Mais uma edição do meu programa sobre música brasileira, dessa vez conversando com um selo. Acompanho o trabalho do Fernando Dotta e do Rafael Farah à frente da Balaclava Records desde quando o selo era só uma ideia e é muito legal vê-los crescendo e completando uma década que mexeu bastante com o indie rock brasileiro. O aniversário de dez anos vai ser comemorado neste fim de semana, quando eles realizam a edição comemorativa do Balaclava Fest no Central nos dias 23 e 24 de abril (ingressos aqui) com uma edição sem nenhum artista internacional e contando com todos os nomes do selo, além de artistas que orbitam ao redor deste, preparando também algumas surpresas para o evento – algumas delas eles antecipam nesta entrevista (outras eles anunciam em suas redes sociais, segue lá).
Um ano que é quase uma década…
Arlo Parks – “My Future”
Thundercat – “Innerstellar Love”
Grandaddy – “The Crystal Lake (Piano Version)”
Thiago França – “Dentro da Pedra”
Josyara + Giovani Cidreira – “Estreite”
Fleet Foxes + Tim Bernardes – “Going-to-the-Sun Road”
Leveze + Fernando Dotta – “Voraz”
Cut Copy – “Like Breaking Glass”
Jessie Ware – “Ooh La La”
Dua Lipa – “Break My Heart”
Letrux + Lovefoxxx – “Fora da Foda”
Caribou – “You and I”
Bob Dylan – “False Prophet”
Pelados – “Entalhado na Carteira”
Boogarins – “Espera Fala de Novo”
Tame Impala – “Borderline (Blood Orange Remix)”
Angel Olsen – “Lark Song”
Entrevistei Fernando Dotta e Rafael Farah para a revista Trip, fundadores da Balaclava Records, núcleo de produção indie que, com a nova edição de seu festival, dá passos firmes para se estabelecer como um dos principais players do mercado independente brasileiro. Um trecho da conversa com os dois:
O selo ainda contou com a sorte ao fechar a vinda de sua primeira turnê com um artista gringo poucos meses antes de seu disco projetá-lo para um público maior: “Foi um choque”, lembra Dotta. “Era uma aposta, a gente fechou o show dele um mês antes do lançamento do disco Salad Days e o disco tinha acabado de vazar na internet. No dia do show todas as pessoas estavam cantando todas as músicas no Sesc Belenzinho”. Farah completa ao lembrar de outro momento emblemático com o indie alto astral. “Um ano depois tínhamos a Audio lotada para ver o show dele e uma turnê que passava por sete cidades do Brasil — e isso só um ano depois do primeiro show. E o mais legal foi que o Mac era o único headliner gringo e o povo chegou cedo, pra ver as outras bandas brasileiras”.
A segunda vinda de DeMarco para o Brasil foi na segunda edição do Balaclava Fest, que o selo lançou em abril de 2015 no Centro Cultural São Paulo, ao trazer o fundador do Superchunk e dono da gravadora Merge para apresentar-se sozinho em São Paulo. Em novembro daquele ano, trouxeram Mac DeMarco acompanhado de artistas como Mahmed, Terno Rei, Séculos Apaixonados, Jovem Palerosi e Nuven. As outras edições do Balaclava Fest trouxeram o Swervedriver (no Cine Joia, em maio de 2016), Mild High Club (no Clash Club, em novembro daquele ano), Slowdive, Clearance e Widowspeak (no Cine Joia, em maio de 2017) e Washed Out e Homeshake (no Tropical Butantã, em novembro do ano passado), além de uma edição em Porto Alegre (com Yuck e Tops, em novembro de 2016). Todas as edições do Balaclava Fest contaram com pelo menos duas bandas brasileiras em cada show, e não apenas bandas que pertenciam ao selo. Além dos artistas do festival, também fizeram shows do Sebadoh e do Tycho, além de levar as bandas Câmera e Terno Rei para tocar no festival espanhol Primavera em 2015.
Mas eles sabem que não conseguiriam fazer o que fazem se não fossem os pioneiros do rock independente brasileiro, como o selo carioca Midsummer Madness, que citam como referência. “Um cara que nos ajudou muito foi o [produtor mineiro Marcos] Boffa, que nos ajudou muito e deu várias consultorias, e também o [produtor sergipano] Bruno Montalvão, que já tinha uma expertise de produção, a gente não sabia como começar uma planilha”, reconhecem. Mas mesmo estando numa fase relativamente estável, sabem que não é fácil. “É mais insistência. A gente sabe que não pode deixar a bola baixar, porque senão acaba”, resume Dotta.
A íntegra pode ser lida aqui.
É impressionante o ritmo de crescimento da Balaclava. A antiga “gravadora dos Single Parents” afirma-se cada vez mais como um dos principais agentes do novo cenário independente brasileiro, apostando num cânone alternativo que estava se tornando cada vez mais nichado: o indie. A produtora e gravadora aposta em shows internacionais e artistas brasileiros que fazem parte dessa formação que une tradições inglesas e norte-americanas de fugir do mainstream tanto em termos de sonoridade quanto de atitude e aos poucos reacende um interesse do público que já está formado há duas décadas quanto um de outro que está acabando de começar. Fernando Dotta e Rafael Farah coroam um ótimo 2015 trazendo dois artistas de peso internacional dentro da área de escopo do selo. Realizam o segundo Balaclava Fest no ano com a presença do mesmo Mac DeMarco que trouxeram minutos antes de ele explodir lá fora, no início do ano passado, e realizando a primeira vinda brasileira da banda Thee Oh Sees, uma das maiores bandas de rock desta década. Tudo sem abraçar a lógica do crescimento pelo crescimento puro e simples, apostando nessa referência estética da cultura indie como espinha dorsal. Conversei com o Dotta por email sobre a situação atual do selo/produtora.
Segundo Balaclava Fest em um ano? Vai ser assim, vão fazer o festival sempre que der vontade?
O conceito do Balaclava Fest surgiu por acaso, numa informalidade que gostamos e abraçamos de vez. Na primeira edição, em abril deste ano no CCSP, a ideia era simplesmente produzir um show do The Shivas – que trouxemos para turnê pelo país – com uma banda do nosso casting. Na mesma época, estávamos em conversa com Mac McCaughan e veio a possibilidade de lançar seu álbum Non-Believers no Brasil, então não queríamos perder esse timing ideal e decidimos trazê-lo também. Duas noites seguidas, mesmo formato e espaço… Nasceu então nosso minifestival. Chamarmos de Fest vem duma intenção de desmistificar essa ideia de que festival precisa ser longo, cansativo, muitas atrações, preço inacessível. Não depender de um formato único torna viável realizar quando é conveniente, num período e condições boas para todos.
Vocês trouxeram o Mac DeMarco algumas semanas antes do hype dele estourar la fora. Foi mais complicado trazer dessa vez? O fato de ele conhecer o trabalho de vcs ajudou na negociacao?
Trazer o Mac DeMarco ano passado foi uma aposta, nossa primeira experiência em produção internacional, junto com nosso parceiro Bruno Montalvão, da Brain Productions. Tínhamos uma noção de que um bom público acompanhava o trabalho dele por aqui, mas não tínhamos como prever shows esgotados, com o público cantando todas as músicas, inclusive as do até então não-lançado álbum “Salad Days”, que vazou dois meses antes.
A turnê toda ter corrido muito bem e termos criado uma ótima relação com a banda e empresária, com certeza foram pontos essenciais na negociação de uma nova vinda deles ao país. É mais complicado agora porque os valores são outros, dado a dimensão do sucesso dele, e a agenda de shows complicada, tendo que achar um período exato que funcionasse tanto para eles quanto para nós e todos produtores aqui.
Como eh trazer bandas gringas para o Brasil em tempos de dólar alto?
É muito complicado e o risco é grande. Por mais que a Balaclava mantenha um ritmo constante de shows internacionais, cada produção é estudada com muita atenção e alternamos entre bandas mais consolidadas e apostas menores. Uma produção tem muitos custos fixos e necessários, então é difícil quando o público não entende que não é mais possível cobrar ingresso barato sem grandes incentivos ou patrocínios, que sempre são muito disputados e difíceis de conseguir. Todo mundo acaba se prejudicando com esse dólar alto. Explicar a um agente gringo que o dólar está explodindo no Brasil e que os valores não podem ser os mesmos negociados há meses atrás pode arruinar uma longa relação. As bandas, empresários e agentes que entendem nosso mercado e essa situação atual são as bandas que escolhemos trabalhar, que apostam numa vinda para ampliar seu alcance, seu público, vender mais merchandising, estar presente na imprensa, que gera um efeito dominó de bons resultados.
E como foi negociacao com pra trazer os Thee Oh Sees?
Desde que começamos a produzir shows, trazer o Thee Oh Sees já era uma vontade, mas tínhamos outras prioridades e a agenda da banda sempre foi muito difícil. O grande estalo veio em maio deste ano, quando participamos do Primavera Sound em Barcelona e assistimos o show deles na Sala Apolo – talvez melhor casa de show do mundo? -, numa noite extra do festival um dia após o encerramento. Eu sempre falo que a sensação de estar ali é igual ver aqueles vídeos épicos de shows do Nirvana e Mudhoney em 91. Era um mar de crowdsurfing, mosh, todo mundo pulando ou mexendo a cabeça, som alto pra cacete com pressão, dois bateristas no palco em sincronia, John Dwyer incansável, uma música atrás da outra quase sem pausa. Cara, fiquei realmente impressionado. Eu e o Rafael, meu sócio, saímos dali querendo assinar contrato na mesma hora. Foi até que rápido o processo todo, porque uma agente no Chile já estava em conversa com a banda e nós estávamos 100% dispostos a fazer acontecer aqui.
O que mais voces vao fazer em 2015? Mais shows? Bandas novas? Discos novos?
Temos alguns lançamentos nacionais e gringos planejados para esse ano, alguns já anunciados como Homeshake, Yonatan Gat, Meneio e Supercordas, além de outras novidades. Nós além de lançarmos, nos envolvemos em produzir shows e turnês para a maioria das bandas que trabalhamos aqui no Brasil, então isso demanda um bom tempo também. Além do Thee Oh Sees em outubro e Mac DeMarco em novembro, pode surgir algum outro show internacional, estamos negociando.
Quais os planos de vcs para 2016? Alguma coisa que vocês ainda nao fizeram?
Nós nos esforçamos diariamente a produzir cada vez mais conteúdo e novidades, já estamos pensando no primeiro semestre de 2016. Uma nova edição da Sacola Alternativa, mais shows, novos projetos com música e produção, novas turnês e lançamentos. Há muita coisa encaminhada e outras possibilidades que vão surgindo no caminho. Não temos ainda um patrocinador para entregar um certo número de shows num período de tempo, o que nos dá uma insegurança financeira, mas também abre espaço para improvisar e trabalhar em oportunidades mais imediatas. Estamos nos estruturando mais internamente e fortalecendo boas parcerias, 2016 já vai começar no gás total pra nós.
Essa é a última semana para as inscrições na terceira edição do curso que coordeno no Espaço Cult, aqui em São Paulo. E para me ajudar a falar dos problemas e soluções da profissionalização musical na edição deste semestre do Ecossistema da Música no Século 21 reuni nomes que já passaram por edições anteriores (Evandro Fióti, Roberta Martinelli, Miranda, Fabiana Batistela, Marcos Boffa, Renata Simões, Mariana Piky, Mercedes Tristão e Tiê) a novos professores (Leonardo Lichote, Heloisa Aidar, Adriano Cintra, Fernando Dotta, Sarah Oliveira, Maurício Bussab, Tejo Damasceno e Rica Amabis) para contribuir ainda mais com o diagnóstico em aberto – e colaborativo – do que está acontecendo com a música desde a virada do século. As inscrições podem ser feitas até sexta-feira no site do Cult.
O pai do Hüsker Dü está entre nós e toca hoje e amanhã na choperia do Sesc Poméia. O Fernando Dotta, do Single Parents, o entrevistou antes de ele chegar ao Brasil e ele falou sobre método de composição, sua autobiografia e bandas novas (ele curte Toro y Moi!). Dá uma sacada:
A transcrição traduzida da entrevista segue abaixo:
O Newsrama descolou essa entrevista do velho bardo ainda em seus anos dourados, em 1979, e cogitou essa hipótese:
O pior é que parece mesmo… A dica foi do Dotta.
E eu aqui esperando o revival dos 90 ganhar corpo, mas pelo visto…
Dica do Dotta.