mas as situações, na verdade, são do passado”.
Como toda boa ficção científica, a obra de Philip K. Dick não era sobre ETs, robôs, planetas remotos, tecnologias fictícias ou futuros distantes, embora estes elementos fizessem parte da maioria de seus livros. Sua bibliografia reflete medos e paranoias de quem viveu a caça às bruxas dos anos McCarthy, a paranoia nuclear da Guerra Fria e a ascensão do estado frio e terceirizado das gestões Reagan-Thatcher. Morreu em 1982, o mesmo ano em que uma de suas obras (Blade Runner) virou filme pela primeira vez, e foi pelo cinema que ele ganhou popularidade, já que sua reputação nos livros não era suficiente para pagar as contas. Por mais que o reconhecimento tivesse sido tardio, ele veio para encaixar K. Dick no panteão dos grandes autores do século passado, que inclui outros nomes (como Don DeLillo e Thomas Pynchon) que também lidavam com esta mesma sensação estranha que é um dos principais traços da nossa época.
Teorias da conspiração, portanto, funcionam como um alerta para um instinto primitivo e também fazem parte do tecido cultural dos séculos 20 e 21. Gosto de acompanhá-las com curiosidade, como sistemas de constante alerta, mas ao pautarmos este assunto para a capa de GALILEU tivemos a preocupação de analisar seu impacto sobre a sociedade — que não é nada curioso e tende a ser mais maléfico que construtivo, como mostra o jornalista Carlos Orsi, convidado para dissecar esta pauta.
Orsi, que trabalha na Unicamp, é um dos jornalistas que cobrem ciência que mais acompanho o trabalho e acaba de lançar um livro que, como nossa capa, também se presta a desvendar histórias mal contadas — só que seu Pura Picaretagem (Leya, coescrito com Daniel Bezerra) ataca a forma como a física quântica é usada superficialmente pelo mercado de livros de autoajuda. O que quer dizer que ele está bem escolado neste tema. Vamos lá!
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
Na edição da Galileu que está nas bancas, há uma entrevista que fiz com Tobias Andersson, porta-voz do PirateBay que vem ao Brasil no início do mês que vem para participar do YouPix. Segue a matéria abaixo.
OS RÉUS E O PORTA-VOZ:Fredrik Neij, Gottfrid Svartholm e Peter Sunde recorrem no processo que estão sendo julgados na Suécia; Tobias (à direita), não
Um pirata no Brasil
Porta-voz do maior site de compartilhamento de arquivos do mundo é a atração do Youpix deste ano
Quando pergunto a Tobias Andersson qual é o seu papel no PirateBay, o maior site de compartilhamento de arquivos do mundo, nem ele sabe responder direito: “Estou no site desde o início”, explica por e-mail, “mas o trabalho no PirateBay é muito anárquico, para dizer o mínimo. Não há papéis específicos na equipe, da mesma forma que não há um líder ou um dono. Todo mundo faz o que quer. Falamos todos os dias pelo mesmo canal de informações, todo mundo participa de todos os processos. Pensamos de forma bem parecida e quase não há controvérsia entre nós”. Mas, para todos os efeitos, Andersson age como o porta-voz do grupo, que é representado pelas figuras de Fredrik Neij, Gottfrid Svartholm e Peter Sunde. Os três, suecos como Andersson, são os réus em um julgamento que teve seu veredito em fevereiro do ano passado, mas que ainda se arrasta através de novos recursos e instâncias. E Andersson vem a São Paulo como principal convidado do festival de cultura da internet YouPix, que acontece no início de julho e também terá mesas de debates oferecidas pela GALILEU. No evento, o pirata vem falar sobre sua experiência no PirateBay, política mundial e o futuro da internet. Ele também prepara um livro sobre os 10 anos do site — “e minha estada em São Paulo fará parte do livro”, adianta.
Qual é a situação do PirateBay? Os servidores de vocês foram para a Islândia?
Não, apenas o domínio está hospedado na Islândia. Nossos servidores estão espalhados pelo planeta eestamos transferindo todos os dados para serviços na nuvem. O domínio deve continuar mudando sempre, para estarmos um passo adiante. Há também um plano para começar um projeto via Kickstarter para comprarmos o domínio .bay.
O que você acha da pirataria digital ter virado uma bandeira política, com os Partidos Piratas pelo mundo?
Mark Getty, da agência de fotos Getty, disse que “a propriedade intelectual é o petróleo do século 21” e esta frase é bem interessante. Nós do PirateBay anunciamos que 2012 seria o ano da tempestade e foi isso que aconteceu: tivemos as brigas contra a Sopa [projeto de lei norte-americano que endurecia a vigilância e a punição aos direitos autorais], o Acta [tratado internacional com fins semelhantes] e o veredito de culpado contra os três fundadores do site — um deles está preso por um ano e os outros dois aguardam julgamento em liberdade, mas o site continua funcionando independentemente do julgamento. Acho que os próximos anos serão ainda mais inquietos.
Então você acha que a legislação digital deve endurecer nos próximos anos?
Acho que teremos duas opções: ou um estado de vigilância ou uma internet independente. Todos ganhariam caso a última alternativa prevalecesse. Modelos de negócio prosperariam e pessoas de todo o mundo usariam a internet para aprender sozinhas. Mas isso não acontecerá sem briga. Por outro lado temos outros fatores, como o crescimento da capacidade de armazenamento. A Lei de Krysder diz que o espaço de um HD dobra a cada 20 meses, o que quer dizer que, em 10 anos, teremos toda a história da música em nossos bolsos.
O que você acha de Kim Dotcom, do Megaupload, que foi caçado pela justiça norte-americana?
Kim Dotcom é um esquisito megalomaníaco que poderia ter se dado melhor se não pensasse apenas em ganhar dinheiro. Sites de armazenamento como o Mega não são a forma certa de agir. A internet precisa ser aberta e não se tornar um festival de “pague pelo arquivo”.
Você acha que o streaming de serviços como o Spotify irá suplantar o download?
Remixando as clássicas palavras do Chuck D, do Public Enemy: desculpe-me, mas foda-se o Spotify. Ele não resolve nada, pois é parcialmente mantido pelas três grandes gravadoras, que não submeteriam seus catálogos caso não fossem sócias. O que quer dizer que eles ainda ganham mais dinheiro que os artistas a cada execução. Isso inclui artistas que não são contratados por estas três gravadoras. Acredito que a evolução da tecnologia terá seu papel e veremos redes descentralizadas e anônimas onde amigos trocam conteúdo gratuitamente.
E quais são os próximos passos do PirateBay?
Espero que apareça algum sistema que torne o PirateBay obsoleto. Dez anos é muito tempo para um site como este. Adoraria ver um aplicativo com um cliente torrent embutido que poderia utilizar todos os agregadores de metadados disponíveis. Algo que nos tornasse livres de sites e domínios…
TPB: AFK | Lançado no início de 2013, o documentário TPB: AFK (The PirateBay: Away From Keyboard, Longe do teclado, em inglês), do sueco Simon Klose, acompanha o julgamento dos três fundadores do site desde o meio de 2008 até o veredito, no início do ano passado. O filme foi disponibilizado gratuitamente para download no próprio PirateBay. Tobias Andersson diz ter achado o filme “meio entediante”.
A edição deste mês da Galileu lista as dez inovações que o Instituto de Tecnologia de Massachussets, o MIT, aposta que sairão dos laboratório rumo a rotina das pessoas. Há serviços e novidades que já estão nas prateleiras, mas algumas – como o chip que pode permitir recuperar a capacidade de memorização que destacamos na capa – têm 2013 como um ano decisivo para sua popularização. A capa ainda traz uma matéria sobre a importância do MIT assinada pelo Tiago Doria. Além da matéria de capa, ainda temos um dossiê sobre o que são smart cities e como podemos mudar nossas metrópoles hoje para melhorar a qualidade de vida no futuro, uma matéria sobre pessoas que não sentem medo por problemas no cérebro, a farmácia de remédios brasileira, a resistência da internet discada no Brasil, uma entrevista que fiz com o porta-voz do PirateBay, que vem ao Brasil no mês que vem, um ranking de consumo de remédios no mundo, o novo disco do Daft Punk pela Gaía Passarelli e as pinturas na água da canadense Corrie White. Abaixo, a apresentação da edição que faço todo mês no início da revista, que já está nas bancas.
TRAFICANTE DE MEMÓRIAS: No filme Johnny Mnemonic, o personagem de Keanu Reeves cedia parte do cérebro para guardar segredos industriais
O chip na capa desta edição não será plugado em quem tiver lesões cerebrais que impedem a formação de lembranças a longo prazo. A ilustração é uma versão do dispositivo que foi conectado ao cérebro de cobaias em testes que provaram que é possível ligar o corpo à máquina. As experiências com humanos devem começar ainda este ano e, se forem bem-sucedidas, podem se tornar realidade em breve. Theodore W. Berger, da Universidade do Sul da Califórnia, não esperava ver o fruto de mais de três décadas de estudos funcionando, mas depois dos avanços neste século, ele está mais otimista.
O implante de memória é uma das tecnologias escolhidas na última edição da revista Technology Review, publicada pelo MIT, como um dos principais avanços científicos que veremos em 2013. A publicação seleciona anualmente 10 rupturas técnicas que estão saindo do laboratório rumo à realidade. O implante de Berger é, entre os itens deste ano, uma das que mais deve levar tempo para chegar às ruas para entrar em nossa rotina — ele fala em dois anos até que as aplicações médicas aconteçam de fato. Mas outras, como o relógio de pulso que conversa com o telefone celular, o robô-operário que interage com outros humanos e o sequenciamento de DNA de fetos, por exemplo, já são realidade e estão ao alcance de quem pode pagar por elas.
Tudo bem que ainda há muito chão pela frente para chegarmos a algo próximo do que William Gibson previu quando escreveu Johnny Mnemonic, conto que virou filme em 1995 com Keanu Reeves, em que um “traficante de memórias” cedia parte de seu cérebro para armazenar segredos industriais — se é que um dia chegaremos perto disso. Mas é fato que o século 21 vem nos apresentando, exponencialmente, novidades que antes pareciam fantasia, mas que graças a cientistas espalhados pelo planeta estão se materializando na vida real. O exemplo mais óbvio talvez seja a internet. Da mesma forma que, há 20 anos, nem sonhávamos com o que hoje fazemos rotineiramente, avanços científicos irão moldar o futuro de tal forma que aos poucos nos sentiremos vivendo num conto de ficção científica — que não será mais ficção.
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Falha minha: na Carta ao Leitor passada, citei o livro Abundance: The Future IsBetterThanYouThink, de Steven Kotler e Peter H. Diamandis e disse que ele não havia sido publicado no Brasil. Mas a editora HSM me corrige e diz que lançou o livro por aqui como Abundância — O Futuro É Melhor do que Você Imagina. Feita a correção, refaço a indicação: leia. Vamos lá!
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
Na edição deste mês da revista Galileu, falamos sobre uma mudança no método de desenvolver novas tecnologias – concursos que oferecem milhões de dólares para que cientistas desenvolvam novas invenções. Esse formato vem se tornando cada vez mais comum nos últimos 20 anos e inclui desafios extremos como desenvolver um diagnosticador portátil, enviar um robô para a Lua e controlá-lo daqui da Terra, craquear a genética da longevidade até provocações mais mundanas, como desenvolver gelatina sem ingredientes que tenham origem animal. O Dossiê da edição é sobre estupidez (e porque burrice não é o antônimo de inteligência) (com direito à entrevista que o Tiago fez com o doutor em filosofia André Spicer, que fala sobre como as empresas nos emburrecem), a bicileta de Phillppe Stark, abstinência de internet, a contracultura da alimentação, um outdoor que transforma ar em água potável, um papo com Adriano Fromier Piazzi, da Aleph, sobre publicar ficção científica no Brasil (que também indica cinco clássicos do gênero), um mapa da população flutuante da região de São Paulo, uma conversa com o autor do livro Você Não é Tão Esperto Quanto Pensa, David McRaney, um físico polonês que está aplicando a lógica open source a equipamentos de agricultura e geração de energia, a visita que Juliana Cunha fez à Coréia do Norte, o país mais offline do mundo, um aplicativo brasileiro de recomendações, a rotina de uma favela na Índia, como é ser treinador de cão-guia, a história das epidemias e seu futuro próximo, moral e maniqueísmo nos videogames e Steven Pinker escreve sobre como estamos vivendo a era mais pacífica da humanidade. Abaixo, a carta ao leitor que escrevo no início da revista.
OLHANDO PARA FRENTE: A Fundação X Prize, de Peter H. Diamandis, é uma das instituições que apostam no otimismo prático para este novo século
Pouco antes de assumir a direção da redação da GALILEU terminei de ler Abundance: The Future Is Better Than You Think (Abundância: O Futuro é Melhor do que Você Pensa, Free Press, ainda não publicado no Brasil). O livro de 2012 foi coescrito pelos norte-americanos Peter H. Diamandis e Steven Kotler e defende a teoria que estamos às vésperas de uma era de fartura e que a vida neste novo século deverá ser ainda melhor.
Para enfatizar, eles enumeram índices que mostram como melhoramos nos últimos cem anos: das condições de higiene ao número de doenças que afligem nossa rotina, os dois escrevem que “usando qualquer métrica disponível, a qualidade de vida evoluiu muito mais do que no resto de toda a história”. Listam a queda da mortalidade infantil (90%) e do número de mães que morrem no parto (99%) e o aumento da longevidade (100%) nos últimos cem anos, entre outros números, para justificar a tese.
Diamandis especificamente vai além de simplesmente detectar estas melhorias. Ele é um dos principais responsáveis pelo investimento em ciência e tecnologia do futuro, seja como fundador da Universidade da Singularidade ou da Fundação X Prize, uma das instituições que abordamos na matéria de capa desta edição, em que o repórter Tiago Cordeiro elenca concursos internacionais que premiam ideias que podem melhorar o futuro. E você não precisa ser cientista para participar destas premiações.
O otimismo de Diamandis conversa com o do psicólogo canadense Steven Pinker, que lança seu novo livro Os Anjos Bons da Nossa Natureza no Brasil e assina o Novas Ideias desta edição, explicando por que acha que estamos vivendo na época mais pacífica da história.
Tal otimismo faz parte de nossa rotina de GALILEU, e não são poucos os exemplos que listamos de pessoas e instituições que preferem pensar em como melhorar o planeta do que simplesmente lamentar — siga folheando a revista e descubra. Não fechamos os olhos, no entanto, àquilo que nos incomoda, como o relato que a repórter Juliana Cunha fez ao visitar a Coreia do Norte ou o Dossiê desta edição, que enfatiza que inteligência e estupidez não são necessariamente antagônicas. O mundo está melhorando e queremos fazer parte desta mudança. Vamos lá!
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
Bati um papo com o filósofo Slavoj Žižek quando ele esteve aqui no mês passado numa conversa que entrou na edição atual da Galileu. O Eugênio me acompanhou fazendo as fotos e os vídeos logo abaixo do texto da entrevista.
Nós somos nossa tecnologia
Polêmico filósofo esloveno fala de nossa relação com as máquinas
Mal sou apresentado ao filósofo Slavoj Žižek no lobby do hotel na Alameda Santos, em São Paulo, em que ele se hospedou quando esteve no Brasil no mês passado, e ele aponta para a lata de refrigerante que está tomando: “Você sabe por que a Coca-Cola lançou a Coca-Cola Zero? Porque a Coca-Cola Light era associada ao público feminino, por ser ‘light’. Ao criar a versão Zero, neutra, conseguiram recuperar o público masculino”. E é nesse ritmo — uma enxurrada de ideias, pontos de vista, metáforas e hipóteses — que o pensador e provocador enfileira referências eruditas e pop, cultas e populares, para retratar o mundo ao seu redor. Sua recente visita ao Brasil aconteceu em decorrência do seminário Marx: A Criação Destruidora, realizado pelo Sesc e pela editora Boitempo (que está lançando Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético, do próprio esloveno no país). Aproveitei para conversar com ele sobre um dos assuntos que mais o interessam, que é o papel da filosofia em relação aos desenvolvimentos tecnológicos atuais. Em uma hora de papo ele falou sobre isso, sobre livre sexo, religião, singularidade, gnose e tecnologia — a maior parte dessa entrevista você assiste no vídeo que fizemos para o site GALILEU. Por aqui, ele fala sobre a nossa relação com a tecnologia.
Você acha que podemos ser otimistas em relação ao futuro, devido ao avanço da ciência e da tecnologia no século passado?
A princípio, sim. Mas é bom não esquecermos de que a lacuna entre os mais pobres e os mais ricos é muito maior. Os ricos, verdadeiramente ricos, vivem num mundo bem diferente, mesmo no que diz respeito à ciência. Essas pessoas estão se prevenindo contra possíveis doenças, talvez até modificando seus cérebros para ficarem mais inteligentes. Pode ser que em breve as diferenças de classe se tornem diferenças na espécie. Mas concordo que há o velho pessimismo humanista europeu que prega a catástrofe, diz que a humanidade está em seus últimos dias e que estamos nos tornando máquinas que só se interessam pelo prazer.
Mas esta crítica tem a ver com o deslumbre atual pelo universo digital, que vem tomando conta das pessoas como se fosse um vício.
Não acho que isso seja um problema, pois a natureza humana tem uma habilidade incrível de incorporar e padronizar o que, a princípio, a chocava. Quem escreveu primeiro sobre isso foi Henri Bergson, que, ao se referir à Primeira Guerra Mundial, dizia que, antes da guerra, todos diziam: ‘Estamos vivendo 50 anos de paz na Europa, uma guerra nunca poderá acontecer de novo’. Mas então a guerra explodiu e dentro de uma ou duas semanas de choque, todo mundo a tomou como um fato.
Você não acha que há um tabu em relação à adaptação às novas tecnologias?
Sim, isso pode ser traumático. Por exemplo, pessoas com problemas renais precisam fazer diálises constantemente. Alguns pacientes me disseram que por mais que pensamos que somos autônomos e só precisamos de nossos corpos, eles dependem de uma máquina que está fora do seu corpo. Se o vínculo com a máquina é rompido, é a morte. E numa metáfora patética, será que a nossa linguagem, nosso sistema simbólico, não funciona da mesma forma? É o que diz, por exemplo, o estudioso da cognição cerebral Daniel Dennett, que fala que do mesmo jeito que um animal sem os pelos não é um animal — um coelho depilado é antinatural —, o mesmo vale para o ser humano — não em relação a nossas roupas, mas às nossas máquinas. Elas são partes da nossa identidade. Se você desconectar o ser humano de suas máquinas, você tem um animal mutilado.
Somos a nossa tecnologia.
Com certeza! E as tecnologias modernas só nos tornam mais conscientes disso.
Assim pode ser que a internet, por exemplo, seja uma manifestação física de nosso inconsciente coletivo?
Sim, isto está acontecendo, mas é algo que só faz sentido quando contraposto às nossas mentes individuais. Não compro essa história de “mente coletiva”. Se você matar as pessoas que operam as máquinas, elas não vão ficar felizes trabalhando sozinhas. São apenas máquinas burras funcionando. Máquinas inteligentes só trabalham de forma inteligente em contato com a inteligência humana. Não falo isso como um humanista, mas apenas consciente da subjetividade humana.
Os vídeos com a íntegra da entrevista seguem abaixo:
A edição deste mês da revista Galileu traz na capa uma matéria do repórter Rafael Tonon sobre como o que chamamos de livre-arbítrio talvez possa não existir, hipótese cogitada por três livros que estudam o comportamento biológico do cérebro humano. Há também o dossiê sobre o futuro da indústria do tabaco, uma matéria sobre como o TED conseguiu espalhar-se pelo mundo usando o formato TEDx, outra sobre o sucesso do grupo Porta dos Fundos na internet, a entrevista que fiz com o filósofo Slavoj Žižek em sua passagem pelo Brasil, um infográfico que disseca o trabalho escravo no Brasil e uma matéria sobre porque escovar os dentes faz bem para todo o corpo, não só para a boca. Abaixo, a Carta ao Leitor que escrevi na edição deste mês.
REVISTA EM MÃOS: Žižek folheia a edição do mês passado após entrevista realizada pelo diretor de redação Alexandre Matias
Uma das melhores coisas de se trabalhar numa publicação como a GALILEU é constatar a amplitude dos temas abordados. À medida que vamos pensando em diferentes pautas e matérias — seja na versão impressa ou no site —, nos damos conta de que qualquer tema pode ser abordado por nós, desde que dentro da ótica da ciência e do conhecimento, nossas principais bandeiras. E, justamente por isso, é curioso perceber como, mesmo falando de temas tão amplos e distantes entre si, alguns assuntos acabam se interconectando.
A edição deste mês reuniu uma série destas coincidências. Fui entrevistar o filósofo esloveno Slavoj Žižek, que veio a São Paulo participar de um seminário sobre marxismo, mas queria ouvi-lo falar sobre ciência e tecnologia, e, sem que eu perguntasse nada que pudesse remetê-lo ao tema, em pouco tempo ele começou a falar sobre a conexão entre homens e máquinas e como ela acaba questionando nossa noção de livre-arbítrio, colocando em xeque até mesmo a possibilidade de não ser o nosso consciente quem decide as escolhas que fazemos em nosso dia a dia. Justamente o tema da capa desta edição.
A matéria, escrita pelo colaborador Rafael Tonon, foi conduzida por Priscilla Santos, uma das editoras da revista, que também tomou conta de outra grande matéria desta edição, a tradução que fizemos da reportagem que a revista norte–americana Wired fez sobre o sucesso dos chamados TEDx. Essas conferências-satélite são filhotes do evento-mãe TED (acrônimo para Tecnologia Entretenimento e Design), que acontece há décadas nos EUA, mas que desde 2006 começou a se espalhar: primeiro via web, com íntegras de suas curtas palestras em vídeo, e depois para o mundo offline, por meio dessas franquias que se espalharam por todo o planeta — inclusive por aqui. E aí outra coincidência da edição: o marido de Priscilla, Helder Araújo, não só assiste há seis anos as conferências originais nos EUA como também ajudou a organizar o primeiro TEDx no Brasil, em São Paulo, além do TEDx na Amazônia. Assim, foi inevitável o chamarmos para dar um depoimento que daria um sabor pessoal e brasileiro à matéria estrangeira.
Aproveito a deixa da colaboração do casal na revista para parabenizá-los em público por outra colaboração dos dois, já que em breve serão pais. Congratulações a eles.
Esta edição também é a última que conta com a participação do editor Diogo Sponchiato, que deixou o Jaguaré rumo aos velhos “novos desafios”. Boa sorte, Diogo!
Por aqui, seguimos mudando. Sempre, afinal, as novidades não param. Vamos lá!
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
Música como assunto na capa da Galileu é mais uma das mudanças que estamos engrenando na publicação. Entre as outras novidades do mês, vale ressaltar a parceria com o evento Fronteiras do Pensamento, a estreia do boletim do título na rádio CBN (no primeiro domingo de março, dentro do Revista CBN), o lançamento das colunas de toda a redação e um novo funcionamento das redes sociais. A revista de capa amarela que chega às bancas neste fim de semana, além do tema música livre em uma matéria escrita pelo Ronaldo, traz o Dossiê sobre o cenário das startups brasileiras, a força da indústria do álcool frente aos governos do mundo todo, guloseimas criadas em laboratório, um salmão transgênico, a geração de filhos únicos na China, como muda o museu com o século 21 e um ranking de celebridades brasileiras medido por aparições publicitárias na TV. Abaixo, a carta ao leitor que abre a revista, em que conto um pouco dos bastidores do fechamento desta edição.
NA CASA DA TULIPA: O diretor de arte Fábio Dias aproveitou a sessão que a fotógrafa Camila Fontana fez com a cantora para tirar a foto acima
Antes do Carnaval, reunimos toda a equipe GALILEU para uma foto. Ao lado da fotógrafa Camila Fontana, o diretor de arte Fábio Dias fazia as vezes de diretor de cena, reposicionando um, ajeitando a roupa de outro, pedindo para alguém levantar ou abaixar o rosto. Era a foto que ilustra as novidades desta edição. Mas para Fábio e Camila era só o finzinho do trabalho para nossa capa do mês.
Durante uma semana, eles foram aos quartéis-generais dos principais personagens de uma matéria que, embora seja protagonizada por artistas, fala de tecnologia e economia — e não apenas de cultura. Visitaram alguns dos nomes mais importantes desta nova cartografia musical brasileira, que vem reinventando o diálogo entre ídolo e fã, mercado e consumidores, gravadoras e ouvintes. E, no percurso, Fábio começou a pegar o espírito da pauta. Não só para saber como ficariam as fotos na matéria, mas para imaginar o conjunto das páginas e, inevitavelmente, a imagem da capa.
Eu havia pensado em pôr os artistas na própria capa — havia inclusive cogitado a possibilidade de juntarmos todos para tentarmos uma homenagem ao quadro Operários, de Tarsila do Amaral, pelo fato de esta ser uma geração que põe a mão na massa. Testamos algumas opções, mas o repórter Ronaldo Evangelista, autor da matéria, me mandou o recém-lançado clipe da banda mineira Graveola e o Lixo Polifônico, que recria o quadro de 1933 como um Sgt. Pepper’s, o clássico disco dos Beatles, à brasileira.
Partimos para uma nova opção e começamos a pensar em um objeto para ilustrar o tema — um rádio, um disco, um instrumento… E ao chegarmos ao fone de ouvido, Fábio veio com um trocadilho visual, usando o arco do assessório como a haste curva de um cadeado, mostrando que a música agora está livre — de suportes, de um modelo único, de formatos preestabelecidos. A princípio a imagem era um ícone, essencialmente gráfico, que acabou evoluindo para a ilustração de Marcus Penna, o Japs, que está nesta capa.
Corta para o sétimo andar do prédio da editora, onde nos reunimos para a foto da equipe, e vendo Fábio dirigir a fotografia, posto uma foto desta cena online. Seus amigos aos poucos comentam a imagem, usando frases típicas do gaúcho: “Tchê, sei não…”, “Não sei se gosto…”, “Que tu acha?”. Frases que traduzem sua já clássica inquietação em relação à qualidade visual da revista — que vai da ilustração às fotos e ao design das páginas —, rumo à tal mudança em câmera lenta que estamos empreendendo neste 2013. Ela está por toda a revista, mas detalhamos algumas delas mais pontualmente em nosso Ecossistema (págs. 10 e 11). Vamos lá!
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
Eis a segunda edição da Galileu comigo no comando. A matéria de capa, pauta sobre medicina integrativa conduzida pelo editor Diogo Sponchiato já vem causando polêmica da parte daqueles que sempre trataram terapias alternativas como acupuntura, fitoterapia, homeopatia e musicoterapia como charlatanismo, cobrando rigor científico – e é justamente este o assunto da capa, como a medicina vem reconhecendo este tipo de tratamento através de comprovações científicas. Além da capa, a edição de fevereiro ainda traz reportagens sobre o mistério da ressaca, a falta de criatividade em Hollywood, o primeiro livro de Julian Assange, a solução dos telhados verdes para as grandes cidades, um zoológico de clones de animais extintos no Brasil, um cemitério de aviões, o RPG de South Park, a morte de Aaron Swartz, pessoas que monitoram o próprio corpo para detectar doenças, como o sedentarismo é pior que o cigarro, hotéis feito para hospedar astrônomos amadores, uma bicicleta elétrica que pode tirar os carroceiros do trânsito, como as palavras podem provocar dores físicas, o mapa da corrupção no mundo, um biólogo de games, a primeira impressora 3D comercial do Brasil, dicas para economizar na conta de luz e uma entrevista que fiz com Cory Doctorow. E além da pauta, essa edição marca também um início de mudança no site do título, que ganha um reajuste de layout, como sua presença para além das bancas de revista e da internet – e a equipe Galileu estará não só cobrindo mas também participando de cinco mesas durante a Campus Party, que começa essa semana. Falo mais disso no meu editorial desta edição, reproduzido abaixo.
À medida em que vamos fechando as páginas de GALILEU, este quadro, no meio da redação, vai sendo atualizado
Ainda não me acostumei com o ritmo de publicação de uma revista. Vim de jornal, onde o pique é acelerado e a pressa é companheira do fechamento, por isso sempre pergunto a alguém da redação se um determinado assunto cabe ou não na edição, se vale a pena cortarmos uma matéria que já está pronta e na página para a substituirmos por outra sobre algum assunto que acabou de acontecer. Conto sempre com a opinião do redator-chefe Tiago Mali para saber se vale investir nessa ou naquela pauta que acabaram de pintar.
Quase sempre repasso essas pautas para a Débora Nogueira, editora do site Galileu. A Paula Perim, diretora do núcleo que abrange GALILEU, fala que este jet lag entre os fusos horários dos fechamentos de jornal para a revista normalmente se estabiliza após três meses de casa. Tomara. Mas quando ficamos sabendo do suicídio de uma das mentes mais brilhantes do universo digital, Aaron Swartz, a pressa do jornalismo diário falou mais alto e invadiu o fechamento mensal, dedicando duas páginas da edição para celebrarmos sua importância.
Essas mudanças estão aos poucos entrando no dia a dia da redação. Nesta edição, dá para perceber outros pequenos detalhes que fizemos no percurso do fechamento. São mudanças discretas, mas que aos poucos mostram que 2013 será um ano bem agitado para o título.
Para começar, ao virar a página, você perceberá que a seção Online, antes dedicada às novidades do site da revista, mudou de nome. Agora ela chama-se Ecossistema Galileu, pois tratará da revista para além de sua edição impressa.
É claro que também estamos falando do site — mas não só. A nova seção mostra, por exemplo, que o título estará presente na próxima Campus Party, que acontece em São Paulo a partir do dia 28 de janeiro até o dia 3 de fevereiro, no Anhembi. Além de cobrirmos o evento, Galileu também estará presente com dois debates propostos pela revista: um sobre a influência do mundo digital no trânsito, idealizado e mediado pela editora Priscilla Santos, e outro sobre o mercado editorial brasileiro na época do e-book, que fica sob a batuta do editor Diogo Sponchiato. Nas próximas edições, você verá que a marca irá aparecer em outros lugares — e nossa equipe estará cada vez mais presente.
Outra mudança também anunciada nesta nova seção é a nova cara do site Galileu, que entra no ar a partir de fevereiro. É só a primeira das novidades que apresentaremos na área digital. Nos próximos meses, traremos ainda mais.
O ano de 2013 está só começando — e Galileu vai longe. É só acompanhar. Vamos lá!
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
Eis a resenha que fiz para o Django Livre, no site da Galileu:
Um clássico de Quentin Tarantino
O que torna um filme clássico? O momento em que ele é lançado, se ele consegue registrar as inquietações de seu tempo a ponto de entrar para a história como um espelho daquele momento. Grandes atuações. Uma fotografia impecável. Uma direção segura. Cenas que, apenas com o casamento de som e imagem, conseguem sintetizar sentimentos da cabeça do autor para a do espectador. Grandes frases. Bom ritmo. Boa narrativa.
E quais são as características que tornam um filme de Quentin Tarantino um filme de Quentin Tarantino? Uma metralhadora de referências. Grandes atuações. Diálogos longos com descrições detalhadas. Cenas de tortura física e psicológica. Vilões maus de verdade. Protagonistas dispostos a acertar contas. Bom ritmo. Grandes frases. Narrativa entrecortada.
Desde que o século 21 começou que Tarantino tenta transcender seu próprio cinema, aquele com as bases lançadas durante os anos 90. Cães de Aluguel, Pulp Fiction e Jackie Brown ficavam naquela zona cinzenta dos filmes policiais de baixo orçamento dos anos 70, que une os blaxploitation aos primeiros Scorsese e aos melhores filmes de Sam Peckinpah e, graças ao tempero de citações e referências pop de seu diretor, transformava todo este gênero considerado B no território dos novos clássicos.
Mas os anos 90 acabaram e Tarantino quis sair de seus anos 70 e dos Estados Unidos, abraçando uma carreira internacionalista. Com os dois volumes de Kill Bill visitou o Japão e o cinema asiático e Bastardos Inglórios passava-se na França para causar o encontro explosivos da elite do nazismo alemão com mercenários judeus do exército americano tentando se passar por italianos de araque. Entre os dois, visitou o cinema de drive-in dos anos 50 no bilhete duplo Grindhouse, codirigido com o comparsa Robert Rodriguez. E agora, com Django Livre, rebobina seu filme um século e meio no passado.
E se seus filmes anteriores apenas aspiravam a transcendência rumo a um cinema clássico (quase sempre esbarrando na caricatura, seja no gesto em que Pai Mei ajeitava sua barba em Kill Bill ou na gargalhada que a tela do cinema dava na sessão fatal do final de Bastardos Inglórios), em Django Livre ele deixa a caricatura em segundo plano. Tarantino está mais interessado em celebrar o western como um dos principais gêneros narrativos norte-americanos do que em fazer sua habitual graça com filmes antigos, músicas desenterradas ou listar produtos de consumo.
Por um lado, isso é um tanto complicado, uma vez que o filme se passa no meio do século 19 e as referências pop da época são praticamente nulas – afinal, não existia cultura pop então. Por outro, é a deixa para Tarantino exibir seu extenso leque de samples cinematográficos, empilhando referências de filmes antigos e que caíram no esquecimento ao mesmo tempo em que aponta para referências que não são propriamente pop. Cita a mitologia germânica, a Ku Klux Klan avant la lettre, a então recente consciência humanista europeia e chega ao extremo de acenar para Laranja Mecânica do Kubrick (veja o desconforto na cena em que tocam Beethoven). E, claro, superpõe cenas que se passam em uma época com músicas de outra – e este contraste acentua-se ainda mais quando a época no caso é o século retrasado.
Mas não é o clássico Tarantino que torna Django Livre clássico, e sim sua aspiração ao grande cinema. Como os irmãos Coen em Onde os Fracos Não Tem Vez, Tarantino aproveita sua incursão pelo velho oeste para filmar cenas que fazem mais sentido na tela do cinema, por maior que seja a tela da TV em sua casa. A cena em que o escravo Django (Jamie Foxx, atuação irrepreensível) e seu dono Dr. King Schultz (Christoph Watz, repetindo o papel de Bastardos Inglórios, só de outro ponto de vista) firmam parceria e atravessam as montanhas rochosas no inverno, ao som de “I Got a Name” de Jim Croce, ao mesmo tempo brinca com a ideia de road movie antes mesmo das estradas existirem, também dedica-se com esmero de documentarista e fotógrafo à paisagem natural dos Estados Unidos.
O glacê deste épico é uma saga de vingança, e nela o tempero Tarantino é carregado – e maniqueísta. Com poucos minutos de filme, ele já mostra que os caipiras do sul dos EUA não são apenas os vilões do filme como quando, ao morrer, espatifam-se feito personagens de desenho animado, causando riso. Já os escravos ganham a aura de protagonista não apenas personificada na busca de Django pela liberdade e por sua esposa, Broomhilde, no sul daquele país, mas também por serem vítimas de violência gratuita e gráfica, em diversos momentos, humilhantes e tétricos. A cena em que o escravo D’Artagnan é cobrado por não ter feito o que deveria fazer é revoltante – e Tarantino a torna assim de propósito, justamente repulsiva para nos lembrar que estas cenas aconteciam com nossos ancestrais recentes, quatro gerações para trás. Brancos rindo e se divertindo enquanto negros viram a cara, calados, para evitar a dor e a tristeza.
É quando surge dois dos principais personagens e das grandes atuações do filme, quando somos apresentado ao desprezível Calvin Candie (Leonardo diCaprio, genial) e seu escravo particular Stephen (Samuel L. Jackson, irreconhecível). Os dois dão aulas de dramaturgia à medida em que encarnam seres desprezíveis, opostos diretos aos personagens de Foxx e Waltz. Ao contrapor dois vilões e dois mocinhos sem dividi-los por raça, Tarantino dá seu xeque final à pseudopolêmica racista relacionada ao filme. O filme sublinha sim o holocausto da escravidão, mas lembra que bondade ou maldade independe de cor da pele.
E depois de nos provar isso com atuações e diálogos brilhantes, ele deixa o couro comer em tiroteios que não devem em nada às carnificinas em massa de Kill Bill. Django é um filme ousado, assustador, tenso e provocador, ao mesmo tempo em que não perde o bom humor e pode até provocar gargalhadas.