Na última edição da Galileu em que fui diretor de redação, entrevistei o filósofo italiano Domenico de Masi – e, agora, no fim do ano, lembrei que não a havia republicado aqui. Segue então a entrevista completa, além da edição enxuta que saiu na revista.
A vez do Brasil
Em seu novo livro, Domenico de Masi fala sobre o papel de nosso país
Estamos no rumo certo – pelo menos é o que diz o filósofo italiano Domenico de Masi em seu novo livro, O Futuro Chegou – Modelos de Vida para uma Sociedade Desorientada (Casa da Palavra, R$ 69,90). Nele, ao autor do já clássico O Ócio Criativo debruça-se sobre a história da humanidade para analisar seus principais modelos sociais e como a forma que os cidadãos são tratados foi crucial para o sucesso de sistemas tão diferentes quanto a sociedade grega e o estado comunista, por exemplo.
Mas a empolgação de De Masi é com o Brasil, que ele acredita finalmente ter superado o estigma de “pais do futuro”, cogitado originalmente de forma irônica e depois assumido pela ditadura militar como lema ilusório. Ele crê – e dedica o último capítulo do livro à tal crença – que o Brasil tem o melhor modelo social para este início de século.
Com a chegada da tecnologia digital e do computador, há uma sensação de que o futuro ficou obsoleto. O que você acha disso?
Não concordo. O advento da tecnologia da informação coincide com o da sociedade pós-industrial, que é baseada precisamente em uma projeção de futuro, que consiste de um padrão de vida que, no momento, não existe. Esta é a especificidade da sociedade pós-industrial. Enquanto as anteriores – a grega, a romana, a cristã, a liberal, a comunista, etc. – nasceram a partir modelos pensados anteriormente por profetas, filósofos, economistas ou políticos, a sociedade atual foi criada a partir da superposição de inovações rápidas e espontâneas em todos os setores. Isto resultou em uma desorientação geral, pois já não sabemos o que é bom e o que é mau, o que é direita e o que é esquerda, o que foi e o que é o mercado, que é o homem e o que é a mulher, o que está vivo e o que está morto. Nossa sociedade não apenas espera o futuro, o projeta. Enquanto respondo esta entrevista milhões de criativos, no mundo todo, estão inventando coisas, criando leis, espalhando ideias.
Há uma frase do escritor de ficção científica William Gibson que diz que “o futuro já chegou, só não foi distribuído”.
Concordo plenamente. O futuro depende de inteligência, criatividade, recursos econômicos, honestidade, solidariedade. Separar estes fatores entre si é caprichoso e injusto.
Mas a ficção científica não parece conseguir prever um futuro devido ao excesso de transformações que estão acontecendo agora. Você acha que isso restringe nosso conceito de futuro?
Sim. As transformações ocorridas nas últimas décadas, quando ocorreu a passagem da era industrial para a pós-industrial da sociedade, não dependem apenas de progressos científicos e de tecnologia, mas também da globalização, da disseminação dos meios de comunicação, de educação em massa e de mudanças culturais. Novos progressos futuros afetarão não só a tecnologia e a estrutura econômica, mas também as idéias, o comportamento, a cultura material e social.
O Brasil por muito tempo foi perseguido com a pecha de “país do futuro”. Você acha que isso pode ter causado problemas para a autoestima do país?
Sim. Por um lado isso deu esperança ao povo, mas por outro serviu para que fossem adiadas reformas que só agora foram realizadas. Isso serviu como álibi ilusório para o governo militar alcançar um maior consenso popular. Há uma enorme diferença entre a frase “Brasil, o país do futuro” dita por Jorge Amado com ironia em 1930, a dita com entusiasmo por Stefan Zweig em 1941 e a dita com astúcia por Emilio Garrastazu Médici, no final dos anos sessenta.
Mas você acha que o Brasil é o país do futuro?
Não, acho que o Brasil é o país do presente. Por 120 anos, vocês criaram o melhor modo de vida válido para a sociedade pós-industrial. Não é o melhor de todos os modelos possíveis, mas o melhor modelo já testado. Ainda não é um modelo para o futuro, mas é um modelo válido para já.
O que o Brasil pode ensinar ao resto do mundo?
Infelizmente, o contágio do consumismo nos Estados Unidos já poluiu muitos aspectos da vida urbana no Brasil. A isso devemos acrescer a tentação de ceder às exigências incultas do mercado externo que ceifam aspectos da brasilidade: o excesso de cor e som, a sensualidade desenfreada, o exotismo, a dissipação provinciana do patrimônio natural, que pode ser associada à falta de autoestima, a falta de compromisso público, a astúcia como substituta da inteligência, a falta de confiabilidade.
No entanto, apesar da colonização feita pela Europa e pelos Estados Unidos, o Brasil continua sendo original e os melhores aspectos da brasilidade ainda prevalecem sobre aqueles que são importados.
Escreve Gilberto Freyre: “A mentalidade brasileira não é ofendida pelo jogo de contrastes, comparações, paradoxos, contradições, misturas e sincretismo, a conjugação dos opostos, o Brasil vive um casamento que é irreconciliável à primeira vista”. Essa mistura de muitos fatores diferentes, que em outros contextos seria destrutiva, em seu caso, é benéfica. O conceito de “brasilidade” vem da reunião e remete imediatamente ao relacionamento interpessoal. de relações abrangem indivíduos. E viver significa “ter relações sociais.”
A harmonia do corpo, a sensualidade e a saúde, além de habilidades psicológicas, como a socialização, a simpatia, o senso de hospitalidade, a simpatia, a generosidade, o bom humor, a alegria, o otimismo, a espontaneidade, a criatividade e a fé, como a vida, estão relacionados aos conceitos de tolerância e curiosidade. A paciência, a capacidade de mover-se entre diferentes códigos de conduta e de reinterpretar regras e normas, são atitudes comuns no Brasil, bem como a tendência a considerar fluidas as fronteiras entre o sagrado e o profano, o formal e o informal, o público e o privado, a emoção e a regra.
A sociedade brasileira é unificado pela “língua geral”: o sincretismo cultural, de grandes festivais civis e religiosos incorporados no modo de vida das pessoas, a música, o papel das mulheres na vida social, a sensualidade sem culpa – “Não existe pecado do lado de baixo do Equador “, canta Chico Buarque. Um nível mais intelectual é unificado pela notável capacidade de reciclar atividades culturais através de uma assimilação, adaptação e releitura permanentes – a antropofagia.
O Brasil é aberto ao novo e à mudança. E mesmo nos piores momentos enfrenta a realidade com sentimento positivo. Em comparação com o passado, os brasileiros têm dois novos elementos: sua consciência dos próprios desafios internos – a corrupção, a violência, a desigualdade, os déficits educacionais – está mais difundida e há a percepção de ser um país de ponta, diferente e positivo, mesmo fora sua própria maneira de ser.
Hoje, o Brasil vive uma situação única em relação a seus passado e futuro. Depois de copiar, a Europa por 450 anos e os Estados Unidos por 50 anos, vê esses dois modelos míticos em crise profunda – e pela primeira vez deve pensar, por conta propria, sobre seu futuro. É uma situação que pode parecer perturbadora, mas é o modelo de vida necessário para todas as sociedades pós-industriais.
Quando você acha que as pessoas irão abandonar as regras do trabalho criadas no século 18, como horas de trabalho, dias úteis e horas-extra?
Não sei. Essas regras, que hoje prejudiciais, estão enraizados em nosso inconsciente individual e coletivo. Talvez elas caiam quando a indústria for completamente substituída pela geração digital.
Até quando vamos continuar misturando progresso e prosperidade com crescimento?
Embora Adam Smith tenha descartado a possibilidade de uma ligação direta e automática entre riqueza e felicidade, o liberalismo e o neo-liberalismo sempre focaram na melhoria da qualidade de vida ao considerar ilimitada a disponibilidade de recursos naturais. Da minha parte, concordo com o Kennet Building, que diz que “aquele que acredita no possível crescimento infinito num mundo finito ou é louco ou economista”.
No ano passado, o Instituto Gallup compilou um ranking de 148 países em que pessoas com a idade superior a 15 anos que foram entrevistados a respeito de seu dia anterior – se sentiram satisfeitos, respeitados, revigorados, se sorriram ou aprenderam algo interessante. Os dez países no topo deste ranking são Panamá, Paraguai, El Salvador, Venezuela, Trinidad e Tobago, Tailândia, Guatemala, Filipinas, Equador e Costa Rica. Como você pode ver, oito são da América Latina e todos têm PIB baixo.
O resultado de dois séculos de liberalismo é que um sexto da população mundial foi capaz de crescer às custas do resto do planeta, das gerações futuras, dos consumidores, dos trabalhadores e do terceiro mundo. Hoje, no entanto, todo o planeta está se transformando rapidamente em um grande sistema interligado e o rápido crescimento dos países emergentes – como o Brasil – obriga os países ricos a inverter a sua direção para onde marcham.
Para recuperar o que foi perdido, nos lembra de Serge Latouche, precisamos de “tempo para exercer a cidadania, prazer para a produção livre, o sentido de ter tempo para si, para o jogo, a contemplação, a meditação, a conversa artística e artesanal – ou, simplesmente, a alegria de viver”. Para além destas dimensões Cornelius Castoriadis nos lembra o amor à verdade, o senso de justiça, a responsabilidade, o respeito pela democracia, o elogio à diferença, o dever de solidariedade, o uso da inteligência. Em poucas palavras, a magia da vida.
O pioneiro projeto de lei sobre legislação digital finalmente passou na Câmara dos Deputados depois de quatro anos desde sua concepção, mas mesmo ainda faltando ser aprovado pelo Senado para tornar-se uma nova forma de encarar a internet à luz da justiça, já é um senhor avanço. O Marco Civil da Internet começou como uma alternativa à Lei Azeredo, que punia os infratores de “crimes digitais” e chegava, em suas versões mais extremas, a exigir que qualquer um para se conectar à internet tivesse que digitar o CPF para acessar à rede (além dos cobrar que os provedores de acesso – servidores ou lan houses – guardassem os acessos de seus usuários por pelo menos seis meses). Não por acaso foi rotulado de “AI-5 digital”, devido à quantidade de restrições que impingia à rede.
A mudança de lógica começou com uma consulta pública proposta pelo Ministério da Justiça sobre o que realmente deveria tratar um projeto de lei – e assim foi lançado um site em que as pessoas poderiam palpitar nos principais temas relacionados ao assunto. Dei o assunto na capa do Link há exatamente quatro anos, em março de 2009, e por um bom tempo, o Link foi o único veículo na mídia tradicional a dar atenção ao tema, acompanhando o parto que foi chegar a um consenso sobre uma série de assuntos sem criar leis ou punições que diferenciavam quem cometesse alguma infração dentro e fora da rede. Nossa cobertura no Link aos poucos fez o projeto de lei ganhar vulto e vimos a discussão sendo aprofundando a partir do acompanhamento que fazíamos, mas foram as revelações feitas por Edward Snowden no ano passado – que os EUA vigiavam seus próprios cidadãos e estrangeiros pelo mundo através da internet – que o processo foi acelerado. O trabalho do deputado Alessandro Molon foi crucial para que o projeto conseguisse ser aprovado – principalmente após tirar o fardo imposto pelo PMDB que travava um dos principais pontos do projeto de lei, a neutralidade de rede.
O trabalho que comecei no caderno de cultura digital do Estadão há quatro anos rendeu bem e hoje vejo com orgulho, Tatiana de Mello Dias na Galileu e o Murilo Roncolato no Link, sob a batuta do atual editor do caderno, Camilo Rocha, darem uma verdadeira aula de cobertura sobre o tema além de frisar de forma didática o que é informação do que é desinformação. Os três foram da minha equipe no Link e tomaram consciência da importância deste tema a partir da cobertura que lá fizemos. Confirma os textos do Murilo e da Tati que explicam detalhadamente a importância do tema, são claros e bem elucidativos. E se ler tá difícil, o Marco Gomes desenhou via Twitter:
Mas ainda temos chão pela frente e o Senado é a próxima parada antes de termos a legislação mais moderna e avançada no que diz respeito à internet no mundo. Claro que no meio do caminho ainda veremos o aumento do jogo de desinformação (como o desserviço que foi esta entrevista no Jornal da Record ou as vítimas desse tipo de análise enviesada reunidas neste tumblr Sabe de Nada, Inocente) e vamos voltar a ouvir falar em asneiras como “controle de mídia”, “cubanização” ou “o fim do Facebook”.
É preciso ter calma, afinal quanto mais perto algo está de ser mudado, mais quem vai sofrer esta mudança esperneia e grita. E isso não diz respeito somente a este tema, como vocês já devem ter percebido…
Sim, a edição de fevereiro é a última edição da Galileu sob minha direção. Fui demitido na sexta passada, em pleno fechamento da edição de março e não faço a menor idéia sobre o futuro da revista. Só sei que, como havia dito na minha retrospectiva do ano passado, esse ano Galileu foi um ano de muito aprendizado, em vários níveis, e saio de lá com a sensação de que o trabalho que vinha fazendo foi interrompido pela metade, mas disposto a seguir com meus planos por conta própria. Já tinha novidades engatilhadas e, agora, fora do escritório, vou poder dar mais atenção e empenho a elas (isso também diz respeito ao próprio Trabalho Sujo). Essa semana ainda estou devagar por motivos pessoais e devo tirar um fevereiro de madame, aproveitando o verãozão e a piscina, mas grandes novidades surgem ainda antes do carnaval. Abaixo, minha última Carta ao Leitor.
SEMPRE TEM: Perguntamos na redação se alguém tinha um iPhone quebrado e o Danilo Saraiva, da Quem, apareceu com esse
Quando foi que deixamos de fazer trabalhos manuais? Quando eu era criança — e nem faz tanto tempo assim —, gostava de montar quebra-cabeças, modelos Revell, carrinho de rolimã, além de abrir equipamentos quando meu pai deixava, normalmente eletrodomésticos velhos. Anos depois, na adolescência, comecei a tocar trombone e violão (não ao mesmo tempo) e a manutenção era uma parte tão importante quanto o uso dos instrumentos. Mas em dado momento as atividades manuais foram diminuindo — e a LER aumentando. O computador tinha entrado em nossas vidas.
Mas mesmo nos primeiros dias do computador, ainda havia alguma interação com a máquina para além da interface. Era preciso montá-lo: reunir peças e transformar HD, processador, pentes de memória, monitor, mouse, teclado e gabinete em um só aparelho. Isso também ficou no passado — e a caixa de ferramentas só sai do quartinho dos fundos quando há algum reparo rápido a ser feito em casa.
O certo é que, com a chegada do computador e da internet, deixamos as atividades manuais em segundo plano — em alguns casos, em terceiro ou quarto. Afinal, a era consumista que vivemos nos permite o luxo de, em vez de procurarmos o defeito, descartarmos o aparelho com problema. Basta lembrar quantos telefones celulares você teve nos últimos dez anos.
Esse luxo tem produzido uma montanha de lixo cada vez maior. E, mais do que isso, tem nos tornado menos práticos e mais dependentes de empresas e assistências técnicas para lidar com problemas que poderiam ser resolvidos em casa.
Mas há uma reação em curso e graças à mesma era digital que nos deixou mal acostumados: muita gente tem se reunido para retomar estas atividades — e consertar seus próprios aparelhos. O movimento “fixer” começou nos Estados Unidos, já se espalha pelo mundo e advoga que, se você não pode consertar seu próprio aparelho, você não é dono dele de verdade. Faz sentido.
Estes consertadores são o assunto de nossa matéria de capa e inspiram reflexões que vão além do descarte e da propriedade de aparelhos com problemas. Eles questionam a obsolescência programada que algumas empresas embutem em suas máquinas para que elas parem de funcionar depois de um tempo. E, como pude perceber, nossa falta de familiaridade com atividades que vão além de cliques de mouse e apertos de botões. Talvez seja o mote que precisamos para deixarmos o mundo virtual em outro plano. Vamos lá?
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
A primeira edição de 2014 da Galileu marca o início do meu segundo ano na direção da revista e cerveja artesanal na matéria de capa – num Dossiê feito pelo Daniel Telles que conta como este mercado está cada vez mais em ascensão, mostrando que qualquer um pode fazer sua própria cerveja. A matéria ainda traz um infográfico elaborado pela Ana Paula Megda, que desenhou as 12 páginas sobre o tema, que ainda conta com um depoimento do escritor Antônio Prata em suas desventuras ao tentar fazer sua única cerveja. Carlos Orsi, em sua coluna Olhar Cético, fala sobre como é fácil fazer previsões para o ano novo, além de assinar uma matéria sobre onde a autoajuda distorce a física quântica para dar ares científicos a um misticismo barato. Laura Knapp visitou o banco de cérebros da USP e explica para que eles dissecam tantos miolos anônimos, a Isabella Sanches escreves sobre como a pornografia via celular está transformando uma geração inteira de “zumbis sexuais”, o fotógrafo Ricardo Lima esteve no 12° Jogos Indígenas, o Ramon Vitral fala sobre a sobrevida de Calvin e Haroldo 18 anos após seu desaparecimento e o Mabuse assina o Novas Ideais sobre a importância de ensinarmos programação de computadores em sala de aula. Ainda há matérias sobre startups que gerenciam cursos livres sobre qualquer assunto para quem está disposto a aprender coisas que nunca havia imaginado, o dia-a-dia de uma aromista, uma mesa que transfere o movimento à distância, a fauna que habita as cidades do planeta, uma mapa dissecado das estradas mais perigosas do Brasil, a coluna do Diogo Rodriguez sobre as mortes de JK, Jango e Lacerda, a queda no preço dos painéis solares, a casa de papelão criada pelo japonês Shigeru Ban, uma explicação científica para a vertigem, a gamificação do Enem e entrevistas com Seth Rosenfeld (que escreveu um livro sobre como o FBI sempre monitorou movimentos sociais e políticos nos EUA, décadas antes do Prism) e com Alexandre O. Philippe (autor do documentário sobre zumbis Doc of the Dead). Pode comprar que eu garanto uma ótima leitura de verão. Abaixo, minha apresentação desta edição:
ROTULANDO: Chamamos o apreciador, sommelier de cervejas e produtor caseiro Pedro Cizoto para dar uma mão e produzir a foto de capa
Muita gente vive reclamando do próprio trabalho. Diz ter escolhido carreiras que mudaram com o tempo ou que não pareciam ser tão tediosas ou puxadas no momento da escolha. Sem contar os que não tiveram opção e pegaram o primeiro emprego que conseguiram. Isso, felizmente, tem mudado.
Cada vez mais gente chega a esta constatação e começa a repensar a vida. A primeira dúvida surge logo após a percepção de que não aguentam mais o emprego em que estão: o que fazer da vida? A resposta mais evidente também traz uma outra dúvida: o que você realmente gosta de fazer?
Para uns, é uma pergunta simples que puxa uma resposta simples (embora “nada” seja uma resposta que não valha para este caso). Particularmente nunca tive dúvidas da minha preferência pelo jornalismo, fé tão inabalável que nem as nuvens negras que pairam sobre a profissão me fazem cogitar outra carreira. Mas muita gente tem dificuldade de saber o que gosta de fazer porque nunca cogitou pensar nisso. Sempre tomou trabalho como algo chato e nunca como a possibilidade de se realizar pessoalmente.
Por isso, talvez seja melhor encurtar a pergunta e tirar o verbo “fazer”: do que você gosta?
Os personagens da matéria da nossa primeira capa de 2014 responderam à pergunta sorrindo: “cerveja!”. E se aventuraram a fazer sua própria bebida, primeiro por hobby, e, aos poucos, transformando o passatempo em ganha-pão.
É o caso do publicitário Pedro Cizoto, que ainda está na fase do hobby. Ele produz duas cervejas próprias — Cachalote e Pretinha — e sua mão estampa a capa desta edição, fixando o rótulo na “modelo” de nossa capa. Pedro é namorado de nossa editora de arte, Ana Paula Megda, que assina o design da reportagem de capa e fez um vídeo mostrando como se produz cerveja em casa — que explicamos no infográfico elaborado pela própria Ana, com ilustrações do Evandro Bertol. É a deixa para você se aventurar por este mundo e, vai saber, descobrir uma nova vocação.
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E já entramos em 2014 à toda. Além do novo site GALILEU (já viu?), também repetimos as parcerias que iniciamos em 2013 com a Campus Party e o Fronteiras do Pensamento. E é só o começo, 2014 promete! Vamos lá!
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
Viram o novo site da Galileu? É o fim de um processo que começou com a entrada da Tati como editora do site, no meio do ano, e deixa a redação a postos para encarar 2014. E para marcar a mudança, resolvemos abrir o conteúdo da matéria de capa da edição com a versão integral dos 25 perfis feitos a partir da seleção dos nomes mais influentes da internet brasileira em 2013. Abaixo, o texto que escrevi para a apresentação deste Estado da Internet 2013.
O Estado da Internet 2013
Os ativistas, humoristas, pensadores, desenvolvedores de aplicativos, legisladores e agitadores culturais que ajudaram o Brasil a sair da internet para as ruas neste ano
O 2013 brasileiro, no futuro, poderá ser resumido às impressionantes cenas das pessoas invadindo as ruas das principais cidades do país naquele já histórico junho. Muito foi teorizado sobre aquele momento, mas há uma leitura que entende os protestos como um período crucial para a cultura digital brasileira. Pois 2013 foi o ano em que a cultura da internet brasileira deixou os monitores e foi para as ruas.
Foi o que percebemos ao apurar a votação dos 25 nomes mais influentes da internet brasileira em 2013. GALILEU reuniu jornalistas que cobrem tecnologia e autoridades em diferentes nichos online (conheça o júri ao final da matéria) para escolher nomes que fizeram a diferença através da rede neste ano. O resultado trouxe nomes que estariam entre os 25 mais influentes em 1999, 2004 ou 2010. Mas, como os protestos, eles não estão mais apenas na internet.
#JUNHO2013: As manifestações do meio do ano não só criaram um novo Brasil, como deram sentido ao uso da internet no país
O principal fato de 2013 no Brasil começou há oito anos, quando o Movimento Passe Livre articulou seus primeiros protestos contra o preço das tarifas de ônibus em Florianópolis e Salvador. De lá para cá, o movimento organizou mais protestos e obteve vitórias, mas nada comparado a junho. E a semente da mobilização aconteceu via internet, cutucando os que antes eram rotulados “ativistas de sofá”, que assinavam abaixo-assinados online, compartilhavam foto e só.
Embora o MPL tenha sido o estopim dos protestos, não foi o único protagonista. O ativismo digital ganhou força e rostos. O paulista Bruno Torturra tornou-se a cara do coletivo Mídia Ninja, que, com câmeras em punho e transmissão 3G, atuou nas trincheiras das manifestações com jornalismo de guerrilha que virou notícia até no exterior. No Rio, o principal nome foi o humorista Rafucko, cujos vídeos sempre tiveram forte conotação política. Mas os protestos, e sobretudo a violência policial, o colocaram na linha de frente, satirizando o estado-violência que se instalou no Rio pelo segundo semestre, transmitindo protestos e confrontando a polícia.
Junho também foi celebrado por velhos conhecidos dos bastidores da rede. Teóricos (os professores Sílvio Meira e Sérgio Amadeu) e práticos (o hacker Pedro Markun) viram, no calor da hora, que o país avançava rumo à maturidade digital. Os três também observaram de perto aquele que talvez seja o grande acontecimento do ano: a denúncia de que o governo dos EUA espiona cidadãos do mundo todo via internet. O escândalo surtiu efeito positivo no país, que voltou a discutir o Marco Civil da Internet, pioneiro conjunto de leis que propõe uma nova regulação da rede. Seu relator, o deputado mineiro Alessandro Molon, destacou-se na defesa do projeto de lei.
A causa gay também reforçou os protestos com dois nomes de peso: um deputado federal e um humorista que mudou de gênero. Mas a homoafetividade não é a principal bandeira de Jean Wyllys e Laerte, que partiam deste princípio para discutir questões que não têm propriamente a ver com sexo — e sim com direitos humanos.
2013 viu o ressurgimento dos coletivos. Movimento Passe Livre e Mídia Ninja podem ser seus representantes mais evidentes, mas estão longe de serem os únicos. Em outras áreas, dá para dizer que este é o motivo de sucesso tanto da ONG de jornalismo Agência Pública e do site de crowdfunding Catarse, quanto da dupla Jovem Nerd e do blog Não Salvo, que conversam com os fãs para produzir conteúdo coletivamente. Os dois também não são novatos, mas 2013 consagrou a expansão de seus domínios, sem deixar a internet de lado, ao contrário de outras celebridades online do passado, que trocaram a rede pela TV. Eles consagram um movimento sem volta: grupos que se fortalecem online e que transformam um hobby em profissão. Agora é possível empreender em causa própria, sem apenas usar a rede como plataforma para outros fins.
A eles juntam-se nomes que lidam tanto com produção de conteúdo quanto com publicidade, como Marco Gomes, da Boo-Box, Guga Mafra, da FTPI Digital, e Felipe Neto, que passou pela febre dos blogueiros e foi para os bastidores. Todos estes passaram pelo festival YouPix, idealizado por Bia Granja, que a cada ano torna-se um dos principais palcos para esta mesma geração.
Mas nenhum deles conseguiu o nível de popularidade do coletivo carioca Porta dos Fundos, que começou bem o ano e terminou-o de forma espetacular, como o quinto canal mais assistido no YouTube no mundo — e sem cogitar ir para a televisão, mesmo recebendo boas propostas.
O ano também foi marcado pela ascensão dos smartphones, que acarretaram uma série de mudanças sociais. Estavam presentes nos protestos, quando manifestantes registravam a beleza da multidão e a violência policial, mas não só. Afinal 2013 foi o ano em que cada vez mais brasileiros acessam a internet pelo celular, pois vimos a a venda de smartphones ultrapassar a de celulares comuns. A maior parte destes aparelhos funciona com o sistema operacional do Google, o Android, departamento liderado pelo brasileiro Hugo Barra, que em 2013 abandonou o gigante da internet para trabalhar com smartphones na China. Os smartphones também foram oportunidades para empreendedores como Tallis Gomes e Paulo Veras, que criaram aplicativos que estão mudando a forma como as pessoas usam táxis nas grandes cidades. A mobilidade urbana foi outro tema importante, não apenas quando falamos do preço de passagens de ônibus.
O clima tenso dos protestos não ofuscou o humor — e além dos já citados Não Salvo, Porta dos Fundos, Rafucko e Laerte, quadrinistas como mrevistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2013/12/alexandra-moraes.html”>Alexandra Moraes (a mãe do Pintinho), André Dahmer (o pai dos Malvados) e Bruno Maron (do Dinâmica de Bruto) também se destacaram. Só Dilma Bolada, personagem fictício inspirado na presidente do Brasil, ainda não deixou a internet, mas isso está nos seus planos para 2014.
Mas isso é outra história. Por enquanto, é hora de conhecer quem foram os principais nomes da internet brasileira neste 2013:
Jovem Nerd: Lambda! Lambda! Lambda!
Pedro Markun: Hackeando processos políticos
Marco Gomes: Quase meio milhão de blogs
Porta dos Fundos: Rindo à toa
Alexandra Moraes: A mãe d’O Pintinho
Alessandro Molon: O relator do Marco Civil da Internet
André Dahmer: O mestre Malvado
Rafucko: Humor não é crime!
Tallis Gomes: Táxis pelo mundo todo
Bia Granja: A internet é um palco
Bruno Torturra: A cara do Midia Ninja
Laerte Coutinho: A vez dela
Jean Wyllis: Voz das minorias
Gustavo Mafra: Propaganda pensada para a internet
Bruno Maron: A hora e a vez do niilismo ativo
Natália Viana: Reportagens, não notícias
Silvio Meira: Inovação de maneira pragmática
Felipe Neto: Para trás das câmeras
Paulo Veras: Corrida cheia
Movimento Passe Livre: O estopim das manifestações de junho
Hugo Barra: Do Google pra China
Maurício Cid: O homem do Não-Salvo
Luís Otávio Ribeiro e Diego Reeberg: Os pais do Catarse
Sérgio Amadeu: Ativismo acadêmico
Jéfferson Monteiro: O homem Dilma Bolada
A Galileu de dezembro chegou às bancas com uma votação que escolheu os 25 nomes mais influentes da internet brasileira, com perfis escritos pela Ana Freitas, Vinícius Félix, Tatiana de Mello Dias, Luciana Galastri e André Bernardo, que entrevistaram nomes como Bruno Torturra, Jovem Nerd, Sílvio Meira, Maurício Cid, Porta dos Fundos, Movimento Passe Livre, Laerte, Jean Wyllis e Dilma Bolada, entre outros. No Dossiê, Marco Zanni descreve o futuro dos carros inteligentes, que dirigem e até se consertam sozinhos. Tiago Cordeiro escreve sobre como a medicina está conseguindo “ressuscitar” pessoas mesmo horas após de suas mortes cerebrais, Guilherme Pavarin mostra gamers que jogam pelo prazer estético, Natália Rangel fala sobre a cultura brasileira da gambiarra (e o que isso tem a ver com criatividade e inovação) e ainda há uma tradução da New Scientist sobre quatro possíveis cenários para o clima no planeta no século 22. Também temos entrevistas com o neuroconomista Paul Zak, que discorre sobre o papel dos hormônios na sociedade, com Luis Von Ahn, que criou uma plataforma de tradução colaborativa, e Robert Greene, que desmistifica a genialidade em seu livro Maestria. A revista ainda traz um artigo sobre porque a violência deve ser tratada como doença contagiosa, os 40 anos de O Exorcista, uma bicicleta que gera energia para si mesma, a vida de um piloto de drone, como funciona a perna mecânica ligada ao sistema nervoso, as carreiras mais procuradas no Brasil, um aparelho que grava tudo que você fala (e pra que serve isso), religiões nos videogames, uma startup em prol da pesquisa científica, qual é a doença mais temida pelos brasileiros, o asfalto que “acende” à noite, uma mudança na prática das cobaias e a dúvida sobre a dormência nas pernas. Em suas colunas, Carlos Orsi fala sobre a estrela de Belém e Papai Noel (sério!) e Diogo Rodriguez explica a bancarrota de Eike Batista. Enfim, muito para ler, descobrir e aprender. Abaixo, a apresentação da edição, que marca meu primeiro ano no comando da revista.
CENAS ESPETACULARES: 2013 nos deu dias tensos e um despertar de consciência cidadã que rendeu imagens icônicas, como as já célebres sombras no Congresso Nacional
O futuro é que vai dizer como vamos lembrar de junho de 2013. Mas é certo que a distância temporal e a perspectiva histórica provam que aquele mês tenso e turbulento ficará para sempre na história do Brasil.
Por motivos bem diferentes que reivindicações políticas ou sociais, os protestos deste ano também mostraram por aqui o extraordinário poder de mobilização da internet. Em anos recentes, ela já tinha feito história no Oriente Médio e norte da África (com a Primavera Árabe no início de 2010); em Londres (nos tumultos de agosto de 2011) e em Nova York (com o movimento Occupy Wall Street, no mesmo mês). Junho de 2013 foi a nossa vez e coincidiu com o momento em que o uso da internet torna-se cada vez mais móvel.
O acesso via smartphones começa a mudar a forma como as pessoas encaram a rede. Se antes nos conectávamos a ela, hoje estamos online o tempo todo. Dizemos “vou entrar na internet” como mero resquício linguístico, da mesma forma que serviços de entrega ainda se chamam de “disque-alguma-coisa” numa época em que os telefones com discos desapareceram.
Estamos conectados o tempo todo, mesmo ao ar livre, longe do escritório e de notebooks e computadores de mesa. Em pouco tempo a internet vai deixar de ser tratada como um universo à parte, uma dimensão paralela, e todos viveremos online sem precisarmos fazer esta distinção.
Talvez esta seja a principal constatação da eleição que fizemos na matéria de capa desta edição. Diferentemente de anos passados, revelações da internet não precisam mais escrever livros, virar apresentadores de TV ou serem reconhecidos pela mídia tradicional para ter suas carreiras chanceladas para o grande público.
Ao reunir estes nomes num mesmo panorama, vemos como o século 21 brasileiro parece promissor. Pois são nomes que não esperam ajuda externa para fazer e acontecer e que servirão de inspiração para muita gente tentar o mesmo. Reunir tanto talento em algumas páginas pode fazer muita gente arregaçar as mangas e decidir mudar sua vida fazendo o que gosta. Assim esperamos.
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E esta é a 12ª GALILEU sob meu comando, o que quer dizer que completo meu primeiro ano como diretor de redação. Agradeço a paciência de todos — leitores e redação —, pois foi um ano de intenso aprendizado, em vários níveis. O novo site GALILEU, que estreia este mês, é o primeiro gostinho de 2014 que iremos sentir. E preparem-se, porque o ano que vem promete. Até lá!
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
Na edição deste mês, trazemos na capa da Galileu uma longa matéria sobre como estatística e tecnologia estão reinventando o futebol para o século 21, numa meticulosa matéria apurada pelo Guilherme Pavarin, que cobre a licença-maternidade da Priscilla na redação do Jaguaré, e pelo Marco Zanni, colaborador da revista. Os dois detalham softwares que ajudam olheiros e técnicos, o desenvolvimento de materiais para a fabricação de uniformes, chuteiras e bola, tecnologias para prever e prevenir lesões, além de permitir o acompanhamento preciso da saúde de cada jogador, e concluem a matéria com a opinião do doutor Tostão sobre o avanço da ciência nos gramados. A revista ainda traz matéria do Vinícius Cherubino sobre resenhas falsas em sites de compras e de indicações, outra do Diogo Rodriguez sobre a controversa adoção do xisto como fonte de energia, uma matéria da New Scientist sobre os superpoderes dos animais e um papo que bati com o Peter H. Diamandis, da X-Prize Foundation. O André Bernardo escreve sobre autores que adotam pseudônimos, o Tiago Cordeiro relata as sweatshops digitais e uma matéria do Felipe Turion explica como o Brasil pode avançar ainda mais no combate ao fumo ao abolir os cigarros com sabor. Em sua coluna, Carlos Orsi critica o endeusamento da autoestima, a seção Numeralha mostra como estão os avanços ao combate da fome no planeta e a coluna Urbanidade apresenta sobre uma “madeira sintética” produzida a partir de lixo reciclado. Ainda temos matérias sobre como funciona o carro movido a ar, sobre o saneamento contra germes feito com a luz solar, sobre uma startup que faz curadoria de conhecimento, uma entrevista com o diretor do Instituo Franhofer, outra como ex-ministro da educação na França, Luc Perry, sobre a importância histórica do conceito do amor, sobre uma ONG que ensina a construir aquecedores baratos, sobre como se desenvolvem as pedras nos rins e um artigo sobre o futuro das escolas. Nessa edição trazemos duas capas complementares e a extinção da seção CPF, preparando para mudanças mais radicais em breve, como explico na carta ao leitor deste mês.
BOLA DIVIDIDA: A edição que você tem em mãos traz apenas uma das metades da capa sobre futebol. Abaixo seguem as duas versões lado a lado, complementares
Na edição de aniversário da revista, quando comemoramos 22 anos de GALILEU no início deste semestre, comentei que veríamos, nos meses seguintes, mudanças mais drásticas em nosso ecossistema. Começamos mudando com o acréscimo da Agenda e das colunas Sem Dúvida e Olhar Cético e neste mês vamos além com a morte do CPF. Criada para abrigar perfis e entrevistas no início da revista, ela ficou apertada quando colocamos as novas seções na edição de agosto e optamos por trazer o conteúdo desta seção para o PSC, que segue firme e forte, agora com matérias sobre pessoas que estão mudando os rumos do conhecimento.
Outra novidade desta edição é que começamos a experimentar nas capas. No mês passado, quando estávamos decidindo qual seria a imagem que apareceria no crachá estampado sob o logo da revista, chegamos às duas inevitáveis opções: publicar a foto de um sujeito ou de uma moça. A matéria sobre o futuro do mercado de trabalho não afetaria um ou outro gênero, ambos os sexos sentem as transformações que já estão em curso na maioria das opções. Até que o Fábio, nosso diretor de arte, cogitou: “Por que não fazemos com as duas?” — e a revista foi para as bancas com o sujeito e a mocinha, em duas versões da capa que alguns jornaleiros tiveram a esperteza de colocá-las lado a lado.
Daí quando começamos a pensar na matéria de capa desta edição — sobre como o futebol está mudando graças às intervenções da estatística e da tecnologia —, cogitamos em como ilustrar as transformações que estão mudando a cara do jogo na capa da edição. E foi o Tiago, nosso redator-chefe, quem considerou a possibilidade, usando duas capas, de mostrarmos a transição que está ocorrendo às vésperas da Copa do Mundo no Brasil: que o futebol está deixando de ser a proverbial caixinha de surpresas para ganhar contornos de ciência exata. Duas capas complementares, que formariam uma mesma imagem. Por isso a bola dividida em duas capas, à quais o Fábio acresceu linhas matemáticas para dar o tom mais preciso da mudança.
GALILEU é uma publicação que preocupa-se com este tipo de transformação, por isso é natural que ela mesma esteja em constante mudança. No mês que vem, quando completo minha décima segunda edição (portanto, um ano) à direção do título, traremos ainda mais novidades e não apenas nas páginas da revista.
Mas isso é papo para o mês que vem, depois falo melhor sobre isso — mas aposto que você vai gostar de saber desta surpresa.
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
Na Galileu deste mês, que já está nas bancas (com duas capas diferentes), falamos que as mudanças que mudarão a cara do mercado de trabalho do futuro já estão virando as profissões atuais do avesso. O Tiago Cordeiro traz uma extensa matéria sobre o futuro do trabalho hoje, para quem está às vésperas de entrar na faculdade ou querendo mudar de ramo depois de anos numa mesma área. Além disso, entrevistei a viúva de Stanley Kubrick sobre a exposição que estréia em São Paulo em homenagem ao diretor, o Rafael Tonon escreve sobre uma cidade que criou um sol artificial, além de explicar o que é gentrificação e como ela está mudando a cara das cidades no mundo todo. A Ana Freitas explica o que é o Wi-Vi, que usa ondas Wi-Fi para ver através das paredes e a Luciana Galastri entrevistou, na Rússia, o papa da segurança digital do país, Eugene Kaspersky. Traduzimos uma matéria da New Scientist sobre mitos da saúde, o Alexandre Rodrigues conta a eterna saga em busca do moto-contínuo, o Carlos Orsi fala de Atlântida e o Diogo Rodriguez sobre armas químicas. A Tatiana de Mello Dias escreve sobre os hackers que querem reescrever a constituição brasileira, o Ramon Vitral entrevistou o brasileiro diretor do filme The Flying Man e falamos da onda de bons filmes de ficção científica no cinema americano (como Elysium, Gravidade, o novo Robocop e o filme que os Wachoswki irão lançar no ano que vem). Ainda há o atlas do grafitti no mundo, o personal trainer dos olhos, uma startup que cuida do tempo que você não tem livre, um brasileiro que inventou uma lâmpada de garrafa pet, um helicóptero movido a propulsão humana, a taxa de poluição de todos os países do planeta, esterco que gera eletricidade, a Copa mexendo com as startups brasileiras, doenças autoimunes e um pesquisador que quer a proibição do boxe e do MMA. Abaixo, a Carta que escrevi no início da edição (e um dos meus salves à passagem de um grande amigo).
AQUELA VELHA MÁQUINA DE ESCREVER: Uma relíquia do século passado, minha Lettera 82 portátil me lembra das constantes mudanças que mexeram na profissão
Sou do tempo em que se fumava em redação. Não cheguei a ver máquinas de escrever em ação, embora tenha minha própria máquina de escrever, em que escrevia os trabalhos na faculdade e os primeiros frilas — a velha Olivetti Lettera 82 repousa hoje solene à entrada do meu escritório em casa (ao lado). Comecei a frequentar redações no momento em que os computadores começaram a invadi-las. Eram computadores com monitor de fósforo preto, terminais ligados a um servidor central da redação. Permitiam que se escrevesse num processador de texto, programado ainda nos anos 80.
De lá para cá, vi a internet entrar na redação, o telex ser aposentado para ser substituído pelo fax, a chegada dos e-mails, o milagre que pareciam ser os primeiros laptops, que permitiam que o repórter escrevesse a matéria entre o fato apurado e a redação. Vieram os blogs, os telefones celulares, as redes sociais e o modem 3G. O filme das fotos foi aposentado, programas de diagramação e ilustração foram substituindo métodos analógicos de riscar páginas.
Estas transformações não foram sentidas apenas no jornalismo. Qualquer profissão foi drasticamente transformada com a chegada dos computadores, da internet e das mídias digitais. Pergunte a qualquer um que, como eu, tenha quase duas décadas de trabalho na mesma área e confirme: o mundo era bem mais tacanho e menos divertido no final do século passado.
Mas essas mudanças não param e, nesta edição, nos dedicamos a mostrar que a natureza do trabalho entrou numa mutação constante, em que poucas coisas são dadas como certas. O repórter Tiago Cordeiro e o redator-chefe Tiago Mali se debruçaram em estudos sobre os profissionais do futuro e o resultado está na matéria de capa, que pode assustar os incautos, mas olha com otimismo para os dias que virão. Pode ser que em pouco tempo eu possa dizer com a mesma naturalidade que abri esta carta que “sou do tempo em que existia redação”. Mesmo porque o cigarro eu já estou disposto a abandonar em 2013.
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Termino esta carta despedindo-me de um amigo que foi embora cedo. Conheci o carioca Fred Leal (1982-2013) em 1999, quando ele ainda era adolescente e eu tinha 20 e poucos anos e colaboramos juntos tanto online (quando escreveu no site da Play que editava em 2002) e no impresso (quando o convidei para entrar na equipe do Link Estadão que editava). Não colaborou com a GALILEU por pouco e deixa, além da saudade, uma lição de amor à vida. Um abraço, meu irmão.
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
Mais uma Galileu nas bancas e esta com a capa escrita por nosso redator-chefe, Tiago Mali, que viajou pelo Brasil para investigar o problema dos agrotóxicos no país – falo mais sobre esta matéria no editorial abaixo. Além desta matéria, o Felipe Pontes foi para Londres ver o tal hambúrguer feito de células-tronco, o Rafael Cabral entrevistou o Gavin Andresen do Bitcoin, a Tatiana de Mello Dias escreveu sobre os precursores da mídia de guerrilha, o Centro de Mídia Independente, a Luciana Galastri visitou um hotel-hospício no Rio de Janeiro, o Ramon Vitral entrevistou o Chris Ware e falou da nova série da Marvel, Agents of S.H.I.E.L.D., o nosso Dossiê fala sobre a felicidade possível do ponto de vista da ciência, Fausto Salvadori Filho escreve sobre os cypherpunks, o Carlos Orsi fala sobre a Síndrome do Nobel (que emburrece alguns vencedores do prêmio) e ainda falamos da influência das emoções no sistema digestivo, da invenção de um olho biônico, da ascensão da pedocracia, dos cursos online oferecidos pelas universidades brasileiras, sobre os extremos do Brasil, sobre a startup Samba Ads, sobre como é ser comandante de submarino e da relação do Google com o século 19. Revista linda, cheia de matérias foda escritas por jornalistas apaixonados pelos assuntos que escrevem. Pode comprar que eu garanto. Abaixo, minha Carta ao Leitor, que abre a publicação.
EM CAMPO: Nosso redator-chefe Tiago Mali entrevista moradores da cidade de Rio Verde (GO), durante a apuração que fez para a matéria de capa desta edição
Quando assumi a direção da GALILEU no fim do ano passado, tinha uma dupla preocupação: uma inquietação em saber como poderia me encaixar no histórico da revista sem atropelar as vontades e anseios da redação que encontrei. E qual foi minha surpresa ao descobrir que teria como principal interlocutor nesta etapa o redator-chefe Tiago Mali.
Entre os integrantes da redação, Tiago é um dos mais antigos na casa: foi editor do site, depois editor da revista e, finalmente, no começo de 2012, assumiu o cargo que ocupa atualmente. Seria fácil entrar em conflito em relação à linha editorial, mudanças estruturais ou abordagens jornalísticas, mas ocorreu justamente o oposto: a cada questionamento que fazia com ele em relação ao que pretendia fazer com o título, Tiago se dispunha a entender o que eu estava propondo e colocar as minhas preocupações em perspectiva quanto ao histórico da revista.
Mais do que isso: encontrei um senhor profissional. Um cara que entende a necessidade de um novo jornalismo, que em vez de temer o digital, o abraça, e que, ao mesmo tempo, preza pelos valores básicos da profissão. Ao mesmo tempo em que se dispõe a falar e trabalhar com o jornalismo de dados, uma das vertentes mais radicais e empolgantes de nossa área no século 21, também reconhece e anseia pela reportagem em si, de ir para onde a notícia está e apurar fatos direto dos protagonistas das grandes matérias.
E antes mesmo de fechar minha segunda edição, no início do ano, perguntei que matéria ele gostaria de fazer. Tiago nem pestanejou: queria falar do problema dos agrotóxicos no Brasil. Assim, investimos em viagens para lugares distantes no país para termos uma reportagem literalmente em campo. Apurada por seis meses, nossa matéria de capa é um esforço exemplar do tipo de jornalismo que queremos fazer aqui na GALILEU: vivo, atual, humano, incisivo e que reflete-se na vida de cada um de nós.
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Outra novidade desta edição está na seção Ecossistema — a partir deste número, começamos a falar dos profissionais que ajudam a GALILEU a ser o título que é.
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E já que estamos falando de nossa equipe, termino esta Carta parabenizando publicamente nossa editora Priscilla Santos pelo nascimento de sua filha Clara, que chegou ao mundo em julho. E aproveito para dar as boas vindas ao Guilherme Pavarin, que também já pertenceu à equipe da revista, e que voltou à redação para cobrir a licença-maternidade de Priscilla.
Alexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br
A edição de agosto da revista Galileu é também a que comemoramos o 22° aniversário da publicação – e ela começa a apresentar uma série de novidades que acompanham a data, como a estréia das colunas de Diogo Rodriguez (Sem Dúvida) e Carlos Orsi (Olhar Cético) e da seção Agenda, editada pela Tati – que eu trouxe do Estadão para assumir o cargo de editora do site da Galileu. A revista traz na capa uma matéria do Rafael Tonon sobre consciência e direitos dos animais, um debate cada vez mais presente em nosso dia-a-dia. Ainda temos matérias sobre a legislação digital no Brasil, como o Marco Civil da Internet se arrasta em trâmites burocráticos e a relação disso tudo com o escândalo revelado por Edward Snowden, esta também escrita pela Tati; uma reportagem sobre a única Copa do Mundo cancelada da história (e a relação deste caso com a Copa no Brasil no ano que vem); outra sobre os 10 anos da explosão da base espacial de Alcântara; uma entrevista que o Tiago Mali fez com o António Damásio sobre cérebro, sentimentos e emoções; outra que eu fiz com o James Gleick, sobe o volume de informação que nos assola e seu livro mais recente; uma matéria sobre os problemas em dormir aos poucos; um artigo sobre como o bullying entre irmãos é pior do que aquele entre colegas de escola; o escritor que criou um método coletivo de escrever livros que o levou ao posto de escritor mais rico dos Estados Unidos; as confissões de uma sociopata; como grandes pastos salvarão o planeta; uma organização que faz pornografia para melhorar o meio ambiente; babás de cachorros; a rotina de um “papirologista”; juízes artificiais; a saúde do jovem brasileiro em números e a diferença entre gripe e resfriado. A revista está excelente, à altura de seu legado, como explico na carta ao leitor deste mês.
GALILEUS: Nestes 22 anos a revista tratou de assuntos diferentes (afinal, tudo pode ser abordado pela ciência), sem perder a seriedade e o compromisso com o bom jornalismo
Em agosto de 1991, morava com meus pais em Brasília e cogitava por alto a possibilidade de ser jornalista, ainda no segundo grau. Em setembro de 1998, já morava em Campinas e trabalhava na redação de um jornal. Em agosto de 2013, já tenho mais tempo morando em São Paulo do que na minha cidade, quase 20 anos de profissão e passagem por cinco redações diferentes. Mas o que une estes meses não tem nada a ver com a minha biografia, e sim com a da GALILEU. Em agosto de 1991 era lançada a revista Globo Ciência, que, em setembro de 1998, se transformaria na GALILEU para, agora, em agosto de 2013, completar 22 anos.
Assumi a direção da revista no final de 2012 ciente dos desafios do novo cargo e da necessidade de expandir os horizontes do título. Mas sempre soube da importância da revista, que mantém um legado incomensurável.
Tenho esta consciência e espero estar fazendo boas contribuições para esta história. Afinal, estes 22 anos viram centenas de colaboradores passarem por estas páginas: jornalistas, repórteres, editores, designers, ilustradores, fotógrafos e infografistas (além de inúmeros convidados) que ajudaram a erguer a reputação da revista mais séria do Brasil quando o assunto é ciência, tecnologia, cultura e comportamento.
Nosso compromisso é com a apuração, com a seriedade na abordagem, o tom sóbrio que não perde a leveza. Repare: o humor da revista não apela, não forçamos títulos para ser engraçadinhos nem tratamos o público feito adolescente — mesmo os adolescentes que nos leem. É uma revista que prima pelo apuro visual e unidade gráfica, que trata de assuntos complexos com clareza e respeita a inteligência do leitor.
São também valores do bom jornalismo, mas nem todas as publicações nesta área prezam por isso. Seria muito fácil, por exemplo, colocar um cachorro fofinho na capa desta edição. Mas falamos de consciência animal e ciência — e no lugar do cachorro, veio a mosca, posando como o Pensador de Rodin. Afinal, como você verá na matéria do repórter Rafael Tonon, as moscas também se concentram.
Nesta edição, começamos uma mudança um pouco mais drástica em relação a que assistimos desde que assumi a direção da revista. Temos duas novas colunas (Olhar Cético e Sem Dúvida, esta última ressuscitada — sua versão original existe desde a primeira Globo Ciência) e a seção Agenda, que trazem os assuntos da revista para o dia a dia do leitor. Outras novidades virão nos próximos meses. Vamos lá!
Alexandre Matias
Diretor de Redação
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